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PERFIL DEMOGRÁFICO E ALGUMAS MEDIDAS DE FECUNDIDADE DOS POVOS GUARANI NO SUL E SUDESTE DO BRASIL

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PERFIL DEMOGRÁFICO E ALGUMAS MEDIDAS DE

FECUNDIDADE DOS POVOS GUARANI NO SUL E SUDESTE DO

BRASIL

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Sofia Pereira Madeira2 Palavras-chave: Demografia de etnias; perfil demográfico; fecundidade; povos Guarani. Resumo: Os povos Guarani dividem-se em Nhandeva, Mbyá e Kaiowá e têm como base de

sua organização social, econômica e política a formação de famílias extensas, isto é, grupos macro familiares que detêm formas de organização da ocupação espacial no interior dos territórios (tekoha) segundo relações de parentesco e afinidade. Neste contexto, as mulheres ocupam posição central, articulando esferas da vida social e cumprindo extensa jornada de trabalho, marcada por tarefas domésticas e cuidados dispensados aos filhos e netos; portanto, sua saúde e a plena realização de suas atividades são fundamentais para o bom funcionamento da estrutura do grupo. Sabe-se que, cultural e biologicamente, homens e mulheres estão expostos a distintos padrões de sofrimento, adoecimento e morte; a gravidez, por exemplo, é um evento relacionado à vivência da sexualidade e reprodução, não se caracterizando como doença, mas aumenta a morbimortalidade materna, tornando a mulher propensa a adoecer, agravar doenças pré-existentes e, consequentemente, a morrer. O elevado nível de fecundidade Guarani intensifica a vulnerabilidade feminina, o que nos levou a investigar os fatores sociocosmológicos, culturais e históricos explicativos deste perfil - em diálogo com extensa bibliografia. Ademais, apresentamos a análise do perfil demográfico Guarani, a partir do qual se buscou conhecer a dinâmica desta população em comparação com os resultados encontrados entre outros povos indígenas no Brasil e também com o contingente autodeclarado indígena nos censos brasileiros de 1991 e 2000. Desse modo, foi possível traçar significativas semelhanças entre o comportamento demográfico do povo Guarani nas regiões Sul e Sudeste do país e aquele encontrado entre povos e indivíduos com filiação étnica específica.

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Trabalho apresentado no XVII Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Caxambu- MG – Brasil, de 20 a 24 de setembro de 2010.

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PERFIL DEMOGRÁFICO E ALGUMAS MEDIDAS DE

FECUNDIDADE DOS POVOS GUARANI NO SUL E SUDESTE DO

BRASIL

Sofia Pereira Madeira 1. Objetivos e Metodologia

O presente trabalho tem como objetivo descrever e analisar o perfil demográfico da população indígena Guarani nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, bem como mensurar algumas medidas de fecundidade desta população. Para isso, a pesquisa se pauta em dois pilares centrais: uma extensa pesquisa bibliográfica - a partir da qual se busca conhecer os fatores sócio-culturais e históricos que expliquem a configuração do perfil demográfico e do regime de fecundidade desta população - e a pesquisa quantitativa, com base no banco de dados da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA).

As maiores dificuldades na pesquisa demográfica entre povos indígenas gravitam em torno da obtenção das informações necessárias para a construção de indicadores demográficos e da confiabilidade desses dados, cuja fragilidade reside nas especificidades dessas populações. A ausência de dados consistentes sobre a dinâmica demográfica dos povos indígenas no Brasil nos revela a urgente necessidade de maiores e mais profundos estudos sobre estas populações – tendo em vista que esses povos apresentam processos histórico-demográficos bastante peculiares e são donos de uma complexa dinâmica populacional, muitas vezes incógnita. Nessa perspectiva, apesar do crescente interesse de estudiosos pela demografia indígena, as pesquisas realizadas na área são insuficientes para pôr fim a inúmeros questionamentos no que tange ao comportamento demográfico destas populações, tendo em vista o franco processo de crescimento e rejuvenescimento populacional pelo qual estão passando os povos indígenas no Brasil e em toda a América Latina – na contramão do que era esperado para estas populações e também em discordância do que vem acontecendo entre países ditos “em desenvolvimento”, como o Brasil.

Portanto, há a necessidade de uma metodologia adequada para a coleta de informações sócio-demográficas entre os povos indígenas e no tratamento das mesmas, sobretudo pelo fato de, em geral, esses povos terem um número muito reduzido de indivíduos. Contudo, mesmo entre povos numericamente expressivos, como os Guarani – maior povo presente no Brasil, com aproximadamente 50.000 indivíduos – essas dificuldades se mostram presentes, com dados fragmentados e imprecisos. Assim, a falta de estatísticas confiáveis sobre as populações indígenas é preocupante, pois “(...) o conhecimento do contingente, estrutura e dinâmica populacional dos diversos povos indígenas no Brasil fornecerá a base para projetos econômicos, educacionais e de assistência médica, além de, prever problemas futuros, viabilizando a adoção de medidas preventivas” (Penna, 1984: 1581).

Conforme Souza (2008: xvi), “(...) uma melhor compreensão dos processos demográficos que afetam as populações pode orientar políticas administrativas locais, planejamentos em saúde e educação e antecipar futuras tendências de modo mais efetivo”. Portanto, falta-nos conhecer o comportamento demográfico das populações indígenas para melhor planejar as condutas e políticas públicas que visam atendê-los.

