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Ideologia e Autonomia: uma análise da trilogia Matrix.

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS CIÊNCIAS SOCIAIS – LICENCIATURA

JOSÉ WALDEYR SANTOS ADELINO

IDEOLOGIA E AUTONOMIA: UMA ANÁLISE DA TRILOGIA MATRIX

NATAL/RN 2019

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JOSÉ WALDEYR SANTOS ADELINO

IDEOLOGIA E AUTONOMIA: UMA ANÁLISE DA TRILOGIA MATRIX

Monografia apresentada como trabalho de conclusão de curso da licenciatura em ciências sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Orientação: Prof. Dr. Alexsandro Galeno Araújo Dantas

Natal/RN 2019

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JOSÉ WALDEYR SANTOS ADELINO

IDEOLOGIA E AUTONOMIA: UMA ANÁLISE DA TRILOGIA MATRIX

Monografia apresentada como trabalho de conclusão de curso da licenciatura em ciências sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Aprovado em: ___/___/_____

Banca Examinadora

Prof. Dr. Alexsandro Galeno Araújo Dantas

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Orientador)

Prof. Dr. Alípio de Sousa Filho

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Examinador)

Prof. Dr. Fagner Torres de França

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DEDICATÓRIA

Lembro-me nitidamente de uma imagem da minha infância. Não frequente, mas, insistia em se repetir em dias variados daqueles ditos inicios de tarde, horário em que eu me encaminhava pós almoço, para a escola Estadual Sérvulo Pereira de Araújo, no então ensino fundamental II. Era meu pai, que se despedia de mim, com uma frase que só pude compreender seu significado real, anos depois.

Dizia ele: “Estude, para ser um doutor”.

No Brasil do século passado, os indivíduos que deixavam suas casas para estudar em universidades e que assim retornavam as suas cidades, ganhavam o título de “doutor” ou no diminutivo “doutorzinho”. Não se queria expressar com isso, títulos acadêmicos, mas um reconhecimento dado aqueles poucos que possuíam “estudo” e se tornavam um pouco mais cultos. Ou em outro sentido popular que até hoje existe, referindo-se aos médicos, os chamam de “doutores”. Entretanto, nenhum deles dos dois casos aqui, era o do meu pai.

Estude para conseguir realizar seus sonhos, para viver, ser livre, alcançar seus objetivos. Era isso que meu pai, no fundo, queria dizer. Sabia muito bem ele, ao dizer isso, mesmo não possuindo completas as fases bases do ensino (pois, a vida de trabalho desde cedo o impediu), que só através do estudo é que transformamos nossas vidas para melhor.

Dedico, portanto, esse trabalho a um homem sem títulos acadêmicos, porém, com um acumulo de conhecimento que jamais terei. É apenas o mínimo dado a alguém que dedicou a vida inteira pelos filhos. Agora tens mais um filho formado, pai, e quem sabe um dia, nos degraus que pretendo alcançar, um doutor. A você meu pai.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a minha família, pai, mãe, irmão e irmãs, que me apoiam na trajetória da minha vida. A minha irmã Waleska e seu marido Eugênio, pelo acolhimento em sua casa, onde passei algum tempo. E pela doação de uma pequena biblioteca de valor incalculável, anteriormente passada pelo meu primo mestre e em breve doutor, Robson, o qual tenho grande apreço e que também, é um grande cientista social, passou para Waleska e que agora, encontra-se sob minha posencontra-se.

Aqueles que não esquecerei jamais, é com carinho que reconheço a importância que foi dividir, moradia, contas, além de boas e más experiências. Demonstrar minha gratidão é o mínimo aos meus amigos. Vivenciamos grandes momentos, como também, desavenças saudáveis. Morarmos juntos, nos proporcionou liberdade, de fardos, sofrimentos, coisas que evitamos, e compartilhamos, como bons amigos, o peso de alguns problemas. Amadurecemos juntos. A Cleyson e Luciane, muito obrigado!

Aos meus colegas do Programa de Educação Tutorial (PET) o meu carinho. Foi lá que consegui desenvolver minha identidade, devo isso a eles, e ao professor dr. Alípio, também, tutor do programa PET. Nas suas palavras: “O PET deve ser um grupo de excelência”. Lugar que me fez muito bem. Agradeço, também, ao meu orientador professor dr. Galeno, pela paciência e orientações, por controlar minha fome de estudos, ao tentar trabalhar um número grande de autores e conteúdos ao mesmo tempo. É uma ânsia do “querer mais” da juventude, que não deve ser nunca podada, mas direcionada. Aos professores que tive o prazer de assistir suas aulas, drª Ana Patrícia, dr. Lincon Morais, drª Leilane Assunção, dr. Luiz Assunção, dr. Gabriel Vitullo, dr. Fagner França, dr. Carlos Eduardo, drª Mikelly Gomes, professora do meu estágio e que me ajudou bastante na minha formação. Aos professores já citados, agradeço mais do que só a maneira de ministrar aulas, mas, a vontade, o amor e o prazer em assim faze-las. Acredito que assim deva ser, por amor, aos estudos e ao ensino.

É claro, apesar do meu ateísmo, por respeito a minha família católica e conhecidos, não poderia mesmo assim, deixar de agradecer a deus, mas claro, como corpo, organismo, enfim, representação social. Pois, não nego a inexistência de energias que regem a vida. É a dúvida e a falta que nos move ao além, as descobertas, ao conhecimento. Obrigado a todos os meus amigos, familiares e ao apoio de Dani, minha companheira no amor e na ciência.

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Resumo:

Esse trabalho, é um esforço voltado para analisar principalmente os conceitos de ideologia e autonomia, utilizando como objeto de estudo, a sequência dos três filmes Matrix. Para tanto, será apresentado os significados dos elementos presentes no mundo simulado, intitulado como a matrix, para suscitar interpretações sobre o significado dos conceitos de ideologia, autonomia, heteronomia e algumas noções de liberdade presente tanto em teorias, como em sistemas estruturais da vida social. Utilizou-se como arcabouço teórico principal, as análises de Marx, Alípio DeSousa, Morin, Castoriadis, Bourdieu e Passeron. Dessa proposta, encontra-se similitudes entre a matrix e a ideologia nos seus aspectos de autodefesa, viu-se, também, semelhanças com as fases de desenvolvimento econômico, político e social, comparada com a projeção de uma revolução continuada chegando a uma sociedade comunista, que excluiria os discursos contrários aos seus. Nesse dado momento, o debate converge para a possibilidade ou impossibilidade de excluir o discurso do outro totalmente dos indivíduos, esvaziando os discursos externos. Procura-se, enxergar a coexistência ou não das coisas, como revolução e conservação, autonomia e heteronomia, homens e máquinas, com o auxílio da observação teórica dos filmes e das estruturas humanas de vida. Ao fim, problematiza-se sobre a escolha do filme como objeto de estudo e qual a importância dele para analisar, problematizar e refletir sobre a sociedade e as coisas presentes nela.

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Abstract:

This essay is an endeavor that seeks to primarily analyse the concepts of ideology and autonomy, while taking as a subject of study the three Matrix movies sequel. For this purpose, the meanings of the elements featured in the simulated word, entitled as the matrix, will be adressed in order to raise understandings around the meanings of the concepts of ideology, autonomy, heteronomy and some notions of freedom existing in theories as much as in strutural systems of social life. The analyses from Marx, Alípio DeSousa, Morin, Castoriadis, Bourdieu and Passeron have been used as the main theoretical framework. From these propositions, there can be found similitudes between the matrix and the ideology in its aspects of self-defense; also there could be seen similarities in the economic, political and social development compared to a projection of continuous revolutions, leading to a communist society that would exclude opposing discourses. Parting from this point, the debate conveys to the possibility or impossibility of completely excluding other’s discourses from the individuals, as to empty the external discourses. The aim is to perceive if the subjects do or do not coexist, for instance: revolution and conservation, autonomy and heteronomy, men and machines, through the theoretical observation of the movies and of the humane structures of life. At last, the choice of the movie as a subject of study is questioned, as well as its importance in analysing, discussing and reflecting over society and what is within it.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 9

2 A NARRATIVA DO FILME ... 11

3 MATRIX OU IDEOLOGIA? ... 14

4 A ARTE E A VIDA: REALIDADES DISTINTAS COM MODELOS IGUAIS DE LIBERDADE E DESENVOLVIMENTO ... 20

5 MATRIX E ALGUMAS NOÇÕES DE LIBERDADE ... 24

5.1 Matrix e o pensamento utópico sobre o espaço de Zion ... 25

5.2 Loki, deus dos discursos e o problema do Outro ... 27

5.3 O equívoco da exclusão do Outro ... 30

6 A COEXISTÊNCIA: MÁQUINA-HOMEM; REVOLUÇÃO-CONSERVAÇÃO; CONSTRUÇÃO-DESCONSTRUÇÃO; AUTONOMIA-HETERONOMIA ... 32

7 CONCLUSÃO ... 36

8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 40

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1 INTRODUÇÃO

Esse trabalho, é um esforço voltado para analisar principalmente os conceitos de ideologia e autonomia, utilizando como objeto de estudo, a sequência dos três filmes Matrix. Busca-se aqui, responder perguntas como “o que é matrix?”, “o que é ideologia?”, “o que é autonomia? ”, “quais as relações dos conceitos com os elementos vistos nos filmes?” e produzir às lentes da sociologia, novos modos de enxergar, pensar e contemplar o mundo social.

