• Nenhum resultado encontrado

A valorização de resíduos no âmbito da economia circular na União Europeia

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "A valorização de resíduos no âmbito da economia circular na União Europeia"

Copied!
112
0
0

Texto

(1)

1

UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITO

A VALORIZAÇÃO DE RESÍDUOS NO ÂMBITO DA ECONOMIA CIRCULAR NA UNIÃO EUROPEIA

FERNANDO JOSÉ DA SILVA JÚNIOR

ORIENTADOR: PROFESSORA DOUTORA RUTE SARAIVA MESTRADO EM DIREITO E PRÁTICA JURÍDICA, ESPECIALIDADE “DIREITO DO AMBIENTE, DOS RECURSOS NATURAIS E DA ENERGIA”

(2)

2

(3)

3

Agradecimentos

Desde meus tempos de menino pairavam na minha mente questões que transcendiam meu entendimento, ainda hoje resta-me a desejo inenarrável de compreender o mistério da Divindade, ainda hoje meus olhos tentam ver além daquilo que a luz clareia, meus ouvidos buscam romper o inaudito, minha boca quer o sabor do ainda não provado, meu olfato anseia exalar o adorável perfume embriagante que não está aqui, e minha pele anela experimentar o ardor do toque amável, sensações que um dia como prelúdio em Cristo Jesus provei, por tê-lo conhecido, ainda que por um mero sinal, sou imensamente grato.

Dos que compartilham comigo a vida, também agradeço, pelo amor, pelo afeto, pelo cuidado, pela paciência e suporte, à Aline Priscila, minha esposa, com quem tenho compartilhado e crescido tanto, aos meus pais e família que me imbuíram de valores indeléveis, aos meus amigos e a todos com quem pude me repartir esse percurso da minha vida, muito obrigado.

(4)

4

Resumo

A Economia Circular tem sido um tema ao qual tem sido dado nos últimos anos um espaço cada vez maior no estudo e na pesquisa. De fato, tem-se visto de forma cada vez mais intensa o esvaimento do modelo linear de produção que tinha suas bases voltadas para infinitude de recursos.

No contexto de transição de modelos econômicos partindo da linearidade para a circularidade, esse estudo se propõe a analisar questões pertinentes à implementação de um sistema de Economia Circular e que envolva a valorização de resíduos ou matérias-primas secundárias seguindo o apelo feito pela União Europeia no intuito de se “fechar o ciclo”.

A valorização de resíduos tem várias nuances, assim como a Economia Circular. Por isso, para que a pesquisa fosse verdadeiramente eficaz foi necessário avaliar o maior número de variáveis possíveis que podem interferir no “fechamento do ciclo”, bem como na criação de um mercado de valorização de resíduos verdadeiramente eficiente.

Neste sentido esse trabalho aborda, dentre outros temas, políticas de incentivos, barreiras à implementação, medidas de promoção e dificuldades existentes para uma transição à Economia Circular. No desdobramento de cada um deles foi possível inferir quantas mudanças são necessárias para que o caminho à circularidade aconteça e quais são aquelas mudanças mais urgentes.

Palavras chave: Economia Circular, Valorização de Resíduos, União Europeia, Barreiras à Economia Circular, Incentivos, Matérias-primas secundárias.

(5)

5

Abstract

The Circular Economy has been a subject that has been given in recent years an increasing space in study and research. In fact, there has been an increasingly intense depletion of the linear model of production that had its bases turned to infinity of resources.

In the context of the transition of economic models from linearity to circularity, this study proposes to analyze issues pertinent to the implementation of a Circular Economy system and involving the valorization of waste or secondary raw materials following the European Union's to “close the cycle”.

The valuation of waste has several nuances, as does the Circular Economy. Therefore, for the research to be truly effective, it was necessary to evaluate as many variables as possible that could interfere in the "cycle closure", as well as in the creation of a truly efficient waste recovery market.

In this sense, this work addresses, among other topics, incentive policies, barriers to implementation, promotion measures and existing difficulties for a transition to the Circular Economy. In the unfolding of each of them it was possible to infer how many changes are necessary for the path to circularity to happen and what are those most urgent changes.

Key words: Circular Economy, Waste Valorization, European Union, Barriers to the Circulars Economy, Incentives, Secondary raw materials.

(6)

1

ÍNDICE

INTRODUÇÃO………3

1. DO LINEAR AO CIRCULAR ... 7

1.1. Um processo de transição ... 7

1.2. Cinco perguntas que implicam a circularidade ... 10

1.3. Economia Ecológica ... 11

2. INOVAÇÕES LEGISLATIVAS NO CAMPO DA ECONOMIA CIRCULAR 16 2.1. União Europeia ... 16

2.1.1. A Economia Circular nos Tratados da União Europeia ... 16

2.1.2. COM/2001/31 ... 18

2.1.3. COM/2003/302 ... 20

2.1.4. DIRETIVAS 2006/12/CE e 2008/98/CE ... 22

2.1.5. COM/2014/398 ... 23

2.1.6. COM/2015/614 ... 24

2.1.7. COM/2018/028 ... 25

2.1.8. COM/2018/032 ... 26

2.2. Portugal... 28

2.2.1. Resolução do Conselho de Ministros n.º 11-C/2015 ... 29

2.2.2. Resolução do Conselho de Ministros n.º 190-A/2017 ... 29

2.2.3. Ideal impossível da perenidade ... 30

3. A LOGÍSTICA INVERSA NO SEIO DA ECONOMIA CIRCULAR ... 31

3.1. Logística Inversa na União Europeia ... 32

3.1.1. Responsabilidade Alargada do Produtor ... 33

3.1.2. Riscos e Oportunidades ... 35

3.2. Política europeia em matéria de logística ... 36

3.3. Projeto Prosum ... 37

3.3. Logística Inversa em Portugal ... 41

3.4. Logística Inversa na Suíça um modelo eficiente ... 44

3.4.1. Taxa de Reciclagem Antecipada ... 47

4. ECONOMIA CIRCULAR E MERCADO ... 50

4.1. Serão aterros sanitários futuras minas? ... 50

4.2. Valorização de Resíduos ... 52

4.3. Barreiras ao mercado de resíduos ... 55

4.4. Medidas de promoção da economia circular... 59

(7)

2

4.6. Uma banca de matérias-primas secundárias ... 61

4.6.1. MOR – Mercado Organizado de Resíduos ... 63

4.7. Industrial Symbiosis for Regional Sustainable Growth and a Resource Efficient Circular Economy – SYMBI ... 65

5. POLÍTICAS DE INCENTIVOS À ECONOMIA CIRCULAR ... 69

5.1. Incentivos na União Europeia ... 70

5.2. Fiscalidade e outros problemas afetados pelas políticas de incentivos ... 72

5.2.1. Análise de Incentivos Tributários no Canadá ... 82

5.2.2. A Importância dos Tributos na Logística Inversa do Brasil ... 88

CONCLUSÃO ... 97

(8)

3

INTRODUÇÃO

Uma era de transição exige mudanças que levem em conta os passos que serão dados à frente. Na seara em que se a busca intensa por bens que respeitem o meio-ambiente, um papel crucial jaz nas esferas governamental, empresarial e civil.

Nesses três setores das sociedades modernas se entrelaçam as relações que podem garantir ou não a mais importante mudança para a economia moderna, qual seja a transição de um modelo linear (cradle-to-grave) para um modelo circular (cradle-to-cradle).

O modelo econômico anterior, baseado na infinitude de recursos, tem se mostrado cada dia menos promissor, os recursos são escassos e dos seus mais de 150 anos, quando fora fundado pelo processo de massificação, o peso das circunstâncias tem mostrado seus reflexos econômicos no momento em que vivemos1.

Tendo sido pensado com base no take-make-waste (extrair-transformar-descartar), o modelo linear compreendia que essa seria a única forma com que se poderia introduzir bens no mercado, ao despender “energia, trabalho e capital se produzidos bens derivados dos recursos naturais com um único ciclo de vida”. Ele aparentava ser totalmente bem sucedido, tendo como grande barganha a possibilidade de fornecer “produtos a preços acessíveis e garantir bem-estar global”, no entanto acabava por desconsiderar “o desperdício e a finitude de recursos e criação de lixo”2. Ademais, a busca incessante pela criação de bens

descartáveis, ou com um ciclo de vida curto, movida pela força motriz econômica do lucro também agravou a decadência do modelo linear.