Nesse sentido, vale ressaltar a importante iniciativa e contribuição da presente pesquisa ao se propor a conhecer, descrever e analisar o perfil demográfico e algumas medidas de fecundidade da população Guarani residente nas regiões Sul e Sudeste do país, comparando com o perfil demográfico de outros povos indígenas já estudados, gerando e divulgando conhecimentos acerca dos processos e dinâmicas demográficas das populações indígenas no Brasil.

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2. Discussão e Resultados

A estrutura de uma dada população num certo momento segundo sexo e idade é efeito de processos históricos e sócio-demográficos como nascimentos, mortes e movimentos migratórios ocorridos nos cem anos anteriores (BERQUÓ, 1980). De fato, a natalidade, a mortalidade e a migração são os três componentes mais importantes da dinâmica demográfica, resultando em uma determinada estrutura populacional; nesse sentido, ao analisarmos o perfil etário e por sexo de uma população, conhecemos parte de seus processos históricos e também indicativos de tendências demográficas futuras.

Para melhor analisar a estrutura por sexo e idade de uma população, recorre-se à pirâmide etária, uma representação gráfica através da qual podemos observar para cada sexo a distribuição de uma população segundo os grupos etários e, para cada grupo etário, a distribuição desta mesma população segundo o sexo. Trata-se “(...) da justaposição de dois gráficos: um referente à distribuição da população masculina segundo os vários grupos etários e o outro relativo ao mesmo tipo de representação para a população feminina” (BERQUÓ, 1980: 38-39).

Com base nos dados do cadastro da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), construímos a pirâmide etária para a população Guarani encontrada nas regiões Sul e Sudeste do Brasil.

Gráfico 1: Pirâmide etária percentual por grupos qüinqüenais de idade da população Guarani nas Regiões Sul e Sudeste

Pirâmide etária percentual por grupos quinquenais de idade População Guarani Regiões Sul e Sudeste Fonte: FUNASA 2008

15 10 5 0 5 10 15 0 a 4 5 a 9 10 a 14 15 a 19 20 a 24 25 a 29 30 a 34 35 a 39 40 a 44 45 a 49 50 a 54 55 a 59 60 a 6465 e + G r u p o s d e i d a d e População percentual Homens Mulheres Fonte: FUNASA, 2008.

A pirâmide etária para o conjunto da população Guarani no Sul e no Sudeste apresenta uma base larga, com uma expressiva proporção de crianças e jovens e uma pequena participação dos idosos no total da população3. O formato piramidal é típico de populações pré-industriais, que ainda não vivenciaram a chamada Transição Demográfica, processo no qual as elevadas taxas de mortalidade e natalidade entram sucessivamente em queda, atingindo um patamar baixo e regular de mortalidade e uma fecundidade próxima do nível de reposição (2,1 filhos por mulher) - quando não abaixo deste.

3 A última faixa etária da pirâmide inclui os indivíduos com 65 anos ou mais, não tendo, portanto, idade máxima, por isso seu volume é visivelmente maior que as demais faixas referentes às idades mais avançadas.

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É possível observar um significativo declínio da mortalidade (sobretudo infantil) entre os povos indígenas estudados no Brasil tendo em vista a melhoria das condições de saúde, com a introdução de medidas preventivas como a vacinação, o uso de antibióticos e o tratamento de diarréia por soro de reidratação oral. A fecundidade, no entanto, mantém-se elevada ao compararmos suas taxas com aquelas estimadas para a sociedade nacional, favorecendo o rápido crescimento destas populações.

Estudos recentes comprovam que inúmeros povos indígenas - como os Bakairi, Canela, Kamayurá, Kayapó, Krahô, Nambiquara, Panará, Tenetehara, Xavante e quase a totalidade dos grupos que habitam o Parque Indígena do Xingu (PIX) - estariam crescendo, em média, 3,5% ao ano (PAGLIARO et al., 2005). Esse ritmo de crescimento é mais que o dobro da média estimada para a população brasileira no período entre os Censos de 1991 e 2000, da ordem de 1,6% ao ano (IBGE, 2004).

Muitas são as causas do expressivo crescimento demográfico vivenciado pelos povos indígenas no Brasil e também em toda a América Latina, entre eles o crescimento vegetativo dado pela queda da mortalidade e pela manutenção ou mesmo elevação das taxas de fecundidade; a crescente identificação de pessoas e/ou comunidades com uma etnia específica; povos formados por comunidades que recentemente passaram a se reconhecer como povos indígenas e reivindicam sua inclusão nesta categoria (chamados de “resistentes”) e ainda a ampliação do reconhecimento da descendência indígena em virtude de movimentos de valorização étnica, apesar de muitos indivíduos não se identificarem com nenhum grupo étnico específico.

Os povos Guarani, contabilizando a maior população indígena no Brasil com aproximadamente 50.000 indivíduos (FUNASA, 2006), também apresentam um acelerado ritmo de crescimento, tanto no Brasil quanto no Paraguai e na Argentina, onde também são encontrados. É o que nos revela o gráfico 2.

Gráfico 2: O crescimento da população Guarani nos últimos 25 anos

0 10.000 20.000 30.000 40.000 50.000 1981/1985 1996/2000 2001/2005 Brasil Paraguay Argentina População Guarani: crescimento nos últimos 25 anos

Fonte: AZEVEDO, 20094.

