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(1)JOSÉ EDUARDO PARAISO RAZUK. DRAMATURGIA EM TRANSPOSIÇÃO Um estudo sobre Senhora dos Afogados de Nelson Rodrigues. Universidade Metodista de São Paulo Curso de Pós-Graduação em Comunicação Social São Bernardo do Campo, 2003.

(2) 1. JOSÉ EDUARDO PARAISO RAZUK. DRAMATURGIA EM TRANSPOSIÇÃO Um estudo sobre Senhora dos Afogados de Nelson Rodrigues Dissertação apresentada em cumprimento às exigências do Programa de PósGraduação em Comunicação Social, da UMESP – Universidade Metodista de São Paulo, para obtenção do grau de Mestre. Orientadora: Profª. Drª. Sandra Reimão. Universidade Metodista de São Paulo Curso de Pós-Graduação em Comunicação Social São Bernardo do Campo, 2003.

(3) 2. FOLHA DE APROVAÇÃO. A dissertação de mestrado “Dramaturgia em Transposição: um estudo sobre Senhora dos Afogados de Nelson Rodrigues”, elaborada por José Eduardo Paraíso Razuk, foi defendida e aprovada com a média 10 (dez) em 25 de novembro de 2003, perante a banca examinadora composta por Profa. Dra. Sandra Reimão (Presidente), Prof. Dr. Joseph M. Luyten (Titular – UMESP) e Profa. Dra. Bárbara Heller (Titular – UNIP).. Profa. Dra. Sandra Reimão Profa. orientadora. São Bernardo do Campo,. de dezembro de 2003.. Prof. Dr. Sebastião Squirra Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. Área de concentração: Processos Comunicacionais Linha de pesquisa: Cultura Midiática Projeto temático: Transcodificação Midiática.

(4) 3. Dedicatória à Lelé.

(5) 4. Agradecimentos especiais:. aos amigos, Ester, Postigo e Veruska pela força, pelos truques e por todo carinho; à Arlete Sbrighi e ao Sergio Camargo, pelos materiais de pesquisa e depoimentos; aos meus professores de mestrado, Dr. Joseph M.Luyten, Dra.Cicília M. Krohling Peruzzo e Dr.Jacques Vigneron; e, à professora, orientadora e amiga iluminada, Dra. Sandra Reimão..

(6) 5. “Acho a televisão uma coisa afrodisíaca. O fato de se estar em contato com oitocentas mil pessoas de uma vez é sério, é um fato muito transcendente.” Nelson Rodrigues Entrevista para o Museu da Imagem e do Som – 1967.

(7) 6. SUMÁRIO. RESUMO ................................................................................................................................ 8 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 9 O projeto da pesquisa ................................................................................................ 10 CAPÍTULO I – ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O TELETEATRO .................. 15 O teleteatro brasileiro ............................................................................................... 16 Do meio artístico ao meio reprodutor ....................................................................... 18 CAPÍTULO II – O TELETEATRO NA TV CULTURA ....................................................... 20 TV Cultura – entre a massa e a elite ........................................................................ 21 Teleteatro 2 – um marco na teledramaturgia brasileira ........................................... 24 CAPÍTULO III – SENHORA DOS AFOGADOS ................................................................. 26 Senhora dos Afogados – uma adaptação de sucesso ............................................... 27 “Acertamos o nervo do Nelson” ............................................................................... 29 “Quando um gênio da dramaturgia é encenado por um gênio do fazer teatral” ..... 30 Um roteiro com a assinatura Carlos Queiroz Telles ................................................ 31 A tragédia rodriguiana ............................................................................................. 32 CAPÍTULO IV – O TEATRO DE NELSON RODRIGUES ............................................... 39 Nelson Rodrigues e o teatro moderno no Brasil ...................................................... 40 A trajetória de um “caso raro de gênio brasileiro” ................................................. 42 CAPÍTULO V – COMPARAÇÃO ENTRE AS SENHORAS DOS AFOGADOS ................ 45 As diferenças literais entre texto teatral e o seu roteiro para teleteatro, na adaptação de Carlos Queiroz Telles .......................................................................................... 46 A composição das tabelas ........................................................................................ 47 Resumo dos quadros comparativos .......................................................................... 48 Análise dos quadros comparativos ........................................................................... 50 Do roteiro à imagem – As diferenças entre a adaptação de Carlos Queiroz Telles e seu produto final com a direção de Antonio Abujamra ........................................... 58 Quadro de Resumos – somatória dos elementos suprimidos ou incluído na comparação entre roteiro e imagem ............................................................................................. 59 Quadro das cenas incluídas na direção e não previstas no roteiro ........................... 60.

(8) 7. A imagem sobrenatural e o mar “inevitável” - os poucos detalhes que mudaram uma história .............................................................................................................. 64 CAPÍTULO VI – A QUESTÃO ESTÉTICA EM SENHORA DOS AFOGADOS ............... 67 O predomínio da estética naturalista na TV ............................................................. 68 A visão expressionista .............................................................................................. 70 O expressionismo em Nelson Rodrigues .................................................................. 73 Um momento expressionista na teledramaturgia brasileira ........................................... 75 A aceitação de uma obra expressionista na TV ....................................................... 77 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 81 BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................... 87 ANEXO I - TABELAS DOS ELEMENTOS DÍSPARES ENTRE O TEXTO TEATRAL E O ROTEIRO ADAPTADO DE SENHORA DOS AFOGADOS .............................................. 90 Primeiro quadro comparativo – elementos presentes no primeiro ato do texto original e que foram eliminados na adaptação .......................................................... 91 Segundo quadro comparativo – elementos não presentes no primeiro. ato do. texto original e que foram inseridos na adaptação .................................................. 108 Terceiro quadro comparativo – elementos presentes no segundo ato do texto original e que foram eliminados na adaptação ........................................................ 110 Quarto quadro comparativo – elementos não presentes no segundo ato do texto original e que foram inseridos na adaptação ........................................................... 125 Quinto quadro comparativo – elementos. presentes. no terceiro ato do texto. original e que foram eliminados na adaptação ........................................................ 126 Sexto quadro comparativo – elementos não presentes no terceiro ato do texto original e que foram inseridos na adaptação ........................................................... 138.

(9) 8. DRAMATURGIA EM TRANSPOSIÇÃO: UM ESTUDO SOBRE SENHORA DOS AFOGADOS DE NELSON RODRIGUES. RESUMO Este estudo tem como proposta analisar a transcodificação midiática de uma obra da dramaturgia brasileira ao meio televisivo, na forma de Teleteatro. Para isso selecionamos a obra Senhora dos Afogados de Nelson Rodrigues e sua adaptação para TV, realizada em 1985 por Carlos Queiroz Telles e dirigida por Antônio Abujamra, numa consagrada produção da TV Cultura. O estudo enfoca os componentes da linguagem do Teatro e da TV: texto, som, imagem, cor e movimento e suas variações em cada um desses meios, em contextos históricos diferentes e destinados a públicos diferentes. O trabalho de análise tem como instrumental básico a Pesquisa Qualitativa e as técnicas da Análise de Conteúdo.. PALAVRAS-CHAVE: adaptação; transcodificação midiática; Nelson Rodrigues; teatro brasileiro; TV brasileira; teleteatro.. ABSTRACT The purpose of this study is the mediatic transcodification’s analysis of a Brazilian play, written for theater and adapted for television. In order to that, a play from Nelson Rodrigues, Senhora dos Afogados, was selected. It was performed in 1985 by Carlos Queiroz Telles and directed by Antonio Abujamra, in an acclaimed production of TV Cultura. The study focus the components of theatre and television’s language like text, sound, image, color and movement and its variations on each of these medias, considering the different publics and historical contexts. The basic techniques used by the analysis’ work were the qualitative research and the context’s analysis.. KEY WORDS: adaptation, mediatic transcodification, Nelson Rodrigues, brazilian theatre, brazilian TV; teleplay..