Porém, no fim da década de 1970 aparecem as primeiras aplicações práticas de um tipo de processo industrial diferente do linear, este novo modelo baseado na Economia Circular que se contrapõe ao modelo baseado em produzir e descartar tem se apresentado como uma alternativa atraente e viável que as empresas já começaram a explorar dada a possibilidade de lucratividade a longo prazo 3.

1 EGBU, Charles; Going north for sustainability: leveraging knowledge and innovation for

sustainable construction and development; Londres: IBEA Publications Ltd., 2015, p. 61.

2 Idem, ibidem. p. 61.

(9)

4

Nas ciências econômicas, por sua vez, um dos maiores contributos para a Economia Circular, mesmo sendo conceitualizado com outro jargão, foram os escritos do economista Nicholas Georgescu-Roegen, precursor da escola de Economia Ecológica. Seus ensinamentos engrandeceram as bases com as quais foram compreendidos os limites econômicos dos sistemas lineares. A sua visão que abarcou a economia por um prisma da termodinâmica ajudou a fortalecer a compreensão da capacidade de entropia que envolve o processo de reciclagem e aproveitamento de matérias primas secundárias.

Por sua vez, a União Europeia, demonstrou apreço ao tema e, tendo em vista todo o arcabouço que foi depositado nas últimas quatro décadas, assumiu importante papel ao introduzir pouco a pouco nos seus documentos conceitos de Economia Circular que viriam a consagrar um plano para transição de modelo linear para um modelo circular.

Ressalte-se aqui que além do plano de ação por ela implementado que visa “Fechar o Ciclo” que nasceu da Comunicação COM/2015/0614 foram ao longo dos anos em tratados, comunicações e diretivas, abordados temas pertinentes ao modelo econômico circular, mesmo que esse ainda não fosse totalmente expresso.

Nesse contexto muitos dos temas abordados pela EU foram de uma forma ou de outra implementações da Economia Circular, porém com nomes distintos. Nisso vale ressaltar as inúmeras intervenções na gestão dos resíduos, na logística inversa, nos aspectos da reciclagem e na valorização de matérias primas secundárias. Esse último, um tema que exige uma atenção especial devido a sua grande complexidade, por interferir sobremaneira em várias áreas da economia.

Os resíduos não são só resíduos, agora podem representar um potencial valorativo que lhes permite algo que em outras épocas talvez fosse impensado, a capacidade de se tornarem bens tão preciosos quanto matérias-primas virgens. Isso porque a escassez dos recursos tem obrigado os produtores a fazerem o máximo com o mínimo e reaproveitarem o que for possível no intuito de diminuir os custos de produção e, consequentemente, possíveis externalidades negativas.

Vale dizer que a valorização dos resíduos cria um ambiente favorável que permite pensar na possibilidade de reuso de materiais que inclusive estão

(10)

5

dispostos em aterros sanitários. As minas de hoje podem ser antigos redutos de lixo4.

Dito isto, faz sentido compreender as nuances que envolvem o processo de transição para a Economia Circular, os incentivos de que ela necessita, as medidas que urgem para que seja ela promovida, as mudanças necessárias e as barreiras que insurgem no seu impedimento. Ademais, impõe-se também o dever de compreender os agentes da Economia Circular, os seus papeis com ônus e bônus.

É necessário quebrar paradigmas e buscar dentro e fora da União Europeia sinais de transição da Economia Circular para que se faça uso daquelas boas prática e abstenção das desnecessárias ou más. Para isso é perspicaz encontrar modelos que tenham no campo legal, político e mercantil as melhores saídas, para questões que envolvam promoção, tributação, valorização no âmbito da Economia Circular.

Além dos paradigmas, algumas barreiras precisam ser superadas no caminho de transição para uma Economia Circular, delas, duas urgem como necessárias para essa mudança, são a barreira cultural e a barreira de mercado5.

Outras barreiras, como as regulatórias, por exemplo, envolvem a necessidade de vontade política e profundas reformas na seara tributária.

Nesse sentido, ponderar esse caminho de transição por meio da tentativa de viabilização de instrumentos econômicos que promovam a circularidade não é possível sem que sejam avaliadas as práticas correntes que impõem dificuldades a implementação de modelos de negócios circulares. Uma dessas grandes dificuldades, vale assinalar aqui, tem sido a grande disparidade de preços entre matérias-primas virgens e secundárias imposta pelos modelos econômicos vigentes. Neste caso o papel tributário tem influenciado enormemente na promoção das discrepâncias, pois, se por um lado há inúmeros incentivos para a promoção dos modelos de extração, por outro a carga tributária incidente em conjunto com a ausência de incentivos ao investimento na reciclagem ou logística inversa se mostram como detratores de um modelo de Economia Circular.

4 ProSUM. About the project. 2019. Disponível em: https://bit.ly/2LnU1WV.

5 Deloitte. Breaking the Barriers to the Circular Economy. Deloitte The Netherlands and

(11)

6

A valorização de resíduos, tema desse estudo, pode ser considerada como valorização de matérias-primas secundárias, resguardadas suas distinções. Numa compreensão mais ampla nem todo resíduo é matéria-prima, mas poderá sê-lo respeitados os processos de reciclagem e melhoramento, pois há aqueles em que o potencial de reutilização é baixo ou inexistente o que os destina tão somente ao descarte. Por isso, para que haja de fato um “mercado de valorização” há a necessidade premente de criação de meios objetivos que indiquem e regulem preços de mercado assim como o que é feito com as matérias-primas virgens.

(12)

7

1. DO LINEAR AO CIRCULAR

1.1. Um processo de transição

Com a revolução industrial nasceu o modelo econômico linear que perdurou por muitos anos, inclusive durante a sociedade pós-industrial.

O sistema linear do take-make-waste (extrair-transformar-descartar), não considerava o desperdício e a finitude de recursos e criação de lixo6.

Para Francisco7 nesse sistema o que “interessa é extrair o máximo

possível das coisas por imposição da mão humana, tendendo a ignorar ou esquecer a realidade própria do que tem à sua frente” e complementa, “passa-se facilmente à ideia de um crescimento infinito ou ilimitado, que tanto entusiasmou os economistas, os teóricos da finança e da tecnologia” o papa ainda afirma que esse tipo de modelo de produção “supõe a mentira da disponibilidade infinita dos bens do planeta, que leva a ‘espremê-lo’ até ao limite e para além do mesmo”8.

Segundo a Ellen MacArthur Foundation9 esse modelo atual está atingindo

o seu limite, pois depende de grandes quantidades de materiais de baixo custo e fácil acesso, além de energia. É fato que a quantidade de recursos que estão disponíveis para uso vai diminuir de forma constante ao longo dos próximos anos e décadas tornando-se escassa para uso futuro, tudo isso devido ao uso indiscriminado que deles tem sido feito ano a ano e sem previsão de diminuição.

6 “Since 150 years industrialization created a linear production and consumption model. This

linear model assumes a take-make-waste pattern in which with energy, labour and capital produce products out of natural resources with a single life cycle. Resources are withdrawn from the earth (take), processed to components (make) and after the use phase thrown away (waste). This is called the cradle-to-grave principle (Braungart 2002). This linear consumption pattern in which the end user is responsible for the removal of the product, seemed to be successful to provide affordable products and global welfare, but was totally based on waste of resources and the creation of garbage (Ellen MacArthur Foundation 2013)”. EGBU, Charles; Going north for sustainability: leveraging knowledge and innovation for sustainable construction and development; Londres: IBEA Publications Ltd., 2015, p. 78.

7 FRANCISCO, Carta. Enc. Laudato Si’: Sobre o Cuidado da Casa Comum. Roma, 2015.

Disponível em: https://bit.ly/1d3Et3A…, cit Parágrafo 106.

