• Nenhum resultado encontrado

Diáspora brasileira de ciência tecnologia e inovação

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Diáspora brasileira de ciência tecnologia e inovação"

Copied!
20
0
0

Texto

(1)

DIÁSPORA BRASILEIRA DE CIÊNCIA TECNOLOGIA E INOVAÇÃO1

Ana Maria Carneiro2 Ana Maria Nunes Gimenez3

Flávia Consoni4 Victor Fidencio Andretta5 Cintia Denise Granja6 Elizabeth Balbachevsky7

INTRODUÇÃO

A partir dos anos 2000 houve um crescimento da migração de brasileiros altamente qualificados para o exterior. Dados da Database on Immigrants in OECD and non-OECD Countries (DIOC/OCDE8) apontam que em 2010 havia 291.510 brasileiros altamente qualificados (com nível superior) (ARSLAN et al., 2014) vivendo em países da OCDE, o que representa um aumento de 102% em relação a 2000. Embora, em números absolutos, esses brasileiros não representem um grande contingente de migrantes internacionais, comparando-se com o contingente de outras nações, o Brasil é um dos países com maior taxa de migrantes altamente qualificados (28,9% do total de migrantes) morando nos países da OCDE.

Há vários motivos que justificam o fomento do estabelecimento dos vínculos entre as diásporas e o país de origem e a criação de estratégias de diáspora por parte dos governos para esse fim. Considerando os indivíduos que são partes da diáspora de alta qualificação, alguns se encontram em posições relevantes em instituições de CT&I para estabelecerem pontes entre os países. Por um lado, já se estabeleceram no país de destino e têm acesso a recursos externos e, por outro, possuem informações privilegiadas sobre o país de origem, o que é relevante tanto

1

Trabalho apresentado no XI Encontro Nacional sobre Migrações, realizado no Museu da Imigração do Estado de São Paulo, em São Paulo, SP, entre os dias 9 e 10 de outubro de 2019. 2 Ana Maria Carneiro – Pesquisadora, Núcleo de Estudos de Políticas Públicas/Unicamp.

3

Ana Maria Nunes Gimenez – Pós-Doutoranda, Departamento de Política Científica e Tecnológica/Instituto de Geociências/Unicamp e INCT-PPED.

4

Flávia Consoni – Professora, Departamento de Política Científica e Tecnológica/Instituto de Geociências/Unicamp.

5 Victor Fidencio Andretta – Graduando, Instituto de Geociências/Unicamp. 6

Cintia Denise Granja – Doutoranda, Departamento de Política Científica e Tecnológica/Instituto de Geociências/Unicamp.

7

Elizabeth Balbachevsky – Professora, Departamento de Ciência Política/Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas/USP.

8

(2)

nas áreas de negócios quanto no desenvolvimento de CT&I, por entenderem as questões culturais, linguísticas e logísticas do país de origem, o que pode ajudar a construir relações de confiança e de mais longo prazo com as contrapartes no país de destino (KUZNESTOV, 2006; MEYER, 2001; ANAND et al., 2009).

Outra justificativa é a maior produtividade científica e tecnológica dos pesquisadores que se estabeleceram no exterior ou fizeram mobilidade de curta duração (MARMOLEJO-LEYVA; PEREZ-ANGON; RUSSELL, 2015; SUGIMOTO et al., 2017). O aproveitamento desses recursos não necessariamente depende do retorno dos pesquisadores para seus países de origem, principalmente via estímulos do Estado. Algumas vezes é mais produtivo o estabelecimento e fortalecimento de redes de conhecimento a partir do desenho de políticas que favoreçam esse objetivo (DAVENPORT, 2004; FANGMENG, 2016).

Entretanto, a falta de políticas de diáspora pode vir a ser um obstáculo às potenciais contribuições dessas redes aos seus países de origem, neutralizando as oportunidades para que estes se beneficiem das suas experiências e expertises. Ocorre que transferir conhecimento, criar parcerias e lidar com a burocracia são atividades que demandam recursos, como também envolvem entraves burocráticos que podem inibir a construção e a manutenção de uma rede. A presença de capital humano qualificado é essencial para a CT&I e esta desempenha um papel importante na economia global (SÉGUIN et al., 2006; CIUMASU, 2010).

Em vista dessas evidências, o objetivo do trabalho é realizar uma análise da migração de talentos brasileiros na área de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) para os Estados Unidos e Reino Unido. Os materiais utilizados para este trabalho foram: a) revisão da literatura especializada; análise de base de dados secundários (principalmente de censos demográficos); realização de entrevistas semiestruturadas com profissionais do Observatório das Migrações Internacionais e a realização de dois workshops com diasporados nos Estados Unidos e Reino Unido, junto com as Embaixadas em Washington e Londres, respectivamente. Este trabalho insere-se em pesquisa mais ampla, que se encontra em seu início.

O texto está organizado em seis seções, contando com esta introdução. A próxima seção apresenta o conceito de diáspora e discute sua relevância para abranger o fenômeno da migração internacional, com especial ênfase para os migrantes de alta qualificação. Em seguida, são apresentados os tipos de políticas de engajamento da diáspora de CT&I. A quarta seção analisa as possibilidades de

(3)

dimensionamento do fenômeno, a partir de fontes de dados secundárias. A quinta seção são expõe os resultados do mapeamento das iniciativas e redes de diáspora em CT&I nos EUA e Reino Unido, já realizado pela pesquisa, bem como discute algumas políticas de engajamento com a diáspora brasileira realizadas pelo governo brasileiro. Também nesta seção dá-se voz aos diasporados a partir dos debates ocorridos nos workshops nas embaixadas. O texto encerra com algumas considerações finais e agenda de pesquisa.

EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE DIÁSPORA

A utilização do conceito de diáspora para a análise dos movimentos de migração internacional tem sido frequente desde os anos 1960, especialmente por teóricos das áreas de demografia, geografia, economia, sociologia, tornando-se, mais recentemente, um campo de estudo interdisciplinar (COHEN, 2017; FANGMENG, 2016; HICKEY; HO; YEOH, 2015; DÉLANO; GAMLEN, 2014; DÉLANO, 2014; GAMLEN, 2014; KOOLHAAS; PRIETO; PELLEGRINO, 2013; ASCENCIO; GANDINI, 2011; BALBACHEVSKY; COUTO SILVA, 2011; BRICKLE; NORAMBUENA; SAAVEDRA, 2010; TUNG, 2008; ANAND; HOFMAN; GLASS, 2009; ANCIEN; BOYLE; KITCHIN, 2009; COHEN, 2008; KUZNETSOV, 2006; SÉGUIN et al., 2006; GUIMARÃES, 2002; MEYER, 2001).