(10) 9. INTRODUÇÃO.

(11) 10. O PROJETO DA PESQUISA. As adaptações de obras literárias para a TV são bastante numerosas em nosso país. Desde o início das nossas transmissões televisivas estas adaptações, realizadas no formato de telenovelas, de minisséries ou de teleteatros, freqüentemente conquistam uma imagem associada a uma produção de alto padrão de qualidade, que as diferenciam na programação geral. A peça teatral, veículo de cultura e entretenimento, é uma das formas mais vivas e completas da comunicação e da arte. No mundo globalizado da comunicação de massa, o teatro destaca-se por sua comunicação pessoal e direta. “... ele [o teatro] sobrevive graças à sua especificidade: a comunicação direta entre o ator e o público, responsável por um prazer estético ausente de qualquer outra linguagem artística.” (MAGALDI, 1962, p.261). Walter Benjamin teoriza essa característica da obra de arte através do conceito de Aura, destacando a importância da autent icidade, unicidade e originalidade (hic et nunc), que com a reprodutibilidade técnica é danificada. Apresentando essa comunicação direta e humana, com o poder de provocar e sentir imediatamente a reação dos receptores, a peça teatral, historicamente tem se mostrado como um dos gêneros literários mais empregados em adaptações para a TV, em um formato não seriado geralmente denominado de teleteatro. Grande veículo da comunicação de massa no Brasil, parte integrante da vida diária da nossa população, cumprindo um papel social importantíssimo para a informação, o entretenimento e a cultura dos brasileiros, nossa TV tem encontrado no teatro uma rica fonte criadora. O texto teatral, escrito para se tornar oralizado e ganhar vida se transformando em imagens e sons interpretados pelos atores durante a representação cênica, tem servido como base importante para diversas produções da teledramaturgia brasileira, através dos processos da transposição. Observar as várias etapas dessa transcodificação da peça teatral ao meio televisivo é o que pretende esse trabalho, que será desenvolvido a partir de uma análise de conteúdo que tem como objeto de estudo é a peça de Nelson Rodrigues, Senhora dos Afogados, e sua adaptação televisiva apresentada pela TV Cultura em um programa da série Teatro 2. A discussão dos aspectos da transposição midiática decorrentes no processo de adaptação de textos teatrais às produções televisivas, a partir da observação de Senhora dos Afogados, será o nosso principal objetivo e, para isso, será necessário identificar os elementos díspares entre o texto da peça e o roteiro da produção de TV e elementos novos, visuais e auditivos surgidos na montagem da TV e constatar o quanto esses interferiram no processo,.

(12) 11. como também será necessário analisar, num contexto histórico-cultural e midiático, as abordagens mais significativas e suas semelhanças e diferenças resultantes, na comparação da obra teatral com a obra televisiva. Este estudo deve contribuir para uma análise, no contexto da comunicação social, que auxilie na compreensão de um gênero importante da TV brasileira, o teleteatro. Observando a característica de ser o produto cultural em questão, resultante de um processo de transcodificação, podemos justificar que tal estudo poderá contribuir em análises semelhantes que se realizem sobre outras transposições mídiáticas. PATRICE PAVIS (1999, p.397) conceituando a relação entre televisão e teatro afirma: “O Teatro representa, na televisão, um papel que não deve ser negligenciado. Todo um público só verá teatro sob a forma de uma retransmissão, de uma gravação ou de um teleteatro. A produção teatral é, atualmente, muitas vezes guardada sob a forma de um vídeo gravado. Portanto, é capital refletir sobre as relações destas duas artes e sobre as transformações sofridas pelo evento teatral, quando transformado em programas de TV.” Sobre as adaptações ao meio televisivo, LÍGIA AVERBUCH (1984, p. 175-205) destaca que a televisão, como meio reprodutor da obra de arte e como meio típico da cultura de massa, é sempre impositiva: “A. televisão. impõe. seus. meios,. códigos. e. regras,. alterando. substancialmente a matéria-prima que veicula (...) a telenovela ou o teledrama, o seriado e o telejornal são formas narrativas que a tevê amoldou aos seus disígnios e que, ao transformar o leitor em espectador, modificou a natureza do texto do romance, do conto, do drama, da crônica ou da reportagem.” Nesse contexto, a adaptação de Senhora dos Afogados, é uma interessante fonte para análises e considerações, dada a algumas especificidades geradas por esse encontro dos grandes talentos de Nelson Rodrigues com Antonio Abujamra e pelo sucesso alcançado por essa obra, referência de qualidade na programação da TV Cultura. Esse estudo tem como hipótese fundamental que a adaptação para TV da peça Senhora dos Afogados de Nelson Rodrigues resultou em uma produção cultural com diferenciais significativos em relação à obra dramatúrgica original, em função de que esses diferenciais surgem pelas características típicas da linguagem de cada uma das mídias em questão: o texto teatral e a TV. Outras hipóteses, derivadas dessa hipótese fundamental, também serão pesquisadas. São elas:.

(13) 12. 1. As questões relacionadas à autoria também criam diferenças substanciais entre texto teatral e adaptação de TV. No texto teatral a obra tem apenas a criação literária de seu autor, enquanto na adaptação para TV também influenciaram as interpretações da obra feitas pelos atores, pelos técnicos e, principalmente, pelo roteirista e pelo diretor. 2. Na adaptação para TV da peça Senhora dos Afogados, os aspectos da estética expressionista, presentes na obra dramatúrgica original, foram valorizados pela direção de Antônio Abujamra, resultando numa produção de difícil assimilação do tradicional público televisivo, se comparada às outras adaptações e minisséries do gênero. 3. Alguns aspectos visuais criados ou valorizados na adaptação de TV interferiram sobremaneira no contexto dramático provocando nos telespectadores uma interpretação diferente sobre a história contada na obra dramatúrgica. Os instrumentos relacionados à Pesquisa Qualitativa, fundamentados nas técnicas da Análise de Conteúdo, no contexto que BARDIN (1977, p.42) apresenta formam a base metodológica desse projeto: “um conjunto de técnicas de análise das comunicações, visando obter por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.” Será realizado um Estudo Descritivo, mais especificamente um Estudo de Caso dentro dos conceitos que definem esses estudos como sendo uma categoria de pesquisa cujo objeto é uma unidade que será analisado profundamente. Para isso a Descrição Analítica e a Interpretação referencial serão as fases mais importantes nesse processo. Os procedimentos básicos abordados serão os seguintes: I – Levantamento sobre a peça Senhora dos Afogados, abordando um estudo sobre autor, a criação da obra e os fatores de influência, as montagens realizadas e as críticas; II – Estudo comparativo do texto original teatral e do roteiro adaptado, verificando mudanças significativas e elementos em disparidade; III – Análise das imagens levadas ao ar, traçando comparações dessas com o texto teatral e com o roteiro televisivo;.