8 Idem.

9 “O modelo econômico ‘extrair, transformar, descartar’ da atualidade está atingindo seus limites

físicos. A economia circular é uma alternativa atraente que busca redefinir a noção de crescimento, com foco em benefícios para toda a sociedade. Isto envolve dissociar a atividade econômica do consumo de recursos finitos, e eliminar resíduos do sistema por princípio”. ELLEN MACARTHUR FOUNDATION; Economia Circular. Disponível em: https://bit.ly/2b3KkL1.

(13)

8

Figura 1 - Economia Linear Fonte: LUZ e ECHEVENGUA (2015)

Em contraposição ao modelo take-make-waste surgem no final dos anos 1970 as primeiras aplicações práticas de um tipo de processo industrial diferente do linear. Este novo modelo se baseado na Economia Circular que tem origens profundamente enraizadas que não podem ser ligadas a uma única data ou autor10, é uma manifestação comum da sociedade que se vê a beira de um

abismo sem muitas alternativas para o futuro, uma “maneira de contrastar a cultura do descarte que acaba por danificar o planeta inteiro”11.

Nessa mesma época levantavam-se alguns celeiros que indagavam quais seriam os limites do crescimento. Nesse contexto se consolida o Clube de Roma, um grupo de estudiosos que buscava compreender de forma “clara dos limites do sistema mundial e das restrições que ele impõe à população humana e suas atividades”12. Na visão dada pelo Clube de Roma “os limites físicos do

crescimento do planeta devem ser alcançados no final do século XXI”, ressalvada a hipótese de se alcance “uma condição de estabilidade ecológica e econômica, com restrições deliberadas ao crescimento da população e do

10 “O conceito de economia circular tem origens profundamente enraizadas que não podem ser

ligadas a uma única data ou autor. Suas aplicações práticas para os sistemas econômicos modernos e processos industriais, no entanto, adquiriram uma nova dinâmica desde o fim da década de 1970, lideradas por um pequeno número de acadêmicos, líderes intelectuais e empresas”. Idem.

11 FRANCISCO, Carta. Enc. Laudato Si’: sobre o cuidado da casa comum. Roma, 2015.

Disponível em: https://bit.ly/1d3Et3A. cit. Parágrafo 22.

12 SAES, B. M.; MIYAMOTO, B. C. B. Limites físicos do crescimento econômico e progresso

tecnológico: o debate The Limits to Growth versus Sussex. Desenvolvimento e Meio Ambiente, v. 26, p. 51-68, jul./dez. 2012. Editora UFPR. p. 56. Apud, (KING et al., 1973 [1972], p. 181).

(14)

9

capital”13. É nesse diapasão da estabilidade econômica de que a Economia

Circular tem forte tendência a ser uma solução. Para Ellen MacArthur Foundation14,o conceito de Economia Circular “se caracteriza mais do que se

define, como uma economia restaurativa e regenerativa, por premissa manter produtos, componentes e materiais em seu mais alto nível de utilidade e valor o tempo todo, fazendo distinção entre ciclos técnicos e biológicos”.

A Economia Circular é concebida como um ciclo contínuo de desenvolvimento positivo que preserva e aprimora o capital natural, otimiza a produtividade de recursos e minimiza riscos sistêmicos gerindo estoques finitos e fluxos renováveis. Ela funciona de forma efetiva em qualquer escala. Esse novo modelo econômico busca, em última instância, dissociar o desenvolvimento econômico global do consumo de recursos finitos.

Figura 2 - Economia Circular Fonte: LUZ e ECHEVENGUA (2015)

Apoiada em novos conceitos sobre a forma de se produzir bens e introduzi-los no mercado, a Economia Circular conta com três princípios voltados para diversos desafios relacionados a recursos e sistemas que a economia industrial enfrenta15, são eles:

Princípio 1: Preservar e aprimorar o capital natural controlando estoques finitos e equilibrando os fluxos de recursos renováveis.

13 SAES, B. M.; MIYAMOTO, B. C. B. Limites físicos do crescimento econômico e progresso

tecnológico: o debate The Limits to Growth versus Sussex. Desenvolvimento e Meio Ambiente, v. 26, p. 51-68, jul./dez. 2012. Editora UFPR. p. 56.

14 Ellen MacArthur Foundation. Rumo à Economia Circular: O Racional de Negócio Para

Acelerar a Transição. Isle of Wight, 2015, p. 5.

(15)

10

Princípio 2: Otimizar o rendimento de recursos fazendo circular produtos, componentes e materiais no mais alto nível de utilidade o tempo todo,

tanto no ciclo técnico quanto no biológico.

Princípio 3: Estimular a efetividade do sistema revelando e excluindo as externalidades negativas desde o princípio.

Figura 3 - Definições da Economia Circular Fonte: Ellen MacArthur Foundation (2015)

1.2. Cinco perguntas que implicam a circularidade

Para ajudar a entender melhor a amplitude do tema Economia Circular, é mais que coerente que se vislumbre o porque, onde, como, quando, quem, o que e como ela se desenvolverá em toda a sua plenitude.

Esse conjunto de questões envolvem respectivamente a necessidade de saber i. porque as matérias-primas são importantes para nossa sociedade; ii.

(16)

11

como uma economia circular pode nos beneficiar; iii. onde as mudanças para nossas economias são necessárias; iv. quais os negócios estão fazendo da economia circular uma realidade; e v como os nossos governos e regulamentos podem dar suporta à Economia Circular16.

Certamente, as respostas não são simplórias. Um mundo em que a economia circular seja desenhada em perfeição e que as respostas surjam de forma rápida e eficiente, necessita de uma nova forma de pensamento, um novo sistema social, novas formas de engajamento e novas instituições.

1.3. Economia Ecológica

Para tratar do tema Economia Circular é impossível sem se vislumbrar o trabalho do Economista Georgescu-Roegen (GR), ele que talvez tenha sido a primeira pessoa a trabalhar o tema economia ecológica, fundindo as leis da termodinâmica a conceitos econômicos e produtivos.

Segundo o gênio, o ser humano é incapaz de poder “criar” ou mesmo “destruir matéria ou energia”17, fato este que decorre da primeira lei da

termodinâmica, ou seja, o princípio da conservação da energia, que, em outros termos, considera que “a variação de energia interna ΔU de um sistema é igual a diferença entre o calor Q trocado com o meio externo e o trabalho t por ele realizado durante uma transformação”18.

Aparentemente atônito o autor ainda questiona a inobservância desse primeiro princípio da termodinâmica no que toca a economia e atina: “Ninguém parece ter ficado impressionado com a questão tão intrigante à luz dessa lei “o que faz então o processo econômico?” Tudo o que encontramos na literatura

16 “We address things like: why raw material supply chains are important to society; how

circularity can benefit us; where changes in our economies are required, who needs to be involved; what businesses are doing to make the circular economy a reality; and how governments and regulators can support the Circular economy”. LUND UNIVERSITY. Introduction to the Circular Economy - Part I - Introduction - Materials. (n.d.). from https://goo.gl/rvSHFE.

17“La conclusión es que, desde el punto de vista puramente físico, el proceso económico es

entrópico: no crea ni consume materia o energía sino que solamente trasforma baja entropía en alta entropía. Ahora bien, el conjunto del proceso físico del entorno material es igualmente entrópico. ¿Qué distingue entonces el primer proceso del segundo? Las diferencias son dos y, llegados aquí, no deberían ser difíciles de establecer”. Georgescu-Roegen, N., 1996. La Ley de la Entropía y el proceso económico. Fundación Argentaria, Madrid. p. 353.

18 INFOESCOLA. Primeira lei da termodinâmica - Física. (n.d.). Retrieved from:

(17)

12

cardinal é uma observação ocasional de que o homem pode produzir apenas utilidades, uma observação que realmente acentua o quebra-cabeça. Como é possível ao homem produzir algo material, dado o fato de que ele não pode produzir matéria ou energia?”19

Partindo desse pressuposto, o economista tenta responder a essa questão analisando o processo econômico não somente de um ponto de vista físico, no entanto considerando-o como um processo parcial e como tal limitado, e “circunscrito por um limite através do qual matéria e energia são trocadas com o resto do universo material”20.