Ao explicarmos o que é o mundo simulado da Matrix, e o que é a ideologia, será utilizado como um dos arcabouços teóricos, as análises do sociólogo Alípio de Sousa, sobretudo, para com esse último conceito citado. Veremos quais as semelhanças entre essas duas coisas e se, elas podem serem vistas como iguais, como fenômenos passíveis de sinônimos. E, vamos observar, os mecanismos de defesa, tanto da Matrix quanto da ideologia, para se manterem inabaláveis, legítimas, a partir da parceria entre Pierre Bourdieu e Jean Claude Passeron quando utilizam “violência simbólica” e a ideia contida nela de violência “suave”, e Edgar Morin, ao falar sobre “imunologia ideológica”.

Colocaremos sob análise, também, algumas noções sobre o conceito de liberdade. Pois, é um elemento de várias interpretações, entre elas: a ideia de liberdade presente no capitalismo, no discurso de livre mercado; do socialismo do século XX e das ideias de Karl Marx sobre o que enxergava como necessário para a obtenção da liberdade, e por último, as ideias presentes na cidade humana de Zion. Será apresentado, as ideias que cada modelo entende por liberdade, como cada um defende sua ideia e contesta ao outro e aos seus discursos. E veremos, quais relações, possivelmente eles podem ter quando se trata dos meios para almejar seu tipo de liberdade.

Ao final, será problematizado se, de algum modo, pode-se excluir discursos alheios, ditos inimigos, por aqueles que tentam, de acordo com suas estratégias, superá-los. Mesmo que tais discursos, estejam dentro dos próprios indivíduos que buscam, eliminar, destruir e esvaziar completamente esses discursos. E como arcabouço teórico sobre esse tema, será utilizado, Castoriadis ao mesmo tempo que analisa seus outros objetos de estudo, como heteronomia e autonomia. Chegando, por fim, a existência ou impossibilidade de conceitos e coisas das quais são relações desses conceitos, coexistirem de algum modo.

Aqui, buscou-se também a sensibilidade, apesar de o objetivo ser problematizar elementos sociais com auxílio de teorias para enxergar, por outro foco, a vida social.

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se medidas para que os escritos aqui, não ficassem restritos apenas as compreensões de semelhantes (graduados/mestres/doutores).

Sabemos que existe uma crítica, diga-se, louvável, contra nós do mundo acadêmico. Dizem, que ao produzirmos nosso conhecimento, dentro de nossas bolhas universitárias, também, lançamos falas que se tornam muito distantes daquelas outras que não estão entre nós. Essas pessoas, não envolvidas com todas as ferramentas que trabalhamos, acabam muitas vezes excluídas, não entendendo nada do que falamos. É por isso, que, também, dentro do possível, buscou-se dizer o simples, não prolongando demais o texto que poderia se tornar cansativo, ao mesmo tempo que se tomou o cuidado para não correr riscos e as coisas parecerem soltas e incompletas, ainda mais quando se trabalha com conceitos tão complexos e tão amplamente discutidos.

Analisar filmes ou livros de literatura, é uma boa estratégia para aumentar o interesse popular pela ciência e seus discursos. Ainda mais em tempos, onde os adeptos de teorias conspiratórias, e fanáticos religiosos, tentam desesperadamente deslegitimar o que já foi produzido pelo conhecimento crítico, pela física, matemática, química, enfim, todas as áreas do conhecimento. Aquilo que é científico, é e sempre será atacado, seja por muitos ou poucos. Todos que fazem e fizeram ciência são atacados. Entretanto, é necessário ousar, sem medo, escrever e se pôr a crítica, porque é ela que constrói e ajuda a avançar o que já se produziu, não existindo outra crítica se não essa, que tem sentido de construção. É devido a teimosia e ousadia que construímos e desconstruímos coisas sociais, com ajuda do conhecimento produzido pela ciência.

Enxergaremos na trilogia Matrix, os dois conceitos, ideologia e autonomia, e vamos tirar dessa discussão, uma pequena fração do que a sociologia pode oferecer para pensar nossa vida social.

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2 A NARRATIVA DO FILME

O filme Matrix, lançado no final do século XX, revolucionou o universo cinematográfico em termos de efeitos visuais e por conter uma narrativa filosófica bastante densa. O sucesso que até hoje indiscutivelmente possui, está relacionado a construção de sua história fictícia de um mundo onde os seres humanos, vivem presos sob a ilusão de uma realidade simulada. Isso fez com que muitos se apaixonassem por ele, e mesmo depois de passados vinte anos, ainda é assunto interminável de fãs e um objeto de estudos adorado pelas ciências humanas.

A trama é composta por três filmes: Matrix (1999); Matrix Reloaded e Matrix Revolutions (os dois últimos no mesmo ano, 2003). Tem como narrativa, um futuro distópico de um mundo pós-apocalíptico, decorrente de uma batalha que quase devasta a vida humana. A guerra envolvendo as máquinas – com inteligência artificial, que se desenvolveram a um nível de alto poder tecnológico destrutível – e, do outro lado a humanidade que as inventou.

A guerra entre humanos e máquinas ocorre em meados do século XX. A humanidade temendo sua aniquilação, busca destruir a única fonte de energia das máquinas, o sol. As pessoas cobrem o céu com nuvens escuras tapando a luz solar. Entretanto, mais uma vez as máquinas se sobressaem, o golpe final é uma descoberta que decreta qual lado saí vencedor daquele momento de guerra.

As máquinas descobrem que as terminações nervosas dos seres humanos, o cérebro humano, é capaz de produzir um número bastante alto de ligações elétricas as quais são responsáveis por comandar todo o organismo humano. Existia nisso, um potencial dessas ligações e na própria temperatura corporal capaz de suprir a demanda de energia das máquinas. Utilizando uma forma de fusão, os humanos passaram a ser entendidos pelas máquinas, como baterias orgânicas. Foi então que a humanidade saiu da quase extinção para serem cultivados. Dentro de capsulas, as máquinas conseguiam mantê-los adormecidos, e tiravam toda a energia que necessitavam. Só precisavam, deixá-los em estado de coma, sonhando. Daí nasce a “matrix”1.

A matrix é uma realidade construída para simular a vida de toda a humanidade. Todas as pessoas cultivadas nessas capsulas, estavam no mesmo sonho, suas vidas interligadas, cada

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uma em suas respectivas vidas como no mundo normal, de empresários a moradores de rua. Sempre de acordo com o que as máquinas projetavam.

Não à toa, no primeiro filme, aparece de relance, como disfarce para guardar um disquete, a obra “Simulacros e Simulação” do filósofo Jean Baudrillard, livro que fala sobre os símbolos, signos e a maneira como essas coisas se relacionam e constroem a vida. Por essa maneira, o autor utiliza como título “simulacro” que significa a representação de coisas inexistentes, como na vida humana atual fora da Matrix, não existindo mais à maneira anterior as máquinas. E “simulação”, a repetição, imitação.