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Em virtude das elevadas taxas de fecundidade e, consequentemente, do significativo incremento demográfico, os Guarani nas regiões Sul e Sudeste do Brasil – assim como outros povos indígenas – vêm passando por um processo de rejuvenescimento populacional. Assim, esta população apresenta um perfil jovem, no qual o contingente dos grupos etários menores de 15 anos se aproxima e até mesmo supera a metade da população total.

Este dado é coerente com os resultados encontrados para um considerável número de populações indígenas na América Latina, entre as quais é possível identificar um regime demográfico bastante peculiar, marcado por elevadas taxas de fecundidade, um expressivo crescimento populacional e um visível processo de rejuvenescimento da população.

Esta dinâmica demográfica “(...) está na contramão das outras populações do mundo – cujos níveis de fecundidade estão baixos – e indica a urgente necessidade de informações e indicadores populacionais qualificados que orientem políticas públicas específicas” (AZEVEDO, 2006: 55). Ademais, a configuração de um regime demográfico tão distinto deve ser alvo de pesquisas e questionamentos sobre suas prováveis causas e possíveis conseqüências.

A esse respeito, Azevedo (2006: 55) indaga:

(...) é algo semelhante ao „baby boom‟ pós-guerras? Ou seja, é um fenômeno de recuperação demográfica ou é uma diferente dinâmica demográfica que tem raízes culturais e territoriais? Ou é uma fase temporária que pode acontecer muitas vezes no início da transição demográfica, que se caracteriza por um aumento da população causado pela alta fecundidade e queda da mortalidade?

Nesse sentido, Azevedo (2003) questiona ainda se são mudanças explicáveis demograficamente - devido à queda da mortalidade favorecida pelas melhores condições de vida e atendimento à saúde - ou resultado intencional da percepção social das próprias populações de que precisam repor sua população devido às perdas numéricas - decorrentes de epidemias, guerras, escravização e conflitos com as frentes de colonização, representando um importante aspecto na recente história indigenista brasileira (GOMES, 2002; PAGLIARO et al., 2005) - ou mesmo para expandir seu domínio territorial.

Contudo, apesar do crescente interesse de estudiosos pela demografia indígena, as pesquisas realizadas na área são insuficientes para pôr fim a tantos questionamentos; mas fato é que este regime demográfico caracterizado pela elevada fecundidade, por um significativo incremento populacional e pelo rejuvenescimento da população tem se mostrado comum aos povos indígenas no Brasil e em toda a América Latina.

Por isso, chamou-nos a atenção o recuo no primeiro grupo etário (0 a 4 anos), com uma menor proporção que o grupo seguinte (5 a 9 anos) - o que não era esperado. Este fato poderia indicar uma sensível queda da fecundidade, apontando o início do processo de transição demográfica; no entanto, alguns fatores demonstram que esta não seria uma explicação plausível.

De fato, inúmeros estudos entre diversos povos indígenas no Brasil constataram a queda dos níveis gerais de mortalidade, em especial a infantil, contribuindo para o processo de rejuvenescimento da população, pois a queda da mortalidade produz ganhos de vida em todas as idades, mas é ainda mais significativa nos primeiros grupos etários. Nesse sentido, a redução da mortalidade pouco ou nada altera a estrutura etária de uma população, ficando as mudanças a cargo das alterações no nível e padrão da fecundidade (BERQUÓ, 1980).

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Ademais, o declínio da mortalidade entre os indígenas brasileiros não tem se mostrado tão expressivo como foi entre povos pré-industriais com o advento de medidas de saneamento básico e higiene nos séculos XIX e XX na chamada Transição Epidemiológica5. Entre essas sociedades, a mortalidade entrou em um rápido e irreversível processo de queda (salvo exceções de pestes e epidemias), ocasionando um sensível crescimento populacional, uma vez que a fecundidade se mantinha em patamares elevados. Em seguida, a fecundidade entrou em queda, favorecida pela melhoria das condições de saúde e pela maior sobrevivência dos filhos tidos, provocando o arrefecimento do crescimento populacional e dando início a um processo de envelhecimento da população, marcando, assim, um certo padrão de transição demográfica.

Entretanto, vale ressaltar que não há na literatura demográfica nenhum indício de que os povos indígenas no Brasil - apesar de vivenciarem um processo de queda da mortalidade - estejam em processo de transição demográfica, tendo em vista a manutenção das altas taxas de fecundidade ou até a elevação das mesmas, promovendo um processo de rejuvenescimento populacional. Entre os Guarani de Parati/RJ, Lopez (2000) encontrou uma taxa de fecundidade de 10,8 filhos por mulher, em média, configurando um regime de alta fecundidade, para o qual a autora encontrou explicações de ordem cultural, econômica e política própria dos Guarani.

Consoante à conclusão de Lopez (2000), Pagliaro (2002) chama atenção para o fato de que a configuração de um regime de fecundidade é fruto de padrões produtivos ancestrais dos próprios povos indígenas, indo ao encontro de “(...) seus anseios e necessidades estratégicas de poder e ocupação de território (...) para atender às necessidades inerentes ao funcionamento de seus diferentes e complexos sistemas de organização social” (PAGLIARO, 2002: 2).