O autodenominado economista heterodoxo coloca em miúdos que a economia está limitada a marcos biológicos e físicos no meio em que opera. Segundo as leis termodinâmicas a energia sempre se conserva, mas, no entanto, sempre se degrada. Nesse sentido, a teoria clássica econômica se imiscui de expor aos desavisados que as limitações ecológicas que a impedem de crescer impõem-lhe na verdade um decréscimo. Pois a energia mais organizada se dissipa em formas menos organizadas, e os processos reversíveis nunca têm rendimento absoluto21.

Esses conceitos são preciosos, pois implicam num reconhecimento de que a Economia Ecológica, nos dizeres de Georgescu-Roegen, deve respeitar os limites que lhe são impostos. Sendo a economia vista num contexto entrópico a produção de bens de consumo, sua principal força motriz, transformando a energia em trabalho, tende a conservar-se, porém, sempre se degradando e passando de uma forma mais organizada para uma forma menos organizada e por conseguinte cada vez menos disponível para realização de trabalho.

Outrossim, as leis da termodinâmica defendidas por Georgescu-Roegen também apresentam as limitações que afetam a própria Economia Circular em um dos seus pontos fulcrais, a reciclagem. Ao usar essa teoria para defender a

19 Georgescu-Roegen, Nicholas. (1976). (1970) The Entropy Law and the Economic Problem.

10.1016/B978-0-08-021027-8.50009-6…, cit. p. 1, parte I.

20 Idem. p. 1, parte II.

21 Sadi Carnot em seu livro REFLECTIONS ON THE MOTIVE POWER OF HEAT se debruça

sobre a capacidade que uma máquina tem de transformar calor em movimento. Ele também cria o chamado ciclo reversível, no qual, a transformação mecânica de calor em movimento nunca resulta num rendimento exatamente igual ao consumido.

(18)

13

inevitável escassez de recursos, pois a economia clássica não previa limitações, põe-se em questão que também os ciclos de reciclagem são finitos e limitados

22.

Tal fato se dá, pois, a reciclagem obedece a uma necessidade obrigatória de energia para o efeito. O aumento da entropia tem como sequela a diminuição da energia por sua dissipação, e isso é irrevogável. Georgescu-Roegen defende tal fato fundamentado na quarta lei da termodinâmica, na qual o autor pondera que num “sistema fechado a matéria utilizável se degrada irrevogavelmente em material não utilizável”23.

Nesses termos, em que uma reciclagem perfeita é categoricamente impossível resta compreender o que é ou não passível de valoração, pois há de se imaginar que nem todos materiais tem a mesma capacidade de reciclabilidade. Nisso a entropia pode ser grande auxílio, pois à medida da quantidade de massa dissipada num processo entrópico bem como sua capacidade de ser embarcada num novo processo permite contabilizar a eficiência de um sistema de reciclagem.

Defendida por Georgescu-Roegen a quarta lei é, contudo, rechaçada por outros físicos. Os mais críticos acabam por tentar enfraquecer os seus argumentos e se opõem a isso abraçando uma teoria de que é “possível reciclar tudo usando a energia renovável (infinita) do sol”24.

22 “Circular economy is an economy constructed from societal production-consumption systems

that maximizes the service produced from the linear nature-society-nature material and energy throughput flow. This is done by using cyclical materials flows, renewable energy sources and cascading1-type energy flows. Successful circular economy contributes to all the three dimensions of sustainable development. Circular economy limits the throughput flow to a level that nature tolerates and utilises ecosystem cycles in economic cycles by respecting their natural reproduction rates”. Circular Economy: The Concept and its Limitations. Ecological Economics. 143. 37-46. 10.1016/j.ecolecon. 2017.06.041, n. 3.

23 “Los términos literales en que Georgescu-Roegen destacaba, dentro de su prólogo (con fecha

de 1964) de Analytical Economics, el carácter específico de su «aventura» intelectual merecen ser recordados aquí: «To remedy in part the absence of any connecting bridge between theoretica1 physics and economics in modern philosophicalliterature, 1 had to venture into a large territory beyond the boundary of economics, a territory for which 1 possess no adequate knowledge. Nevertheless, 1 felt that the risk was worth taking. The adventure probably marks a beginning, and a beginning ought to be made by somebody»”. Georgescu-Roegen, N., 1996. La Ley de la Entropía y el proceso económico. Fundación Argentaria, Madrid. p. 35.

24 Korhonen, Jouni & Honkasalo, Antero & Seppälä, Jyri. (2018). Circular Economy: The Concept

(19)

14

Segundo Ayres25, os argumentos de Georgescu-Roegen deveriam

considerar a terra como um sistema aberto, e consequentemente não disposto à teoria da quarta lei da termodinâmica. Ainda segundo Ayres “o fluxo exergético contínuo do sol” seria “suficiente para permitir a reciclagem de materiais para sempre”. Ora presumir isso é contradizer a segunda lei da termodinâmica, ou seja, a entropia, que importa, em se tratando do sol, o seu esvaecimento à medida que sua energia se dissipa. O sol não é perpétuo.

Não obstante a crítica que rodeia os argumentos de Georgescu-Roegen, alguns pontos podem ser considerados incontroversos, e, por isso, razão de aprofundamento. Neste sentido o professor Robert U. Ayres26 cita

nomeadamente cinco proposições que podem ser extraídas dos ensinamentos de Georgescu-Roegem e que são indubitavelmente incontroversas, excetuada a proposição número dois. Nesses termos: “… a tese de Georgescu-Roegen representou várias proposições não controversas e uma implicação errônea. Entre as proposições geralmente não controversas, estão as seguintes: (1) o bem-estar humano é uma função da produção econômica (produção); (2) a produção é inerentemente material-intensiva; (3) o processamento de material requer energia disponível (ou seja, exergia); que converte materiais de baixa entropia (por exemplo, combustíveis fósseis, minérios metálicos) em materiais de alta entropia (por exemplo, resíduos); (4) o estoque de materiais de alta qualidade (baixa entropia), incluindo combustíveis, na Terra é finito; (5) a reciclagem de materiais ou combustíveis - convertendo materiais de alta entropia em materiais de baixa entropia - requer um fluxo exógeno de baixa energia de entropia (ex. Exergia) e (6) materiais nunca podem ser reciclados com 100% de eficiência porque sempre há perdas entrópicas”.27

De todos os argumentos defendidos por Georgescu-Roegem aquele que se torna mais pertinente ao estudo ora tratado é o da eficiência energética da

25 “Some critics from the physical sciences have accused G-R of simply failing to realize that the

earth is not a thermodynamically closed system, and that continuing exergy flux from the sun will suffice to permit materials recycling forever.” AYRES, Robert U. The Second Law, The Fourth Law, Recycling and Limits to Growth. Center for the Management of Environmental Resources. Fontainebleau, France. 1998.

26 AYRES, Robert U. The Second Law, The Fourth Law, Recycling and Limits to Growth. Center

for the Management of Environmental Resources. Fontainebleau, France. 1998.

(20)

15

reciclagem, pois a valorização de resíduos a que se propõe a própria União Europeia depende do nível de energia aproveitável de um material reciclável.

Nessa baila, a relação entre potencial reciclável (energia disponível) e resíduos inservíveis (energia dissipada), ou simplesmente eficiência de recursos é um fator que apreende o interesse econômico desde primórdios. Assim assevera a LUND UNIVERSITY28: Em relação à eficiência de recursos,

observa-se que algum tipo de reciclagem de metais observa-sempre foi realizada. Alguns desobserva-ses recursos, devido às suas propriedades, eram inerentemente adequados à circularidade e sempre foram considerados valiosos demais para serem descartados sem mais uso.

Nesse sentido alguns materiais, como o chumbo, por exemplo, ainda nos dias atuais corrobora com essa lógica de valoração concentrada na sua capacidade de reciclagem. Outros materiais, no entanto padecem de tecnologias que possam maximizar sua eficiência de reuso, é o ocorre com o lítio, por exemplo, que no âmbito da União Europeia não registra resultado algum dentro de qualquer ciclo de reciclagem29.

