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Aceleração da rotação do capital e a indústria do transporte na obra de Karl Marx

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Aceleração da rotação do capital e a indústria do transporte

na obra de Karl Marx

Alessandra Rodrigues Freitas1

Resumo

O presente trabalho busca debater – a partir da obra de Karl Marx, principalmente analisando o livro II d’ O Capital – a relação entre o movimento do capital e o importante papel da indústria do transporte para a produção de mais-valor. É neste livro que Marx trará a categoria taxa de mais-valor anual, sendo esta importante para entender a relação dialética entre produção e circulação do capital. Não há a pretensão, neste artigo, de se aprofundar no debate de produção de mais-valor pela indústria do transporte, mas como esta indústria é estratégica e primordial para se pensar a taxa de mais-valor anual e o movimento do capital.

Introdução

A importância do transporte é colocada desde o processo de expansão dos mercados e da possibilidade de comprar e vender mercadorias em lugares distantes. Para o modo de produção capitalista, todo o desenvolvimento dos meios de transporte possibilitou vender mais mercadorias, baratear mercadorias e mesmo produzir mercadorias antes inviabilizadas pela dificuldade em seu deslocamento e manutenção no caso dos produtos perecíveis.

Neste longo desenvolvimento do transporte, observamos sua importância na contemporaneidade ao reduzir drasticamente a relação espaço-tempo. Assim, conseguimos reduzir a distância pelo aumento da potencialidade do transporte e pela redução do tempo de deslocamento de pessoas e mercadorias.

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Graduada em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Mestrado em Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professora temporária na Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF).

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Não somente com o aperfeiçoamento dos meios de transportes rápidos (por exemplo, o avião), como também pela melhoria tecnológica de caminhões, ônibus, navios e trens estamos observando uma grande integração do planeta, ampliada pelo desenvolvimento da comunicação.

Partindo destes elementos aparentes em nossa realidade, o presente artigo busca problematizar o que representa, no vigente modo de produção, o aperfeiçoamento do transporte. Assim, quais elementos estão na essência do modo de produção capitalista que acentuam a relevância de se desenvolver os meios de transportes e sua organização? Marx traz importantes contribuições ao pensar o capital em seu movimento e sua relação com a produção de mais-valor. Assim, a relação dialética entre produção e circulação é central para entender a alternância do capital em suas três formas (capital dinheiro, capital mercadoria e capital produtivo). E, por isso, retomamos aqui a análises dos três ciclos do capital.

Desta análise qualitativa do movimento do capital e as percepções que esta possibilita, passamos a pensar o movimento do capital de forma quantitativa. Deste modo, o tempo que o valor gasta para sair de uma forma e retornar a esta mesma forma ao final de um ciclo impacta também na produção de mais-valor. Isto levará a Marx a desenvolver uma nova categoria ao analisar a produção de mais-valor durante um período determinado, por ele denominada mais-valor anual.

Por fim, a compreensão dos elementos qualitativos e quantitativos do movimento do capital possibilita analisar a indústria do transporte no modo de produção capitalista e sua relação intrínseca com a produção de mais-valor. Buscando analisá-la através da relação dialética entre produção e circulação, ou seja, entre produção e realização do valor.

De forma empírica, trazemos neste artigo algumas análises feitas acerca do trabalho dos caminhoneiros no Brasil e como sua condição de trabalho está diretamente ligada à lógica de funcionamento da indústria do transporte e a produção de valor no capitalismo. Buscando assim trazer substratos teóricos para contribuir com um debate ainda pouco explorado no campo de pesquisa tanto das ciências sociais e jurídicas, como no próprio debate teórico marxista.

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A dimensão dialética entre produção e circulação no movimento do capital fica mais clara quando percebemos o capital em seu movimento global e em sua totalidade. Porém, Marx destaca a importância de analisar cada ciclo do capital que compõe seu movimento. Assim, podemos visualizar o movimento do capital através da alternância de suas formas:

... D – M(F2t+Mp3) ... P ... M’ (M+m) – D’(D+d) – M(Ft+Mp) ... P ... M’ – D’… Portanto, o capital na forma dinheiro (D), dá lugar ao capital na forma mercadoria (M), que por sua fez dá lugar ao capital na forma produtiva (P). Disto decorre a possibilidade de análise do ciclo correspondente a cada forma do capital, portanto, o ciclo do capital dinheiro4, o ciclo do capital mercadoria e o ciclo do capital produtivo. Mas, independente do ciclo analisado, o capital deve passar pelas três formas de sua manifestação e retornar ao final a forma capital inicial, podendo assim dar continuidade a seu movimento cíclico.

As análises desenvolvidas por Marx a cerca do movimento do capital já tem como pressuposto o desenvolvimento da relação de classe no capitalismo. Assim, os trabalhadores já estão expropriados de suas formas de subsistência e encontram-se no mercado ofertando sua força de trabalho [Ft – D]. Bem como o capitalista, detentor dos meios de produção e possuindo o capital na forma dinheiro, busca adquirir esta força de trabalho [D – Ft] a fim de iniciar seu processo produtivo.

Partindo do ciclo do capital-dinheiro [D – M(Ft+Mp) ... P ... M’ (M+m) – D’(D+d)], observamos o movimento essencial do capitalismo: dinheiro que se valoriza. Portanto, o capital na forma dinheiro possibilita ao capitalista adquirir força de trabalho e meios de produção, a fim de iniciar o processo produtivo (P), momento no qual se interrompe a circulação para a produção de uma nova mercadoria, que reaparece ao final do processo na forma de capital mercadoria acrescida M’. Este por sua vez, após a realização do valor produzido, reaparece na forma capital dinheiro, porém agora acrescida [D’ = D+d]. 2 Força de Trabalho. 3 Meios de produção. 4

Neste trabalho optou-se por adotar a expressão “capital-dinheiro”, utilizada na tradução brasileira publicada pela editora Civilização Brasileira, do que a expressão “capital-monetário” conforme a tradução da editora Nova Cultural que está sendo usada nas citações diretas e indiretas deste texto. Esta opção deve-se ao fato de a expressão “capital-monetário” tomar múltiplos sentidos quando Marx começa a analisar o capital a juros em seu livro terceiro.

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Portanto, o ciclo do capital dinheiro representa o movimento do modo de produção capitalista, ou seja, dinheiro que se valoriza [D-M-D’]; diferente do que ocorre na circulação simples, em que o objetivo é vender para comprar outra mercadoria com valor de uso distinto [M-D-M]. Assim, a mercadoria no modo de produção capitalista é meio para se alcançar um valor de troca.