(14) 13. Os elementos em comparação, sintetizados dos modelos de análise apresentados por RENATA PALLOTTINI no capítulo 11 da obra Dramaturgia, a construção do personagem, (1989), serão os seguintes: a. - Aspectos gerais: contexto histórico-cultural das produções, ação. principal, lugar e época da ação, tempo de duração, número de personagens e cenas, ordenamento e estrutura cênica e abordagem geral do espetáculo. b - Direção de arte: cenários, figurinos, adereços, iluminação, sonoplastia, ambientação e concepção estética. c - Personagens: Características físicas e modos de caracterização, perfil psicológico, conflitos e funções dramáticas. IV - Entrevistas com alguns profissionais envolvidos na montagem para TV para levantamento de particularidades da montagem e estudos de recepção. Na realização da análise de conteúdo entendemos, como aponta ANNA MARIA BALOGH em conjunções – disjunções – transmutações da literatura ao cinema e à TV, (1996, p. 37) que o termo adaptação é tradicionalmente consagrado para definirmos a passagem do texto literário ao fílmico e/ou televisual e representa um processo que pressupõe a passagem de um texto caracterizado por uma substância da expressão homogênea – a palavra – para um texto no qual convivem substâncias da expressão heterogêneas, tanto no que concerne ao visual quanto ao sonoro. Entendemos ainda linguagem como ”qualquer sistema de signos capaz de servir à comunicação entre indivíduos” (RABAÇA & BARBOSA, 1987, p.363). No processo de adaptação teatral entra em questão a existência de uma linguagem que, essencialmente, foi escrita para ser oralizada por atores numa primeira transcodificação, e posteriormente à sua adaptação para a TV, segunda transcodificação, novamente a oralidade interfere em seu contexto, portanto entendemos, como afirma MARLENE FORTUNA (1995, p.79) sobre as relações entre a escritura e a oralidade: “...são tão eternas quanto eternas são as discussões entre verbo e fala. O ator, mais do que ninguém, vive entre, para e com o dilema desta confrontação. Entre autor (escritura) e ator (oralização e gestualidade) impõem-se tempos, espaços, pesos e conceitos de valores diversos.” Como analisaremos uma obra teatral reinterpretada como um produto da industria cultural, questões relacionadas à autoria também precisam ser observadas. Entendemos como expõe UMBERTO ECO (1976) que a poética da obra em movimento instaura uma nova relação entre artista e público, uma nova percepção estética, uma diferente posição do produto.

(15) 14. artístico na sociedade abrindo assim uma nova página da história da arte. Portanto, levanta novos problemas práticos, cria situações comunicativas e instaura uma nova relação entre contemplação e uso da obra de arte..

(16) 15. CAPÍTULO I ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE TELETEATRO.

(17) 16. O TELETEATRO BRASILEIRO. A TV brasileira caracteriza-se ao longo dos últimos trinta anos por sua diversidade de programas e gêneros, pelos expressivos resultados de audiência, que revelam sua alta penetração junto a todos os segmentos socioculturais de nossa população e pelo seu alto poder de influência no comportamento de nossa sociedade. É, sem dúvida, o nosso principal meio de comunicação de massa no que se refere ao número de receptores atingidos, e, por isso mesmo, alvo de tantas análises, discussões e críticas. Parte de sua programação tem se destacado entre os nossos principais representantes da industria cultural. SANDRA REIMÃO (2000, p. 63) destaca que: “voltada principalmente para o entretenimento, a programação da TV brasileira é, como o país, um lugar de contrastes. Encontram-se, por um lado, por exemplo, estruturas narrativas com identidade própria como a telenovela brasileira e, por outro lado, cópias degradadas de programas de auditório repletos de competições infantilóides; encontram-se, por um lado, adaptações de clássicos da literatura nacional filmadas com sofisticação e técnicas cinematográficas e, por outro lado, programas que exploram sofrimentos, misérias e doenças de pessoas das classes menos favorecidas.” Em meio a uma forte batalha por conquista de audiência que interfere sobremaneira na grade da programação das grandes emissoras da TV aberta, em meio à diversidade de estilos de programas procurando-se atingir todos os segmentos socioculturais de nossa população e em meio a uma produção televisiva marcada pelo contraste entre a alta e baixa qualidade artística e técnica, as adaptações de obras da literatura e do teatro se sobressaem por sua qualidade artística e pelos requintes de suas produções. Essas adaptações, no entender e avaliação de muitos críticos, têm representado o que de melhor se produz no campo televisivo. Notadamente voltada ao lazer e ao gosto popular, a TV brasileira tem buscado na literatura a matéria prima para a realização de produções com maior aprimoramento artístico, e nessa busca por melhor qualidade, encontra na obra dramatúrgica fatores que facilitam e favorecem o processo de adaptação. Desde do início da televisão no Brasil, encontramos com destaque a presença de adaptações teatrais, como nos exemplifica SANDRA REIMÃO (1997, p. 25): “Nas noites de domingo a TV Tupi apresentava TV de Vanguarda - em geral, encenações de peças teatrais clássicas: Shakespeare, Goethe, Brecht, Pirandelo e dramaturgia brasileira. Não se tratava de uma mera transmissão de.

(18) 17. uma montagem teatral; o programa buscava adaptar as encenações à linguagem televisiva e ficou na história como um dos momentos em que a TV Tupi obtém maior prestígio junto à elite intelectualizada e, para muitos, será a própria definição da TV dos anos 50; uma TV tida como culturalista e até, acusada por alguns, de elitista”. Os autores ORTIZ; BORELLI; RAMOS também se referem ao papel importante dos teleteatros no início da nossa TV em Telenovela, História e Produção (1987, p. 53) quando citam que “entre 1951 e 1963 foram produzidos 1.890 teleteatros (...) contra apenas 164 telenovelas: uma diferença considerável.” Mostram que as adaptações sempre causaram na TV a admiração pública que já possuíam em origem, justamente por serem oriundas de veículos essencialmente culturais, como o teatro e a literatura: “Entre 1957-63 o teleteatro continua crescendo, independentemente da penetração dos ‘enlatados’ americanos. Devido à preferência que as emissoras nutriam por uma dramaturgia mais cultural, temos que em nenhum momento a evolução deste tipo de produção declina, mantendo-se condizente com o ambiente de prestígio e distinção social que a caracterizava.” Desde meados dos anos sessenta, com a popularização da TV, a preferência por uma programação de apelo mais popular, como a produção de telenovelas, fez com que a produção de teleteatros começasse a sofrer uma redução em termos quantitativos, porém o caráter cultural e o prestígio desses se mantêm, agora mais presente, dado ao contraste, na qualidade de produção e na quantidade em que são produzidos, em relação às telenovelas. Desde então, os teleteatros foram tratados como eventos especiais e, a partir daí, o refinamento de produção e a sofisticação no trato da questão artística são definitivamente incorporados a essas adaptações, sedimentando a imagem pública de produtos de alto padrão cultural, destacando o gênero em nossa teledramaturgia. Obras da literatura e do teatro, que são consideradas patrimônios culturais sempre estiveram presentes na industria cultural emprestando seu prestígio original ao produto resultante. Em contrapartida, a obra resultante populariza o produto original e pode representar uma democratização da obra de arte, nos casos em que proporciona o interesse público sobre um texto ou um autor, na maioria das vezes, pouco conhecido (ou até desconhecido) pelo grande público..