28 LUND UNIVERSITY. Introduction to the Circular Economy - Part I - Introduction - Materials.

(n.d.), from https://goo.gl/rvSHFE.

29 Talens Peiro, L., Nuss, P., Mathieux, F. and Blengini, G., Towards Recycling Indicators based

on EU flows and Raw Materials System Analysis data, EUR 29435 EN, Publications Office of the European Union, Luxembourg, 2018, ISBN 978-92-79-97247-8 (online), doi:10.2760/092885 (online), JRC112720. p. 11.

(21)

16

Fonte: Talens Peiro, L., Nuss, P., Mathieux, F. and Blengini, G., 2018.

2. INOVAÇÕES LEGISLATIVAS NO CAMPO DA ECONOMIA CIRCULAR

2.1. União Europeia

2.1.1. A Economia Circular nos Tratados da União Europeia

Sem muita dificuldade é possível de se concluir que a Economia Circular está intrinsecamente ligada à defesa das políticas ambientais europeias. Isso porque o seu gene contém, de forma fidedigna, interesse condizente, mesmo que de forma sucinta, com o que outrora fora afirmado já em 1992 no Tratado de Maastricht. O referido tratado veio suplantar o que até então o Tratado de Roma ignorava por razões das mais adversas.

(22)

17

Nesse sentido se pronuncia a professora Carla Amado Gomes30 ao expor

que “a relação da União Europeia com o ambiente é hoje indesmentível, mas o começo não foi auspicioso. O Tratado de Roma ignorava a proteção ambiental compreensivelmente, dada a inicial vertente puramente económica da integração, bem como em virtude da necessidade de desenvolvimento industrial e comercial do pós-guerra ─, numa época em que, de resto, se vivia a pré-história do Direito Internacional do Ambiente”.

Ora, de fato, o Artigo 2º do Tratado de Maastricht já havia introduzido de forma explícita os conceitos de crescimento sustentável e o respeito ao meio ambiente fazendo então com que o futuro da Economia Circular pudesse encontrar solo fértil dentro do arcabouço jurídico europeu.

“Artigo 2°. A Comunidade tem como missão, através da criação de um mercado comum e de uma União Económica e Monetária e da aplicação das políticas ou ações comuns a que se referem os artigos 3° e 3°-A, promover, em toda a Comunidade, o desenvolvimento harmonioso e equilibrado das atividades económicas, um crescimento sustentável e não inflacionista que respeite o ambiente, um alto grau de convergência dos comportamentos das economias, um elevado nível de emprego e de proteção social, o aumento do nível e da qualidade de vida, a coesão económica e social e a solidariedade entre os Estados-membros.

Outrossim, ato contínuo os próximos tratados não apagaram tais registros, tendo o Tratado de Lisboa dado em 2007 dado um maior respaldo ao desenvolvimento sustentável, no entanto com uma pauta que muda a tônica do “respeito ao meio ambiente” para o esforço na “proteção do meio ambiente, mas sem deixar de lado, é claro, “o progresso econômico e social”.

“DETERMINADOS a promover o progresso económico e social dos seus povos, tomando em consideração o princípio do desenvolvimento sustentável e no contexto da realização do mercado interno e do reforço da coesão e da proteção do ambiente, e a aplicar políticas que garantam que os progressos na integração económica sejam acompanhados de progressos paralelos noutras áreas,” (Tratado de Lisboa Consolidado 2007, Preâmbulo).

30 AMADO GOMES, Carla e ANTUNES, Tiago. O Ambiente e o Tratado de Lisboa: uma relação

sustentada. 10 de março de 2010. Actualidad Jurdica Ambiental AJA. Disponível em: https://goo.gl/7cukBm. Acesso em 17 de janeiro de 2019…, cit. p. 1.

(23)

18

Consoante, a Economia Circular aderirá também aos apelos gritantes que seguem para além do preâmbulo do Tratado em tela, e que se explicitam de forma anda mais concisa do seu Artigo 2º, n. 3., nele a própria União Europeia ratifica estabelecer “um mercado interno” observando reiteradamente o desenvolvimento sustentável de mãos dadas com o desenvolvimento econômico.

“3. A União estabelece um mercado interno. Empenha-se no desenvolvimento sustentável da Europa, assente num crescimento económico equilibrado e na estabilidade dos preços, numa economia social de mercado altamente competitiva que tenha como meta o pleno emprego e o progresso social, e num elevado nível de proteção e de melhoramento da qualidade do ambiente. A União fomenta o progresso científico e tecnológico”. (Tratado de Lisboa, Artigo 2º, n. 3)

2.1.2. COM/2001/31

Ao longo dos anos e das repetidas intervenções ou ratificações nos textos dos tratados da União Europeia, foram também indagadas por meio de comunicações e diretivas algumas manifestações que trazem em si um apelo à reciclagem.

Parece que não, mas focar-se em textos legais que se posicionam a favor da reciclagem como resquícios jurídicos que fundamentam a Economia Circular é extremamente pertinente. Isso porque uma coisa e outra se completam, podendo até mesmo se confundirem. Não há economia circular sem reciclagem, mas a recíproca não é verdadeira, pois um bem inservível pode ser reciclado sem voltar ao seu berço de origem.

Dito isto, seguindo o rumo dos marcos legais que importam a este estudo, dá-se vista aqui à comunicação COM(2001) 31, ou o Sexto programa de ação em matéria de ambiente. Este programa “inspira-se no Quinto Programa-Quadro de ação em matéria de Ambiente, que abrangia o período compreendido entre 1992 e 2000”. Nele a União Europeia propôs a necessidade de “elaboração de uma estratégia para a reciclagem dos resíduos”. Resta evidente que a melhor estratégia para uma reciclagem verdadeiramente eficiente de recursos repousa na adoção de um sistema de Economia Circular.

(24)

19

Sendo assim, vislumbrou-se em tal programa de ação dentre tantas coisas a necessidade de “utilização sustentável dos recursos naturais e a gestão dos resíduos” (COM(2001) 31, 6.). Impossível alinhar-se mais que isso ao cerne da Economia Circular.

Em seu bojo a comunicação identificou dois problemas no tocante aos resíduos. Um deles envolvia a necessidade de tornar mais eficiente a sua gestão. O outro, impunha a necessidade de prevenção.

Diante do primeiro problema a União Europeia ateve-se a considerar a limitação dos recursos e a “violenta pressão” a que estão sujeitos os recursos naturais à medida que crescem as populações e os padrões de desenvolvimento. O pertinente alerta coaduna com a tese empunhada por Georgescu-Roegen, qual seja de que a economia tem recursos limitados.

“Os recursos do planeta, em especial os recursos ambientais e renováveis tais como o solo, a água, o ar, a madeira, a biodiversidade e as populações de peixes estão a ficar sujeitas a uma violenta pressão, à medida que o crescimento populacional e os atuais padrões de desenvolvimento económico se traduzem na procura crescente desses recursos”. (COM(2001) 31, 6.1.1.)

A solução para esse o problema da escassez de acordo com a comunicação teria uma conotação política. Além disso, havia a necessidade de que fossem aplicadas medidas de redução de consumo dos recursos, bem como a própria melhoria da eficiência do seu uso com metas de redução de geração de resíduos.

“Como primeira medida, por conseguinte, a Comunidade tem necessidade de desenvolver uma estratégia temática relativa à utilização sustentável dos recursos, em especial dos recursos não renováveis. A abordagem básica consistirá em:…

Identificar a aplicar medidas políticas específicas que reduzam o consumo destes recursos, por exemplo, alterando a procura, melhorando a eficiência com que são usados, evitando o seu desperdício e melhorando as taxas da sua reciclagem e reintegração na economia, depois de utilizados”. (COM(2001) 31, 6.1.3.)

No segundo problema levantado pela União Europeia a eficiência foi o tom. Um ponto importante é, desde então, a preocupação na valorização dos resíduos gerados e passíveis de reciclagem. O que faz muito sentido, pois não

(25)

20

seria sensato pensar em resíduos, ou mesmo na sua redução, sem pensar no potencial de valorização que eles têm. Sem valorização dos resíduos a eficiência é, de certa forma, alijada.