Já neste primeiro ciclo é importante ressaltar a negação dialética entre as etapas de circulação e produção. De tal modo, após adquirir a força de trabalho e os meios de produção, o capitalista interrompe a circulação para iniciar o processo produtivo. Somente quando este termina pode o capital voltar à esfera de circulação para realizar o valor produzido.

Retornando brevemente as análises de Marx acerca da relação dialética entre produção e circulação no capitalismo e a constatação de um mais valor ao final de cada processo produtivo, é importante destacar como a produção de valor se dá na esfera produtiva, apesar de depender dialeticamente da esfera de circulação.

Assim, ao final do processo produtivo aparece uma mercadoria com um valor maior do que o valor despendido pelo capitalista ao comprar os meios de produção e a força trabalho. Busca-se, portanto, compreender a origem desse mais valor que aparece com o término do processo produtivo. Ou seja, como o capitalista consegue vender sua mercadoria mais caro do que o valor gasto na produção?

[...] Ele [capitalista] precisa, de fato, vender mais caro do que comprou, mas isso só lhe é possível porque, mediante o processo de produção capitalista, transformou a mercadoria mais barata, porque de menor valor, que comprou, em mercadoria de maior valor, portanto mais cara. Ele vende mais caro não porque vende acima do valor de sua mercadoria, mas porque vende uma mercadoria com um valor acima da soma de valor de seus elementos de produção. (MARX, 1988, V. III, p. 81).

Deste modo, o mais-valor que aparece ao final do ciclo do capital não ocorre porque o capitalista vendeu sua mercadoria acima de seu valor, mas porque gastou menos ao comprar os componentes necessários do processo produtivo.

Assim, os meios de produção devem ser adquiridos pelo capitalista antes de iniciar seu processo produtivo. Ao final, com a produção de uma nova mercadoria, estes meios de produção reaparecem sem alteração no seu valor, pois materiais como

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madeira, lã e aço serão o mesmo, compondo uma nova mercadoria. Marx chamou-os de capital constante, por manter constante seu valor no processo produtivo.

Ademais do capital constante, o capitalista precisa do trabalho humano necessário para produzir sua mercadoria. A força de trabalho também é adquirida pelo capitalista na esfera de circulação para iniciar a etapa de produção. Entretanto, Marx demonstra como a força de trabalho, no capitalismo, além de produzir seu próprio valor no processo produtivo, produz o mais-valor apropriado pelo capitalista. E como a relação entre o custo para manutenção e reprodução da força de trabalho e o mais-valor produzido pode varia, Marx denominará de capital variável.

Assim, a mercadoria que aparece ao final do processo produtivo terá um valor maior do que o valor das mercadorias compradas no início do processo produtivo (capital constante e capital variável). Como o capital constante não altera seu valor durante a produção, cabe ao capital variável a diferença decorrente do emprego da força de trabalho além do tempo necessário à sua manutenção e reprodução. Sendo que ao final do processo do produtivo, mesmo o trabalhador recebendo aquém do tempo de trabalho realizado, o valor produzir aparecerá e o excedente será apropriado pelo capitalista.

Deste modo, mesmo sendo importantes as etapas de circulação, tanto para iniciar o processo produtivo como para realizar o valor produzido, será na produção que o mais valor é criado. Portanto, a esfera de circulação não produz valor, mas se relaciona dialeticamente com a esfera de produção, e por isso é essencial ao processo produtivo.

Vencida esta síntese sobre o processo de mistificação do mais-valor que aparece ao final do ciclo do capital-dinheiro, iniciamos a análise do ciclo do capital-produtivo [P...M’ – D’ – M (Mp + Ft) ...P]. Neste ciclo percebemos a acumulação como inerente ao capitalismo, pois o ponto de chegada já indica o recomeço do processo produtivo, ou seja, produção visando à reprodução. Entretanto, o ciclo não permite perceber a origem da mais-valia, uma vez que a etapa de circulação simples [M – d – M]5 coloca-se somente como intermediária. Não é possível identificar a origem, justamente, porque neste ciclo não aparece a relação do dinheiro (D) que gera mais dinheiro (D’) como no ciclo anterior.

Fechando a análise dos três ciclos em particular, temos o ciclo do capital-mercadoria [M’ – D’ – M (Mp + Ft) ...P... M’] que parte de uma capital-mercadoria originada

5

Vale ressaltar neste ciclo que, mesmo a forma sendo de circulação simples, não se pode esquecer seu conteúdo capitalista.

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de um processo produtivo anterior, pois esta mercadoria se coloca como posta pela produção e não pressuposta na análise. Ao mesmo tempo em que este ciclo mistifica a forma de valorização do valor e não permite identificar o processo de acumulação capitalista, é um ciclo importante para a análise do crescimento da economia e para a relação dos diversos ciclos do capital.

A análise dos três ciclos separadamente é importante para se entender suas particularidades, mas quando pensamos concretamente um capital industrial6 individual este está nos três ciclos ao mesmo tempo. Assim,

[...] a reprodução do capital em cada uma de suas formas e em cada um de seus estádios é tão contínua como as metamorfoses dessas formas e o percurso sucessivo dos três estádios. Aqui, portanto, o ciclo global é a verdadeira unidade de suas três formas. (MARX, 1988, V. III, p. 71).

Para Marx (1988, V. III, p. 72), o ciclo do capital industrial é a unidade dialética entre produção e circulação, como também a unidade dos três ciclos. E qualquer interrupção em alguma etapa do ciclo gera impacto no movimento global do capital, como no capital individual.

Desta forma, o capital só pode ser entendido em movimento, alternância contínua de uma forma à outra. E, por isso, para pensar o capital é preciso pensa-lo em movimento e dentre das relações de classe que compõe o capitalismo, entre os compradores da força de trabalho e os vendedores de sua força de trabalho.

Neste processo, quanto mais profundo o processo de autonomização da forma valor, mas os capitalistas individuais são submetidos ao movimento global do capital. Ou seja, mesmo o ciclo do capital na aparência se apresentando como ação de capitais individuais, as revoluções de valor

[...] impõe, atuando com a violência de um processo natural elementar, o movimento automático do valor autonomizado em face da previsão e do cálculo do capitalista individual, tanto mais se torna o curso da produção normal vassalo da especulação anormal, tanto mais se torna o perigo para a existência dos capitais individuais. Essas periódicas revoluções de valor confirmam, portanto, o que pretensamente devem refutar: a autonomização que o valor enquanto capital experimenta e que por meio de seu movimento conserva e acentua. (MARX, 1988, V. III, p. 73-74).