(19) 18. DO MEIO ARTÍSTICO AO MEIO REPRODUTOR. As questões resultantes desse choque entre meios culturais diferentes como o teatro e a televisão, provocadas pelas adaptações, independente da alta qualidade com que eram e que ainda são produzidos os teleteatros e outras formas de transposição, sempre foram alvo de diversas críticas e teses. Já na década de oitenta LÍGIA AVERBUCH (1984, p.175-205) nos apontava: “No seio da cultura de massa , as diversas formas de produção artística se alimentam reciprocamente, ao mesmo tempo que se valem do acervo das obras de arte tradicional. Assim fez o cinema, nos seus primórdios, ao buscar seus motivos na literatura e no teatro e, nos dias de hoje, é a televisão que realiza este percurso.” No mesmo artigo, AVERBUCH destaca que as obras artísticas divulgadas num meio apenas reprodutor, como um concerto musical gravado em um disco, por exemplo, não têm seu conteúdo afetado e representam sempre uma democratização da arte. Já obras impressas adaptadas ao meio televisivo, sofrem diversas alterações. A TV atua como meio modificador das obras que reproduz, alterando sobremaneira o seu conteúdo; surge assim, o chamado hibridismo cultural como resultado emergente desse processo. Nesse contexto, as questões relacionadas à autoria são analisadas pela pesquisadora que nos mostra que a criação se torna nesse processo a própria produção e, portanto, os roteiros de tevê e cinema são extremamente problemáticos para as abordagens referentes ao papel do autor, na medida que a visão do diretor ou mesmo do público se transformam numa poderosa manipulação da obra original. O diretor podendo dar maior ou menor importância a este ou aquele diálogo, ação ou personagem, ou ainda intensificando ou atenuando a carga de dramaticidade ou comicidade, ou mesmo alterando o ritmo ou a atmosfera das cenas, contribui sobremaneira no resultado final da obra produzida, ocupando um papel tão determinante quanto o do roteirista ou até mesmo do autor. Assim sendo, resulta-se da obra adaptada uma autoria múltipla. Um processo quase que coletivo, onde a obra original sofre um processo de diluição de sua autoria. Essa diluição é ainda mais presente quando acrescida da participação das audiências. As produções para TV, principalmente as produções seriadas como novelas e minisséries, sofrem a interferência da opinião pública, pois na luta por melhores audiências várias intervenções podem ser causadas com o objetivo de se atingir o gosto ou a vontade popular. Afora todo esse mecanismo que acabam por transformar a obra de um autor em uma obra aberta, não podemos nos esquecer ainda do papel, sempre determinante na.

(20) 19. representação cênica, ocupado pelos atores.. O texto dramatúrgico, criado para ser. representado, recebe do ator, talvez, suas maiores modificações. A maneira como um ator interpreta um texto, suas inflexões vocais, seu ritmo, seus gestos, suas expressões e até seus “silêncios” são fundamentais na transmissão e contexto das mensagens, podendo alterar o sentido proposto pelo autor. Os atores podem ainda, através de seu carisma, serem o elemento causador de parte das interferências provocadas pela direção ou pelo público espectador..

(21) 20. CAPÍTULO II O TELETEATRO NA TV CULTURA.

(22) 21. TV CULTURA – ENTRE A MASSA E A ELITE. A TV Cultura é parte integrante da Fundação Padre Anchieta - Centro Paulista de Rádio e TV Educativas. Mantida por dotações orçamentárias legais e por recursos obtidos junto às empresas, a Fundação Padre Anchieta é composta pela TV Cultura e por duas emissoras de rádio: Rádio Cultura AM e Rádio Cultura FM. Essas emissoras não são governamentais, nem tão pouco comerciais. São emissoras públicas, e portanto, devem manter uma programação de interesse público, de caráter essencialmente cultural e educativo. A Fundação Padre Anchieta foi instituída pelo governo paulista em 1967, no seio da ditadura militar, época em que no âmbito da comunicação social se privilegiavam as ações governamentais de caráter ideológico e persuasivo. A televisão brasileira sedimentava-se então como um novo e importante meio de comunicação de massa, dando mostras de um forte potencial de penetração e influência nos mais diversos segmentos sociais e, por isso mesmo, capaz de promover a integração nacional, na visão unificadora e uniformizadora da nação pretendida pelo regime militar. A história da TV Cultura porém se inicia em período anterior, em 1960, como uma nova emissora de TV dos Diários Associados, sendo a segunda emissora do grupo na cidade de São Paulo, ao lado da líder de audiência e, então, mais importante emissora do país, a TV Tupi. Concebida para se tornar uma emissora dedicada à cultura, (como o próprio nome sugeria), o conteúdo de sua programação, aos poucos, se afastou dessa intenção cultural. Da emissora que já em 1960, havia “criado e transmitido o primeiro Telecurso brasileiro destinado a preparar candidatos ao exame de admissão ao ginásio”, (MATTOS,1990, p.12) até à exibição de programas popularescos e programas apelativos de caráter sensacionalista foram apenas poucos anos. Esse enfoque numa programação popular representava uma saída estratégica para a conquista de melhores audiênc ias. Uma solução aos graves problemas financeiros que os Diários Associados enfrentava m. Sobre esses primeiros tempos LAURINDO LEAL FILHO (1988, p. 20), citando trecho da Pequena História da TV publicado na Revista Briefing de setembro de 1898, afirma que: “Depois do incêndio que acabou completamente com os estúdios e os equipamentos da Cultura, a emissora foi instalada num galpão construído num terreno pantanoso da Freguesia do Ó e, logo depois, vendida para a Fundação.

(23) 22. Padre Anchieta, do Governo do Estado de São Paulo, que lá iniciaria a segunda fase da emissora, desta vez inteiramente dedicada a finalidades educativas e culturais.” Essa venda ao Estado paulista em 1967, gerou grandes polêmicas na Assembléia Legislativa, já que alguns deputados viam o negócio como um beneficiamento ilícito para acomodar a situação financeira dos Diários Associados. No dia 15 de junho de 1969, volta ao ar, agora como a televisão educativa do Estado de São Paulo. Em seus primeiros meses, permanecia no ar apenas das 19h30 às 23h30, e desde então, enfrentando a competição das outras emissoras, de apelo e programação populares, com uma produção essencialmente cultural, bem ao gosto e aos anseios das elites, como indica LEAL FILHO (1988, p. 21): “Apesar de sua aquisição pelo governo do Estado ter sido marcada pela desconfiança, a nova inauguração da TV Cultura foi saudada com entusiasmo pelos jornais O Estado de São Paulo e Jornal da Tarde. Percebe-se em suas reportagens e editoriais a satisfação criada com a possibilidade de as ‘elites intelectuais’ se fazerem presentes nesse tipo de veículo de comunicação de massa. É a tentativa de retomar, via televisão, o velho projeto de preencher o ‘vazio intelectual’ que, segundo eles, existiria no país e que nos anos 30 havia sido reservado à Universidade. Ou de forma mais precisa reanimar no contexto da ditadura a pretensão da USP.” O site da TV Cultura (08/11/2002), no conteúdo de informações sobre sua história também nos indica essa presença universitária como forma de se intelectualizar a TV: “Na época - e já avançando em 69 -, aconteceram os testes técnicos e de produção nos estúdios da Escola de Comunicações e Artes da USP, no Antigo Prédio da Reitoria. Curiosamente, a fase de testes era acompanhada por alunos de Rádio e TV da ECA que, formados nos anos seguintes, viriam a se juntar aos pioneiros da nova emissora, já como profissionais.” Uma “programação elitista” será a proposta hegemônica de programação, na maior parte do tempo de vida da emissora. “A proposta elitista original é permanente. Ela perpassa todos esses anos, ora em posição hegemônica, ora em posição subalterna, mas nunca deixa de estar presente”. (LEAL FILHO, 1988, p.59). S egundo os estudos do autor esse tipo de programação. tem as seguintes características básicas: atendimento das expectativas das elites cultas; forma de resposta ao conteúdo popularesco das TVs comerciais; e, concentração em programas típicos da cultura erudita como concertos musicais, teatro clássico, ópera, debates acadêmicos etc. O autor também observa na história da emissora a presença de propostas populistas e propostas conciliatórias, estas representariam o meio termo entre o elitismo e o populismo,.