A palavra diáspora, de origem grega, tem sido utilizada ao longo dos anos para representar “a ruptura e a dispersão de um povo ou aqueles que se estabeleceram longe de suas terras ancestrais” (SÉGUIN et al., 2006, p. 80). Segundo Cohen (2008), o termo evoluiu ao longo dos anos para análise de todos os tipos de populações em migração, passando por quatro fases distintas de estudos desde os anos 1960. Na Fase 1, denominada pelo autor de clássica, o termo designava grupos que passaram por deslocamentos forçados, largamente associados a conflitos armados e intolerância religiosa. Nessa fase, os grupos de diasporados eram tratados como vítimas. O termo era utilizado no singular para retratar inicialmente a experiência judia, sendo incorporados posteriormente outros tipos de diáspora, tais como a grega, de países africanos, armênios, irlandeses e mais recentemente palestinos. A Fase 2 ocorreu nos anos 1980, quando o termo diáspora passou a ser usado de forma metafórica para descrever diferentes categorias de pessoas – expatriados, expulsos (expellees), refugiados políticos, residentes no exterior, imigrantes de minorias raciais ou étnicas. Nesse período,

(4)

alguns grupos se autodenominavam, enquanto outros recebiam a denominação. Houve uma imensa proliferação de grupos denominados como diásporas pelo mundo. Nessas duas fases, passou a existir uma delimitação clara entre os grupos no exterior e a terra natal.

A Fase 3, com início em meados de 1990, foi marcada pela crítica social construcionista sobre os estudos da Fase 2. Os teóricos passaram a reconhecer a proliferação de grupos e a evolução das novas formas de estudá-los, mas pretendiam manter a força do conceito original – diáspora buscando decompor os dois elementos base (país de destino e país de origem). Levando-se em consideração que no mundo pós-moderno, as identidades se tornaram desterritorializadas, sendo construídas e descontruídas em formas flexíveis e localizadas, os conceitos de diáspora deveriam responder a essa complexidade. Especificamente em relação à migração de profissionais com atuação em CT&I, o termo foi utilizado para tratar dos efeitos positivos dos processos de migração na articulação de redes internacionais de apoio e cooperação no desenvolvimento dos países (KUZNETSOV, 2006; MEYER, 2001).

A Fase 4 corresponde ao momento de consolidação, ganhando força na virada do século. Nesse período, as críticas dos teóricos da Fase 3 foram acomodadas, mas se sentiu o perigo de esvaziar o conceito em termos analíticos e descritivos. Para isso, Cohen (2008) sugere que há três elementos constitutivos das diásporas, quais sejam: a) dispersão entre fronteiras de nações, b) orientação para a terra natal, e c) manutenção de fronteiras (processo no qual a solidariedade de grupo é mobilizada e retida).

Ainda mais recentemente, o termo diáspora passou por mais uma evolução para focar nos migrantes considerados talentosos, os imigrantes altamente qualificados, a partir da perspectiva de que esses indivíduos poderiam ajudar no avanço do desenvolvimento econômico do país de origem. Para Séguin et al. (2006), as diásporas científicas desempenham um importante papel como parceiras na cooperação para o desenvolvimento dos países de origem, entendendo-as como uma „comunidade auto-organizada‟ que procura colaborar também com seu país de origem. Dessa forma, o termo também é utilizado para denominar os grupos organizados no país de destino. Os talentos incluem profissionais do mercado financeiro, cientistas, engenheiros, especialistas criativos, investidores e empreendedores (HO; HICKEY; YEOH, 2015).

(5)

O sentido de diáspora aqui utilizado segue Balbachevsky e Couto Silva (2011, p. 164):

Processos complexos de circulação, agregação e produção de competências e conhecimento, produzidos pela articulação de grupos e setores de uma sociedade (ou nacionalidade) com seus conterrâneos que vivem no exterior, ampliando oportunidades de ganhos recíprocos em função de estratégias comuns e o compartilhamento de recursos e competências.

A diáspora de CT&I representa, então, um subconjunto da diáspora total, abrangendo os brasileiros altamente qualificados e os brasileiros em mobilidade de média duração, como visiting scholars, pós-doutorandos e doutorandos no exterior.

POLÍTICAS DE ENGAJAMENTO COM A DIÁSPORA

A utilização do termo diáspora, especificamente para migração de pessoas altamente qualificadas também evoluiu ao longo do tempo, bem como as políticas dos estados-nação de engajamento com as diásporas. Inicialmente, a migração dos talentos era analisada em termos dicotômicos, como fuga ou drenagem de cérebros (brain drain), em que o país de origem perdia recursos humanos em que havia investido na formação e que o país de destino ganhava.

A partir dos anos 1990, e com mais intensidade a partir de meados de 2000, emerge então uma nova postura frente à emigração, que passou a ser vista como circular e não mais unidirecional (brain circulation) (COHEN, 2013; TUNG, 2008). Desse modo, atualmente, nem a emigração, nem o retorno, têm sido entendidos como situações finais e inalteradas, devido à crescente mobilidade e circulação internacional e às redes formadas entre cientistas e outros profissionais nos vários países (brain networking) (CIUMASU, 2010).

Na atualidade, em decorrência da globalização da economia e do desenvolvimento das tecnologias da informação e comunicação, as distinções ou separação entre país anfitrião e país de origem já não são mais tão claras. Desse modo, o fluxo de talento humano ou a circulação de cérebros tornou-se possível porque os países estão cada vez mais interconectados, o que tem facilitado a mobilidade e a circulação de pessoas entre as nações. Essa realidade ocasionou o surgimento de carreiras sem fronteiras, ou seja, carreiras que possibilitam que

(6)

pessoas altamente qualificadas busquem melhores oportunidades de trabalho no exterior, com fixação e retornos intercalados (TUNG, 2008).