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Entende-se, neste texto, indústria na perspectiva de Marx, como “todo ramo de produção conduzido de modo capitalista” (MARX, 1988, V.III, p. 39).

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Da compreensão dos ciclos do capital e, portanto, do capital em movimento podemos na próxima parte deste artigo pensar a rotação do capital e suas implicações. Passamos à análise do tempo necessário para o capital realizar as etapas de produção e de circulação e suas implicações para a produção e realização do valor e do mais-valor.

2. Capital fixo e capital circulante, rotação do capital e taxa de mais valor anual

Pensar o capital em movimento nos permite pensar, além dos aspectos qualitativos deste movimento como abordados sinteticamente acima, suas implicações quantitativas, ou seja, o que representa para o capital o maior ou o menor tempo para sair de uma de suas formas e retornar a esta mesma forma ao final de um ciclo. Deste modo, torna-se possível, a partir de agora, pensar as implicações do tempo de produção e do tempo de circulação no processo de valorização do capital.

Como o objetivo nesta etapa é compreender o movimento do capital através do seu processo de valorização, dos três possíveis ciclos que podemos analisar para a rotação do capital, o ciclo do capital-dinheiro e o ciclo do capital-produtivo permitem identificar, cada um a seu modo, o adiantamento do capital para o processo produtivo e seu posterior retorno acrescido. Assim, D’ e M’ são resultados para o ciclo do dinheiro e meios para o ciclo do produtivo, enquanto no ciclo do capital-mercadoria, M’ já está posto no início do ciclo e não visualizamos sua origem. Portanto, na análise da rotação do capital estaremos pensando nestes dois primeiros ciclos.

A rotação do capital refere-se à soma do tempo necessário para o capital sair de uma forma e retornar para esta mesma forma, ou seja, a somatória de todo o tempo necessário para a realização das etapas de produção e circulação até completar o ciclo.

Entende-se por tempo de produção todo o tempo em que se interrompe a etapa de circulação para a realização do processo produtivo em qualquer de suas formas, portanto: processo de produção propriamente dito; interrupções do processo produtivo; e até mesmo o estágio latente do capital, que se dá quando os meios de produção já estão disponíveis, mas o processo produtivo ainda não foi inicializado.

Por isso, tempo de trabalho e tempo de produção não necessariamente serão iguais. Em regra, o tempo de produção é maior que o tempo de trabalho, pois, dependendo do processo analisado, interrupções do trabalho colocam-se como

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necessárias, uma vez que alguns processos químicos e biológicos necessitem de tempo para sua efetivação. Além do período chamado de latente, quando o capital já se encontra na forma produtiva, portanto, potencialmente como meio de produção, mas sua utilização ainda não foi inicializada. Toda esta somatória impactará no tempo de produção e, por conseguinte, no tempo de rotação do capital.

Já o tempo de circulação caracteriza-se pelo movimento do capital durante a alternância da forma capital-mercadoria e capital-dinheiro. Como na produção o movimento do capital é interrompido - circulação e produção se excluem mutuamente, apesar da dependência dialética dessas duas etapas - enquanto o capital estiver na esfera de circulação, não poderá estar na esfera de produção e vice-versa.

E fruto dessa relação dialética entre produção e circulação e da produção de valor somente na esfera produtiva, quanto menor o tempo de circulação do capital, maior o potencial de sua valorização. Assim,

[...] a expansão e a contração do tempo de circulação atuam como limite negativo sobre a contração ou a expansão do tempo de produção ou da amplitude em que um capital de dada grandeza funciona como capital produtivo. Quanto mais as metamorfoses de circulação do capital forem apenas ideais, isto é, quanto mais o tempo de circulação for = zero ou se aproximar de zero, tanto mais funciona o capital, tanto maior se torna sua produtividade e autovalorização. (MARX, 1988, V.III, p. 86).

Portanto, reduzir o tempo de circulação é potencializar o processo de valorização do valor no capitalismo. Dialeticamente, entretanto, somente com a existência da esfera de circulação o valor pode ser produzido e realizado.

Para reduzir o tempo de circulação - que se compõe tanto de D – M (Ft e MP), como de M’ – D’ - o capital busca constantemente reduzir a relação espaço-tempo. Novas formas de vencer a distância pelo tempo são constantemente desenvolvidas e potencializadas pelo desenvolvimento da indústria do transporte e da comunicação.

Isso se faz necessário para o processo de valorização do capital, como também para a própria expansão dos mercados. Assim, mercados distantes e mesmo produtos perecíveis podem ser possibilitados pelo encurtamento do espaço pelo tempo, pela realização mais rápida do tempo de circulação.

Na composição dos elementos de análise do tempo de rotação do capital, outro componente, além do tempo de produção e do tempo de circulação, é necessário: referimos-nos aqui às formas diferentes de giro do valor durante a rotação do capital.

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Assim, nesta análise observa-se como é o movimento do valor durante o processo produtivo, ou seja, se o valor entra completamente ou fracionado durante a rotação do capital. Não importa aqui as características dos elementos que compõe a produção, portanto, os meios de produção (capital constante) e a força de trabalho (capital variável), mas como se dá a transferência do valor no processo produtivo.

Como o aspecto observado é essa transferência de valor, aborda-se estritamente o processo produtivo, uma vez que não há produção de valor na esfera de circulação. Mesmo havendo movimentação do valor na esfera de circulação, durante a passagem de uma forma a outra, não há transferência de valor para uma nova mercadoria como podemos ver na etapa de produção.

Sabemos que para se iniciar a produção (...P...) é imprescindível que a força de trabalho e os meios de produção estejam disponível em suas respectivas proporções. Contudo, os meios de produção não entram todos do mesmo modo no processo produtivo. Ao final de cada etapa produtiva, determinados meios de produção foram totalmente consumidos, enquanto outros permanecem para a realização de um novo ciclo de produção.

Estes últimos permanecem autônomos em relação à mercadoria produzida, podendo ser utilizados mais vezes na elaboração de outras mercadorias. O que ocorre com estes meios de produção é um desgaste parcial de suas capacidades, ou seja, uma transferência parcial do valor que contém a mercadoria produzida.