Para além das motivações deste regime, vale ressaltar que a alta fecundidade é um traço comum a inúmeros povos indígenas no Brasil e em toda América Latina, destacando-se a função deste regime como fator preponderante nos processos de “recuperação demográfica” e rejuvenescimento populacional aos quais os povos indígenas da América Latina estão submetidos.

Portanto, é mais sensato atribuirmos o recuo do primeiro grupo etário à perda (missing) de registros de crianças entre 0 e 4 anos no banco de dados da FUNASA, ao invés de supormos que se trata de um processo incipiente de transição demográfica. Esta perda pode decorrer de falhas da equipe técnica responsável pela coleta de informações cadastrais ou por parte das mães destas crianças em não mencioná-las – dificuldade relatada em muitas ocasiões de recenseamento e levantamento populacional.

Para fins de comparação, apresentaremos e comentaremos as pirâmides etárias construídas para o contingente populacional autodeclarado indígena nos Censos brasileiros de 1991 e 2000; porém, é importante frisar que o conjunto total da população indígena investigada em cada Censo (1991 e 2000, respectivamente) refere-se a universos distintos, por isso é necessário cautela na análise e comparação dos resultados encontrados.

5 Omran (1971) denominou como “Transição Epidemiológica” o processo caracterizado pela evolução progressiva de um perfil de elevada mortalidade por doenças infecto-contagiosas para outro com prevalência de óbitos por doenças cardiovasculares, neoplasias, causas externas e doenças crônico-degenerativas. Esta importante mudança nas causas de morte seria resultado dos avanços médico-sanitários gerados pela industrialização e pela crescente urbanização, processo que se deu primeiramente na Europa e, progressivamente, se espalhou por todos os países em desenvolvimento, provocando o declínio do coeficiente de mortalidade geral, a redução da mortalidade infantil, o aumento da expectativa de vida da população e a modificação do seu perfil epidemiológico (PRATA, 1992).

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No Censo realizado em 1991 foram recenseados apenas os indígenas não aldeados, moradores de postos indígenas da FUNAI e de missões religiosas, somando um total de 294.131 indígenas no país (IBGE, 2005). Posteriormente, no Censo de 2000, a autodeclaração passou a incluir também os indígenas moradores de Terras Indígenas (TI‟s), de áreas rurais fora das TI‟s e também de centros urbanos, somando 734.131 indígenas no Brasil (IBGE, 2005).

Gráfico 3: Composição por sexo e grupos de idade da população autodeclarada indígena total nos Censos brasileiros de 1991 e 2000.

Fonte: IBGE, 2005.

O gráfico 3 refere-se ao total da população autodeclarada indígena nos censos de 1991 e 2000 segundo a situação de domicílio, quesito que inclui – oficialmente – apenas as categorias “rural” e “urbano”; entretanto, para efeito de análise, os estudiosos da demografia indígena forjaram a categoria “rural específico” para designar o “(...) conjunto de pessoas indígenas residentes nas áreas rurais de municípios com terras indígenas, em função da estreita relação existente com os povos indígenas residentes nas terras indígenas6” (IBGE, 2005: 16). Entretanto, esta categoria só foi incluída nas análises dos dados do Censo de 2000, portanto, os resultados do Censo de 1991 são apresentados somente para o conjunto da população rural, urbana e para seu total.

Assim, na pirâmide apresentada no gráfico 3 podemos observar, logo de início, uma significativa redução na proporção dos grupos etários mais jovens entre os Censos, sobretudo os menores de 20 anos. Certamente, o volume de nascimentos no período entre 1991 e 2000 diminuiu, uma vez que a proporção dos grupos etários de 0 a 4 e 5 a 9 anos (nascidos nesse ínterim) sofreu uma significativa redução.

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Atualmente, existem 663 Terras Indígenas no Brasil entre homologadas, declaradas, delimitadas e em estudo, somando 107,618 milhões de hectares (12,5% do território nacional) distribuídos por todas as regiões do país, mas com significativa concentração na Amazônia Legal (FUNAI, 2009).

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A fim de melhor visualizar estas mudanças, recorremos às pirâmides elaboradas para as populações indígenas das áreas rural e urbana, separadamente, como mostram os gráficos 4 e 5 a seguir.

Gráfico 4: Composição por sexo e grupos de idade da população autodeclarada indígena no Brasil nos Censos de 1991 e 2000 na área Rural.

Fonte: IBGE, 2005.

Gráfico 5: Composição por sexo e grupos de idade da população autodeclarada indígena no Brasil nos Censos de 1991 e 2000 na área Urbana.

Fonte: IBGE, 2005.

Nota-se que a população da área rural apresenta uma estrutura por sexo e idade muito semelhante àquela encontrada para a população Guarani nas regiões Sul e Sudeste, com predomínio da população jovem e pouca participação proporcional dos indivíduos mais velhos. Ambas as pirâmides têm base larga, revelando a continuidade de um padrão de elevada fecundidade.

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Já a pirâmide da população indígena classificada na categoria urbana apresenta um formato bastante diferenciado do grupo rural, uma vez que tem uma base mais estreita, indicando a redução da fecundidade, e um inchaço nas idades jovens e adultas, resultado de uma elevada fecundidade num período anterior – o chamado “bônus demográfico”.