“Se não forem tomadas novas iniciativas, prevê-se que o volume de resíduos continuará a aumentar na Comunidade, num futuro próximo. Para além de exigir terrenos valiosos, a gestão dos resíduos liberta muitos poluentes para a atmosfera, a água e o solo, incluindo as emissões de gases com efeito de estufa provenientes dos aterros e do transporte de resíduos. Os resíduos também representam, com frequência, uma perda de recursos valiosos, muitos dos quais escasseiam e poderiam ser valorizados e reciclados para nos ajudar a reduzir a nossa procura de matérias-primas virgens”. (COM(2001) 31, 6.2.1.)

O texto está completamente imbuído da dinâmica da Economia Circular em que a valorização de resíduos cria o círculo virtuoso que remete à diminuição da extração de matéria-prima.

2.1.3. COM/2003/302

Dando seguimento ao modelo que aparece como uma solução justa para problemas ainda recentes, a Comunicação 2003/302 começa a propor o que se categoriza como uma visão integrada em que a reciclagem e a “estratégia de prevenção” de resíduos somam-se para “incorporar uma dimensão do produto na política ambiental”.

Mesmo que en passant há um eminente comprometimento para se “encontrar soluções positivas simultaneamente para o ambiente e a indústria”. Aqui repousa também vislumbres da Economia Circular.

É fato, a visão de ciclo compreende perceber esses dois mundos, ambiente e indústria, sem interrupções. O lançar fora o resíduo rompia o elo cíclico que compreende a necessidade de um produto ser devolvido ao seu produtor quando inservível. A Comunicação 2003/302, bem como outros documentos que aqui são estudados põe em pauta a necessidade de haver “melhoramentos ambientais” em conjunto com um “melhor desempenho dos produtos”, sempre alinhados a “melhoramentos contribuam para a competitividade industrial”. Mesmo que noutros termos, isso reflete

(26)

21

profundamente a finalidade da Economia Circular, em que indústria e meio-ambiente não são inimigos.

Do nascimento até a sua morte os produtos precisam ser geridos. Nisso também se fundamenta a Comunicação, disso se extrai o conceito de “ciclo de Vida”. Que muito embora esteja ainda focado do âmbito da destinação, impõe-se na perspectiva de ciclo.

“Conceito de ciclo de vida - Considera o ciclo de vida de um produto e procura reduzir os seus impactos ambientais acumulados - desde o "nascimento até à morte". Ao fazê-lo, procura também impedir que as várias partes do ciclo de vida sejam consideradas de uma forma que leve simplesmente a que os encargos ambientais sejam transferidos de uma parte para outra. Ao abordar todo o ciclo de vida do produto de uma forma integrada, a PIP também promove a coerência das políticas. Dá origem a medidas tendentes a reduzir os impactos ambientais no momento do ciclo de vida em que essas medidas têm mais probabilidade de contribuir eficazmente para a redução do impacto ambiental e de representar economias de custos para as empresas e a sociedade”. (Comunicação 2003/302, 3)

Não deve ser ignorado o quanto a comunicação em tela tenha se referido ao mercado de vários pontos de vista. Desde a relação com o próprio mercado em si mesma, onde vê-se a necessidade de estabelecimento de incentivos que promovam produtos sustentáveis junto aos produtores, até mesmo a ação direta junto aos consumidores para que absorvam uma cultura voltada para o uso e compra de produtos sustentáveis.

No entanto, ao tratar daqueles instrumentos que deveriam “criar o enquadramento económico e jurídico apropriado” a Comunicação peca num ponto. Ao tratar dos impostos e subsídios (5.1, a) impõe-se à partida a necessidade de incorporar “custos externos ambientais no preço de um produto de modo que o preço fixado reflita corretamente os impactos ambientais”. Isso acaba por dizer que um produto mais danoso ao ambiente, muitas vezes aquele que não tem um alto poder de reciclabilidade por várias razões, acabe por ter de suportar um ônus quem sabe até excessivo.

Ora, tratar os bens produzidos com foco no seu impacto é um risco. Nesse sentido é sempre importante avaliar a necessidade do produto em contrapartida ao seu impacto. Nessa relação em que um e outro sejam substanciais é oportuno

(27)

22

fazer um juízo de ponderação. Outrossim, alguns bens que causam impacto ambiental elevado em determinada região, podem ser uma fonte de subsistência, ao que uma suposta fixação de preço para refletir impactos ambientais poderia colocar em cheque economias locais. Em outras palavras níveis aceitáveis de poluição podem ser compatíveis com atividades impactantes ao meio-ambiente, sem a pronta necessidade de tributar uma externalidade negativa de por si só.

2.1.4. DIRETIVAS 2006/12/CE e 2008/98/CE

O primeiro diploma determinava que os estados membros da União Europeia tomassem medidas que promovessem, dentre outras coisas: “A valorização dos resíduos por reciclagem, reutilização, recuperação ou qualquer outra ação tendente à obtenção de matérias‐primas secundárias; ou, ii) A utilização de resíduos como fonte de energia” (DIRETIVA 2006/12/CE, artigo 3, b).

Ora, a vertente dos resíduos aos poucos vai tomando uma tônica cada vez mais econômico-circular. Algo com o que corrobora a publicação da segunda diretiva tema desse tópico, a Diretiva 2008/98/CE.

É possível depreender que em seu bojo a diretiva viria suscitar à União Europeia a necessidade de abandonar uma abordagem mais restrita, focada na fase do resíduo.

Seria necessário buscar, para além da reciclagem e valorização dos resíduos, a redução do uso de matérias-primas virgens. Seria necessário ainda compreender a gestão de resíduos “numa lógica de análise do ciclo”31.

Esses fatos remetem impreterivelmente à uma lógica de economia circular. Preconiza-se desde já dentro do ordenamento jurídico europeu uma saída da visão linear, preocupada com a destinação dos resíduos (cradle-to-grave) para uma visão mais holística, atinada para um ciclo e não para uma etapa apenas.

31 Miranda, J., Cunha M., Rui, Guimarães, A. L., Kirkby, M. (coord.). Direito dos resíduos.

Lisboa,: Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos, Instituto de Ciências Jurídico-Políticas/Centro de Investigação de Direito Público da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa…, cit. p. 84.

(28)

23

“As atuais conceções de gestão de resíduos baseadas numa lógica de análise do ciclo de vida (ACV) dos produtos já foram acolhidas no ordenamento jurídico, conforme se retira do texto da própria DQR, p. ex., do considerando 8: “Torna-se, por conseguinte, necessário rever a Diretiva 2006/12/CE, de modo (…) a introduzir uma abordagem que tenha em conta todo o ciclo de vida dos produtos e materiais e não apenas a fase de resíduo (…)”. Há também referências à abordagem por ACV em outros pontos da DQR, como os considerandos 27 e 39 e n.º 2 do art.º 4.º. Também a proposta do plano nacional de gestão de resíduos 2011-2020 (PNGR 2020) preconiza uma gestão de resíduos integrada no ciclo de vida do produto”32.

2.1.5. COM/2014/398

O ano de 2014 dá continuidade ao progresso exitoso da Economia Circular na União Europeia. Neste ano Dinamarca, Escócia, Holanda e Suécia, são alguns dos países que claramente começaram a se movimentar com o intuito de promover pacotes de leis implementando a Economia Circular33.

Essa iniciativa parece ecoar como um respaldo à publicação da comunicação COM/2014/398 que previa metas de reciclagem de 70% do lixo municipal e 80% de materiais de embalagens até o ano 2030.

Algo que não escapa o interesse é o fato de esta comunicação COM/2014/0398 sugerir uma cultura de valorização dos resíduos. Muito embora para alguns setores a valorização dos resíduos seja extremamente difícil, pois os resíduos alguns produtos inseridos no mercado é tão somente um ônus, como é o caso dos setores de lâmpadas e remédios, por exemplo.