Deste modo, mesmo todo capital sendo circulante através da alternância de uma forma a outra, parte do capital segue transferindo seu valor por vários giros do capital, participando de diversas etapas de produção.

Assim, enquanto o capital circulante transfere todo o seu valor à mercadoria, devendo ser reposto a cada rotação, o capital fixo permanece fixado no processo produtivo, transferindo somente frações de seu valor a cada etapa produtiva mediante seu desgaste. Na primeira forma estamos pensando, por exemplo, em matérias primas que são totalmente consumidas durante o processo produtivo; já na segunda, no desgaste parcial ao longo de diversos giros do capital das maquinarias, prédios, dentre outros.

Ao final de cada rotação, o capital circulante retorna ao capitalista, enquanto o capital fixo terá seu retorno completo somente ao final de vários giros “(...) Seu valor adquire, portanto, então existência dupla. Parte dele permanece vinculada à sua forma

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útil ou natural, que pertence ao processo de produção, outra parte se desprende dela como dinheiro” (MARX, 1988, V. III, p. 112).

Percebe-se que enquanto o retorno do valor adiantado para o capital circulante depende do término de apenas uma rotação do capital, o capital fixo imobiliza por um longo período o valor adiantado, que será resposto completamente após vários giros.

Uma ressalva se faz necessária diante das constantes confusões entre as terminologias, circulante e fixo, e as características físicas dos meios de produção. Assim, o caráter circulante ou fixo de um meio de produção não diz respeito à sua (i)mobilidade física, mas ao movimento do valor no processo produtivo.

Assim, um prédio pode ser um capital fixo não porque é um bem imóvel, mas por que “transfere” seu valor ao processo produtivo de forma fracionada. Assim como um caminhão também pode ser um capital fixo, mesmo diante de seu caráter móvel, pois no processo de transporte este sofrerá desgaste e “transferirá” parte de seu valor à mercadoria.

Da mesma forma, quando pensamos a força de trabalho, no aspecto do capital circulante, não se considera os meios de subsistência dos trabalhadores ou sua força de trabalho, mas o capital despendido para a aquisição da força de trabalho, que deverá aparecer ao final de cada ciclo do capital. Assim, é importante observar o movimento do valor do capital gasto com a força de trabalho, que reaparece ao final de cada rotação do capital.

Por fim, o capital fixo e o circulante ainda possuem a dialética inerente à sua concepção: o caráter circulando do capital fixo, uma vez que este mesmo sendo fixo possui parte de seu valor que circula a cada rotação do capital; e o caráter fixo do capital circulante, pois mesmo este sendo consumido totalmente, deve ser resposto a cada processo produtivo.

A partir dos elementos desenvolvidos até aqui, já podemos pensar as implicações do tempo de rotação do capital para a produção de mais-valor. Para isso, é importante fazer a ressalva que para a análise da produção de mais-valor no processo produtivo o que importa é a parte do capital que dá origem a esta, ou seja, o capital circulante variável. Desta forma, o capital fixo e o capital constante não serão considerados.

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Pensemos a rotação do capital no período delimitado de um ano, que o ano possui 50 semanas7 e comparemos dois capitais, A e B. O capital A tem o valor de R$ 2.500,00, sendo R$ 2.500,00 de capital constante e R$ 500,00 de capital variável. O tempo necessário para este capital realizar uma rotação é de 4 semanas no processo produtivo e 1 semana na esfera de circulação, totalizando, portanto, 5 semanas. Por semana o capital A adiantará R$ 100,00 e, como o ano possui 50 semanas, ao final de um ano deverá despender R$ 5.000 em capital variável.

Como são necessário R$ 500,00 por rotação de 5 semanas do capital A, ao final de um ano o número de rotações realizadas por esse capital será de R$ 5.000,00/ R$ 500,00 = 10 rotações ao ano.

Partindo de uma taxa de mais-valor de 100%8, a cada 5 semanas o capital A terá uma massa de mais-valor de R$ 500,00. Já a massa de mais-valor produzida ao longo de um ano será a massa de mais-valor de uma rotação vezes o número de rotações realizadas em um ano, portanto, R$ 500,00 x 10 = R$ 5.000,00 (Massa anual de mais-valor).

Assim como a taxa de valor apresentada anteriormente, a taxa de mais-valor anual (MV’)9 será a relação entre a massa de mais-valor anual e o capital variável adiantado.

MV’ = Massa de mais-valor anual (mv)/capital variável adiantado (cv). MV’ = 5000/500 = 1.000%

Já o capital B possui um capital variável de R$ 5.000,00, com apenas uma rotação ao ano. Neste caso, considera-se tempo de trabalho igual a tempo de produção, portanto, tempo de circulação igual a zero. Mantendo a taxa de mais-valor igual a 100%, como no capital A, temos a taxa de mais-valor anual do capital B igual:

MV’ = Massa de mais-valor anual (mv)/capital variável adiantado (cv). MV = R$ 5.000/R$ 5.000 = 100%

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Serão usados neste artigo os mesmo exemplos empregados por Marx no Livro II d’O Capital. 8

Para calcular a taxa de mais-valor (mv’) e, assim, encontrar o grau de exploração da força de trabalho, relaciona-se a massa de mais-valor apropriada pelo capital (m) com o capital variável utilizado no processo produtivo (cv), uma vez que é a força de trabalho responsável pela produção do mais-valor. Assim temos: mv’ = m/cv.

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A taxa anual de mais-valor é uma nova categoria desenvolvida por Marx no livro II, Seção II, fruto da análise do capital em seu movimento.

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Em uma análise que se limite somente à aparência desta comparação entre o capital A e B trará conclusões que acreditem que a massa de mais-valor não se gera somente do processo de produção e de extração de mais-trabalho, mas também de algum fenômeno que acontece durante o processo de circulação10.

Marx busca demonstrar que essa contradição aparente se desfaz quando se compara, nas mesmas condições, o capital A e B. Assim, o adiantamento em força de trabalho de cada capital tem que ocorre nas mesmas condições, ou seja, a cada 5 semanas o capital B deve adiantar R$ 5.000,00 para seu processo produtivo, o que dará ao final de 50 semanas, R$ 50.000,00 gasto em força de trabalho. Teremos uma taxa de mais-valor anual de:

MV’ = Massa de mais-valor anual (mv)/capital variável adiantado (cv). MV = R$ 50.000/R$ 5.000 = 1000%

Portanto, taxa de mais-valor anual de A e B são iguais nesta situação, ao mesmo tempo em que se exige do capital B um capital adiantado 10 vezes maior que o capital A, a cada semana. E, por isso, o capital B produzirá uma massa de mais-valor maior que a do capital A por colocar no processo de trabalho 10 vezes mais força de trabalho semanal. Percebe-se que não estamos diante de nenhum “milagre” na esfera de circulação, somente analisamos as mesmas possibilidades de exploração da força de trabalho no processo produtivo em A e B, a fim de se alcançar a mesma taxa de mais-valor anual.