(24) 23. como forma de acomodação desses conflitos internos na gestão da emissora. Conflitos e crises também serão apontados na questão política, já que o caráter apolítico expresso nos estatutos da emissora por muitas vezes foi esquecido e a programação foi influenciada e até mesmo adequada à vontade dos governantes. “Aí está o fulcro da questão que explica não só as crises, mas também toda a indefinição, que é a marca da TV Cultura ao longo de sua vida.” (LEAL FILHO, 1988, p.60). Numa visão menos crítica e mais institucional, o site da TV Cultura nos apresenta outros aspectos interessantes da história dessa emissora que hoje alcança uma cobertura de 1.121 cidades, distribuídas em 21 Estados e Distrito Federal. A população total do país servida por seu sinal é estimada em 95 milhões de pessoas aproximadamente. Sua programação é transmitida, no todo ou em partes, pelas diversas emissoras que compõem a Rede Cultura através do satélite Brasilsat, com freqüência operacional de 4.130 MHz. Em relação ao conteúdo da programação, encontramos uma extensa lista de 165 prêmios. Entre esses, importantes premiações nacionais, como os diversos troféus APCA, e também alguns prêmios de caráter internacional como o Prix Camera - da UNESCO pelo desempenho no campo da comunicação social, artística e cultural e Prix Television Jeunesse - Melhor Programação de TV Pública do Planeta, prêmios esses que de alguma maneira confirmam os bons resultados obtidos pela emissora, no que diz respeito à qualidade de sua programação: “Com uma programação, calcada em documentários, cursos e jornalismo, a Cultura foi importante também para as emissoras comerciais como laboratório para profissionais e formatos: de seus Tele-Romances saíram atores e diretores que se tornaram estrelas em outros canais. O papo cabeça com o adolescente foi uma invenção da Cultura.(...) Mas a contribuição mais importante da TV Cultura foi no segmento infantil: Vila Sésamo,(...) surgiu lá, assim como Bambalalão, Catavento, Revistinha e o premiado Rã-Tim-Bum. (...) Assim, conseguiu honrosos oito pontos de audiência com a exibição de Castelo Rá-TimBum e boa perfomance com a série O Mundo da Lua. Inovou também ao fazer parcerias com produtores nacionais, chamando a iniciativa privada para investir.” Nessa festejada programação de vários prêmios e boas críticas, as produções em teledramaturgia da Cultura tiveram um papel relevante, desde o início da programação da emissora, já em sua fase de TV pública, como nos indica a citação abaixo, também incluída na home page da emissora:.

(25) 24. “A ficção, por sinal, teria destaque com o Grande Teatro, logo nos primeiros tempos da TV Cultura. Marcaram época as montagens de "A Casa de Bernarda Alba" e "Electra", adaptadas e dirigidas por Heloísa Castellar. (...)trazia um elenco estelar, (...) Nos anos 70, diretores do primeiro time do teatro brasileiro, como Ademar Guerra, Antunes Filho e Antonio Abujamra assinariam montagens de teleteatro produzidas pela emissora.. TEATRO 2 - UM MARCO NA TELEDRAMATURGIA NACIONAL. Em 1974, em sua primeira edição, o programa Teatro 2 estreou com a adaptação da peça Chapetuba Futebol Clube, de Oduvaldo Viana Filho e direção de Antunes Filho. Durante seus cinco anos de exibição, o programa destacou-se na TV Cultura por sua proposta ousada e sua reconhecida qualidade artística. Grandes autores como Brecht, Ibsen, Tchecov, Strindberg, Garcia Lorca, Guimarães Rosa, Machado de Assis e Jorge Andrade entre outros, foram encenados por prestigiados atores, atrizes e diretores brasileiros. Podemos verificar esse importante papel, acompanhando o depoimento da idealizadora do programa, quando diretora do departamento cultural da RTC, a consagrada atriz e diretora Nydia Licia. Em textos preparados pelo setor de divulgação da TV Cultura, distribuídos na festa de lançamento de Senhora dos Afogados, marco da reestréia do programa em 1985, NYDIA LICIA afirma: “É com grande alegria que saúdo a volta do ‘Teatro 2’, programa de maior importância cultural, que uma emissora educativa como a RTC tem todas as condições para realizar com seriedade e competência. Quando o programa estreou em 74, minha preocupação maior foi a de convidar diretores que, além de reconhecida competência, tivessem personalidades totalmente diferentes, isso proporcionaria o ecletismo necessário à realização”. Cada diretor era totalmente livre para escolher o texto com o qual melhor se identificasse e os atores que julgasse mais aptos para interpretá-lo. Desta liberdade total de criação, surgiram algumas obras-primas que resistem ao tempo e superam até mesmo o fato de terem sido gravadas em branco e preto. Prova disto foi o êxito alcançado em toda a rede de TVs Educativas do Brasil, quando de sua reapresentação pela TVE do Rio de Janeiro, no ano passado.” Nesse mesmo press-release onde encontramos o comentário de Nydia Licia, outros grandes nomes do teatro e da TV brasileira também se manifestaram sobre a importância do.

(26) 25. Teatro 2, como o autor e diretor WALTER JORGE DUST para quem “o pioneirismo e a importância desta iniciativa colocam a emissora num ponto de destaque em relação às demais.” Para o diretor ANTUNES FILHO, o Teatro 2 tem como destaque “abrir caminhos para o teatro na própria televisão e, conseqüentemente, atingir um público bem maior.” ÍTALO MORELLI, responsável pelo retorno do Teatro 2 esclarecendo os motivos pelo qual a TV Cultura novamente colocava no ar o programa, declara: “Durante algum tempo a Televisão Cultura privou-se de um espaço cuja ausência se fez sentir não só em sua programação mas, de maneira mais ampla, em todos os segmentos artístico-culturais brasileiros. Atores, diretores, produtores, adaptadores e técnicos haviam perdido, na televisão, sua mais autêntica forma de expressão: o Teatro 2. Implantado na gestão Nydia Licia no departamento cultural da RTC, o programa cristalizou em linguagem moderna competência, ousadia e experimentalismo. Competência comprovada desde o início, pela participação direta de Antunes Filho, Ademar Guerra, Antônio Abujamra e Walter Durst. Ousadia, transpondo para o vídeo textos e autores até então julgados impossíveis de serem encenados ou adaptados. Experimentalismo, cuja possibilidade de existir estava à espera de uma realização adulta e capaz.”.

(27) 26. CAPÍTULO III SENHORA DOS AFOGADOS.

(28) 27. SENHORA DOS AFOGADOS – UMA ADAPTAÇÃO DE SUCESSO. Senhora dos Afogados foi uma dessas adaptações de um texto teatral ao meio televisivo que conseguiu um grande destaque por suas qualidades artísticas e singularidades na montagem. Uma produção de 1985, levada ao ar pela primeira vez, na quinta-feira 29 de agosto às 22 horas. Era o retorno do programa Teatro 2, um projeto que propunha ser a volta de um espaço exclusivo destinado às adaptações teatrais para a televisão que marcou época como um dos grandes momentos da programação da TV Cultura. Participaram da produção e montagem de Senhora dos Afogados os profissionais relacionados na seguinte ficha técnica, conforme informações obtidas nos créditos exibidos nas vinhetas de apresentação do teleteatro: Adaptação: Carlos Queiroz Telles. Direção: Antonio Abujamra. Elenco: Françoise Fourton, João José Pompeu, Tânia Bondezan, Paulo Gorgulho, Carlos Palma, Rosália Petrin, Hugo Rodas, Cecília Camargo, Adriana Abujamra e Arlete Sbrighi. Participação especial: Fernando Peixoto. Coro dos Vizinhos: Yara Pietrikovsky, Fernanda Abujamra, Christina de Barros, Herculano Lopes, Cyrano Rosalem, Sérgio Camargo e Guilherme Re is. Mulheres do cabaret: Denise Araceli, Silvia Pompeo, Cláudia Moras e Cristina Caiuby. Produção: Leonor Chaves Assistente de produção: Zeca Abdalla Direção de TV: Antônio Pires Direção musical: Paulo Herculano Assistente de estúdio: Dorival Camargo Cenografia: Augusto Francisco e Cristina Fischetti Equipe de cenografia: José Maurício Sancho, João Azevedo Filho, Marquito, Paulo C. Rebesco e Marcondes F. Souza Contra-regra: Antônio C. dos Santos e Odilézio A. da Costa Maquiagem: Ângela Paduan e Therezinha G. Borges Cabeleireiro: Maires Caiado Camareira: Thereza S.A. Leite Contatos externos: Regina Fontoura Câmeras: Moacyr Souto Júnior e Vilson Funis Auxiliar de câmera: Cícero D. Franco e Edílson Luiz Salles.