O personagem de nome Thomas A. Anderson, possuí duas vidas, em uma ele é um programador de software de uma empresa. Paga suas dívidas, ajuda a vizinha a tirar o lixo para fora do prédio, seguindo uma vida normal como mostra o filme. E, em outra, ele é Neo, um hacker famoso por cometer golpes contra o Estado. Mas, a todo momento, Neo se depara com uma pergunta que não sai de sua cabeça, “o que é matrix? ” Incomodado com essa questão, ele busca um outro hacker famoso, de nome Morpheus. Eles, encontram-se e este homem, passa a ser o seu guia no descobrimento da matrix.

Os dois personagens, entram em uma conversa profunda sobre a vida a qual todas as pessoas sem perceber, estão levando. Uma sobrevivência em cativeiro, de ilusões, presos numa realidade simulada, ou em um mundo dos sonhos conversam. Dizem eles:

– Morpheus – Deixe que eu diga por que está aqui. Está aqui, porque sabe de uma coisa, uma coisa que não sabe explicar, mas você sente. Você sentiu a vida inteira, que há alguma coisa errada com o mundo. Você não sabe o que é, mas está ali, como uma farpa em sua mente, deixando-o louco. Foi essa sensação que o trouxe a mim. Você sabe do que eu estou falando?

– Neo – matrix?

– Morpheus – você quer saber o que é Matrix? Matrix está em toda a parte, está a nossa volta, mesmo agora nessa sala aqui. Você a ver quando olha pela janela. Ou quando liga a televisão. Você a sente quando vai trabalhar. Quando vai à igreja. Quando paga seus impostos. É o mundo que acredita ser real para que não perceba a verdade.

– Neo – Que verdade?

– Morpheus – Que você é um escravo Neo! Como todo mundo você nasceu em cativeiro, nasceu em uma prisão que não pode ver, sentir ou tocar. “Uma prisão... para sua mente”. [...] Se tomar a pílula azul, “fim da história”, vai acordar em sua cama e vai acreditar no que quiser. Se tomar a pílula vermelha, fica no país das maravilhas, e eu vou mostrar até onde vai a toca do coelho (filme Matrix, 1999).

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As falas acima foram retiradas do primeiro filme. Morpheus e Neo conversam sobre o que é a Matrix, como funciona e por que foi construída. A partir daí o véu matrix, passa a ser contestado e desconstruído na mente de Neo.

O filme segue uma linha de muitos outros de seu gênero, que divergem no enredo, mas, se aproximam na história. Podemos dizer que Matrix nos lembra a obra clássica da escritora Mary Shelley, intitulada “Frankenstein ou Prometeu Moderno” (escrito originalmente no ano de 1818), que mostra o criador se horrorizando com sua criação, e os dois, entram em conflito. Talvez a sequências dos filmes estudados aqui e outros, que possuem a saga “criador contra a criação”, não sejam inspirados diretamente em Frankenstein. Porém, o livro levou ao cinema uma problemática que temos no mundo real, pois, não são poucas as vezes que nos horrorizamos com nossas criações.

O que nos leva a uma questão, diria não só filosófica, um pouco poética também. A frase “a vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida” é atribuída ao poeta irlandês Oscar Wilde, e na frase o autor apresenta um desequilíbrio. Para ele, a vida, os trajetos históricos da humanidade, seguiriam ou imitariam muito mais os acontecimentos da arte do que ao contrário. Questão que talvez possamos responder ao final deste trabalho.

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3 MATRIX OU IDEOLOGIA?

No contexto político atual do Brasil, vivemos um momento onde cada vez mais é renegado o “pensamento crítico” – maneira que o mundo acadêmico se refere ao olhar crítico tanto das coisas sociais como da própria ciência – e, por esse efeito, desprestigiando o discurso crítico, a ciência, a universidade, alguns tentam explicar algo do domínio do social deturpando o real conceito das palavras. Como por exemplo, a forma como mencionam o conceito de ideologia.

Esse termo citado a pouco, será o objeto ao qual o capítulo pretende se debruçar, conceito que é por sinal, bastante utilizado, seja: nas ruas; mídias sociais; redes sociais; e pelos políticos, todas muitas vezes de maneira equivocada. Desde os clássicos Marx e Engels primeiros a darem consistência ao conceito, muitos autores trabalharam esse termo mesmo que por vezes, tenham discutindo indiretamente. Com tudo isso já posto, é certo afirmar que é impossível no contemporâneo – o hoje – existir uma pessoa se quer (envolvida com as tecnologias informativas) que não tenha ouvido falar em ideologia. Mas “o que é ideologia”?

É essencial retomar os clássicos, aqueles que primeiro trabalharam e construíram determinados conceitos para a ciência. É o caso de Marx e Engels. Podemos dizer que sem o sentido crítico que eles destinaram e que, por isso, consagraram o termo ideologia, jamais seriam personalidades tão notáveis e influentes no mundo. Tal definição impulsionou todos os estudos de Marx, mesmo que a obra A Ideologia Alemã, tenha sido publicada somente após a morte do autor. Porém, o pensamento que derivou desses estudos, está presente em todas as suas obras.

Quando Marx e Engels produziram A Ideologia Alemã, lançaram uma crítica aos filósofos – novos e velhos – hegelianos alemães, e outros, que entendiam o curso da vida humana segundo perspectivas teológicas, metafísicas e naturalistas.

Os autores, criticam uma filosofia da época que descreviam todo o desenvolvimento humano a um desenvolvimento da consciência humana, deixando de lado os processos históricos que levaram a humanidade, a se desenvolver materialmente e consequentemente, desenvolver a sua consciência. Na obra citada acima, está presente a defesa dos autores e suas críticas quanto aos indivíduos e as coisas que distorciam a realidade, segundo Marx e Engels:

Não tem história, nem desenvolvimento; mas os homens, ao desenvolverem sua produção material e seu intercambio material, transformam também, com esta sua realidade, seu pensar e os produtos de seu pensar. Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência (MARX, ENGELS, 1999, p.37).

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A desconstrução que os autores fazem, é contra a ideia defendida por essa filosofia, ou como disse em título, essa ideologia alemã, que desprende o fator humano, sua práxis, tornando numa enganosa liberdade. Negando o desenvolvimento do pensar e as coisas produzidas pelos seres humanos. Existindo a consciência – como acreditavam – independente da produção, manutenção e desenvolvimento humano das coisas sociais.

Entretanto, mesmo depois de Marx, com os avanços e equívocos, normais para a ciência (pois, é assim que ela avança), sobre a ideologia, muito tem e ainda irá ser falado. Entretanto, há ignorância e desprezo às ciências humanas, e uma insistência em coisas há tempos superadas. Algumas como – “ideologia de partido” – querendo ou não, falar sobre “pensamento político de partido”.

Apesar de alguns afirmarem não ser novidade essa discussão, um dos grandes disseminadores desse problema, foi o próprio embate construído nos últimos anos (na era democrática até então), de lideranças partidárias populistas, produzindo um sentimento coletivo em que o “mundo” – o Brasil – se partiu em dois. Colocando as pessoas e as coisas em dois lados extremos.

No âmbito das políticas dos movimentos partidários e também, por vezes, do pensamento crítico científico, tachou-se tudo ou de “Esquerda”, ou de “Direita”. E agora, tudo está posto, ou de um lado do muro, ou de outro. O resultado desse embate trágico produziu um efeito, podemos dizer, péssimo para a compreensão do termo ideologia. Está tão usual se falar em ideologia, que se tornou uma palavra quase indispensável em debates como os das mídias em gerais (mais um responsável pela má compreensão do termo), ou nas redes sociais, ou nas esquinas das mais humildes cidades, ou bairros de capitais. É ideologia por toda parte, acompanhada tragicamente pelas palavras: ou Esquerda, ou Direita.

Os autores de A Ideologia Alemã, definiram muito bem o fenômeno do ideológico, porém, após anos de seus escritos, muitos estudiosos do tema, surgiram e expandiram o entendimento sobre os campos que a ideologia perpassa. Portanto, a ideia da “inversão da realidade” se tornou resumida demais para abranger todas as discussões. Muitas metáforas, análises de diversos objetos, também foram utilizadas para clarear a noção sobre esse tema, suscitando novos debates, novas compreensões, e no caso deste trabalho, filmes são os objetos de estudo.