Mas retomemos as condições da primeira situação analisada do capital A e B, com taxas de mais-valor anual respectivamente de 1.000% e 100%. Enquanto o capital A realiza uma rotação a cada 5 semanas, o capital B realiza apenas uma rotação a cada 50 semanas. Deste modo, ao final de cada 5 semanas poderá o capital A reempregar seu valor adiantado de R$ 500,00 que retorna ao final de um giro. Já o capital B deverá dispor de R$ 5.000,00 no início de sua rotação e deverá esperar seu retorno ao final de seu giro que se dará apenas com 50 semanas. Em relação ao capital A, o capital B deverá adiantar ao início do processo produtivo um valor 50 vezes maior.

Percebamos mais de perto, que as massas de mais-valor produzidas pelo capital A e B são iguais, pois empregam a mesma quantidade de força de trabalho, ou seja, R$

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100,00 gasto em capital variável por semana, ao ano. Entretanto, enquanto o capital A adianta R$ 500,00 por cada rotação, ou seja, 5 vezes o valor semanal, deve o capital B adiantar R$ 5.000,00, deste modo 50 vezes o valor semanal. Por isso,

[...] a rotação modifica, portanto, a proporção entre o capital

adiantado para o processo de produção durante o ano e o capital constantemente aplicável para determinado período de tempo, por exemplo, 1 semana. E isso nos dá o primeiro caso

em que a mais-valia de 5 semanas não é calculada em relação ao capital aplicado durante essas 5 semanas, mas em relação ao aplicado durante 50 semanas, 10 vezes maior. (MARX, 1988, V.III, p. 212). [Grifo nosso].

Da mesma forma, Marx percebe a diferença entre o capital adiantado e o capital aplicado ao longo de um ano. No caso do capital A, o capital aplicado ao ano será o valor necessário para cada ciclo vezes o número de rotações ao ano, portanto R$ 5.000,00. Já o valor adiantado leva em consideração somente o valor necessário para se iniciar cada ciclo do capital, no capital A é de R$ 500,00.

Quando pensamos a massa de mais-valor produzido ao longo do ano, esta se relaciona com o capital aplicado ao longo do ano, portanto para o capital A R$ 5.000,00 e para o capital B R$ 5.000,00. Ou seja, o valor do capital adiantado em cada ciclo vezes o número de rotação do capital.

Na análise da taxa de mais-valor anual, o que importa é o valor do capital adiantado em cada ciclo, ou seja, R$ 500,00 do capital A e R$ 5.000,00 do capital B. Ou seja,

MV’ (taxa de mais-valor anual) = mv (massa de mais-valor anual)/cv (capital variável adiantado)

Como a massa de mais-valor (m) é igual a taxa “real” de mais-valor (mv’) 11 vezes o capital variável (cv), temos que m = mv’ x cv. E como a massa de mais-valor anual depende do número de rotações (n) que o capital realiza durante o ano, temos que massa de mais-valor anual (mv) é igual a mv’ x cv x n. Desta forma, podemos também pensar a taxa anual de mais-valor como:

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A taxa de mais-valor “real” considera o capital variável aplicado e o mais-valor produzido em determinado período. Não tendo relação com o capital adiantado no processo produtivo, nem se relaciona com o período de rotação.

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MV’ = mv/cv MV’ = mv’ x cv x n/cv

MV’ = mv’ x n

Portanto, a relação entre taxa de mais-valor anual e taxa de mais-valor “real” se dará em relação ao número de rotação realizada ao longo de um ano. Deste modo, quanto maior n (número de rotações), maior será a taxa de mais-valor anual, mantendo constante a taxa de mais-valor “real”. E, por conseguinte, quanto menor n, menor a taxa de mais-valor anual. Caso o capital realize apenas uma rotação em um ano, a taxa de mais-valor anual (MV’) será igual a taxa de mais-valor “real”12.

Assim, com igual taxa “real” de valor, o que influencia a taxa de mais-valor anual será o número de rotações dadas pelo capital em um período determinado. Isso se deve à possibilidade de reempregar o capital adiantado por mais vezes no processo produtivo e, por conseguinte, elevar sua exploração da força de trabalho. E fruto da maior exploração da força de trabalho, conseguirá o capital ao final de um período determinado extrair relativamente maior massa de mais-valor. De tal modo,

[...] quanto mais curto o período de rotação do capital – portanto quanto mais curtos forem os períodos em que se renovam seus prazos de reprodução durante o ano -, tanto mais rapidamente se transforma a parte variável de seu capital, originalmente adiantada pelo capitalista em forma-dinheiro, em forma-dinheiro do produtor-valor criado pelo trabalhador para repor esse capital variável (que, além disso, inclui mais-valia); tanto mais curto é, portanto, o tempo pelo qual o capitalista precisa adiantar dinheiro de seu próprio fundo, tanto menor é, em proporção ao volume dado da escala de produção, o capital que ele adianta em geral; e tanto maior é relativamente a massa de mais-valia que, com dada taxa de mais-valia, ele extrai durante o ano, porque ele pode comprar tanto mais frequentemente o trabalhador, sempre de novo com a forma-dinheiro de seu próprio produto-valor, e colocar seu trabalho em movimento. (MARX, 1988, V.III, p. 220).

Além de o capitalista conseguir potencializar seu processo de acumulação, depois de completada sua primeira rotação não precisará dispor do capital adiantado, já que este é reposto pelo próprio processo de realização do valor ao final de cada ciclo. Assim, o movimento do capital coloca a dependência dialética da produção e da

12

“Analisando essa taxa mais de perto, então se verifica que ela é igual a taxa de mais-valia que o

capital variável adiantado produz durante um período de rotação, multiplicado pelo número de rotações do capital variável”. (MARX, 1988, V.III, p. 207).

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circulação. Por mais que o mais-valor seja produzido na esfera de produção, o tempo para a realização deste valor e seu retorno para novamente ingressar no processo produtivo influi diretamente no processo de acumulação capitalista.