É possível identificar uma importante influência da situação de domicílio no processo de transição demográfica de uma população ao observarmos as pirâmides etárias construídas para os autodeclarados indígenas nos Censos de 1991 e 2000 nas regiões Sul e Sudeste, separadamente – como veremos no gráfico 6.

Gráfico 6: Pirâmides etárias percentuais por grupos qüinqüenais de idade da população autodeclarada indígena nas regiões Sul e Sudeste do Brasil nos Censos de 1991 e 2000.

Fonte: IBGE, 2005.

Na região Sul, em 1991, a estrutura etária da população era bastante jovem, marcada por um regime de elevada fecundidade. No ano 2000, percebemos uma sensível mudança na estrutura daquela população, uma vez que a base da pirâmide sofreu um sensível estreitamento e se aproximou da dimensão dos grupos etários adultos, num processo de “achatamento” da pirâmide – indicando uma incipiente transição da fecundidade.

Na região Sudeste, a pirâmide referente a 1991 se mostra muito semelhante àquela encontrada para a região Sul no ano 2000, mostrando que a população autodeclarada indígena recenseada na região Sudeste certamente está em um estágio mais avançado do processo de transição demográfica. Isso se explica, provavelmente, pela maior incidência de autodeclarados indígenas residentes em áreas urbanas nesta região, entre os quais há grande proporção de indivíduos sem identificação étnica específica – cujo comportamento demográfico, conforme visto, em muito se assemelha ao da sociedade nacional, não apresentando uma dinâmica populacional distinta.

Para além destas diferenciações, vale ressaltar que, em conseqüência da transição demográfica, processo pelo qual uma população com elevados níveis de mortalidade e fecundidade passa até chegar a baixos valores destas taxas, decorre a Transição da Estrutura Etária – cujas evidências podem ser vistas nas pirâmides apresentadas anteriormente. Esta é ocasionada substancialmente pela queda vertiginosa da fecundidade, função responsável pela composição etária da população, tendo em vista que ela altera o tamanho relativo e absoluto das coortes (WONG e CARVALHO, 2006).

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Com a queda da fecundidade, o formato da pirâmide etária se transforma, cuja base se estreita devido à redução dos nascimentos e, com o passar do tempo, a pirâmide se aproxima do formato retangular. Esta transição implica em um processo ininterrupto de envelhecimento populacional, uma vez que os jovens (menores de 15 anos) passam a ter menor participação no total da população, enquanto as populações adulta e idosa têm maior peso no interior da mesma.

Da relação entre os três grandes grupos etários - jovens, adultos e idosos - surge a Razão de Dependência, relação entre a população inativa (menores de 15 e maiores de 64 anos) e a população ativa (entre 15 e 64 anos), medindo a dependência dos primeiros sobre os últimos. E é desta relação que surge a “janela de oportunidades” ou “bônus demográfico”, quando a população ativa passa por um momento de inchaço, contando com um grande contingente populacional devido às altas taxas de fecundidade experimentadas pela população num momento anterior. Nesse momento, o “excedente” na população economicamente ativa favorece a configuração de uma razão de dependência menor e, portanto, mais equilibrada.

No entanto, com o passar do tempo, tal relação tende a se mostrar insustentável, uma vez que a população idosa tende a crescer ininterruptamente - dada a maior longevidade alcançada por meio de tecnologias, melhores condições de vida e acesso a serviços de saúde - enquanto a proporção da população economicamente ativa - responsável por produzir riqueza suficiente para abastecer a oferta do mercado e custear as despesas governamentais com as parcelas inativas da população - decrescerá significativamente.

Ademais, a queda da fecundidade produz um menor volume absoluto de nascimentos, gerando coortes reduzidas e, com o passar do tempo, tais coortes chegarão às idades adultas em menor proporção, produzindo ainda menor volume de nascimentos. Nesse sentido, os países ricos alcançam rapidamente o nível de reposição (2,1 filhos por mulher), estando até mesmo abaixo deste patamar. Assim, as baixas taxas de fecundidade, somadas à baixa e controlada mortalidade, produzem um crescimento populacional negativo, gerando um decréscimo populacional.

No caso da população autodeclarada indígena no Brasil em áreas urbanas, pode-se supor que esta esteja vivenciando uma queda significativa da fecundidade, o que de fato pode ser confirmado ao compararmos os valores proporcionais desta mesma população no Censo de 1991 e de 2000. Nota-se que houve uma importante redução no volume de nascimentos e, com isso, um estreitamento da base da pirâmide.

Entretanto, faz-se importante ressaltar que a população autodeclarada indígena recenseada nas áreas urbanas inclui uma grande variedade de indivíduos, tais como “índio-descendentes” que desconhecem o povo ou etnia a que pertenciam seus ancestrais (normalmente maternos), moradores de cidades ou centros urbanos que se identificam a um povo específico, indivíduos que residem em Terras Indígenas próximas ou mesmo dentro de centros urbanos e pertencem a um povo específico e ainda pessoas que se reconhecem como descendentes de uma etnia específica, mas que está em processo de reivindicação de suas terras e às vezes de identidades étnicas (AZEVEDO, 2006) - devido à crescente valorização da condição indígena.