Da perspectiva dos países de origem, ocorreu nas últimas duas décadas uma proliferação das iniciativas com foco nos movimentos da diáspora com propósitos distintos, seja para compreendê-la, mapeá-la ou mesmo obter ganhos econômicos para o país. Nesse sentido, os Estados instituíram diversos programas e políticas com o propósito de mobilização de recursos financeiros, experiências e competências das redes diaspóricas, buscando vinculá-las aos seus países de origem por intermédio de laços simbólicos ou reais (emocionais, patrióticos, culturais e outros) (BRINKERHOFF, 2012; COHEN, 2013).

No âmbito desse debate, as redes de diásporas têm sido consideradas ferramentas-chave para o engajamento dos membros da diáspora. O estímulo à formação e fortalecimento de redes de diásporas para apoiar o desenvolvimento de segmentos econômicos dos países parece basear-se em uma visão otimista, muitas vezes fomentada por agências internacionais de desenvolvimento (ANCIEN; BOYLE; KITCHIN, 2009; COHEN, 2008). Ocorre que as redes de diáspora tendem a se diferenciar significativamente entre si, em relação aos seus modelos organizacionais, à infraestrutura de apoio oferecida pelos países de origem, assim como acerca do financiamento a essas atividades. Outros fatores de diferenciação incluem a capacitação dos membros envolvidos e o comprometimento da liderança das redes.

É importante observar que o surgimento das redes de diáspora e as suas dinâmicas são fenômenos que ainda não foram totalmente compreendidos. O número ainda reduzido de estudos empíricos com foco nos profissionais altamente qualificados dificulta a compreensão dos meios mais eficientes para o envolvimento e articulação das diásporas de C&T, com vistas à contribuição destas ao desenvolvimento dos países de origem (SÉGUIN et al., 2006). E, segundo observaram Ancien; Boyle e Kitchin (2009), os governos se engajam com as diásporas de formas diferentes ao longo do tempo e do espaço, passando de situações de total ausência de engajamento à criação direta de redes e iniciativas.

Em estudos mais recentes, especialistas como Kuznetsov e Freinkman (2013) têm recomendado que o engajamento com diásporas deve ser fomentado a partir de políticas públicas que valorizem a qualidade das interações e não a sua quantidade e que foquem na solução de problemas específicos. Sendo assim, ao contrário do que comumente vem sendo realizado, o engajamento não deve ser visto

(7)

como um fim em si mesmo. Além disso, o mapeamento da diáspora deve ter como meta primária a identificação dos indivíduos mais promissores para o engajamento, em termos de experiência, protagonismo, motivação, liderança, entre outros. Segundo os autores, a criação de círculos virtuosos de interação entre a diáspora e o seu país de origem depende do desenho de políticas de diáspora de “alta resolução” ou impacto, ou seja, políticas que fomentem relacionamentos e compromissos, projeto a projeto, tanto do lado da diáspora, como no das instituições domésticas, além de contemplarem a atuação de diferentes ministérios e instâncias governamentais - relações exteriores, educação, ciência e tecnologia, economia e outras.

Uma vez apresentado o conceito de diáspora de CT&I e as principais políticas de engajamento, a próxima seção discute as fontes de dados secundários disponíveis para o dimensionamento do fenômeno e seus limites.

DIMENSIONAMENTO DO FENÔMENO

O número de brasileiros vivendo no exterior sempre foi uma das questões mais controversas visto que, dependendo da fonte utilizada, os resultados podem variar grandemente, além de terem informações limitadas em relação à caracterização do migrante, especialmente sobre escolaridade.

Pode-se dizer que os caminhos que levam à mensuração da migração internacional são tortuosos, especialmente quando as fontes de informação não são suficientes para calcular esses números com uma precisão aceitável (OLIVEIRA, 2019). Assim, no que tange ao dimensionamento do fenômeno de diáspora brasileira, os dados secundários disponíveis permitem apenas uma aproximação da real quantidade de brasileiros vivendo fora do país9.

Os números variam entre 2 a 3,7 milhões de acordo com o Ministério das Relações Exteriores10 e entre 1 e 3 milhões de emigrantes para a Organização

9

Essa incerteza com relação à quantidade de brasileiros no exterior não é recente. De acordo com o documento “Brasileiros no Mundo”, fruto da 1ª Conferência sobre as Comunidades Brasileiras no Exterior (realizada em 2008), entre o final da década de 1970 e início dos anos 1980, já era incerto o número efetivo de brasileiros que teriam saído do país (Oliveira, 2008).

10

A estimativa leva em conta a avaliação dos relatórios consulares, que são enviados anualmente; dados oficiais fornecidos por autoridades migratórias locais; censos oficiais; número de eleitores registrados na jurisdição; número de matriculados nos consulados; sondagens junto à comunidade; solicitações de passaportes e outros documentos por brasileiros; movimento geral da repartição e de consulados itinerantes; dados disponíveis sobre saída do país e retorno de brasileiros; percentuais de redução de remessas; entre outros documentos. É de conhecimento do órgão que muitos brasileiros se encontram numa situação migratória irregular e evitam se submeter à censos e matrículas consulares.

(8)

Internacional para as Migrações (OIM) (IBGE, 2010). Já o levantamento do Censo Demográfico de 2010 apontou 491.645 emigrantes. Esse foi o primeiro Censo a apresentar uma investigação sobre o número de brasileiros no exterior, incluindo informações sobre sua origem, destino e o perfil por sexo e idade. Entretanto, já havia a preocupação que o volume encontrado estaria subdimensionado. O questionário utilizado em 2010 perguntou se alguma pessoa que chegou a residir anteriormente com algum morador do domicílio estaria vivendo no exterior. Uma limitação imediata de tal estratégia é a possibilidade de todas as pessoas que residiam no domicílio terem emigrado ou que aquelas que ficaram no Brasil tenham vindo a óbito, além do que pessoas que rumaram para o exterior muito tempo atrás podem eventualmente ser desconsideradas.

Oliveira (2008) aponta que, nos países da América Latina, a fonte de dados mais utilizada para determinar os fluxos de migração, tanto entre a região quanto fora dela são os Censos Demográficos, dada a necessidade da colaboração dos governos para obter tal tipo de informação. Apesar da importância dos dados do Censo, recentemente o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) noticiou a remoção das informações sobre emigração de brasileiros para o Censo de 2020, tanto no questionário básico como no questionário da amostra (IBGE, 2019), o que levaria a perda de uma das fontes de informação oficiais sobre o número de brasileiros no exterior.