O maior ou menor tempo para o capital completar seu giro determina a maior ou menor potencialidade de exploração do mais-trabalho e da produção de mais-valor apropriada pelo capital. Apesar da necessidade da circulação, seu prolongamento retarda o retorno do valor despedido pelo capitalista e a possibilidade de ampliação da produção. Portanto, não estamos diante de nenhum “milagre” de geração de mais-valor pela circulação, mas da capacidade de o capital potencializar ainda mais seu processo produtivo pela compressão do seu movimento dialético de circulação e produção.

O aumento da taxa de mais-valor anual decorre não da esfera de circulação (apesar de depender dela), mas da possibilidade de dispor de um maior volume de capital durante o processo produtivo, pelo seu menor tempo imobilizado no ciclo que o antecedeu.

Chegamos ao ponto central para pensar a relevância da indústria do transporte nesse processo complexo e contraditória de acumulação capitalista. A questão que se coloca é buscar entender: qual o papel da indústria do transporte no movimento do capital? Como esta indústria pode, direta ou indiretamente, potencializar a redução do tempo necessário à produção e a circulação? E, por fim, quais as reflexões que podemos levantar com a análise dialética entre a percepção do movimento do capital, sua relação com a produção de mais-valor e as condições concretas de trabalho de caminhoneiros e caminhoneiras no Brasil?

3. A indústria do transporte na relação dialética entre produção e circulação

Para análise da indústria do transporte precisamos retomar a primeira parte deste artigo e buscar compreende-la a partir dos ciclos do capital. Assim, partindo do capital dinheiro, o ciclo da indústria do transporte apresenta-se como:

...D – M (Ft + Mp) ... P – D’(D+d) – M(Ft+Mp) ... P – D’...

Portanto, o capital na forma dinheiro, assim como em qualquer indústria capitalista, deve ir ao mercado e adquirir a força de trabalho e os meios de produção necessários ao processo produtivo. Posteriormente, interrompe-se a circulação para a

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realização da produção (P). Entretanto, diferente do ciclo do capital dinheiro analisado, o capital na forma mercadoria não aparece ao final do processo produtivo, e sim o capital na forma dinheiro.

Num primeiro momento, podemos pensar que o capital, neste ciclo, não possui a forma mercadoria, entretanto, é necessário ressaltar que o capital não precisa de forma corpórea para existir, ou seja, seu valor de uso existe independentemente da sua materialização.

A indústria do transporte é um exemplo importante apresentado por Marx para pensarmos o debate sobre o valor e sua necessidade de materialização. Assim, na indústria do transporte o que temos é a produção e o consumo da mercadoria durante o processo produtivo, ou seja, o uso da mercadoria transporte se dá na sua própria produção. Deste modo,

[...] o ato de circular, isto é, o efetivo movimento das mercadorias no espaço, se dissolve no transporte da mercadoria. A indústria do transporte constitui, por um lado, um ramo autônomo da produção, e, por isso, uma esfera especial de investimento do capital produtivo. Por outro, diferencia-se pelo fato de aparecer como continuação de um processo de produção

dentro do processo de circulação e para o processo de

circulação. (MARX, 1988, V.III, p. 104). [Grifo do autor].

Assim, a mercadoria da indústria do transporte é justamente o deslocamento de mercadorias ou pessoas de um ponto A, a um ponto B. O que o transporte permite é a mudança de lugar do objeto/sujeito transportado.

Por isso, o valor de uso produzido pela indústria do transporte somente pode ser consumido durante a própria utilização do transporte. Entretanto,

[...] o valor de troca desse efeito útil é determinado, como o das demais mercadorias, pelo valor dos elementos de produção consumidos para obtê-lo (força de trabalho e meios de produção) somados à mais-valia, criada pelo mais-trabalho dos trabalhadores empregados na indústria do transporte. (MARX, 1988, V.III, p. 40-41).

E ainda é necessário ressaltar uma particularidade do modo de produção capitalista, pois se a utilização do transporte se dá de forma individual, o valor de uso será consumido no próprio ato do transporte e desaparecerá. Entretanto, o transporte ao

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ser empregado no processo produtivo capitalista terá seu valor acrescido à mercadoria transportada e, por conseguinte, elevará o valor desta.

Por esses elementos, a indústria do transporte no modo de produção capitalista tem a particularidade de viabilizar o processo produtivo, transportando força de trabalho e meios de produção. Ao mesmo tempo, possibilita o transporte necessário ao próprio processo produtivo e à realização do valor produzido. Pois, não há como haver realização do valor das mercadorias produzidas se essas não chegarem a seus compradores. Sejam estes consumidores finais, como capitalistas que adquirem o capital na forma mercadoria para o início de um novo processo produtivo.

A dificuldade de visualizar a atuação da indústria do transporte no modo de produção capitalista se dá, portanto, pela sua peculiaridade de, mesmo funcionando como uma indústria e atuando de forma capitalista, possuir a função estratégica de interligar produção e circulação.

Seu desenvolvimento e aperfeiçoamento são importantes para potencializar uma das necessidades essenciais da rotação do capital, reduzir o tempo de giro do capital, que neste caso, se dá pelo encurtamento do espaço pelo tempo. Quanto menos tempo as mercadorias fiquem no processo de transporte, seja na esfera de circulação ou produção, menor o tempo total para o capital completar seu ciclo e assim poder iniciar uma nova rotação.

Desta forma, a redução do espaço pelo tempo atua diretamente no processo de produção de mais-valor anual por reduzir o tempo do movimento do capital, como visto anteriormente. Por isso, frações do capital se especializam cada vez mais nesta indústria e buscam potencializar o processo produtivo, além de permitir a expansão do mercado consumidor através do maior alcance da mercadoria, alçando mercados consumidos distantes. Mas vejamos mais de perto essa relação da indústria do transporte com a rotação do capital e a produção de mais valor.

Não há dúvida que a necessidade de transportar se coloca praticamente em todas as etapas do movimento do capital. Assim, encurtar o tempo necessário para a compra dos meios de produção e da força de trabalho, reduzir os tempos de transporte durante o processo produtivo e reduzir ao máximo, se possível aproximando a zero, o tempo necessário entre a produção do valor e sua realização do valor são as grandes buscas no capitalismo.

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O aperfeiçoamento da indústria do transporte, seja no âmbito tecnológico13 como organizacional14, potencializa a compressão do espaço pelo tempo e com isso potencializa a redução do tempo de giro do capital, diante do menor tempo que a mercadoria ficar presa à necessidade de seu deslocamento de um ponto a outro.