(29) 28. Iluminação: Carlos Travaglia e Valdeci Azevedo Auxiliar de iluminação: José M. Silva de Jesus, José Eduardo Moraschi e Carlos Rito Operador de vídeo-teipe: Joaquim de J. Ferreira Edição de vídeo-teipe: Carlos Araújo Operador de vídeo: Farias Dias e Mauro Zacchi Sonoplastia: Ismael Peregrinelli e Laerte Silva Operador de microfone: Pedro F. dos Reis e Getúlio L. Fernandes Técnico de som: Jaime A. M. Covolan Técnicos: Reinaldo V. Marchini, José Roberto Pacheco, Keiti Honda e Pérsio M. de Souza Auxiliar de coordenação de operações: J. Ferraz Canto Coordenação de operações: Adelchi Niccioli Coordenação de produção: J. Franco e Reginaldo A. Figueiredo A adaptação de peça de Nelson Rodrigues acabou por se tornar um grande sucesso de crítica, transformando-se numa referência importante na produção de teledramaturgia da TV Cultura e, conseqüentemente, já foi reprisada em algumas ocasiões. Com relação ao público, junto àqueles mais familiarizados com a estética teatral, o teleteatro também teve uma grande aceitação como nos declarou a atriz Arlete Sbrighi em 07 de fevereiro de 2003: “Foi um trabalho que muitos adoraram. Era especial, diferente de tudo que estavam acostumados a ver em televisão. As pessoas realmente gostaram do que viram. Acharam brilhante. Obviamente, essa era o opinião daqueles mais acostumados com a linguagem teatral: o público tradicional do teatro.” Na comemoração dos trinta anos da TV Cultura, realizada pela emissora através de uma série de programas em reprises especiais, considerados os melhores na história da emissora e incluídos na programação sob o título 30 Anos Incríveis, a adaptação de Senhora dos Afogados foi novamente apresentada. No dia 03 de fevereiro de 2000, no horário das 22h30 a produção foi destacada nessa reapresentação como um dos melhores momentos da programação da Cultura..

(30) 29. “ACERTAMOS O NERVO DO NELSON”. Junto a essa reprise, foi levada ao ar uma entrevista realizada com o diretor da montagem, Antonio Abujamra que fez as seguintes declarações que estão transcritas na sequência : “Nelson Rodrigues... falar de Nelson Rodrigues é realmente tentar falar do maior tragicômico do teatro da América Latina. Muitos dizem: - É o nosso Shakespeare! – É o nosso Feideau. Outros dizem: - É isso, é aquilo... Quando nós fizemos na TV Cultura essa Senhora dos Afogados, era para acertar o nervo do Nelson. Claro que a gente mexeu um pouco na peça porque a gente não tinha condições de fazer exatamente como ele escrevia, mas como eu sou um autor de espetáculo e não um autor literário... como eu meto a mão em Shakespeare, por que eu não iria meter a mão em Nelson Rodrigues? E aí fiz com um elenco maravilhoso: João José Pompeu, já falecido; Françoise Fourton; Paulo Gorgulho, começando carreira; Tânia Bondezam, que pela primeira vez na TV Cultura mostrou seus seios...” Numa segunda parte da entrevista, comentando sobre as particularidades do processo de produção de Senhora dos Afogados, o diretor Abujamra esclarece: “Não tínhamos estúdio. Não tínhamos cenário. Não tínhamos figurinos. Tínhamos que inventar. E a gente começou a inventar... Tá bom! Câmara pra externa? Fomos para o Guarujá. Lá no Guarujá pegamos o Augusto Francisco [cenógrafo e figurinista da montagem] que botou todo mundo de branco: a roupa era branca, a faca era branca, bebida era branca, a cama era branca...tudo era branco! Por que no Nelson Rodrigues, a violência sexual do Nelson, que é uma das coisas mais bonitas de mostrar; como é o Rio de Janeiro. Esse tipo de frases antológicas como por exemplo assim, por exemplo assim [referindo-se ao texto de Nelson Rodrigues]: ‘Uma paulista de quatrocentos anos nunca traiu o marido e se traísse, deveria trair na cama do marido.’ É uma coisa extraordinária. E o Nelson nos comovia. O Nelson nos levava a fazer o trabalho dele até a gente perceber que ele continuava melhor que a gente. E ai a gente brincou muito. Françoise Fourton fez uma grande interpretação. O mar era uma grande interpretação. As coisas eram.

(31) 30. muito bonitas e deu certo porque acertamos o nervo do Nelson. Soubemos mostrar que ele é um autor realmente que deveria ser feito em todos os lugares do mundo, porque é nosso autor primeiro.”. “QUANDO UM GÊNIO DA DRAMATURGIA É ENCENADO POR UM GÊNIO DO FAZER TEATRAL”. Em entrevista, realizada em 08 de abril de 2003, para conhecermos maiores detalhes sobre a produção, o ator Sergio Camargo, que fazia parte Coro dos Vizinhos, um dos principais diferenciais da peça de Nelson Rodrigues, numa alusão inovadora ao Coro Grego, típico recurso da tragédia grega antiga e que foi mantido na montagem da tevê, declarou: “Em termos de custos e de recursos, a produção pode ser considerada ‘remediada’, o que a meu ver reflete muito o que ocorre com produção teatral de um modo geral; não as superproduções de caráter comercial, mas aquelas mais comuns em que se destaca a capacidade criadora, e que em muitas vezes gradua o profissional de teatro em formação, que tem que usar de muita criatividade e desenvolve coisas e idéias que transcendem ao puramente material e que fazem chegar ao espectador as intenções da criação em toda a sua riqueza, sem para isso dependerem dos ‘fogos de artifício’ de que dependem as produções sem conteúdo profundo; ‘Senhora’ [referindo-se á adaptação televisiva] foi assim; em virtude das dificuldades econômicas a base de sua produção foi um elenco quase que em sua totalidade saído do Núcleo de Repertório do TBC, dedicados ‘a causa teatral’ e que se dispuseram a abraçar o projeto do Abujamra, que na época era o líder deste grupo e que nos agraciou com a participação nesta produção da TV Cultura, com poucos recursos, mas que me confirmou que o talento está acima de qualquer recurso financeiro e, em especial, quando um gênio da dramaturgia é encenado por um gênio do fazer teatral. Nelson esta acima de qualquer suspeita, por seu dom natural de inovar, infringir e afrontar as mentes menos favorecidas e recheadas de conceitos inflexíveis. Sua criatividade inovadora se fez presente em cada passo da produção pois não fosse a teia maravilhosa dos conflitos interiores de sua obra o resultado estaria comprometido. A direção do Abujamra teve, como sempre, seu toque de maestria em todos os pontos: a definição do que iria caber no tempo da TV.