Devido à heterogeneidade dos indivíduos classificados na categoria “urbana”, é importante analisar com cuidado os dados gerados para a mesma. No total dessa população, é significativa a proporção daqueles indivíduos que se autodeclaram indígenas mas que desconhecem a etnia a que pertencem, por isso, é grande o peso relativo deste contingente populacional no total do grupo de índio-descendentes classificados na categoria urbana.

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Entre eles, é possível notar um comportamento demográfico e reprodutivo muito semelhante ao padrão brasileiro, uma vez que seguem estilos de vida e padrões culturais da sociedade nacional. Disso decorre uma dinâmica demográfica distinta daqueles classificados na situação de domicílio rural, que em muito se aproxima do comportamento encontrado entre povos residentes em Terras Indígenas (TI‟s) ou em cidades que possuem TI‟s reconhecidas - o chamado “rural específico”.

O gráfico 7 nos mostra a pirâmide etária construída para este conjunto de indivíduos no ano 2000.

Gráfico 7: Composição por sexo e grupos de idade da população autodeclarada indígena no Brasil no Censo de 2000 nas categorias Rural e Rural Específico.

Fonte: IBGE, 2005.

Ao observarmos a pirâmide referente aos contingentes autodeclarados indígenas na situação de domicílio rural e na situação analítica “rural específico”, nota-se que ambas têm base larga, indicando elevada fecundidade e natalidade e um formato triangular, com diminuição progressiva da participação proporcional dos grupos etários.

A semelhança entre as pirâmides apresentadas no gráfico 7 é visível, reiterando a análise anterior sobre a influência do conjunto de indivíduos índio-descendentes sem identificação étnica específica na estrutura da pirâmide do grupo classificado na categoria urbana, cujo comportamento demográfico em muito se diferencia das apresentadas para os contingentes rural e rural específico.

Em geral, os indivíduos das categorias rural e rural específico se identificam com um povo ou etnia em particular, seguindo condutas baseadas em um conjunto de normas de ordem cultural, mítica, sócio-cosmológica, econômica e política próprias a cada povo ou etnia, configurando uma dinâmica demográfica diferenciada, marcada pela permanência de elevadas taxas de fecundidade, pelo significativo crescimento demográfico e por um notório processo de rejuvenescimento populacional - como fora comentado anteriormente.

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Estes e outros eventos demográficos condicionam a distribuição relativa da população entre os grandes grupos de idade (jovens, adultos e idosos), tornando este indicador um importante dado para a análise demográfica de uma população, pois reflete processos passados e indica tendências populacionais futuras. Nesta perspectiva, apresentamos a distribuição relativa da população Guarani em estudo segundo os grandes grupos etários e esta mesma distribuição do contingente autodeclarado indígena no censo brasileiro do ano 2000 segundo a situação de domicílio.

Gráfico 8: Distribuição relativa da população Guarani total e segundo o sexo nas regiões Sul e Sudeste por grandes grupos etários.

Distribuição Relativa da População Guarani Sul e Sudeste por Grandes grupos etários Fonte: FUNASA 2008 0,00 5,00 10,00 15,00 20,00 25,00 30,00 0 a 14 15 a 49 50 ou mais G ra n d e s g ru p o s e ri o s Porcentagem

Pop. Feminina Pop. Masculina

Fonte: FUNASA, 2008.

Em concordância com as primeiras análises do perfil demográfico da população Guarani nas regiões Sul e Sudeste, percebemos através do gráfico 8 um predomínio do grupo jovem (0 a 14 anos), somando 50,3% do total da população. O grupo seguinte, de 15 a 49 anos, atinge mais de 40% do total (41,1%) e o grupo de pessoas com 50 anos ou mais soma apenas 8,5% do total. A elevada proporção de menores de 15 anos decorre, certamente, de elevadas taxas de fecundidade, conforme o regime demográfico característico de diversos povos indígenas estudados.

Para fins de comparação, apresentamos o gráfico 9 com a distribuição relativa da população autodeclarada indígena no censo do ano 2000 por grandes grupos de idade segundo a situação de domicílio.

Gráfico 9: Distribuição relativa da população autodeclarada indígena no Brasil no Censo de 2000 por grupos de idade.

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Fonte: IBGE, 2005.

Ao compararmos os dados apresentados nos gráficos 8 e 9, percebemos que o padrão de distribuição relativa da população por grandes grupos de idade entre os Guarani em estudo se aproxima dos resultados encontrados para os autodeclarados nas situações rural e rural específico, apesar de nenhum apresentar predomínio do grupo de 0 a 14 anos - que atinge 45,2% entre os indígenas na situação rural, 47,7% entre o rural específico e 50,3% entre os Guarani.

Porém, tanto entre os autodeclarados indígenas na área rural quanto na categoria rural específico há um certo equilíbrio entre os dois primeiros grandes grupos etários, cuja diferença varia de 5,1% na área rural e apenas 0,6% no rural específico. Em ambos os casos, os jovens e adultos apresentam participação relativa acima de 45%, somando mais de 95% do total da população (95,5% no rural e 96% no rural específico), restando pouca importância relativa para o grupo etário mais velho. Já entre os Guarani, a diferença entre a proporção dos dois primeiros grandes grupos de idade é um pouco mais significativa, da ordem de 9%, mas os dois grupos juntos somam apenas 91,4%, tendo em vista que os idosos atingem 8,6% do total da população Guarani no Sul e Sudeste do Brasil.