Em relação à migração internacional brasileira de pessoas altamente qualificadas, os casos dos Estados Unidos e do Reino Unido mostram-se relevante para ver como profissionais que amadureceram no exterior desenvolveram um perfil que pode enriquecer a experiência da comunidade científica brasileira, em áreas como desenvolvimento de políticas, gestão de redes complexas e promoção do conhecimento junto a outros atores (BALBACHEVSKY; COUTO SILVA, 2011).

No caso americano, os dados são um pouco mais detalhados quando se utiliza o censo americano comunitário 2010-14 (American Community Survey). Segundo essa fonte, a diáspora brasileira total pode ser estimada em 447 mil pessoas, contando nascidos no Brasil ou com ancestrais brasileiros, concentrados principalmente nas cidades de Nova York, Boston e Miami (ZONG; BATALOVA, 2016). Dentre eles, 71% encontravam-se ocupados e apresentavam níveis de escolaridade mais altos quando comparados com os outros imigrantes vivendo nos Estados Unidos e com a população nativa (35% dos brasileiros tinham diploma de

(9)

nível superior). Em termos de ocupação, entre os imigrantes brasileiros há uma tendência um pouco maior a terem ocupações em administração, negócios, ciência e artes, sendo que mais da metade ingressou no país depois do ano 2000 (ZONG; BATALOVA, 2016).

A fonte de dados sobre migração mais ampla em termos de países é a Database on Immigrants in OECD and non-OECD Countries versão estendida (DIOC-E), construída para fornecer informações confiáveis e comparáveis internacionalmente sobre os migrantes de acordo com o país de origem. Os dados são recolhidos por país de destino através de pedidos especiais feitos aos serviços nacionais de estatística em cada país da OCDE. Além disso, os dados incorporam informações detalhadas sobre as características, nível de escolaridade e resultados do mercado de trabalho da população (pessoas com mais de 15 anos de idade), com cerca de 200 países de origem e 33 países de destino.

Em relação ao Reino Unido, utilizando-se a base estendida da DIOC (OCDE, 2010), estima-se que, em 2010, havia 47.844 brasileiros vivendo na região, sendo que 41.124 (86% do total) tinham entre 25 e 64 anos e 34.473 (72% do total) encontravam-se empregados de alguma forma. Do total, 27.585 (58%) possuíam educação terciária. Um ponto negativo dessa base é que, no presente momento, os dados mais atualizados têm como base o ano de 2010. Apesar de existir uma versão da DIOC mais sintética para o ano de 2015, a mesma não permite acessar simultaneamente informações sobre país de residência, país de nascimento e nível educacional dos imigrantes nos países selecionados, sendo possível obter somente as informações completas por região de origem. Com base na DIOC não estendida, o Reino Unido recebeu, em 2015, cerca de 150 mil imigrantes com nível superior da América Central, do Sul e Caribe, enquanto os Estados Unidos receberam cerca de 4 milhões.

De acordo com o dado do Annual Population Survey, disponibilizado pela Office for National Statistics (ONS) do Reino Unido, de janeiro a dezembro de 2018, foram estimados 59 mil imigrantes nascidos no Brasil morando no Reino Unido, sendo 93% destes morando na Inglaterra (ONS, 2019). Nas informações disponibilizadas, no entanto, não é possível obter o nível educacional desses migrantes11. Outra fonte de dado sobre migrantes no Reino Unido é o International

11

Os microdados do Censo do Reino Unido podem ser obtidos por meio de solicitação ao Office of International Statistics, e são acessados por meio de uma sala segura da ONS.

(10)

Passenger Survey (IPS), estudo também conduzido pela ONS (ONS, 2017). Esse estudo coleta informações sobre pessoas entrando e saindo da região continuamente desde 1961, entrevistando entre 700 e 800 mil pessoas por ano12. Segundo dados do IPS de 2017, foram estimados 2,2 mil brasileiros migrando para o Reino Unido, em que 41% migraram com o propósito de trabalhar.

Existem iniciativas no Brasil voltadas a entender melhor o perfil do migrante, das quais se destaca o Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra/UnB). O OBMigra tem o intuito de aprofundar o conhecimento sobre as migrações internacionais no que tange a imigração, emigração e migração de retorno (MSJP, 2019). Para tal, ele busca sistematizar informações de várias fontes, como da Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) e do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED); dos registros de migrantes efetivados pela Polícia Federal e que constam do Sistema de Registro Nacional Migratório (SisMigra); dos movimentos de entrada e saídas pelos postos de fronteira e anotados no Sistema de Tráfego Internacional (STI); e das solicitações de refúgio oriundas de sistema da Polícia Federal (CAVALCANTI et al., 2019).

Entretanto, há limitações no trabalho do OBMigra, pois os dados do STI não permitem identificar o destino nem o motivo da saída, além disso, os migrantes qualificados que entram no país, e não os que saem, é que são o foco principal do estudo. Encontra-se em negociação a integração de microdados envolvendo o Ministério da Justiça (MJ), Polícia Federal (PF), IBGE e Universidade de Brasília (UnB). Entretanto, mesmo nesse cenário positivo, não haverá dados sobre a escolaridade do emigrante, uma vez que essa variável não consta na base do STI (OLIVEIRA, 2019). Dessa forma, não é possível estimar com precisão a diáspora de CT&I brasileira a não ser com o uso de surveys, que ainda assim são limitados. REDES E POLÍTICAS DE ENGAJAMENTO COM A DIÁSPORA BRASILEIRA DE CT&I

Em relação às iniciativas com a diáspora, a preocupação no Brasil acerca dos impactos da emigração de pessoal qualificado se manifestou a partir do final da década de 1990, tendo sido motivada por dois movimentos em grande parte

12

O IPS considera como migrante a pessoa que muda de país de residência por um período de pelo menos um ano, de forma que o país de destino passa a ser o país de residência.

(11)

relacionados e que se complementam. De um lado, houve iniciativas do governo brasileiro, com destaque para a atuação do Ministério das Relações Exteriores (MRE), em compreender e organizar a diáspora científica e tecnológica, e em estimular a criação de “redes da diáspora” como um meio de “aproximar os profissionais de negócios e os empreendedores dos pesquisadores acadêmicos portadores de forte motivação intrínseca na área de ciência e tecnologia” (COUTO; SILVA; SOUZA, 2008, p. 13).