Nesse sentido, a indústria do transporte no movimento do capital é responsável por duas ações importantes quando pensamos a força de trabalho por ela empregada e o mais-valor. Primeiramente, assim como toda indústria capitalista, a relação entre trabalho pago e trabalho não-pago para a força de trabalho é responsável diretamente pela produção de mais-valor, ou seja, quanto mais se prolonga o trabalho e mais se intensifica o trabalho, maior o potencial de extração de mais-valor absoluto pelo capital.

Ao mesmo tempo, levando em consideração o papel estratégico da indústria do transporte no capitalismo, quanto menor o tempo necessário para o transporte, maior o potencial de redução do giro do capital e de aumento da extração do mais-valor anual. E como é possível reduzir o tempo de deslocamento de pessoas e mercadorias pela indústria do transporte, para além dos aperfeiçoamentos tecnológicos?

Para esta reflexão, foram importantes as observações feitas em nossa pesquisa de mestrado15 que possibilitou acompanhar a realidade dos caminhoneiros no Brasil, principalmente para os percursos de longa distância. A realidade do transporte rodoviário de carga é de um trabalho extremamente precário diante das longas e intensas jornadas de trabalho realizadas pelos caminhoneiros que chegam a durar 60, 70 ou mais horas contínuas de trabalho.

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No caso do transporte rodoviário de carga é nítido como o aperfeiçoamento tecnológico dos caminhões permitiu carregar mais mercadorias, para lugares ainda mais distantes. Hoje no caso brasileiro, o número de caminhões denominados de Rodotrem e Bitrem (que chegam a transportar até 48 toneladas, podendo alcançar 74 toneladas de Peso Bruto Total Máximo Permitido [PBT] - incluindo a carga e o veículo) vem crescendo e sendo utilizado para trajetos de longa distância.

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Um debate essencial para entender a complexificação da indústria do transporte hoje é o desenvolvimento da logística e a busca por um controle cada vez mais exato de todas as etapas do processo produtivo, da gestão do estoque e, principalmente, da gestão do transporte. Assim, não basta mais os avanços tecnológicos, ainda essenciais, é preciso planejar rigorosamente o tempo de todo o movimento do capital, na busca por reduzir de forma cada vez mais intensa o tempo de rotação do capital e, assim, potencializar a produção de mais-valor. É interessante perceber como o transporte representa grande parte de todo este processo de organização logística, bem como muitos operadores logísticos começam com o transporte para progressivamente se dedicarem ao controle do processo produtivo em sentido amplo. Infelizmente não teremos condição de trazer esta reflexão neste artigo, para mais detalhes ver FREITAS, 2013.

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Durante nossa pesquisa de mestrado, foi realizado um trabalho de campo participativo acompanhando um caminhoneiro durante aproximadamente 20 dias em uma viagem de longa distância, do interior de São Paulo até o Rio Grande do Norte. Durante o trabalho de campo, além da observação foram realizadas entrevistas com alguns caminhoneiros. O objeto desta pesquisa foi a análise da lei 12.619/12 que regulamentou a profissão de motorista no Brasil e o trabalho de campo participativo foi importante para pensar esta lei a partir da realidade dos caminhoneiros e caminhoneiras e das suas condições concretas de trabalho.

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Condições precárias em seu cotidiano de trabalho, como as condições das estradas e das paradas para descanso, agravam este cenário de um trabalho desgastante e, até 2012, desregulamentado pela legislação nacional.

Fruto desta falta de proteção jurídica mínima, a indústria do transporte rodoviário no Brasil vem se usando da forma mais comum de elevar a exploração de seus trabalhadores, forçando estes a realizarem longos períodos de trabalho. Por mais que alguma resistência a este processo possa existir, a organização do transporte rodoviário de carga hoje no Brasil (com forte participação dos caminhoneiros autônomos e terceirizações, somado ao pagamento por produtividade) força ainda mais este cenário de jornadas de trabalho maiores até mesmo que as vistas durante o processo de revolução industrial.

Assim, o trabalho por peça ou por produtividade coloca-se no modo de produção capitalista como uma das mais eficientes formas de exploração da força de trabalho. O capital consegue a partir dessa modalidade não se responsabilizar pelo trabalhador em momentos de baixa demanda de trabalho, ao mesmo tempo em que proporciona a exploração da força de trabalho pela própria força de trabalho.

No caso dos caminhoneiros, quanto mais viagens realizadas, maior o valor conseguido ao final do mês, pois o pagamento em regra é por frete realizado16. Por isso,

[...] dado o salário por peça, é naturalmente do interesse pessoal do trabalhador aplicar sua força de trabalho o mais intensamente possível, o que facilita ao capitalista elevar o grau normal de intensidade. Do mesmo modo, é interesse pessoal do trabalhador prolongar a jornada de trabalho, pois com isso, sobe seu salário por tempo, abstraindo o fato de que o prolongamento da jornada de trabalho, mesmo permanecendo constante o salário por peça, implica em si e para si uma baixa do preço do trabalho (MARX, 1988, V. II, p. 135-136).

Mas como analisado por Marx, uma elevação do salário ao final de mês que engana o próprio trabalhador, pois o que este proporciona é um rebaixamento do preço de seu trabalho.

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Apesar da lei 12.619/12 proibir esta prática para a relação entre as empresas e seus trabalhadores celetistas, esta lógica ainda perdura na relação entre as empresas e os caminhoneiros autônomos. Sem mencionar a possibilidade de burla da legislação e a manutenção desta lógica de remuneração mesmo para com os trabalhadores celetistas. Uma importante pesquisa que acreditamos necessária seria analisar a eficiência da aplicação da lei 12.619/12 diante de diversos pontos, dentre eles quanto ao aspecto da remuneração por peça/produtividade. Já nas conclusões da dissertação de mestrado (FREITAS, 2013) foi possível perceber as limitações desta legislação frente à lógica da indústria do transporte no modo de produção capitalistas, mas coloca-se como desafio futuro buscar entender a efetividade desta nova regulamentação.

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Todo esse movimento proporciona um efeito importante quando pensamos o movimento do capital, assim, quanto maior a jornada de trabalho dos caminhoneiros, maior a extração de mais-valor destes trabalhadores, como também menor o tempo necessário para a mercadoria chegar a seu ponto final. Assim, quanto menos o transporte for interrompido, até mesmo para as necessidades físicas dos trabalhadores17, mais rápido a mercadoria chega ao seu ponto final e mais célere é a conclusão do giro do capital.