Entre os autodeclarados indígenas em áreas urbanas, porém, a distribuição relativa por grupos de idade é notoriamente diferenciada. Entre eles, o grupo de adultos (15 a 49 anos) chega a 71,9% da população, os jovens a 21,1% e os idosos a 7%, refletindo a diferente dinâmica demográfica a que estes indivíduos estão submetidos. Esta distribuição evidencia o processo de queda da fecundidade, uma vez que o grupo mais jovem perde a importância relativa perante o grupo adulto e indica o início de um processo de transição demográfica, através do qual a população tem seus níveis de mortalidade e fecundidade significativamente reduzidos. O envelhecimento da população também se mostra evidente, uma vez que o grupo de pessoas com 50 anos ou mais ganha peso relativo e atinge quase o dobro do percentual alcançado pelos autodeclarados indígenas nas situações de domicílio rural e rural específico (4,4% e 4%, respectivamente).

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A discrepância visível entre as distribuições dos autodeclarados nas áreas rural/rural específico e urbana corrobora a idéia de Azevedo (2006: 56) de que muitos são os índios-descendentes, “(...) porém, são aqueles que se reconhecem como povos específicos os que estão com uma dinâmica demográfica distinta do restante da população brasileira, com altos níveis de fecundidade e com crescimento que chega a níveis de duplicação da população em 15 anos”.

Os resultados encontrados para a população total de autodeclarados indígenas no Censo de 2000 mostram que houve uma forte influência dos dados gerados para os indivíduos de centros urbanos, pois para o grupo total foram estimadas as seguintes proporções: os adultos somam 61,6%, os jovens 32,6% e os idosos 5,8%, seguindo a mesma tendência da população urbana – queda da fecundidade e envelhecimento populacional. Porém, entre o conjunto da população total, a diferença entre a proporção de adultos e jovens é da ordem de 29%, valor muito abaixo daquele encontrado entre os indígenas urbanos, de 50,8%, devido ao predomínio absoluto da população adulta.

A participação do grupo etário mais velho se mostrou bastante equilibrada ao compararmos o grupo urbano e o conjunto total dos indígenas, cuja diferença é de apenas 1,2% a mais entre os indígenas urbanos. Chamou-nos a atenção, contudo, o fato da proporção dos idosos entre os Guarani ser a maior encontrada entre todos os grupos (rural, rural específico, urbano e total), resultado que vai contra o que era esperado, sobretudo em comparação à participação dos idosos entre os autodeclarados indígenas nas áreas urbanas, onde este grupo costuma ter maior longevidade e peso relativo.

Em virtude da falta de maiores informações que esclareçam esse percentual encontrado para a população idosa Guarani nas regiões Sul e Sudeste, procurou-se investigar a estrutura desta população segundo o sexo, um dado de grande relevância, sobretudo para a constituição de famílias, uma vez que nos apresenta uma rede de possibilidades de relações conjugais - determinadas pelas normas sócio-culturais próprias de cada população. A medida mais usual para se medir a relação entre homens e mulheres - o chamado equilíbrio dos sexos - é a Razão de Sexo.

Este indicador é uma medida dada pelo número de homens que correspondem a cem mulheres, calculada ao dividirmos o número total de homens pelo de mulheres e multiplicando o resultado por cem (BERQUÓ, 1980). Assim, em uma situação de equilíbrio perfeito, este índice será igual a 100, significando que para cada homem encontrado na população, tem-se uma mulher. Caso o resultado seja inferior a 100, há um predomínio de mulheres na população e, caso o valor seja superior a 100, significará que há mais homens do que mulheres.

Apresentamos a seguir os gráficos referentes à Razão de Sexo calculada para a população Guarani nas regiões Sul e Sudeste do Brasil (110,6) assim distribuída segundo grupos qüinqüenais de idade e por grandes grupos etários:

Gráfico 10: Razão de Sexo da população Guarani nas regiões Sul e Sudeste do Brasil por grupos qüinqüenais de idade.

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Razão de Sexo Guarani Sul e Sudeste por grupos quinquenais de idade Fonte: FUNASA 2008 80,0 100,0 120,0 140,0 0 a 4 5 a 9 10 a 14 15 a 19 20 a 24 25 a 29 30 a 34 35 a 39 40 a 44 45 a 49 50 a 54 55 a 59 60 a 64 65 e + Grupos de Idade R a o d e S e x o Razão de Sexo Fonte: FUNASA, 2008.

Gráfico 11: Razão de Sexo da população Guarani nas regiões Sul e Sudeste do Brasil por grandes grupos de idade.

Razão de Sexo Guarani regiões Sul e Sudeste por Grandes grupos de idade Fonte: FUNASA 2008

80,0 100,0 120,0 140,0 0 a 14 15 a 49 50 e + Grupos de Idade R a z ã o d e S e x o Razão de Sexo Fonte: FUNASA, 2008.

Há relatos na bibliografia que constatam que em países com moderada taxa de natalidade, baixa mortalidade materna e sem tratamento desigual entre os sexos dos filhos, as taxas de mortalidade dos homens é sempre acima daquela calculada para a população feminina em todas as idades. Por isso, o excedente de meninos ao nascimento é compensado pela sobremortalidade deste grupo, disso resulta que a razão de sexo tende a diminuir até que caia abaixo de 100 nas idades mais avançadas, entre as quais as mulheres costumam ser a maioria.