De outro, merece reconhecimento o movimento de auto-organização das redes de diásporas de brasileiros em estruturas de CT&I nos EUA e no Reino Unido. A Integra Brazil, nascida em 2006 no Vale do Silício/EUA, é considerada a primeira rede de diáspora composta por brasileiros que atuam em CT&I (COUTO; SILVA; SOUZA, 2008). Desde então, uma série de outras redes da diáspora foram estimuladas e criadas, em diferentes partes dos EUA, tais como: BayBrazil, localizada no Vale do Silício; a BEST (Brazilians in Engineering, Science and Technology) que agrega profissionais do sul da Califórnia; a SciBr (Science Brazil Foundation, de Cambridge, Massachusetts); o Programa MIT-Brasil de Boston/Cambridge; o BEN (Brazilian Expert Network); a BRASA, que é uma rede de estudantes brasileiros em mobilidade internacional, dentre outras redes e grupos. No Reino Unido, destacam-se a Association of Brazilian Researchers and Postgraduate Students in the United Kingdom (ABEP-UK) e iniciativas situadas em universidades13.

A criação e atuação dessas redes foram impulsionadas mais recentemente por duas iniciativas do governo federal: o programa Ciência sem Fronteiras, com o aumento do número de brasileiros circulando em mobilidade de curta duração, e o projeto “Rede Diáspora Brasil” da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), que contou com e financiamento da Agência de Promoção das Exportações (APEX), desenvolvido entre 2013 e 2016. Esse projeto teve por objetivo estruturar uma “rede das redes”, reunindo iniciativas em curso e profissionais brasileiros (executivos, empreendedores, acadêmicos) e profissionais estrangeiros com afinidades com o Brasil, com interesse no desenvolvimento de projetos em conjunto, parcerias e cooperação em pesquisa para a geração de negócios e de projetos em

13

Estas redes tiveram um crescimento muito rápido e recente, pois em um extenso levantamento de redes de diáspora realizado em 1999, Meyer e Brown (1999) não localizaram nenhuma rede brasileira.

(12)

áreas intensivas em conhecimento e tecnologia. Em outros termos, tratava-se da iniciativa de estruturação de uma rede colaborativa de profissionais brasileiros.

Mais recentemente, houve um renascimento do interesse do governo brasileiro, por meio do MRE, das embaixadas e dos consulados, pela diáspora de profissionais qualificados, que realizaram workshops com as iniciativas e redes de diáspora em Washington e em Londres, organizadas pelas respectivas embaixadas. Os workshops foram realizados em Washington em dezembro de 2017 e em dezembro de 2018, e, em Londres, em fevereiro de 2019. Os eventos contaram com cerca de 50 participantes cada.

A presença de membros das mais diversas redes da diáspora, além de diasporados que não pertencem a iniciativas organizadas, permitiu o compartilhamento de experiências de atuação no exterior; a discussão sobre as barreiras e oportunidades para adensar a cooperação entre brasileiros de alta qualificação nos EUA, Reino Unido e no Brasil; e a discussão de sugestões sobre ações para aumentar o diálogo e fortalecer as pontes com o Brasil. Nos eventos de 2017 e 2019, houve o suporte e presença de representantes da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e dos pesquisadores da Unicamp e USP, autores deste artigo, sendo que, estes últimos, também colaboraram na mediação e coordenação das discussões.

Na abertura do evento em Washington em 2017, o embaixador Sérgio Amaral ressaltou que a ação da Embaixada deveria ajudar a diáspora a se conhecer melhor e reforçar e retomar pontes com o Brasil. Nos dois eventos houve a apresentação de experiências de engajamento com diásporas de CT&I de outros países, não com o objetivo para copiá-las ou replicá-las, mas para entender sua lógica.

Dois exemplos podem ser citados. A European Researchers in Motion (Euraxess) propõe-se a divulgar as oportunidades de investimentos, conectar cientistas com seus interesses de pesquisa e com outros profissionais. Funciona por meio de uma plataforma para conectar as iniciativas, e colaborar para que as peças trabalhem juntas. Outra experiência apresentada foi a Rede NODES (US Networks of Diasporas in Engineering and Science) formada por National Academy of Sciences (NAS), National Academy of Engineering (NAE), American Association for the Advancement of Science (AAAS) e Departamento de Estado. A Rede NODES tem como finalidade ajudar os grupos de diáspora científica a identificar e comunicar

(13)

com os participantes interessados, identificar ferramentas apropriadas para networking, encontrar parceiros institucionais tais como universidades e ONGs, entender como influenciar políticas públicas efetivas e conectar os talentos da rede com o país de origem. Dessa forma, entendem que o benefício pode ser mútuo, para o país de origem e para os Estados Unidos.

Além das apresentações de experiências consolidadas de outros países, nos workshops de 2017, em Washington, e de 2019 em Londres, os participantes tiveram momentos para discutir questões referentes às formas como o Brasil poderia potencializar os benefícios de ter cientistas e pesquisadores envolvidos em instituições de CT&I nos dois países. O Quadro 1 apresenta uma síntese dos principais pontos resultantes da discussão.

QUADRO 1 – Engajamento com a diáspora brasileira de CT&I: pontos a serem

considerados pelos formuladores de políticas públicas Como aproveitar os

benefícios potenciais da diáspora?

Detalhamento das sugestões

Conhecer e valorizar a diáspora

Mapeamento dos indivíduos, redes e iniciativas

Considerar a experiência no exterior nos processos institucionais das universidades, revistas, sociedades científicas e agências de fomento: ex. seleção para contratação de docentes, mentoria em empreendedorismo etc.

Aumentar a cooperação

Fomentar o engajamento

Aumentar a cooperação entre pesquisadores no Brasil e no exterior. Isso pode ser feito de várias maneiras, entre elas, o lançamento de programas específicos para apoiar a cooperação – inclusive com

match-funding – voltados para estimular a integração entre a diáspora

e os grupos e laboratórios de pesquisa no Brasil.