Logo, diferente da regra do movimento o capital, no qual o aumento da jornada de trabalho aumenta a massa de valor produzida e, com isso, eleva o tempo necessário para que o capital completar sua rotação; na indústria do transporte o aumento da jornada de trabalho dos caminhoneiros reduz o tempo necessário para o capital completar seu ciclo e potencializa a produção de mais-valor anual.

Portanto, a redução do tempo de circulação na indústria do transporte não vem somente dos aperfeiçoamentos tecnológicos. Assim, quanto maior o tempo de trabalho e menor o período de descanso do trabalhador, menor o tempo total de deslocamento da mercadoria. Por isso, prazos cada vez mais reduzidos para a entrega das mercadorias, que forçam estes trabalhadores, incentivados pela aparência de elevação de sua remuneração, a precarizarem sua própria condição de trabalho.

Dentro de toda essa complexidade do transporte e de seu papel no modo de produção capitalista, ainda a força de trabalho e sua exploração coloca-se como central para entender a realidade destes trabalhadores. Marx traz elementos importantes para pensarmos como a condição de trabalho na indústria do transporte determina e é determinada pelo papel estratégico desta indústria no movimento do capital e na produção de mais-valor essencial à expansão do capitalismo.

Conclusão

Das análises aqui desenvolvidas é possível perceber o salto qualitativo na compreensão da indústria do transporte mediante o capital em movimento. Não é possível entender a complexidade do modo de produção capitalista sem pensar dialeticamente a relação entre produção e circulação e, neste sentido, a indústria do

17

São comuns os relatos de realizações de necessidades fisiológicas dentro do próprio caminhão, como urinar em garrafa pet ou balde, ou mesmo a utilização de drogas para inibir estas necessidades, como o rebite e a cocaína que inibem a fome e o sono.

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transporte possibilita, diante de sua particularidade, colocar no centro do debate esta indissociabilidade.

Não basta possuir os meios de produção e a força de trabalho, é necessário produzir a nova mercadoria e, assim, produzir um novo valor de uso; do mesmo modo, não é suficiente produzir valor se este não consegue se realizar, é imprescindível retornar à forma dinheiro e potencializar um novo processo produtivo.

O modo de produção capitalista é assim um processo de produção e reprodução contínua, de acumulação de valor e expansão. Qualquer interrupção, em qualquer fase do ciclo do capital, gera impactos para o capitalismo e, por isso, não somente a redução do tempo de produção (que muito foi evocada nas reestruturações produtivas do início do século XX) foi suficiente para o capital, é preciso reduzir também e, principalmente, o tempo de circulação do capital. Quanto menor o tempo em que o capital ficar na esfera de circulação, maior o potencial de acumulação.

Assim, a circulação coloca-se de forma dialética: ao afirma sua necessidade para as etapas que antecede e sucede a produção de valor; ao mesmo tempo em que se coloca negativamente quando prolongada, ao impactar no ciclo do capital e em seu processo de acumulação.

Frações do capital buscam negar esta contradição focando-se na etapa de produção e, assim, aparentemente se eximindo da realização do valor; entretanto as crises que assolam o capitalismo os forçam a afirmar a importância do tempo de circulação para que se possam encontrar formas eficientes de aproximá-lo de zero. Por isso, as estratégias vão da especialização de frações do capital na esfera de circulação, à necessidade de pensar a produção conjuntamente com a realização do valor. Não adianta produzir se não é possível vender, logo produção passa a ser pensada conforme a demanda, mesmo que de forma desordenada e independente por cada capitalista individual.

Nesta complexidade, a indústria do transporte coloca-se como mais um elemento decisivo para pensar o potencial de produção de mais-valor anual. Assim, mesmo não havendo produção de valor na esfera de circulação, quanto menor o tempo gasto para o capital realizar um giro completo, maior o potencial de exploração da força de trabalho pelo capitalista.

Deste modo, esta ligação constante entre produção e circulação na atuação da indústria do transporte coloca-se de forma decisiva por poder substancialmente reduzir o tempo em que a mercadoria fica sujeita ao deslocamento no espaço. As grandes

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expansões comerciais e mesmo a produção de determinadas mercadorias somente foi possível pelo desenvolvimento da indústria do transporte. Hoje não somente seu aperfeiçoamento, mas toda sua relação com as etapas de produção e circulação busca ser minuciosamente pensada.

Conjuntamente com isso, o capital ainda encontra na exploração da força de trabalho da indústria do transporte mais uma forma de minimizar sua contradição, assim, prolongar a jornada de trabalho representa a extração de mais-valor destes trabalhadores quando atuando na esfera de produção e, particularmente nesta indústria, reduz o tempo de giro do capital. Mesmo, em regra, o prolongamento da jornada de trabalho na produção elevando o tempo de giro do capital, na indústria do transporte as longas jornadas de trabalho representam menor tempo necessário ao deslocamento da mercadoria. As mercadorias ao chegarem com menor tempo ao seu destino, podem de forma mais rápida completar seu ciclo.

Estas categorias presentes nas análises de Marx serão decisivas para pensar porque no Brasil os caminhoneiros historicamente lutam pela regulamentação de sua profissão e de sua jornada de trabalho, mas encontram constantes resistências e retrocessos. Bem como, permite refletir porque a estrutura desta indústria em âmbito nacional está calcada em caminhoneiro autônomos e pequenas/médias empresas, hoje cada vez mais dependentes de grandes transportadoras e operadores logísticos.

Assim, muitos elementos e problemáticas ainda se colocam por serem refletidos, mas acreditamos que partir dessas contribuições de Marx e pensando dialeticamente o transporte no capitalismo seja possível problematizar a realidade concreta da indústria do transporte no modo de produção capitalista hoje.

Bibliografia

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FREITAS, Alessandra Rodrigues. O movimento do capital e a indústria do transporte: o trabalho dos caminhoneiros no Brasil e a conquista da lei 12.619/12. Niterói: PPGSD/UFF, 2013.

MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. 3ª ed., São Paulo: NovaCultural, V. I a V, 1988.

MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. 12ª ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, Vol. I a VI., 2008.

RIBEIRO, Nelson Rosas. O capital em movimento – ciclos, rotação e reprodução. João Pessoa: Editora Universitária, 2009.

Referências

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