O tema valorização é pertinente, pois já há em alguns casos uma eficiência tal que alguns setores já se regozijam com os louros, pois seus resíduos são enormemente valorizados. No setor de baterias chumbo-ácido, por exemplo, considerar o resíduo como recurso valioso não é algo muito difícil. Neste caso, graças a alta eficiência que as indústrias alcançaram na capacidade de reciclar suas baterias o resíduo tem atingido um alto valor de mercado, o que

32 Idem, cit. p. 84.

33 BRAW, Elisabeth. Five countries moving ahead of the pack on circular economy legislation.

(29)

24

conduz viabilidade e um modelo de Economia Circular eficiente capaz de iluminar outros mercados.

2.1.6. COM/2015/614

Ainda no esteio da Economia Circular europeia a comunicação COM/2015/614 é talvez o documento mais claro acerca das intenções do conjunto de países da união de estabelecer um verdadeiro sistema de Economia Circular.

Nela é apresentado um plano de ação intitulado “Fechar o ciclo”. O plano pretende aplicar à União Europeia a dinâmica da Economia Circular, e, para isso, visa ações nos campos da produção, consumo, gestão de resíduos e mercado de matérias-primas secundárias, bem como ações setoriais no âmbito do plástico, matérias-primas essenciais, desperdício alimentar, construção.

No plano prospecta-se uma transição de modelos de linear para circular com duas vertentes, o máximo de aproveitamento dos produtos na economia por um maior tempo possível e, em contra partida, a redução da produção de resíduos ao mínimo possível com foco na eficiência e na competitividade.

“A transição para uma economia mais circular, em que o valor dos produtos, materiais e recursos se mantém na economia o máximo de tempo possível e a produção de resíduos se reduz ao mínimo, é um contributo fundamental para os esforços da UE no sentido de desenvolver uma economia sustentável, hipocarbónica, eficiente em termos de recursos e competitiva. Essa transição é a oportunidade para transformarmos a nossa economia e criarmos vantagens competitivas, novas e sustentáveis, para a Europa”. (COM/2015/614, Introdução)

Nessa comunicação a União Europeia verdadeiramente transcende de uma visão voltada para o resíduo e fixa-se num âmbito em que a conjuntura em que os mais importantes agentes interagem para obtenção da meta.

A priori apresenta cinco elos da Economia Circular que precisam ser integrados com vistas a criação de um modelo econômico sustentável. São eles, produção, consumo, gestão de resíduos, valorização dos recursos secundários e, por último, inovação e investimento.

(30)

25

O primeiro desses elos toca o âmbito da produção de bens, no qual a “concepção dos produtos” tenderia a “tornar os produtos mais duráveis ou mais fáceis de reparar, modernizar ou refabricar” (COM/2018/028, 1.1) e os “processos de produção” a utilizar de forma eficiente os recursos (COM/2018/028, 1.2). Os dois seguintes, consumo e gestão de resíduos, integram, de certa forma, a tríade em que se baseia o sistema de reciclagem cujo foco repousava somente no resíduo, mesmo com uma visão de ciclo, conforme previa a COM/2003/302. Esses três primeiros objetivos rememoram as condições de responsabilidade pós-consumo, ou simplesmente, “Ciclo de Vida” e morte do produto, sem maiores preocupações com um sistema que envolvesse a valorização dos resíduos, ou mesmo um sistema complexo em que o túmulo do resíduo é substituído por seu berço.

Destarte disso, a comunicação coloca no plano da Economia Circular, além dos três primeiros elos comentados, os outros dois fechariam o ciclo econômico inteiro. A valorização dos recursos, quarto elo da cadeia, seria aquele através do qual haveria o impulsionamento de um “mercado das matérias-primas secundárias” em que “materiais que podem ser reciclados são reinjetados na economia como novas matérias-primas” (COM/2018/028, 4). O último ente desse conglomerado compreende a inovação e o investimento, onde podem ainda ser incluídos uma série de outros componentes em vista do alcance da Economia Circular, exemplo disso seriam investimentos públicos em recolha seletiva, por exemplo, ou mesmo a facilitação ao acesso para financiamento para projetos de economia circula.

2.1.7. COM/2018/028

Mais recentemente, a União Europeia veio complementou a comunicação feita em 2015 ao estabelecer uma estratégia no âmbito dos Plásticos e Economia Circular. Esse compromisso representa o primeiro domínio de cinco outros que pautam o plano de ação da COM/2015/614 e que visa garantir até 2025 a incorporação de até dez milhões de toneladas de plásticos reciclados em novos produtos no mercado da UE.

A importância dada ao plástico como primeiro domínio dessa ação é compreendida por uma preocupação oriunda do seu grave impacto ambiental e

(31)

26

a quantidade excessiva de sua produção. Segundo GEYER, R., JAMBECK, J., LAVENDER, K (2017) estima-se que até entre os anos 1950 e 2015 foram produzidas um montante de fibras e resinas que superam 7800 milhões de toneladas. E o mais impressionante é que metade da produção desses plásticos se deu nos últimos 13 anos desse período.

Ainda nesse interstício de tempo da quantidade de plástico produzida foram geradas 6300 Mt de resíduos, sendo que somente 9% (600 Mt) desse acumulado foram reciclados, tendo sido o restante dos resíduos incinerados, depositados em aterros sanitários ou mesmo no meio ambiente34. Não deve ser

esquecido também que em outra estimativa especula-se que aproximadamente 10% do plástico produzido no mundo são lançados nos oceanos, o que tem afetado enormemente a vida marinha e por consequência a saúde humana35.

No compasso do domínio do plástico, a Municipal Waste Europe36

explanou os desafios que tocam a transição para uma economia circular considerando o seu desenvolvimento em duas fases, uma situação presente e outra futura. A primeira, em que parte em que nem todos os produtos plásticos são recicláveis, havendo uma distinção entre os que são e os que não são, e a segunda fase que diz respeito a criação de produtos plásticos que sejam recicláveis na sua totalidade.

A transição de fases implica a necessidade de sair do momento atual em que nem todo o plástico se recicla para uma segunda fase em que todo plástico é desenhado para ser reinserido na cadeia de produção como matéria-prima secundária37.

2.1.8. COM/2018/032

No seguimento à Comunicação 2018/028 a União Europeia publicou a Comunicação 2018/032 que apresenta “opções para examinar a relação entre as legislações relativas aos produtos químicos, aos produtos e aos resíduos”.

34 GEYER, R., JAMBECK, J., LAVENDER, K. Production, use, and fate of all plastics ever

made. LAW SCIENCE ADVANCES.19 julho de 2017 : E1700782. p. 3.

35 BIZARRO, Cheila. Microplastics as vectors of heavy metals for fish. Universidade de Lisboa,

Faculdade de Ciências, Departamento de Biologia Animal, 2017. p. iii.

36 Municipal Waste Europe. Position Paper “EU Strategy on Plastics in a Circular Economy”.

2018. Disponível em: https://goo.gl/KhRswS.

(32)

27

Em outras palavras, essa última comunicação tenta entender a relação entre a reciclagem e produtos químicos contaminantes que inviabilizam o processo de reaproveitamento dos resíduos.

Segundo a Comunicação, alguns produtos químicos constituem obstáculos técnicos que impedem a reciclagem ou meso a tornam muito cara, além da periculosidade apresentam para a vida saúde humana e o meio-ambiente (COM/2018/032, Introdução).

Se com os plásticos há uma grande preocupação, eles que, segundo a OECD (2018), vêm sendo melhorados tecnologicamente, e sobre os quais tem emergido e se tornado disponíveis no mercado “melhores práticas sobre seu uso” e “sua aplicação”, bem como se tem visto uma mudança na “natureza da indústria de plásticos”. O mesmo ocorre com produtos químicos, pois à medida que novos químicos vem sendo desenvolvidos outros são retirados do mercado “em particular se forem considerados perigosos para a saúde humana ou para o meio ambiente”. Isso aumenta o limbo sobre os efeitos de tais produtos na reciclagem, pois nem sempre se tem uma ideia do alcance dos seus riscos e inviabilidades.