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Utilizar o filme Matrix para entender o fenômeno do ideológico. O que não é algo novo no mundo acadêmico. A matrix do filme, é relacionada de tal forma com o fenômeno ideológico, que ambos parecem sinônimos. Mas, podemos mesmo relacioná-los como sinônimos? E o que é ideologia? E o que é matrix? Precisamos definir, a ideologia ao nosso tempo, e o mesmo para matrix, para pensarmos se os dois podem ser tão íntimos quanto dizem. Para a primeira definição, vamos recorrer ao sociólogo Alípio de Sousa Filho, mais um dos estudiosos desse tema. Antes de mais nada, a obra desse autor, escrita da forma mais clara e fácil possível de se entender no mundo acadêmico, não existiria se não fosse por vários outros autores que estudaram e produziram obras sobre o assunto, daí os muitos homens e mulheres presentes no livro o tornando, ao mesmo tempo pela elaboração da escrita do autor, denso e fácil. Palavras, como essas últimas de agora, podem até parecer completamente incompatíveis pensadas juntas, mas, talvez as coisas não sejam tão distantes umas das outras, assim como os conceitos presentes no título deste trabalho.

E para pensar inicialmente um dos conceitos, utilizaremos os estudos de Alípio, citando um recorte de sua obra, que afirma:

A ideologia é melhor definida quando compreendida como o fenômeno social – comum às diversas sociedades e culturas – que corresponde às significações e representações imaginárias e simbólicas que tendem sempre à naturalização, eternização e à autonomização de toda realidade social em relação à própria sociedade e seus agentes (DESOUSA. 2017, p.240).

Esse fragmento da obra “Tudo é Construído! Tudo é Revogável!” do sociólogo Alípio, nos mostra o efeito que a ideologia possui para fazer com que as pessoas, não tenham compreensão de que a realidade é histórica, e que é construída socialmente.

De acordo com a obra mencionada acima, segundo De Sousa (2017), dentro dessa nova retomada das transformações e reformulações provocadas pelas produções que estudaram o assunto da ideologia, a temos da seguinte forma: É um fenômeno social especializado na dominação, que age seja – no social – na produção da ilusão da realidade construída desprendida do social, que existe independentemente da vontade humana, sem um processo histórico que lhe construa, marcada pelo eterno, transcendental, e também, mítico, natural, ocultando os processos que lhe dão origem; ou – no individual – produzindo “falsos-senhores de si”, pois, negam (pelo desconhecimento) que suas identidades foram produzidas pelo ideológico, como também, suas subjetividades, esquecendo, ou melhor, desconhecendo aquilo que lhes constitui enquanto sujeitos.

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Definimos a ideologia, precisamos agora entender o fenômeno matrix, mas, diferentemente de Morpheus que levou Neo ao que representava o mundo após a guerra das máquinas, para que ele entendesse o que é matrix, vamos fazer outro caminho. Um exercício imaginativo tal qual Platão utilizou.

Pensem em um tal aparelho, uma “Máquina”, que administra a vida de todos nós. De um modo sutil, nos diz a hora, como, quanto e quando, as pessoas devem se alimentar, trabalhar, dormir, o que assistir e ler, como se vestir, quais pessoas devem fazer parte do seu grupo de relacionamentos, quais não devem, qual o tipo de emprego se encaixa com seu perfil e a empresa. Dita todo o seu cotidiano, que será seguido dia após dia sem mudanças bruscas, ao menos que o próprio sistema precise e exija, e por esse mesmo efeito de administração, a Máquina, também, produz sem que eles se percebam como moldados pelo próprio sistema, os sujeitos que servirão para a própria existência da Máquina, desconhecendo as práticas que seguem como condutas opressivas e violentas.

Essas condutas são violentas, porque é uma força que nos pressiona a agir segundo um todo mundo construído, mas não percebido como construção humana, operando pela “imposição [e pela] inculcação de um arbitrário cultural segundo um modo arbitrário de imposição e de inculcação (educação)” (BOURDIEU, PASSERON, 1975, p.21), e suas práticas são desconhecidas por causa das “maneiras suaves” de dominação desse sistema. Como essa “maneira suave” age sobre os indivíduos? E qual a maneira não suave?

Vamos imaginar, que por algum motivo, algumas pessoas descobrem que exista uma Máquina que determina toda a vida das pessoas que elas conhecem e desconhecem. E que a Máquina, necessite do fator do desconhecimento das pessoas, acerca de sua existência para existir. Sabendo agora, das determinações que as pessoas obedecem sem perceber, estas outras pessoas se revoltem contra a Máquina e seu sistema de controle, com o intuito de libertar a todos. Esse efeito causaria a morte, ou destruição da Máquina e para ela continuar existindo, precise de algum mecanismo que impeça sua destruição. O sistema de defesa, contra essas pessoas, precisará ser forte e rápido para impedi-las, nesse caso, a violência física será utilizada para reprimir, subjugar e dominá-las. Esse modo de proteção é a “maneira forte” ou “não suave” (BOURDIEU, PASSERON,1975).

Essa proteção, através da violência física, tem seu efeito de dominação, porém, não é tão eficaz. Pois, um clima de revolta pode se generalizar e se tornar massiva, incontrolável. Para isso, a Máquina construiu outra camada de defesa, uma maneira não física, mas invisível. Um

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modo mais leve e convincente. Isso, porque “a ‘maneira suave’ pode ser o único meio eficaz de exercer o poder de violência simbólica num certo estado das relações de força e de disposições mais ou menos tolerantes relativas à manifestação explícita e brutal do arbitrário” (BOURDIEU, PASSERON, 1975, p.31), que surge para substituir a violência física. Essa “maneira suave”, também é violenta, mas aceita como tolerante, pois, a sua natureza de violência não aparece. O grau de aceitação e a pouca resistência contra esse meio, se dá pelo fato dos cumprimentos de certas ações e condutas serem dissimuladas, não vistas como violências. O que não é visto como violência física, Bourdieu identifica como “violência simbólica”, ela, opera não pela coerção física, mas pela subjugação da mente, por isso, mais eficaz.

Para Morin (1986), essa defesa elaborada pela nossa metáfora da Máquina, é um fechamento em resposta a corrupção do exterior, enxergado como uma ameaça as suas práticas, ideias ou doutrinas. Fechar-se é negar o diferente. Ao se trancar para o que está fora, petrifica-se suas estruturas, petrifica-seus conceitos e suas articulações. Mas não só isso, o autor completa:

Contudo, seria precário ver, no fechamento e na petrificação, os únicos meios de proteção e luta. A ideologia doutrinária permanece “viva”, não só mobilizando toda a sua musculatura, como a ostra e o mexilhão, no seu fechamento, mas também utilizando um formidável dispositivo de rejeição que, por analogia com o de um organismo que defende sua integridade e identidade, chamo de imunológico (MORIN, 1986, p. 95).

O modo suave, visto a partir de Morin, de um modo ou de outro, refere-se ao uso das palavras. É um meio de defesa, e possui segundo o autor, alguns mecanismos de rejeição. São eles: a “desqualificação”; a “diversão” e a “indignação”. Quanto ao primeiro, um indivíduo que expusesse suas ideias acusando o sistema da Máquina, seria tratado como mentiroso, com argumentos insensatos. Sua voz seria negada, até que ele retornasse aos discursos do sistema ou fosse impedido de participar do meio. No segundo, aqueles que discursam fora, são atacados os seus princípios, suas falhas e lacunas, um ataque moral. Já o último, “a desonestidade do adversário é o que desqualifica o argumento, a desonestidade do argumento é o que desqualifica o adversário” (MORIN, 1986, p.98). Se uma pessoa critica as falhas de algo, ela é indecente por levantar tais palavras e logo é tratada com fúria. E todas essas defesas, são exercidas pelos agentes do sistema, convocados pela Máquina, sob efeito dela.

Assim é a matrix, ela solidifica a vida social de modo a não pensarmos que poderíamos viver de modos infinitamente distintos, da forma como vivemos o agora. A matrix é por excelência a blindagem social para o olhar que não possuí as ferramentas analíticas necessárias

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para refletir, pensar, analisar, tomar juízo sobre as possibilidades que poderiam ou podem ter o mundo social.

A ideologia como no filme Matrix, está por toda a parte, permeia todas as nossas relações. Nos pressiona a agir de um determinado modo, nos controla e nos submete a ela. Por toda a parte está o fenômeno do ideológico, nas regras sociais, nas leis, na cultura. Não há sociedade que tenha existido sem a caracterização da ideologia nas suas expressões culturais. Como é certo afirmar que não existe sociedade que ultrapassa e supera a ideologia, pós-ideológica (DE SOUSA, 2017).