No Brasil, esta tendência não se aplica, sendo possível enumerar alguns fatores atuantes na configuração de um perfil distinto da razão de sexo. Nos intervalos etários com um inesperado excedente feminino, pode ter havido imigração de mulheres, emigração de homens, elevação da mortalidade masculina específica por idade, subenumeração da população masculina ou mesmo sobrenumeração da população feminina. Ao contrário, em ocasiões irregulares de excedente masculino em intervalos etários geralmente dominados por elas, questiona-se a possibilidade de emigração de mulheres, imigração de homens, o aumento da mortalidade feminina específica por idade (inclusive materna), a sobrenumeração da população masculina ou a subenumeração da população feminina.

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No caso da população Guarani, percebe-se uma irregularidade constante na razão de sexo por grupos qüinqüenais de idade, sobretudo a partir do grupo de 30 a 34 anos até o grupo de 50 a 54. No entanto, a esse respeito vale ressaltar a possibilidade de erro na declaração de idade tanto por parte da equipe técnica - responsável por coletar essa informação e inseri-la no banco de dados - quanto da própria população, em virtude da importância relativa deste dado, muitas vezes ignorado pelas populações indígenas que, à parte do sistema numérico ocidental, têm outros modos de definir o amadurecimento de um indivíduo para sua inserção em grupos de idade e para determinar sua função social na comunidade.

Tomadas as devidas precauções, é possível identificar entre os Guarani em estudo uma Razão de Sexo (RS) total de 110,6, ou seja, há um excedente masculino no total desta população, pois há 110,6 homens para cada 100 mulheres. Ao analisarmos esses dados por grandes grupos etários, temos um pico de 112,2 homens a cada 100 mulheres entre os adultos (15 a 64 anos) e uma quase constância na RS apresentada pelas crianças (109,5) e idosos (109,8), sempre com prevalência numérica da população masculina.

Para fins de comparação, apresentamos a Razão de Sexo encontrada entre o contingente autodeclarado indígena nos censos brasileiros de 1991 e 2000 segundo a situação de domicílio e para o grupo total.

Gráfico 12: Razão de Sexo da população autodeclarada indígena por grupos qüinqüenais de idade no Brasil nos censos 1991 e 2000.

Fonte: IBGE, 2005.

Gráfico 13: Razão de Sexo da população autodeclarada indígena por grupos qüinqüenais de idade no Brasil nos censos 1991 e 2000 na área rural e ainda para o

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Fonte: IBGE, 2005.

Gráfico 14: Razão de Sexo da população autodeclarada indígena por grupos qüinqüenais de idade no Brasil nos censos 1991 e 2000 na área urbana.

Fonte: IBGE, 2005.

É possível observar uma nítida diferença na evolução da Razão de Sexo calculada entre os autodeclarados indígenas na área urbana, rural e ainda na categoria rural específico. Entre os primeiros, nota-se uma variação significativa da RS entre os grupos qüinqüenais de idade, mas seu valor cai no último grupo etário, o que é verificado entre populações de países em desenvolvimento, como o Brasil. O predomínio feminino nas idades mais avançadas decorre do fato dos homens serem mais suscetíveis a doenças crônico-degenerativas e outras não infecto-contagiosas, enfermidades predominantes na população desde a transição epidemiológica, através da qual o padrão de mortalidade das populações de países em desenvolvimento econômico e social sofreu importantes mudanças devido às melhorias médico-sanitárias introduzidas pela industrialização. Com isso, a população feminina teve maiores ganhos de sobrevida que a população masculina, sobretudo no que tange à saúde reprodutiva, com reduções significativas do coeficiente de mortalidade materna.

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Já entre os indígenas das áreas rurais, a curva da razão de sexo não segue a tendência apresentada pelo grupo urbano, ao contrário, apresenta uma elevação do excedente masculino nas idades mais velhas, aumento ainda mais significativo no ano 2000. Entre a categoria analítica “rural específico”, podemos notar o mesmo comportamento da curva da razão de sexo, com pouquíssimas diferenças numéricas daquela encontrada para o grupo rural. Estes resultados vão ao encontro dos valores encontrados entre os Guarani nas regiões Sul e Sudeste, também com irregularidades entre os grupos qüinqüenais de idade e com aumento deste índice nas idades mais avançadas.

4. Conclusões

Ao compararmos a população autodeclarada indígena localizada nas áreas rurais e grupos indígenas com filiação étnica específica, como os Guarani em estudo, percebemos importantes semelhanças. Isso nos leva a crer que aqueles grupos indígenas que conhecem sua filiação étnica e vivenciam um conjunto de normas, valores e condutas sócio-culturais específicas, representativas do seu povo, apresentam dinâmicas demográficas semelhantes entre si, entre as quais o processo de rejuvenescimento da população é marcadamente o traço mais comum.

Tendo em vista os muitos trabalhos desenvolvidos entre um importante número de povos indígenas no Brasil, os resultados encontrados entre os povos Guarani das regiões Sul e Sudeste até o presente momento nos levam a concluir que o perfil demográfico da população Guarani em estudo se assemelha com o perfil das demais populações indígenas já estudadas no Brasil, o que torna esta pesquisa coerente com os demais estudos demográficos de etnias, confirmando a hipótese deste trabalho.

5. Referências Bibliográficas

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