(32) 31. sem comprometer a obra; a gerência dos sentimentos dos atores, que não tiveram tempo de interiorizar os personagem como deveriam, e que no final refletiram as intenções do Abu [apelido de Antônio Abujamra] exatamente como ele queria, já que a produção foi toda filmada em trechos pré-definidos e sem continuidade. O que demonstrou, pelos resultados, que ele sabia exatamente onde queria chegar. Enquanto para nós os atores, para esse trabalho, o que foi necessário foi a nossa capacidade de reproduzir com qualidade o pensamento do diretor. Sem dúvida nenhuma, a peça em questão ficaria aquém de uma novela mexicana se fossemos depender apenas da produção e dos recursos empenhados. A obra então se resumiu a: autor, diretor, interpretação e profissionais de bastidores. E deu muito certo! O mínimo de recursos foi colocado à disposição: hospedagem íamos e vínhamos do Guarujá a São Paulo todos os dias para economizar com hotel; maquiagem - era para usar o que tinha; equipamentos de filmagem - poucos e ultrapassados; salários – ínfimos; e talento... muito!. UM ROTEIRO COM A ASSINATURA CARLOS QUEIROZ TELLES. Para a realização do projeto do teleteatro Senhora dos Afogados, Antonio Abujamra contou com o auxílio de um consagrado nome da TV e do teatro paulista, Carlos Queiroz Telles, destacado por sua grande experiência e comprovado talento artístico, um nome de respeito, apto à difícil missão de transpor, com a devida qualidade, uma tragédia de Nelson Rodrigues ao meio televisivo. Nascido em 1936, o paulista Carlos Queiroz Telles, além de excelente adaptador e roteirista de cinema e, principalmente, de tevê, foi um importante poeta e dramaturgo brasileiro, de grande renome no teatro e TV de São Paulo.. Na época de estudante da. Faculdade de Direito da USP, participou da fundação do histórico Grupo de Teatro Oficina, que estreou com a peça A ponte, de sua autoria. Posteriormente, também teve destacada atuação no núcleo do Teatro São Pedro. Trabalhou como redator em programas de tevê, em publicidade, em jornalismo e como professor de redação da Faculdade de Comunicação da FAAP. Foi diretor da TV Cultura de São Paulo de 1977 a 1986 e conselheiro do Museu Lasar Segall. Como escritor, conforme as informações publicadas pela home page da Editora Moderna, tem 53 obras editadas e mais de duas dezenas de peças teatrais encenadas no Brasil.

(33) 32. como Porondubas Populares, Frei Caneca e A Semana. No exterior, seus principais sucessos teatrais Muro de Arrimo e Marly Emboaba, com traduções em aproximadamente doze idiomas, já foram encenados em mais de 20 países. Pelos seus trabalhos recebeu, entre outros, os prêmios Molière (1972 e 1975), Arthur Azevedo, da Academia Brasileira de Letras (1972), APCA - Associação Paulista dos Críticos de Arte (1972, 73, 75, 77, 81, 84, 88, 92), Jabuti (1991) e Oswald de Andrade (1990). Em televisão, desde o início dos anos 60, Carlos Queiroz Telles também esteve envolvido, participando de grandes e importantes produções, se destacando como criador de programas como Vox Populi, Bambalalão e A História da Telenovela (TV CULTURA) e autor de obras de teledramaturgia como O Julgamento (TV TUPI) e Carga Pesada (TV Globo). MARCO ANTÔNIO GUERRA (1993) referindo-se a produção de Queiroz aponta que essa se manteve ininterrupta até a data de seu falecimento, em fevereiro de 1993 e que a partir dos anos 80 essa produção tornou-se mais diversificada que na década anterior, em sua maior parte dedicada à poesia e ao teatro, atingindo diversas faixas de público com a publicação de obras de literatura infantil, literatura juvenil, de humor, teatro infantil e, ainda, mantendo sua produção poética e teatral e televisiva.. A TRAGÉDIA RODRIGUIANA. Para cumprir o compromisso de Ítalo Morelli de levar “competência, ousadia e experimentalismo” à TV brasileira, para a reestréia do Teatro 2, foi escolhida uma das mais importantes peças do teatro rodriguiano Uma tragédia dividida em três atos e 6 quadros, escrita em 1947, mas que teve sua estréia nos palcos apenas em 1954. Esses sete anos de diferença entre autoria e estréia, marcam um período onde a peça ficou proibida de exibição nos teatros pela Censura Federal, como aconteceria a tantas outras peças do autor. A censura foi decretada por uma comissão de intelectuais da época: Gilberto Freire votara a favor da liberação do texto enquanto Alceu Amoroso Lima e Olegário Mariano foram os votos contrários à liberação do texto, segundo RUY CASTRO (1992). Uma história das mais chocantes envolvendo assassinatos, incesto, traição, sedução e vingança, tudo isso praticado numa mesma família da alta burguesia era, realmente, uma grande afronta, um escândalo aos padrões morais vigentes, independente de seu brilhantismo artístico. Um texto com as melhores qualidades dramatúrgicas, escrito numa linguagem poética excepcional e que apenas em 1953 seria liberado da censura, muito mais pelas boas.

(34) 33. relações de Nelson Rodrigues com o então Ministro da Justiça do Governo Getúlio Vargas, Tancredo Neves, do que por alguma mudança no comportamento moral da sociedade e da intelectualidade brasileira, tanto que embora liberada, a peça teve sua montagem recusada pelo próprio meio artístico como, por exemplo, pelo TBC – Teatro Brasileiro de Comédia, então a mais importante companhia do teatro paulista. Em 1º de junho de 1954, finalmente, estréia no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, pela Companhia Dramática Nacional do Serviço Nacional de Teatro do Ministério da Educação e Cultura, com a seguinte ficha técnica: Direção: Bibi Ferreira Cenários: Santa Rosa Elenco: Nathalia Timbert, Wanda Marchetti, Sônia Oiticica Carlos Mello, Ribeiro Fortes, Narto Lanza, Déo Costa, Ferreira Maya, Magalhães Graça, Celme Silva, Waldir Maia, Elísio de Albuquerque, Walter Gonçalves, Cida Carneiro, Mirthes Mendonça, Cerise Carneiro, Marina Ramos, Eudoxia Ferreira, Jerci Camargo, Inadir Costa e Maria Fernanda. Essa estréia marcaria mais uma passagem polêmica na carreira teatral de Nelson Rodrigues, com nos conta RUY CASTRO (1992, p.252): “Ironicamente, os poderes oficiais estavam emprestando suas pompas a uma peça polêmica, que passara anos interditada e que acabara de ser enxotada por uma companhia séria como se fosse um texto de Walter Pinto. Pois nem as pompas impediram que, na frente de Tancredo Neves, a platéia do Municipal vaiasse ‘Senhora dos Afogados’. Não foi apenas uma vaia, foi uma batalha. Assim que a peça terminou, a platéia dividiu-se em dois gomos, ambos disputando para decidir quem gritava mais alto: os que aplaudiam e os que insultavam. Coros de ‘Gênio!’ e ‘Tarado!’ sacudiram o reboco do teto.” A peça, em seu início, mostra um funeral na família Drummond, que mora em um casarão à beira- mar. O casal Doutor Misael e Dona Eduarda, pais de Moema e Paulo, estão vivendo pela segunda vez a morte de uma filha por afogamento. Primeiro foi Dora e, agora, Clarinha. A Avó - a louca da família - dizia sempre que o destino das mulheres da família era o de serem levadas pelo mar. Nesse dia do enterro de Clarinha, as mulheres do cais também estavam rezando pela alma de uma prostituta que morrera há dezenove anos. O pai de Moema, o Juiz Misael, é apontado na vizinhança como o assassino da prostituta..