E como na matrix, a ideologia, também, nos imputa a seguir padrões. É um conglomerado de coisas socialmente construídas, mas não percebidas como tal, feitas pela humanidade, formando uma ordem social. Tal ordem é a própria ideologia. Um poder que nos cai como arbitrário, entretanto, não percebemos como arbitrário, logo, somos como na matrix, escravos.

As máquinas para manterem os seres humanos subjugados, construíram a matrix, uma prisão, como disse Morpheus, para encarcerar a mente. A ideologia, agora sim, é como se fosse sinônimo de matrix e vice-versa. A prisão a qual se fala no filme é a mesma estudada por Marx e tantos outros, e ela existe e resiste para seu principal objetivo, a dominação.

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4 A ARTE E A VIDA: REALIDADES DISTINTAS COM MODELOS IGUAIS DE LIBERDADE E DESENVOLVIMENTO

A liberdade é um conceito amplamente discutido por muitas pessoas com diferentes visões e definições. Possuindo diversos sentidos, seja para uma estrutura social, seja para o pensamento individual, ocasionando no modo como enxergam o mundo.

Podemos dividir esses modos de enxergar a liberdade em dois campos. O primeiro se trata do campo da ação (entende-se como o sentimento individual ou coletivo dos indivíduos), do querer estar ou viver livre. Nesse caso, refere-se a uma acusação de uma submissão a algo, por dependência, sujeição, sempre via um sentimento de se sentir preso, seja; um modo de vida exploratório de trabalho; de relação conjugal ou íntima; ou o próprio sistema de escravidão de pessoas. E, ao se perceberem nessa situação, lutam contra ela. A esse pensamento entendemos como pertencente ao conhecimento comum das coisas.

O outro, pertence ao campo filosófico e teórico científico. Vamos trabalhar em cima deste último, porém, este capítulo terá um foco marxista do entendimento sobre a liberdade o qual, também, será problematizada.

As lentes que Marx e Engels trouxeram para enxergar a sociedade, abriram as portas para diversas produções, contendo interpretações e reflexões – algumas, por vezes, equivocadas, até mesmo por eles – da sociedade, do olhar crítico e da ciência.

Apesar de não terem visto os acontecimentos do século XX, morrendo – os dois – antes mesmo do início, não há como pensar no passado, na história, sem citar Marx e Engels. Até porque o conceito de ideologia trabalhado por eles, foi uma das mais importantes interpretações da realidade e da vida humana. Sobre o conceito, ao analisar a vida dos trabalhadores da época, puderam afirmar que “em toda a ideologia, os homens e suas relações aparecem invertidos como numa câmara escura, tal fenômeno decorre de seu processo histórico de vida, do mesmo modo por que a inversão dos objetos na retina decorre de seu processo de vida diretamente físico” (MARX, ENGELS, 1993, p.37). A contribuição clássica desse termo é compreender a realidade que nos é dada como uma inversão da realidade. Uma vida de engano, ilusão, manipulação. Mas, eles não fizeram somente essa crítica, ao mesmo tempo que construíram o conceito, eles, atacaram a ideia de liberdade do sistema capitalista da sua época.

Quando os dois criticam o Estado, definindo este como um gestor dos interesses da classe dominante, atacam, também, a noção de liberdade presente nele, que definiram como um Estado capitalista. Afirmam que

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a liberdade pessoal tem existido apenas para os indivíduos desenvolvidos dentro das relações da classe dominante e apenas na medida em que eram indivíduos dessa classe. A coletividade aparente, em que se associaram até agora os indivíduos, sempre adquiriu uma existência autônoma em relação a eles e, ao mesmo tempo, por ser uma associação de uma classe contra outra classe, era, para a classe dominada, não só uma coletividade inteiramente ilusória, como também um novo entrave (MARX, ENGELS, 1993, p.117).

Com essas palavras, não só apontam a noção de liberdade capitalista como uma ilusão, falsa, por apenas aqueles membros da classe dominante gozarem de tal liberdade, como a tacham também de ideológica. Uma relação que se diz unida as demais classes, as dominadas, e esconde o antagonismo existente entre elas.

Está claro para os dois, que a estrutura social que eles estavam criticando, não só limitam os direitos das classes que estão na base, mas, também os impedem de terem os mesmos direitos e liberdades das classes no poder. O motivo, é a existência de classes opostas, de uma estrutura que produz e reproduz as desigualdades do mesmo modo que oculta as mesmas desigualdades. A estrutura, segundo eles, existe por um efeito do desconhecimento das causas exploratórias por parte dos indivíduos explorados, mantendo esse sistema social vivo.

Lançar tais críticas, apesar de destrutivas para o sistema, perigosas, devido ao seu conteúdo expositivo de desvelar os meios de exploração para com os trabalhadores, não era o bastante para Marx. Era necessário superar esse sistema produtor de desigualdades. Nesse momento, entra o modelo de superação, ou melhor, revolução da classe trabalhadora – proletária – contra o Estado – chamado por Marx como Estado burguês (chamou assim, porque segundo ele, servia apenas aos interesses da classe burguesa).

E como viria essa revolução/superação/liberdade? Através de fases. Sistemas produtivos que guiariam ao mesmo tempo o desenvolvimento econômico, social e político da humanidade. A humanidade deveria seguir estágios que se desenrolariam progressivamente e levariam as pessoas a um mundo mais justo. Um processo linear de revolução. Ao passo que os povos que estivessem no sistema conhecido como capitalista, dever-se-ia explodir no seio de cada nação uma revolução organizada pelos trabalhadores. Desse modo, ao ponto que fosse se desenrolando a revolução, o conceito de liberdade iria criando forma progressiva até a consumação da mesma e chegada completa da liberdade real. Diz os autores, que a verdadeira liberdade, encontra-se “na coletividade real, [onde] os indivíduos adquirem sua liberdade na e através de sua associação” (MARX, ENGELS, 1993, p.117), e a esse estágio de desenvolvimento, chama-se de socialismo.

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No socialismo os trabalhadores tomam o controle do Estado, mas não o destroem inicialmente, eles apenas modificam internamente sua estrutura e a preparam para destruí-la completamente no futuro. Pois, os indivíduos, estão tão dependentes dessa estrutura, que seria inconcebível a destruição completa dela. Por isso, seriam necessários estágios de transição, para trabalharem nos indivíduos o desapego das suas formas antigas de existência. E é nesse momento, que a pergunta ainda não feita surge vigorosamente. Qual a relação disso tudo com os filmes em questão?

Em Matrix (1999), a trama apresenta uma disposição incansável dos personagens para libertar não só Neo, mas a humanidade que viria com a libertação do mesmo. Todos os seguidores de Morpheus, colocam em risco suas vidas e lutam contra a resistência da matrix, que tenta pelos seus meios, impedir – sem sucesso – a fuga desses homens do mundo dos sonhos.

Já fora do mundo simulado, Neo e Morpheus iniciam a conversa do desvelamento que ocorre em outro mundo também simulado, porém, este é feito pelos humanos, apenas como ilustração, imitação da “matrix real”, ou para mostrar como está atualmente o planeta terra. Já que eles são forçados a se esconderem centenas de metros abaixo da terra. Mas, o que é estranho, é que Neo ao se tornar ciente dos acontecimentos, da guerra apocalíptica e da enganosa vida na matrix, resiste a acreditar nesse novo mundo, agora real, porém, de destruição. Sua dependência ao antigo mundo é evidente e até justificável pelos próprios personagens ao afirmarem ser errado, mas necessário naquelas circunstâncias, tirar um adulto da matrix.

Tanto o primeiro filme quanto o segundo, Matrix Reloaded (2003), possuem uma idealização de fases transitórias e preparatórias para um estágio posterior que acreditam ser a libertação das máquinas e o fim definitivo da guerra. Não à toa, o último filme se intitula Matrix Revolutions (2003), incentivando os telespectadores que se trataria de uma revolução da humanidade contra as máquinas. E por revolução, se entende superação da matrix, da dominação, do mundo simulado.

