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Catabolismo do esqueleto carbonado de aminoácidos 1

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Catabolismo do esqueleto carbonado de aminoácidos

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Índice

1 Definição de aminoácidos glicogénicos, cetogénicos e simultaneamente glicogénicos e cetogénicos ...2

2 Os aminoácidos podem ser oxidados a CO2 sem gerarem previamente glicose e corpos cetónicos ...2

3 A importância das proteínas da dieta na despesa energética do organismo ...4

4 A importância dos aminoácidos na despesa energética do fígado e da glutamina na despesa energética das células em proliferação rápida ...4

5 A glicose que resultou da gliconeogénese com origem em aminoácidos pode, quando é oxidada, ser entendida como um intermediário na oxidação dos aminoácidos ...4

6 O somatório das excreções de ureia e de amónio é uma medida da oxidação dos aminoácidos no organismo ...5

7 O catabolismo da alanina e o ciclo da alanina ...5

8 O catabolismo da asparagina e do aspartato ...6

9 O catabolismo da glutamina e do glutamato e o papel dos enterócitos no processo ...6

10 O catabolismo da serina e da glicina envolvendo transferência de unidades monocarbonadas para o tetrahidrofolato ...7

11 O catabolismo da serina e da glicina via conversão em 2-fosfoglicerato e piruvato ...7

12 A conversão da cisteína em piruvato e sulfato e a sua eliminação urinária via conversão em taurina ...8

13 O catabolismo da metionina ...8

14 A síntase da metionina e a metil-transférase da betaína-homocisteína catalisam a “salvação” da homocisteína a metionina ...9

15 O catabolismo da treonina leva, maioritariamente, à formação de α-cetobutirato que se oxida a succinil-CoA 10 16 No catabolismo da tirosina forma-se um intermediário que é hidrolisado a fumarato e acetoacetato ...10

17 A conversão da fenilalanina em tirosina e o défice de hidroxílase da fenilalanina ...11

18 A histidina leva à formação de glutamato, mas um dos azotos e um dos carbonos da histidina leva à formação da unidade monocarbonada presente no N5-formimino-H4-folato...11

19 Os catabolismos da arginina e da prolina têm como intermediário comum o semialdeído do glutamato ..11

20 As vias catabólicas específicas dos aminoácidos ramificados são processos oxidativos que têm em comum os dois primeiros passos ...12

21 A via catabólica específica da lisina é globalmente um processo oxidativo complexo que leva à formação de acetil-CoA ...13

22 Na via catabólica específica do triptofano forma-se alanina e acetil-CoA, mas também se pode originar o resíduo de nicotinamida que está presente na estrutura do NAD+ e do NADP+ ...14

23 Aminoácidos glicogénicos, cetogénicos e simultaneamente glicogénicos e cetogénicos ...14

24 Na maioria dos casos os aminoácidos são oxidados via conversão em acetil-CoA ...15

25 Papel de derivados do folato no catabolismo de aminoácidos...16

26 Reações em que os aminoácidos perdem os grupos azotados ...16

27 O papel do azoto dos aminoácidos na síntese de ureia ...17

1 No programa de 2020, não são explicitamente referidos os catabolismos da treonina, da lisina, da histidina, da arginina

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1 Definição de aminoácidos glicogénicos, cetogénicos e simultaneamente glicogénicos e cetogénicos

No decurso do seu catabolismo os aminoácidos perdem os seus átomos de azoto que, na sua maioria, são incorporados na ureia e excretados na urina.

(i) A porção não azotada das moléculas dos aminoácidos (os esqueletos carbonados) pode, em certos casos (a maioria), gerar intermediários do ciclo de Krebs ou da glicólise/gliconeogénese. Nestes casos, os aminoácidos são classicamente classificados como “glicogénicos” porque podem, via gliconeogénese, formar glicose. Quando se diz que um determinado aminoácido é glicogénico quer-se apenas dizer que, potencialmente, o esqueleto carbonado deste aminoácido pode, convertendo-se em glicose no fígado (e rim), ser indiretamente oxidado a CO2 pelos tecidos do organismo que consomem glicose. De facto, a ingestão de proteínas e a consequente absorção de aminoácidos não provocam subida na glicemia porque um dos efeitos dos aminoácidos é a estimulação da libertação de insulina nas células β pancreáticas [1] o que estimula a oxidação da glicose e o seu armazenamento na forma de glicogénio.

(ii) No caso da leucina os produtos do catabolismo são o acetoacetato e o acetil-CoA e não se geram intermediários do ciclo de Krebs ou da glicólise; a leucina não é um aminoácido glicogénico porque nenhum dos produtos formados a partir dela é substrato da gliconeogénese e classicamente costuma ser classificada como cetogénica porque o acetoacetato é um corpo cetónico e o acetil-CoA é, no fígado, o precursor dos corpos cetónicos. O outro exemplo de “aminoácido cetogénico” é a lisina que, no seu catabolismo, se converte em acetoacetil-CoA (que, via tiólise, origina duas moléculas de acetil-CoA). Quando se diz que um determinado aminoácido é cetogénico quer-se dizer que, potencialmente, o esqueleto carbonado deste aminoácido pode, convertendo-se em acetoacetato e β-hidroxibutirato, ser indiretamente oxidado pelos tecidos do organismo que consomem corpos cetónicos.