(35) 34. Moema está noiva e esse compromisso é desaconselhado por sua mãe, pois seu noivo tem má reputação: é um ex-oficial da marinha que vive a beber e está sempre em companhia das prostitutas do cais. A partir desses fatos, a narrativa nos revela outras mortes que estão por ocorrer na família Drummond em situações misteriosas, com referências sobrenaturais e dramas morais e psicológicos, que vão desde o adultério ao incesto, e que resultam em desfechos surpreendentes em que são revelados grandes segredos: o ‘Noivo’ é filho de Doutor Misael com a prostituta e se aproximou da família Drummond apenas para vingar a morte de sua mãe, já que essa foi mesmo assassinada por Doutor Misael; Dona Eduarda, após saber desses fatos foge com o noivo de Moema, por quem está apaixonada; Moema, como seu pai, também é uma assassina, pois foi a autora dos afogamentos de suas irmãs. As ações nefastas de Moema serão ainda causadoras de outras mortes terríveis: da Avó, que só comia e bebia das mãos de Moema e a quem essa esquece de alimentar por vários dias; de seu irmão Paulo, a quem convence de matar seu noivo por vingança e de se afogar em seguida; Moema faz seu pai matar a esposa, Dona Eduarda, cortando- lhe as mãos como castigo ao adultério que essa cometeu. Dr. Misael, não resistindo aos fatos, acaba por morrer. Moema termina só e desesperada. Seus crimes têm como causa a paixão doentia pelo pai e os ciúmes violento que esse amor gerou. A história, inspirada no mito incestuoso de Electra, é uma tragédia das mais polêmicas, no melhor estilo rodriguiano. Paráfrase de uma peça de O’Neill, como nos apresenta SÁBATO MAGALDI na Introdução de Teatro Completo de Nelson Rodrigues, (RODRIGUES, 1981, p.37), em seu segundo volume, dedicado à publicação das suas Peças Míticas (Álbum de Família, Anjo Negro, Dorotéia e Senhora dos Afogados): “Não me lembro em que circunstâncias, reli há muitos anos Senhora dos Afogados e, de repente, saltou para mim o seu vínculo com Mourning Becomes Electra (O Luto Assenta a Electra ou Electra e os Fantasmas, título do volume português, ou ainda Electra Enlutada, nome da tradução brasileira), a bela trilogia de Eugene O’Neill. Encontrei-me logo depois com Nelson Rodrigues e quis saber por que ele não revelara ter feito uma paráfrase da obra norte-americana. Nelson achou muita graça e disse do seu espanto ao passar despercebida a semelhança quando das primeiras leituras dos amigos e na estréia do espetáculo,no Teatro Municipal do Rio, em 1º de junho de 1954. Observar tão proposital evidência, segundo o dramaturgo, era tarefa do crítico, e não dele.”.

(36) 35. MAGALDI conclui que a admiração de Nelson Rodrigues por O’Neill serviu apenas como um estímulo inicial à criação da peça já que, ao contrário da peça norte-americana, o texto de Nelson partiu para uma realização livre ao que se refere ao mito grego original, estando sua obra contaminada por outros valores, próprios do mundo rodriguiano. A tragédia é um dos principais gêneros empregados por Nelson Rodrigues em seu teatro, obviamente à sua maneira, melodramática e folhetinesca. A tragédia, “do grego Tragoedia: canto do bode – sacrifício aos deuses pelos gregos” é um gênero teatral que representa uma ação humana marcada pelo fúnebre e pela fatalidade, por isso muitas vezes termina em morte e deve, preferencialmente, causar horror ou piedade nos espectadores segundo PATRICE PAVIS (1999, p.415). O autor destaca que a definição de tragédia dada por Aristóteles influenciará profundamente os dramaturgos até a atualidade: “A tragédia é uma imitação de uma ação de caráter elevado e completo, de uma certa extensão, numa linguagem temperada com condimentos de uma espécie particular conforme as diversas partes, imitação que é feita por personagens em ação e não por meio de uma narrativa, e que provocando piedade e temor, opera a purgação própria de semelhantes emoções.” Os elementos apontados como fundamentais na concepção do gênero são: a catharsis, purgação dos sentimentos produzida pelo medo, horror ou piedade do espectador; a hemartia, que é o ato heróico que o levará à perda; a hybris, representando a perseverança, o orgulho e até a teimosia do herói; e, finalizando, o pathos, sofrimento que a peça comunica. Como gênero teatral, a tragédia grega tem sido constantemente adaptada a culturas e contextos históricos diferentes e, particularmente, se comparada ao estilo original, ganha singularidades e diferenças significativas no teatro moderno. Conforme nos declara TANIA MARCIA CEZAR HOFF na introdução de sua dissertação Duas eletras brasileiras (USP, 1992) “O trágico é um assunto bastante polêmico, pois muito se discute sobre a possibilidade de se escreverem tragédias no mundo moderno, quando não mais se acredita em uma manifestação direta do divino na vida do homem. Há os que julgam o trágico um estigma do mundo grego, já superado pelo cristianismo; no entanto, há os que consideram a possibilidade da situação trágica dentro do mundo cristão como em qualquer outro.” Considerando que como todos os outros gêneros teatrais, a tragédia se transforma, conforme ocorre a evolução da própria dramaturgia, ainda devemos identificar neste gênero.

(37) 36. algumas especificidades, entre elas a fatalidade, as ocorrências fúnebres e o caráter de levar o público, sensibilizado pela história, a reflexões transformadoras. Como forma consagrada de mímesis, do ponto de vista aristotélico, a criação artística teatral, incluindo a tragédia, deve ser observada como instintiva obra reprodutora da realidade humana. RENATA PALLOTTINI (1983, p. 16) referindo-se à Ação Dramática aponta essa como “a vontade humana que persegue seus objetivos”. Podemos atribuir a todo espetáculo teatral, e, conseqüentemente, ao texto dramatúrgico, a qualidade de ser uma obra artística de finalidade transformadora e assim tem sido provavelmente desde seu início, onde originaram diversos mitos e arquétipos do ocidente, entre os quais o mito de Electra, inspirador de tantas histórias. A tradição do teatro ocidental aponta a Grécia no século VI a.C. como marco inicial da atividade teatral, na forma como hoje concebemos. Sua história nos revela que o passo decisivo para seu estabelecimento e destacado crescimento dentro da cultura clássica foi a instituição pelo Estado dos concursos públicos de dramaturgia. Da análise das poucas peças desse período, que sobreviveram até nossos dias, podemos observar sempre um caráter de discussão da moral e da conduta da sociedade na criação dos textos. Esse caráter de instrumento crítico e questionador da sociedade presente desde os primeiros tempos, pontua toda a história do teatro no ocidente, e ganha maior relevo a partir do Teatro Moderno. As teorias de Erwin Piscator posteriormente desenvolvidas por Bertold Brecht exemplificam essa função ideológica da obra teatral moderna, que se tornou uma forte influência na dramaturgia contemporânea. Nas palavras de ANATOL ROSENFELD (1977, p.150) sobre o desenvolvimento da teoria do teatro épico de Bertold Bretch, vemos a importância da crítica social: “A segunda razão decorre do intuito didático do seu teatro, da intenção de apresentar um ’palco científico’ capaz de esclarecer o público sobre a sociedade e a necessidade de transformá-la”. No Brasil, o teatro moderno também é marcado por essa instrumentalização do ato teatral como um meio crítico. Várias peças foram dedicadas à reforma da sociedade, à transformação política e à contestação dos valores e da moral vigentes. Estão presentes em grandes momentos da nossa dramaturgia, atingindo os nossos melhores e mais consagrados autores, entre os quais, Nelson Rodrigues. Obstinadamente dedicado a um universo teatral dominado pela condição trágica da existência humana : mortes, obsessões sexuais, pecados, culpas, crimes e dramas familiares, o teatro de Nelson Rodrigues é condutor de um moralismo tratado às avessas, que resulta numa obra de caráter contestador na medida em que nos expõe um mundo marcado pelas.

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