O projeto idealizado e consagrado no “Manifesto do Partido Comunista” de Marx e Engels, e em demais obras, segue essa linha de desenvolvimento. Entretanto, foi um grande erro pensar a evolução da humanidade apenas em estágios lineares de desenvolvimento, como, também, erraram os marxistas teóricos que acreditaram que as fases seguiriam sempre em sentido de ascensão. Se é que em algum momento, as chamadas revoluções, puderam em todo o mundo, superar antigos modelos de vida. Por um certo ponto de vista econômico, alguns

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países até conseguiram, porém, suas conquistas não os levaram sempre a diante, ao horizonte, como se acreditava. Em algum ou outro momento, entraram em crises e retrocederam.

Para deixar claro, o equívoco está em acreditar que o curso histórico da humanidade seguiria uma linha, ou fases que projetam um desenvolvimento contínuo, e pior, “um fim” sem que pudessem existir – como se realmente não existissem – possibilidades, modos outros de vida, por isso, podemos afirmar que essa noção é um erro tremendo que o marxismo comete (GALENO, 2019). E a tola ideia, que após superar um dado sistema econômico/político/social, as sociedades em algum momento, não pudessem andar para trás e retroceder, economicamente, politicamente e socialmente.

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5 MATRIX E ALGUMAS NOÇÕES DE LIBERDADE

É certo entender a autonomia como um estado de liberdade do indivíduo, mas não podemos afirmar que toda forma em que um indivíduo passa ou se enxerga em liberdade, seja um estado de autonomia. Como por exemplo: a noção de mercado que se busca para um capitalismo desenvolvido.

As relações de mercado, a livre iniciativa ou livre comércio, é uma defesa da noção capitalista de liberdade. Aqueles que creem na livre iniciativa, defendem que eles (os indivíduos envolvidos no mercado; empresários, comerciantes, investidores, por exemplo) devem escolher onde aplicar seu dinheiro, de acordo com sua decisão, com quem vão manter ou não relações econômicas. Entretanto, quando os discursos desses indivíduos afirmam que suas relações são livres e autônomas, acreditando serem senhores de suas decisões, nesse momento se enganam. Quanto ao primeiro termo “livres”, podem até estarem certos, tratando-se da noção de cada um sobre uma tal liberdade. Já para o segundo conceito, nada existe de autônomo, porque é esquecido ou ocultado os aspectos determinantes de suas decisões.

A livre iniciativa ou liberdade de mercado, é uma defesa do discurso capitalista, que define esses termos como relações livres e independentes. Para esse discurso, o Estado ou qualquer outro, não devem impedir ou restringir suas ações. Em outras palavras, esse discurso defende que suas livres ações, são um direito e como qualquer outro, não deve ser violado.

O problema desse discurso, é que se faz acreditar que o mercado é um campo justo, e que todos os envolvidos estão em igual situação de interesses e poderes. O mercado econômico faz parte do mundo humano, e como qualquer outro espaço que envolve disputas de poder, os indivíduos devem seguir determinadas regras se quiserem participar do mesmo espaço. Entretanto, existe sempre aquele ou aqueles que possuem mais força, dado isso, possuem poder de determinar as regras. Claro que existe sempre a possibilidade de transformar esse espaço de forças, modificar, ou reconstruir outra coisa no lugar que não seja as determinações daqueles que são determinantes, mas para isso, os que apenas seguem as regras do jogo, antes devem conseguir serem os que determinam as regras e não os que participam delas como passivos. Uma recém empresa de programação de jogos de computadores, por exemplo, jamais vai ter poder maior no mercado que empresas como Google e Microsoft.

É por esse motivo, que o discurso capitalista de que todos possuem autonomia em um livre mercado, é falso. Porque toda relação capitalista que estamos postos: o trabalho, consumo, lucro; a rotina dos médicos, juízes, professores, padeiros, comerciantes, estudantes... toda a vida

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social em que lutamos em repetir, e por esse efeito, reproduzir as mesmas relações dia a dia (produzindo e reproduzindo, também, os mesmos papéis sociais determinados pelo social) é, parafraseando Bourdieu e Passeron (1975), uma imposição arbitrária de uma realidade por forças que não conhecemos como arbitrárias. Somos forçados a viver, sem perceber que somos – pois, essa mesma força é dissimulada dentro da estrutura – daí, agimos como se as únicas possibilidades que temos para existir fosse essa. É um efeito de duplo arbitrário, imposição e inculcação, pela educação exercida por todas as instituições, que nos levam a reproduzir diariamente e insistentemente a vida social (BOURDIEU, PASSERON, 1975).

Por isso, não existe autonomia dos indivíduos dentro do mercado econômico. Apesar de existir um desprendimento desse espaço para com o que podemos chamar de “Ordem Maior” (do mercado com o todo da sociedade, as leis que regem e matem o social unido), não há autonomia nas ações dos indivíduos para com esse mesmo lugar. Buscamos então, a autonomia dos indivíduos onde estão postos, um estado em que as ações deles, ao buscarem, conseguem produzir certo comportamento autônomo.

Talvez, as produtoras de Matrix, Lilly e Lana Wachowski, tenham pensado nisso, quando percebemos um debate – entrelinhas, sobre a profunda discussão que há em torno da liberdade – ao mostrarem a fuga e a luta de Neo contra a matrix e as máquinas produtoras desse espaço. Portanto, devemos analisar o espaço que nos mostra como distante da Matrix.

5.1 Matrix e o pensamento utópico sobre o espaço de Zion

A habilidade das irmãs Wachowski em conciliarem conteúdos filosóficos densos, menções de signos e símbolos religiosos de diversas crenças, estão por toda parte nos filmes. Tomaremos uma noção em especial, muito forte no que representa, mas as vezes pouco problematizada pelos que assistiram e comentaram os filmes. Abordaremos Zion, o refúgio da resistência humana, a única cidade viva.

Zion é uma palavra do inglês, que traduzida para o português, quer dizer “Sião”. Os significados para essa palavra, nas cosmologias cristãs, são vários. “Terra prometida”, ou o “céu”, são apenas algumas das interpretações.

Em Matrix, Zion é retratada como o lugar onde as máquinas não dominam. Nesse caso, existem duas dimensões opostas, matrix e o seu contrário, Zion. Por um lado, as máquinas simulam a vida humana agindo sobre o córtex cerebral; por outro, os humanos possuem seus

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líderes políticos, exército, família, enfim, demonstram e não seria de outro modo, existência de instituições sociais que governam sua sociedade.

Zion, transmite a ideia de um lugar que não sofre determinações da matrix e das máquinas IA2, também, do mesmo modo pensam os seus habitantes. Um dos personagens principais, que é membro da força que podemos enxergar como o exército, é um dos grandes símbolos de resistência e luta contra a dominação das máquinas IA, e também compartilha da ideia que não sofre influência da matrix. Já mencionado anteriormente, de nome, Morpheus.

Ele é o libertador de Neo, e também impulsionador de uma revolução dentro e fora da matrix, contra as máquinas IA. O mais interessante nesse personagem, é a sua noção de liberdade, que se assemelha com ideais marxistas, principalmente vistas, no século XX com a fundação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Enxergamos isso, devido a uma obra que aglomera várias análises feitas do filme Matrix, por parte de muitos autores e do próprio mentor. O livro, “Matrix – Bem-vindo ao Deserto do Real” foi organizado por William Irwin, e em um trecho, sobre Morpheus é dito:

A liberdade que Morpheus tem em mente não é a mera separação da Matriz, não a simples liberdade individual para lutar pela felicidade individual separada, mas a participação de um destino cuja meta final é a libertação maior da humanidade. Essa meta não pode ser meramente a replicação "na realidade" de nosso assim chamado mundo moderno — o "auge da civilização" — mas um mundo diferente, melhor, um mundo de perfeição humana que combina a liberdade e a felicidade (IRWIN, 2003, p.172).

Liberdade de uma coletividade/grupo/humanidade; um mundo diferente/melhor/perfeito; é a combinação da liberdade com a felicidade para a coletividade/grupo/humanidade. Ao listarmos esses aspectos do mundo ideal de Morpheus, para uma Zion do futuro, temos quase as mesmas idealizações postas para uma sociedade do futuro comunista.

Marx pode até não ter projetado a sociedade comunista como perfeita, mas, ela é para o mesmo, o último estágio do desenvolvimento humano. E, o que é o comunismo, se não a combinação da liberdade e da felicidade. Assim também sonhava o personagem Morpheus.