Esses condicionantes químicos, considerados pela União Europeia como “substâncias com histórico”, de acordo com a COM/2018/32, caso tenham contaminado possíveis materiais recicláveis “quando o produto se torna resíduo” poderão ou não ser permitidos no tempo da reciclagem, dada essa dinâmica do de substituição contínua de produtos químicos no mercado. Por isso a necessidade de analisar a transição para uma Economia Circular também por essa matriz.

Para o European Environmental Bureau38 a falta de transparência é uma

outra razão para se deter a este tema, a Comunicação reconhece que “em muitos casos, não é óbvio” quais as substâncias “contidas em produtos, por exemplo, se os produtos não são rotulados”. Definições claras e transparentes são mais apropriadas “para alcançar um uso mais seguro dos produtos químicos em materiais circulares”. Ainda para a organização é necessário que se garantam “informações adequadas e transparência em toda a cadeia de

38 European Environmental Bureau. Position Paper on The Interface Between Chemicals,

(33)

28

fornecimento” pois, isso ajuda “a evitar as substâncias com histórico” (químicos herdados).

Um dos principais obstáculos à transparência, segundo o European Environmental Bureau39, reside no fato de as informações sobre os pormenores

dos produtos químicos serem reivindicadas como “confidenciais” ou “como dados comercialmente sensíveis”, o que, ainda segundo o bureau europeu implicaria o acionamento da Convenção de Aarhus, na qual se instrui a obrigatoriedade da “divulgação integral da informação relacionada com as ‘emissões no ambiente’, mesmo quando esta informação é comercialmente sensível”40.

Sobre o tema confidencialidade das informações quando o assunto é meio ambiente e segurança humana há um impedimento claro que prejudica esse argumento em favor de quem queira guardar informações sobre produtos químicos. Haveria de existir uma condição rigorosa e excepcional para que a informação fosse tida como confidencial41.

2.2. Portugal

Ressalvadas todas as legislações anteriores que protagonizavam indícios do que seria a Economia Circular, leis sobre reciclagem e logística inversa, por exemplo. É especificamente em 2014 que o Estado português tem um dos primeiros registros de invocação do tema Economia Circular de forma bastante clara. Tal feito se deu quando da publicação da Portaria n.º 187-A/2014 que aprova o Aprova o Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos (PERSU 2020), para Portugal Continental.

Nessa portaria pretendeu-se ir adiante no que toca os passos iniciados pela chamada “Diretiva-quadro dos resíduos” (Diretiva 2008/98/CE), e o Plano Nacional de Gestão de Resíduos (Decreto-Lei n.º 178/2006), muito embora, conforme outrora citamos, ambos mantivessem um olhar voltado para a fase de destinação dos resíduos.

39 Idem.

40 Idem, ibidem. Apud, Regulation [EC] No 1367/2006. 41 Idem, ibidem. p. 12.

(34)

29

Segundo texto da própria portaria, foi adotado no documento uma abordagem paradigmática, abraçando-se uma abordagem própria de uma Economia Circular. Nesse sentido, a finalidade do documento que visava consubstanciar “a gestão de resíduos como uma forma de dar continuidade ao ciclo de vida dos materiais”, com o intuito de “devolver materiais e energia úteis à economia” atraia para si a substância da própria Economia Circular, pois com o alcance dessa finalidade se obtém como consequência a “otimização dos recursos materiais e energéticos” e a minimização da extração de “novas matérias-primas”.

Não obstante o plano estratégico revisado pela portaria estar voltado para a gestão de resíduos urbanos, não é inválida a sua comunhão de interesses com a Economia Circular. Por preconizar metas alinhadas em seu âmago com esta o Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos almeja maximizar a “gestão e tratamento de resíduos urbanos” sempre “numa lógica de uso eficiente de recursos e de economia circular”.

2.2.1. Resolução do Conselho de Ministros n.º 11-C/2015

Como resultado da COM/2014/398 o governo de Portugal publica em março de 2015 uma resolução que ora adota a temática comunitária no âmbito da Economia Circular.

O Plano Nacional de Gestão de Resíduos para o horizonte 2014-2020 aprovado pela resolução adota como fundamento para suas metas de “eficiência da utilização de recursos naturais na economia” três pretensões: as duas primeiras dissociam o crescimento econômico do consumo de matérias e da produção de resíduos e uma terceira que visa “aumentar a integração de resíduos na economia”.

A última dessas pretensões é de grande interesse nesse estudo, pois tal “integração de resíduos na economia” implica na valorização das matérias-primas secundárias frente a produção de resíduos.

(35)

30

Ato contínuo, a publicação em 2017 da Resolução do Conselho de Ministros nº 190-A/2017 que aprovou o Plano de Ação para a Economia Circular em Portugal foi um ressalto sobre a transição portuguesa na saída de uma visão linear de economia.

Já no seu texto introdutório o documento exalta o abandono do antigo conceito que detinha a preocupação com o “fim-de-vida” rumo a um novo conceito regido pela circularidade num contexto de “de reutilização, restauração e renovação, num processo integrado”.

Segundo a resolução, a inspiração ecossistêmica da Economia Circular promoverá uma “reorganização do modelo econômico” vigente. Os “ciclos fechados”, de certo modo já compreendidos por Georgescu-Roegen42 e

rechaçado por Robert Ayres43, se coordenariam para essa reorganização sem

prescindir à compatibilidade técnica e econômica junto com “enquadramento social e institucional”. Nesse conjunto a dinâmica da economia circular agrupa as “capacidades das atividades produtivas”, “incentivos e valores”.

Vale dizer que os valores explícitos no tocante ao enquadramento social e institucional não se expressam claramente como valores monetários. O que é uma ausência, talvez proposital, na resolução. Nela não há uma meta específica que vise o estabelecimento de mecanismos que facilitem a valorização dos resíduos quando da sua reintrodução na cadeia produtiva.

O que se lê claramente na resolução é o aspecto monetário voltado para as possíveis “vantagens econômicas” que podem usufruir os “fornecedores e utilizadores” das matérias-primas secundárias, algo que é bom, mas pode não ser suficiente, pois tais vantagens podem representar um preço falso do produto .

2.2.3. Ideal impossível da perenidade

Notadamente a intenção da adoção na Resolução de um ideal de criação de “ciclos perpétuos de reconversão”, ao que parece, representa uma

42 Georgescu-Roegen, N., 1996. La Ley de la Entropía y el proceso económico. Fundación

Argentaria, Madrid.

43 AYRES, Robert U. The Second Law, The Fourth Law, Recycling and Limits to Growth. Center

Imagem

Figura 1 - Economia Linear  Fonte: LUZ e ECHEVENGUA (2015)
Figura 2 - Economia Circular  Fonte: LUZ e ECHEVENGUA (2015)
Figura 3 - Definições da Economia Circular Fonte: Ellen MacArthur Foundation (2015)
Figura 4 - Geração de Resíduos por Estado Membro em kg/habitante  Fonte: ProSUM, 2015
+7

Referências

Documentos relacionados

Dessa forma, a partir da perspectiva teórica do sociólogo francês Pierre Bourdieu, o presente trabalho busca compreender como a lógica produtivista introduzida no campo

Detectadas as baixas condições socioeconômicas e sanitárias do Município de Cuité, bem como a carência de informação por parte da população de como prevenir

Aplicação dos princípios humanitários, étnico- raciais, ambientais e científicos em áreas relacionadas a produção, controle de qualidade e distribuição de

O primeiro passo para introduzir o MTT como procedimento para mudança do comportamento alimentar consiste no profissional psicoeducar o paciente a todo o processo,

Purpose: This thesis aims to describe dietary salt intake and to examine potential factors that could help to reduce salt intake. Thus aims to contribute to

O objetivo do curso foi oportunizar aos participantes, um contato direto com as plantas nativas do Cerrado para identificação de espécies com potencial

Neste estudo foram estipulados os seguintes objec- tivos: (a) identifi car as dimensões do desenvolvimento vocacional (convicção vocacional, cooperação vocacio- nal,

Afinal de contas, tanto uma quanto a outra são ferramentas essenciais para a compreensão da realidade, além de ser o principal motivo da re- pulsa pela matemática, uma vez que é