Apoiar a integração da diáspora via atividades de

networking

Apoiar e promover eventos para a reunião de membros da diáspora Criar incentivos – prêmios, programas – para estimular o envolvimento dos membros da diáspora

Dar mais visibilidade para oportunidades de cooperação

Criar ferramentas “user-frendly” que permitam ao pesquisador no exterior prospectar possibIlidades e alternativas de parceria – em função de interesse e temas de pesquisa.

Ressignificar a diáspora

Adotar uma nova postura frente à diáspora – reconhecimento do valor da diáspora: a) como um instrumento importante para promover, por exemplo, a abertura da universidade brasileira ao mundo; b) como um elemento de prestígio para o Brasil.

Necessidade de “quebrar” a mentalidade de silo – que prejudica as interações, o diálogo e a cooperação; romper barreiras preconceitos; fomentar a relação da academia com outros setores, especialmente o empresarial.

(14)

Nos dois workshops foi possível perceber que há disposição e interesse de muitos brasileiros da diáspora em contribuir com o Brasil, estejam ou não engajados em redes e iniciativas.

Em relação ao tipo de políticas, discutiram-se os casos de política de repatriação. Muitos dos pesquisadores chegaram aos EUA, por exemplo, como o objetivo de voltar para o Brasil. Mas poucos têm incentivos para isso, pois consideram que as condições de contratação nas instituições públicas são engessadas, os salários não são competitivos e as infraestruturas são arcaicas.

Durante a discussão, foi apontado também que, embora a repatriação possa ter um papel relevante, podem ser estabelecidas pontes sem o retorno físico do pesquisador ou empreendedor, como aponta a literatura (DAVENPORT, 2004; FANGMENG, 2016). Dessa forma, é importante saber como mobilizar e inspirar os brasileiros que estão naqueles países e que não pretendem voltar. Um dos caminhos para isso é começar por pequenos projetos e depois ir ampliando, no sentido da atuação de “alta resolução” apontada por Kuznetsov e Freinkman (2013).

No workshop de 2017 em Washington comentou-se que, apesar de já haver um grau relativo de organização das redes mapeadas (embora diferentes entre si, com graus de institucionalidade e de organização diferentes), faltam mecanismos concretos para organizar e canalizar esse potencial da diáspora. Observando-se as experiências dos outros países que foram apresentadas, a sensação é que Brasil não sabe o que quer e não conseguiu criar mecanismos para canalizar isso.

Por outro lado, as discussões apontaram a importância dos indivíduos e seu papel de liderança, que podem ou não estar engajados em redes e iniciativas organizadas. Conforme entendem Kuznetsov e Freinkman (2013), mapear e identificar indivíduos proeminentes da diáspora são passos importantes para iniciar o processo de engajamento, mas não são suficientes, mesmo quando a diáspora é grande e conta com indivíduos bem-sucedidos e motivados. O ambiente institucional do país de origem é considerado um elemento crítico e determinante para os envolvimentos, pois caberá às instituições domésticas a tarefa de dar sustentação às iniciativas - podendo também criar restrições, caso não estejam preparadas para o enfrentamento desses desafios, como apontado por Séguin et al. (2006) e Ciumasu (2010).

(15)

Logo, não se pode perder de vista que políticas de engajamento com a diáspora requerem arranjos institucionais14 que favoreçam o desenvolvimento e/ou aperfeiçoamento de capacidades estatais15 nesse campo, para que possam ser promovidas políticas para a diáspora que seja clara, objetivas, factíveis, transparentes e sustentáveis, com potencialidade para estimular projetos conjuntos com membros da diáspora brasileira de CT&I altamente qualificados e que beneficiem a todos os envolvidos.

Em resumo, os participantes dos dois workshops apontaram alguns pontos a serem observados para o aproveitamento dos potenciais benefícios do engajamento do Brasil com a sua diáspora de CT&I. Entretanto, também ressaltaram um conjunto de condições ou posturas, entendidas como barreiras e/ou empecilhos, que têm dificultado ou mesmo impedido os relacionamentos, especialmente as seguintes: entraves burocráticos, incompatibilidades curriculares entre os cursos de graduação e pós-graduação brasileiros e estrangeiros, dificuldade para a obtenção de informações sobre oportunidades no Brasil, descontinuidade das políticas públicas brasileiras, instabilidade orçamentária, posturas preconceituosas da parte de seus pares acerca dos pesquisadores brasileiros que decidiram se fixar no exterior. A ressignificação da diáspora está entre os pontos considerados mais críticos, pois envolveria uma nova postura, não apenas da comunidade nacional de CT&I, mas também do próprio Estado brasileiro frente à sua diáspora.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho apresentou um panorama geral do debate contemporâneo sobre a questão das diásporas de CT&I e resumiu os primeiros resultados de uma pesquisa voltada para o mapeamento da diáspora científica brasileira nos Estados

14 Segundo Pires e Gomide (2014, p. 19-20), “o conceito de arranjo institucional é entendido como o conjunto de regras, mecanismos e processos que definem a forma particular como se coordenam atores e interesses na implementação de uma política pública específica. São os arranjos que dotam o Estado de capacidade de execução de seus objetivos”.

15

A capacidade estatal tanto diz respeito às habilidades do Estado em definir agendas e estabelecer objetivos (PIRES; GOMIDE, 2014), quanto ao “conjunto de instrumentos e instituições” que atuarão nesse processo, transformando objetivos em políticas e implementando-as (SOUZA, 2015, p. 8). “No contexto democrático, entende-se que tal capacidade pode ser entendida a partir de dois componentes: o técnico-administrativo e o político. O primeiro deriva do conceito weberiano de burocracia, contemplando as competências dos agentes do Estado para levar a efeito suas políticas, produzindo ações coordenadas e orientadas para a produção de resultados. O segundo, associado à dimensão política, refere-se às habilidades da burocracia do Executivo em expandir os canais de interlocução, negociação com os diversos atores sociais, processando conflitos e prevenindo a captura por interesses específicos” (PIRES; GOMIDE, 2014, p. 20).

(16)

Unidos e Reino Unido. Até o presente, a pesquisa conseguiu levantar os primeiros dados que permitem um primeiro mapeamento e dimensionamento do fenômeno na realidade brasileira. Os pesquisadores também colaboraram na realização dos workshops conduzidos pelas embaixadas naqueles dois países, junto a representantes da diáspora científica brasileira. Essa interação permitiu conhecer a visão e as propostas dos compatriotas cientistas radicados nesses países, sobre a necessidade de políticas de apoio para ampliar a sua colaboração com a comunidade científica nacional.