As semelhanças nessas duas análises, Zion e a noção de uma sociedade comunista, não só estão no que citamos anteriormente, como “fases de desenvolvimento/superação/revolução”,

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mas, também, em como essas sociedades são vistas/projetas internamente. As duas buscam a felicidade da coletividade, que viria, acreditam eles, com a liberdade de todos.

5.2 Loki, deus dos discursos e o problema do Outro

Em Platão, refletimos sobre os perigos da “caverna”, em vivermos enganados, sem reflexão da vida e das coisas, sem criticarmos nossos modelos e formas de existir. De outro modo, Marx debate profundamente sobre a ilusão e a inversão da realidade, provocada por estruturas sociais que ao mesmo tempo que não assumem o seu caráter social, de realidade construída, constroem uma realidade inculcando no imaginário social uma visão de coisa autônoma.

Ora, se a caverna é uma prisão simbólica, e se, da mesma forma, existem correntes que nos prendem a realidades transcendentais, imortais, imutáveis, inumanas... a “caverna”, a matrix e a ideologia, como já dissemos, são uma só coisa. Entretanto, existe uma semelhança tão próxima da sociedade comunista imaginada por Marx, que possamos dizer que ela é, contrariando o próprio autor, ideológica? Vamos analisar esse problema, um tanto grave, na noção de liberdade do Estado socialista, que tem relação no “como fazer”, quando se trata da crença de conquistar essa liberdade por esse tipo de Estado ou governo, ou autogoverno (esse em relação a consciência do povo, de uma classe).

O socialismo do século XX, passou a enxergar o capitalismo, não mais como uma fase anterior a ele, mas como uma ameaça, um rival. Para combater o sistema de servidão que forjou o capitalismo, que estava sobre poder do Estado, precisaria (na perspectiva socialista), aos modos da revolução proletária, destruir aquilo que sustentava a estrutura capitalista. Não só a propriedade privada, mas os discursos ideológicos responsáveis por dar sustentação ao sistema, e a manter as classes dominadas como dominadas. A questão problema que levantamos aqui está na eliminação desses discursos. Pois, como não existe vazio do discurso, se um é eliminado, outro toma seu lugar. E nessa batalha de discurso, algum tomaria a base e seria ele o principal. É na imagem de Loki, que encontramos vários discursos, e o capitalista é um deles. Mas como? Ele, é considerado um deus e ao mesmo tempo um gigante da mitologia nórdica. Gigante por ter descendência deles, e deus por ser tomado como filho de Odin e viver entre eles. É comumente conhecido como o “deus da mentira, da trapaça e da travessura”, seu papel emblemático entre os deuses nórdicos o faz ser um dos personagens mais complexos dessa mitologia. Um dos poderes de Loki é modificar sua imagem moldando sua forma à maneira que ele queira performar. Podendo assumir a forma que lhe bem interessar. Engana a todos que

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enxergam apenas o seu aspecto atual, mas não veem naquela forma, claro, que ali se encontra “o deus da trapaça”.

Quando Loki modifica sua imagem, além de enganar os deuses e todos os outros seres, ele, acaba que modificando a realidade ao qual está inserido. Pois, a forma como é enxergado representam um “símbolo” contendo significados diversos, ou seja, “signos”. O corpo dele é significante, e gera significados que lhe atribuem determinada compreensão dos outros. Loki não é mais “o deus da trapaça”, mas sim outra coisa, ao ponto que ele modifica seu corpo, logo, transforma a realidade que está posto e possui controle sobre essa realidade.

Loki possui certa semelhança com a ideologia, assim, como o discurso capitalista que se expressa por outros meios como “autônomo”. O discurso capitalista é mais um dos múltiplos meios pelo qual o discurso ideológico se expressa. Assim como Loki, a ideologia modifica sua imagem fundando uma realidade que se mostra autonomizada, independente dos processos que a formam enquanto realidade puramente humana.

E foi no século XX, que o socialismo no seu regime, lançou uma guerra contra os discursos capitalistas. Nos países que foram governados sob princípios socialistas, tomou-se medidas para exterminar o discurso capitalista, substituindo esse pelo discurso socialista. A crença do socialismo, era que um, enquanto ideológico, era nocivo para a vida dos indivíduos, e o outro não, pois, era o próprio discurso dos indivíduos aceito pelos mesmos, feito por eles e para eles. O problema para o Estado socialista, seria eliminar o discurso do outro totalmente ao ponto que esse outro, não existisse mais no indivíduo.

Esse “outro” que o socialismo se refere, são os discursos burgueses que estão no poder do Estado, e uma vez no poder, podem construir não só os rumos da nação, mas determinar quais interesses, ou discursos, são legítimos, e quais serão revogados, rejeitados, excluídos.

Castoriadis foi um filósofo de origem grega e de vínculo na França, onde passou toda sua vida acadêmica. Estudou sobre muitos temas, e de todos o mais debatido foi seu entendimento sobre o conceito de autonomia política presente em suas obras, em especial “A Instituição Imaginária da Sociedade”. Nesse livro, o autor expressa sua visão sobre o mundo social, afirmando que a sociedade é produto de uma estrutura, concebida como uma instituição imaginária.

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Encontramos essa questão, da exclusão do discurso, nos estudos de Castoriadis, quando ele problematiza o discurso desse “Outro”3, em que afirma ser uma fala de internalização. Segundo ele, “a característica essencial do discurso do Outro, [...] é sua relação com o imaginário (CASTORIADIS, 1982, p.124), logo, o indivíduo dominado pelo discurso do outro age não de acordo com suas vontades, mas por uma que ele não sabe quem, o que fez ou por que faz.

A intenção do socialismo é promover a “liberdade real”, na sua concepção de evitar as discordâncias e disputas de interesses, que levariam os mais bem-postos nas posições econômicas, políticas e sociais acima, a definir por restrições, os interesses dos que estão a baixo. É acabar com os interesses individuais e por neles, interesses coletivos que reproduzissem, também, as aspirações individuais. Os interesses seriam regidos por uma coisa maior, um governo inicial que acataria os interesses da maioria. Tudo isso, viria com a exclusão do discurso do Outro.

A luta, como abordamos, foi contra o discurso que julgaram outro. E, como diz Castoriadis citando Lacan “o inconsciente é o discurso do Outro”, então, esse outro discurso é aquele que fala no indivíduo sem pertencer a ele. Se o “Outro” me governa, logo, ele me aprisiona (Castoriadis, 1982). Para combater o “Outro” seria necessário um discurso libertador. É aí que surge o discurso que resiste e luta, uma fala que ao dizer de si, nega o dito do outro, um discurso de liberdade. Como aquele que dá lei a si mesmo, o discurso que ele professa é apenas dele, no caso “meu discurso deve tomar o lugar do discurso do Outro, de um discurso estranho que está em mim e me domina: fala por mim” (CASTORIADIS, 1982, p.124). Mas, visto antes, o problema está na crença do “fazer”, da fala que se busca eliminar por completo.

A sociedade de Zion caminha na mesma direção de uma utopia comunista, semelhantes no “fazer”, na eliminação da fala. O discurso o qual eles buscam eliminar é o da matrix. A sociedade do futuro, projetada por Marx, é a sociedade que não existe outra fala, é ela e somente si mesma quem fala. Logo, “um discurso que é meu é um discurso que negou o discurso do outro; que o negou, não necessariamente em seu conteúdo, mas enquanto discurso do Outro” (CASTORIADIS, 1982, p.125). O discurso – à maneira de Marx – é uma fala do proletariado, que superou e que pôs fim ao “Outro”, excluiu a fala da burguesia, do capitalismo e de todos os outros. A guerra de Zion é antes de tudo uma guerra contra o discurso da matrix. Eliminar as

3 O “Outro” descrito dessa forma, se trata do termo estudado por Castoriadis ao abordar os estudos de Lacan e

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máquinas IA, é uma questão prática, eliminar o discurso das mesmas máquinas IA, é a essência e a superação, ou em outras palavras, revolução. É por isso que Zion luta ferozmente para negar matrix, negando-a, até a exclusão dela, e evitando que as pessoas fora da matrix tentem, pela possibilidade existente, retornar a matrix.

5.3 O equívoco da exclusão do Outro

Mostramos que os discursos socialistas do século XX, tinham como objetivo, substituir os discursos capitalistas pelos seus. Segundo os estudos de Castoriadis, identificamos a impossibilidade desse feito ocorrer como acreditavam ser possível. Segundo ele, o fato está que:

o outro está sempre presente na atividade que o ‘elimina’. E eis por que não se pode também, existir ‘verdade própria’ do sujeito num sentido absoluto. A verdade do sujeito é sempre participação a uma verdade que o ultrapassa, que se enraíza finalmente na sociedade e na história, mesmo quando o sujeito realiza sua autonomia’ (CASTORIADIS, 1982, p.129).

Se fosse possível que o indivíduo eliminasse o “Outro” totalmente de si, estaria ele, em um “estado não-histórico” (CASTORIADIS, 1982, p. 126), portanto, impossível, desde que somos seres históricos sociais. Intrinsecamente inseparável, no sentido, essas duas palavras. Se somos históricos, já somos sociais e o contrário.

As coisas, os discursos, construíram as pessoas, construíram seus mundos, é o mundo. O cérebro humano não é um computador que pode ser apagado, ainda assim, se possível, não chegaria a um resultado planejado. Um exemplo, são as pessoas que por motivos de acidentes emocionais ou físicos, perdem a capacidade de lembrar de seus passados. Ao perderem aquelas lembranças (traumáticas ou não), perdem suas identidades, não se encaixam nos modelos sociais os quais pertenciam e eram tratados como pertencentes, porque não são mais eles, mas uma outra pessoa do presente, sem passado, sem significado, um fantasma de si.

É por isso que a tal liberdade socialista, é apenas um discurso do Outro-outro, ou seja, na tentativa de desconstruir um discurso alheio, põe-se outro no lugar tão fortemente dissimulado ideologicamente quanto o primeiro. Estamos falando de um outro estado de alienação, que é vendido como se não fosse aquele anterior, as formas mudam, mas não existiu superação.

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A sociedade comunista em todas as suas formas, existiu apenas na imaginação de Marx e dos marxistas, e é por excelência ideológica. Feita, como em um conto literário, ou fílmico, pelo simples fato de tentar transparecer a existência de coisa alguma no comando da vida social. Para tornar ainda melhor a metáfora, podemos dizer que Loki, é o sobrenome do fenômeno do ideológico (ou vice-versa). Ele foi comunista e capitalista no século XX, e hoje aqui, ele é matrix.

Liberdade, logo, não fica sendo nem a noção capitalista nem a socialista, mas uma outra natureza. Estamos falando de uma condição ou ação, que o indivíduo supera um estado anterior que oculta o seu conhecimento sobre a vida social, e isso o torna livre. Mas, ao mesmo tempo sua liberdade não é irrestrita, todavia, ele sai de uma realidade para encarar outra. E o poder que o indivíduo possuí sobre si e as coisas, nunca é totalmente seu.

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6 A COEXISTÊNCIA: MÁQUINA-HOMEM; REVOLUÇÃO-CONSERVAÇÃO; CONSTRUÇÃO-DESCONSTRUÇÃO; AUTONOMIA-HETERONOMIA

A autonomia e a heteronomia, são dois conceitos essenciais no debate que Castoriadis constrói. Sobre um dos conceitos, em uma entrevista disponível na plataforma “YouTube” intitulada “Cornelius Castoriadis. Grandes Pensadores del Siglo XX”, onde explica que autonomia, está no sentido da política grega antiga. É uma forma lúcida de enxergar as coisas; explícita; consciente e reflexiva apresenta (CASTORIADIS, 2012). Auto-nomos que está no grego antigo, é uma junção de duas coisas que significa o indivíduo que “dar leis a si mesmo”. Aquele que se autogoverna.

Em contraposição a autonomia, está o conceito de heteronomia, também trabalhado pelo autor. O conceito se refere ao ocultamento do ser social como participante único, como criador e criação da sociedade. Como disse Marques (2014), é a ocultação do ser social retirando do próprio indivíduo seu aspecto de historicidade, relegando a origem da sociedade em seres sobrenaturais, razão, leis da história, etc. É uma alienação do mundo social, os responsáveis pela vida humana são vistos como seres transcendentais, ou energias inumanas, naturais.

Segundo Castoriadis (1982), a alienação ou a heteronomia social, não se mostra apenas como o discurso do Outro, apesar de ter um papel importante no trabalho de elaboração do conteúdo do consciente e inconsciente da massa. Mas, sua essência torna invisível o Outro, desaparece. Aqui

o outro desaparece no anonimato coletivo, na impessoalidade dos “mecanismos econômicos do mercado” ou da “racionalidade do Plano”, da lei de alguns apresentada como lei simplesmente. E, conjuntamente, o que representa daí em diante o outro não é mais um discurso: é uma metralhadora, uma ordem de mobilização, uma prisão (CASTORIADIS, 1982, p.131).

Quando no primeiro filme, Neo descobre as determinações da matrix, produzindo a seu modo todos os aparatos de controle, percebe a crueldade que sofreu ele e todos ali. A partir disso, messianicamente ele teve que lutar contra e na matrix, isso na medida que Zion resistia a investida das máquinas IA no subsolo. Enquanto a luta de Neo é traçada individualmente, Zion batalhava pela sua existência, porém, comparada com os humanos presos a matrix, são apenas um pequeno grupo contra um grande inimigo de inteligência artificial.

A sentimento, marcado nessas duas frentes (o sentimento de Neo e Zion expresso, quando inicialmente lutaram contra seus inimigos), encaixam-se em uma dimensão que não é da autonomia individual e muito menos social, mas ideológica. Tentam não só destruir o mundo

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das máquinas, mas destruir a matrix. Visam excluir os discursos da matrix nas pessoas. Ora, como excluir aquilo que estava antes mesmo dos seres humanos incubados nascerem? Nascerem fisicamente e na própria matrix. Missão impossível!

A dimensão que opera a matrix é ideológica, assim como a ação daqueles que visavam sua aniquilação por vias, também, conscientes e inconscientes presentes nos indivíduos. Já a dimensão da autonomia “não é eliminação pura e simples do discurso do outro, e sim elaboração desse discurso, onde o outro não é material indiferente, porém conta para o conteúdo do que ele diz” (CASTORIADIS, 1982, p. 129), é uma relação de intersubjetividade.

O Eu da autonomia não é Si absoluto, mônada que limpa e lustra sua superfície êxtero-interna a fim de eliminar as impurezas trazidas pelo contato com o outro; é a instância ativa e lúcida que reorganiza constantemente os conteúdos utilizando-se desses mesmos conteúdos, que produz com um material e em função de necessidades e de ideias elas próprias compostas do que ela já encontrou antes e do que ela própria produziu (CASTORIADIS, 1982, p. 128).

Até esse momento, as partes contrárias se repelem, estão em negação. Porém, essa relação muda devido uma ameaça em comum, algo que se apresenta fora de qualquer discurso, imprevisível e destrutível.

A ameaça surge na imagem do agente Smith. Ele é um programa. Sua forma é de pessoa comum ao cargo de policial investigativo, e por ser um programa, seu campo de ação se dá dentro da matrix. Seu objetivo é impedir a digressão dos sujeitos, reprimi-los e manter o statu quo. Em dado momento, Smith foge à regra, burla sua programação não mais respondendo a “fonte”, que é o local de produção e reprodução da matrix. Ele busca liberdade, mas, enxerga a humanidade, o mundo simulado e consequentemente as máquinas IA como seus inimigos. Para alcançar seus objetivos, como uma célula cancerígena no organismo, multiplica-se exponencialmente buscando a metástase.

O agente Smith não está incluído pelo discurso de Neo-Zion, e nem faz mais parte do discurso da matrix-máquina IA. Ele é um fora-da-lei, da lei de uma ordem, de uma instituição. Smith é o real, e “o real é o que não está institucionalizado nem sancionado na ordem simbólica e, por conseguinte, não sancionado pelo discurso ideológico da realidade instituída” (DE SOUSA, 2017, p. 55).

Ele é uma ameaça a matrix, a humanidade, a realidade. Foi somente através de uma necessidade (como mostra o filme), que houve uma certa união entre máquinas IA e Neo-Zion, derrotando o agente Smith. As máquinas não derrotariam Smith sozinhas, como Neo, também

Referências

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