Como exposto ao longo deste trabalho, a mobilização da diáspora científica tem sido objeto de um número significativo de políticas em diferentes países. Essas políticas visam mobilizar as competências e o conhecimento tácito de especialistas nacionais integrados em sociedades estrangeiras para colaborar no penoso processo de integração das comunidades científicas nacionais em redes globais de produção do conhecimento.

O acesso a essas redes tem consequências extremamente positivas, conforme têm sustentado os estudiosos dessa temática, pois traciona a qualidade da pesquisa produzida em cada país, abre caminhos para que velhos problemas sejam abordados a partir de novas perspectivas, amplia a permeabilidade da comunidade estrangeira para receber novos talentos do país de origem da diáspora, e cria inúmeras oportunidades para colaboração, tanto na formação, como na produção de conhecimento. A experiência de países como China, Índia e Rússia, entre outros, mostra o alcance de políticas que ressignificam e engajam as suas respectivas diásporas no esforço coletivo do desenvolvimento da ciência nacional de cada país.

No passado, políticas voltadas para as diásporas científicas estavam focadas no seu mapeamento e engajamento. Mais recentemente, porém, como indicam Kuznetsov e Freinkman (2013), essas políticas adquiriram um desenho de “alta resolução”, articulando a cooperação e o engajamento em torno de problemas nacionais específicos. São políticas que não apenas engajam – genericamente – essas diásporas, mas focam a colaboração, nas diferentes áreas, em função das necessidades estratégicas do país.

O Brasil ainda não dispõe destas políticas específicas. Por muitos anos, o fantasma do risco do assim chamado “brain drain” imobilizou as agências de fomento e estigmatizou o pesquisador que, por diferentes motivos, permaneceu fora ou daqui saiu para fazer uma carreira no exterior. Assim, o desafio que se coloca

(17)

para agora é duplo: não apenas mapear e engajar essa comunidade de brasileiros no exterior, mas, simultaneamente, expandir a colaboração em temas estratégicos para o Brasil, nos quais a colaboração se dê numa via de mão dupla.

REFERÊNCIAS

ANAND, N. P.; HOFMAN, K. J.; GLASS, R. I. The globalization of health research: harnessing the scientific Diaspora. Academic Medicine, Philadelphia, v. 84, n. 4, p. 525-534, 2009.

ANCIEN, D.; BOYLE, M.; KITCHIN, R. Exploring Diaspora strategies: an international comparison. [S. l. : s. n.], 2009.

ARSLAN, C. et al. A new profile of migrants in the aftermath of the recent economic crisis. Paris: OECD, 2014. (OECD Social, Employment and Migration Working Papers, n. 160).

ASCENCIO, F. L.; GANDINI, L. Skilled-worker mobility and development in Latin American: between brain drain and brain waste. In: POPULATION ASSOCIATION OF AMERICA ANNUAL MEETING, 2011, Washington, DC. Anais... Alexandria: PAA, 2011. Disponível em: http://paa2011.princeton.edu/papers/110906. Acesso em: 13 set. 2017.

BALBACHEVSKY, E.; COUTO SILVA, E. A diáspora científica brasileira: perspectivas para sua articulação em favor da ciência brasileira. Parcerias Estratégicas, Brasília, DF, v. 16, n. 33, p. 163-176, 2011.

BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. O Observatório. Brasília, DF, 2019. Disponível em: https://portaldeimigracao.mj.gov.br/pt/observatorio. Acesso em: 18 jul. 2019.

BRICKLE, P.; NORAMBUENA, M. D.; SAAVEDRA, A. Revista enfoques ciencia politíca y administraci n p blica. Revista Enfoques, Santiago de Chile, Chile, v. 8, n. 12, p. 85-102, 2010.

BRINKERHOFF, J. M. Creating an enabling environment for diasporas‟ participation in homeland development. International Migration, Geneva, v. 50, n. 1, p. 75-95, 2012.

CAVALCANTI, L. et al. Acompanhamento de fluxo e empregabilidade dos imigrantes no Brasil: relatório mensal do OBMigra. Brasília, DF: OBMigra, 2019. CIUMASU, I. M. Turning brain drain into brain networking. Science and Public Policy, London, v. 37, n. 2, p. 135-146, 2010.

COHEN, N. Diaspora strategies: actors, members, and spaces. Geography Compass, [S. l.], v. 11, n. 3, p. 1-13, 2017.

COHEN, N. From nation to profession: Israeli state strategy toward highly-skilled return migration, 1949-2012. Journal of Historical Geography, London, v. 42, p. 1-11, 2013.

COHEN, R. Global Diasporas: an introduction. 2. ed. Inglaterra: Routledge, 2008. COUTO E SILVA, E.; SOUZA G. H. A primeira rede da diáspora científica brasileira – brasileiros com alta qualificação contribuindo para o desenvolvimento econômico,

(18)

científico e tecnológico do Brasil. In: CONFERÊNCIA SOBRE AS COMUNIDADES BRASILEIRAS NO EXTERIOR, 1., 2008, Rio de Janeiro, RJ. Anais... Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão, 2008.

DAVENPORT, S. Panic and panacea: brain drain and science and technology human capital policy. Research Policy, Amsterdam, v. 33, n. 4, p. 617-630, 2004. DÉLANO, A. The diffusion of diaspora engagement policies: a Latin American agenda. Political Geography, Oxford, v. 41, p. 90-100, 2014.

DÉLANO, A.; GAMLEN, A. Comparing and theorizing state–diaspora relations. Political Geography, Oxford, v. 41, p. 43-53, 2014.

FANGMENG, T. Brain circulation, diaspora and scientific progress: a study of the international migration of Chinese scientists, 1998–2006. Asian and Pacific Migration Journal, [S. l.], v. 25, n. 3, p. 296-319, 2016.

GAMLEN, A. Diaspora institutions and diaspora governance. International Migration Review, [S. l.], v. 48, Supl. 1, p. S180-S217, 2014.

GUIMARÃES, R. A diáspora: um estudo exploratório sobre o deslocamento geográfico de pesquisadores brasileiros na década de 90. Dados, Rio de Janeiro, RJ, v. 45, n. 4, p. 705-750, 2002.

HICKEY, M.; LYNN‐EE HO, E.; YEOH, B. S. A. Introduction to the special section on establishing state-led “diaspora strategies” in Asia migration-as-development reinvented? Singapore Journal of Tropical Geography, Australia, v. 32, n. 2, p. 139-146, 2015.

LYNN‐EE HO, E.; HICKEY, M.; YEOH, B. S. A. Special issue introduction: new research directions and critical perspectives on diaspora strategies. Geoforum, Oxford, v. 59, p. 153-158, 2015.

IBGE. IBGE divulga questionário do Censo 2020. Rio de Janeiro, RJ, 2019. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/24913-ibge-divulga-questionario-do-censo-2020.

Acesso em: 15 jul. 2019.

IBGE. Censo Demográfico 2010: características da população e dos domicílios: resultados do universo. Rio de Janeiro, RJ, 2010.

KOOLHAAS, M.; PRIETO, V.; PELLEGRINO, A. Distribución territorial y características demográficas de la migración calificada. In: PELLEGRINO, A. et al. Tendencias y consecuencias. Montevideo: Universidad de la República, 2013. KUZNETSOV, Y. Diaspora networks and the international migration of skills: how countries can draw on their talent abroad. In: ÖZDEN, Ç.; SCHIFF, M. (ed.). International migration remittances and the brain drain. Washington DC: The World Bank, 2006. p. 3-20.

KUZNETSOV, Y.; FREINKMAN, L. Diasporas as partners for development: indirect (Pragmatic) vs. Direct (Administrative) approaches to diaspora engagement. In: KUZNETSOV, Y. How can talent abroad induce development at home: towards a pragmatic diaspora agenda. Washington, DC: Migration Policy Institute, 2013. p. 291-314.

(19)

MARMOLEJO-LEYVA, R.; PEREZ-ANGON, M. A.; RUSSELL, J. M. Mobility and international collaboration: case of the Mexican scientific diaspora. PLoS ONE, US, v. 10, n. 6, p. 1-16, 2015.

MEYER, J.; BROWN, M. Scientific diasporas  a new approach to the brain drain. Management of Social Transformations, [S. l.], n. 41, p. 1-21, 2003.

MEYER, J. B. Network approach versus brain drain: lessons from the diaspora. International Migration, Geneva, v. 39, n. 5, p. 91-110, 2001.

OCDE. Database on immigrants in OECD and non-OECD countries: DIOC. Paris, 2010. Disponível em: https://www.oecd.org/els/mig/dioc.htm. Acesso em: 18 jul. 2019.

OLIVEIRA, J. C. Migração internacional, dinâmica demográfica e desafios para o dimensionamento da comunidade brasileira no exterior. In: CONFERÊNCIA SOBRE AS COMUNIDADES BRASILEIRAS NO EXTERIOR, 1., 2008, Rio de Janeiro, RJ. Anais... Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão, 2008. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/al000085.pdf. Acesso em: 15 jul. 2019.

OLIVEIRA, T. Projeto de pesquisa sobre diáspora brasileira de CTI nos Estados Unidos. E-mail recebido em: 01/05/2019.

ONS – OFFICE FOR NATIONAL STATISTICS. Population of the UK by country of birth and nationality: individual country data. Reino Unido, 2019. Disponível em: https://www.ons.gov.uk/peoplepopulationandcommunity/populationandmigration/inter nationalmigration/datasets/populationoftheunitedkingdombycountryofbirthandnationali tyunderlyingdatasheets. Acesso em: 18 jul. 2019.

ONS – OFFICE FOR NATIONAL STATISTICS. International passenger survey 4.02, main reason for migration by citizenship. Reino Unido, 2017. Disponível em: https://www.ons.gov.uk/peoplepopulationandcommunity/populationandmigration/inter nationalmigration/datasets/ipsmainreasonformigrationbycitizenship. Acesso em: 18 jul. 2019.

PIRES, R. R. C.; GOMIDE, A. A. Análise comparativa: arranjos de implementação e resultados de políticas públicas. In: GOMIDE, A. A.; PIRES, R. R. C. (ed.). Capacidades estatais e democracia: arranjos institucionais de políticas públicas.

Brasília, DF: IPEA, 2014, p. 351-349. Disponível em:

http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/capacidades_estatais_e_de mocracia_web.pdf. Acesso em: 17 ago. 2019.

SÉGUIN, B. et al. Scientific diasporas as an option for brain drain: re-circulating knowledge for development. International Journal of Biotechnology, Switzerland, v. 8, n. 12, p. 78-90, 2006.

SOUZA, C. Capacidade burocrática no Brasil e na Argentina: quando a política faz a diferença. Rio de Janeiro, RJ: IPEA, 2015. (Texto para Discussão 2035). Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_2035.pdf. Acesso em: 17 ago. 2019.

SUGIMOTO, C. R. et al. Scientists have most impact when they‟re free to move. Nature, London, v. 550, n. 7674, p. 29-31, 2017.

TUNG, R. L. Brain circulation, diaspora, and international competitiveness. European Management Journal, London, v. 26, n. 5, p. 298-304, 2008.

(20)

ZONG, J.; BATALOVA, J. Brazilian immigrants in the United States. Washington, DC: Migration Policy Institute, 2016.

Referências

Documentos relacionados

Com base nas questões de investigação, pode verificar-se que oito das questões foram validadas e 6 das questões não foram consideradas válidas. Face ao objetivo de se verificar se

O objetivo deste trabalho foi avaliar a ação fungitóxica de óleos essenciais de Andiroba, Bacuri, Bocaiúva, Buriti, Castanha do Brasil, Cabreúva, Castanha do Pará, Citronela,

Levando em consideração os impactos negativos gerados ao meio ambiente pelo descarte incorreto das sacolas plásticas, está vigorando desde 15 de julho de 2009 a Lei Estadual (RJ)

O objetivo do artigo é examinar, por meio de uma abordagem crítica, as mudanças na legislação que regula a atividade dos trabalhadores avulsos portuários, principalmente no que

As restantes 7 semanas realizaram-se no Serviço de Cirurgia Geral do HFAR, onde integrei a equipa médica e participei nas seguintes actividades: a realização do exame objectivo

Assim sendo, a desindustrialização neste território poderá ter sido prejudicial, mas atualmente com os espaços desocupados, com a regeneração urbana e com os