(iii) Os aminoácidos que, no decurso do seu catabolismo, se desdobram de tal forma que parte da molécula forma acetoacetato ou acetil-CoA e a outra parte intermediários do ciclo de Krebs ou da glicólise costumam, classicamente, ser classificados como simultaneamente glicogénicos e cetogénicos.

Como explicaremos à frente (ver página 14) a classificação dos aminoácidos em aminoácidos “glicogénicos”, “cetogénicos” e “simultaneamente glicogénicos e cetogénicos” justifica-se pelo seu classicismo mas, como acontece com todas as classificações, só é verdadeiramente útil se for analisada criticamente.

Ver Fig. 1.

2 Os aminoácidos podem ser oxidados a CO2 sem gerarem previamente glicose e corpos

cetónicos

Os aminoácidos podem ser oxidados indiretamente via conversão em glicose ou corpos cetónicos mas, para serem oxidados a CO2, não têm obrigatoriamente que gerar previamente glicose ou corpos cetónicos.

Os intermediários da glicólise geram piruvato e este pode, por ação da desidrogénase do piruvato gerar acetil-CoA (com redução de NAD+ a NADH; ver Equação 1). Seguidamente, no ciclo de Krebs, o grupo acetilo do acetil-CoA é oxidado a CO2. Os intermediários do ciclo de Krebs gerados no catabolismo dos aminoácidos também são oxidados a CO2.. No entanto, estes intermediários só podem ser completamente oxidados a CO2 se “entrarem” no ciclo como acetil-CoA. Assim, por exemplo, a oxidação do oxalacetato implica a sua prévia conversão em fosfoenolpiruvato (carboxicínase do fosfoenolpiruvato; ver Equação 2) que, por ação da cínase do piruvato, gera piruvato (ver Equação 3) que, de seguida, se converte em acetil-CoA (ver Equação 1).

Equação 1 piruvato + NAD+ + CoA → acetil-CoA + NADH + CO2 Equação 2 oxalacetato + GTP + → fosfoenolpiruvato + GDP + CO2 Equação 3 ADP + fosfoenolpiruvato → ATP + piruvato

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O facto de os aminoácidos poderem, no seu metabolismo, gerar piruvato, intermediários do ciclo de Krebs, acetoacetato e/ou acetil-CoA permite compreender que, sendo oxidados a CO2, podem

contribuir para a síntese de ATP sendo, a par com os glicídeos e os lipídeos, "compostos energéticos".

De facto, na esmagadora maioria dos casos, antes de se formar acetil-CoA já ocorreram processos oxidativos com redução do NAD+ a NADH (ou/e de ubiquinona a ubiquinol, via enzimas que são flavoproteínas) e, consequentemente, a síntese de ATP (via reoxidação do NADH ou/e do ubiquinol na cadeia respiratória e a intervenção da síntase do ATP).

Por exemplo, o glutamato [5C,1N], via desidrogénase do glutamato (uma enzima da matriz mitocondrial) converte-se em α-cetoglutarato [5C] com redução concomitante do NAD+ (ver Equação 4) e o α-cetoglutarato é oxidado a oxalacetato [4C] no ciclo de Krebs (ver Equações 5-9).

Equação 4 glutamato + NAD+ → α-cetoglutarato + NADH + NH4+

Equação 5 α-cetoglutarato + NAD+ + CoA → succinil-CoA + NADH + CO 2

Equação 6 succinil-CoA + GDP (ou ADP) + Pi ↔ succinato + CoA + GTP (ou ATP) Equação 7 succinato + ubiquinona → fumarato + ubiquinol

Equação 8 fumarato + H2O ↔ malato

Equação 9 malato + NAD+ ↔ oxalacetato + NADH

Neste processo a desidrogénase do α-cetoglutarato (Equação 5) e a desidrogénase do malato (Equação 9) catalisam a redução do NAD+, a desidrogénase do succinato catalisa a redução da ubiquinona (ver Equação 7) e, na ação catalítica da sintétase de succinil-CoA (Equação 6), há síntese de ATP (ou GTP) ao nível do substrato. A conversão do oxalacetato em acetil-CoA ocorre, como já referido, através da sequência oxalacetato → fosfoenolpiruvato → piruvato → acetil-CoA o que envolve a ação da desidrogénase do piruvato e a consequente redução do NAD+ (ver Equação 1). Na ação sequenciada da carboxicínase do fosfoenolpiruvato e da cínase do piruvato (ver Equação 2 e Equação 3) o saldo é nulo no que diz respeito à formação/consumo de ligações ricas em energia.

Na realidade, quando no processo catabólico de um aminoácido há formação de um intermediário do ciclo de Krebs ou da glicólise há sempre formação de ATP em passos que precedem a formação de acetil-CoA. As situações em que um aminoácido pode ser oxidado pelo NAD+ ou pelo FAD, como primeiro passo do seu catabolismo são raras2, mas é frequente que as vias catabólicas específicas dos aminoácidos incluam a ação de desidrogénases dependentes do NAD+ ou do FAD.

Quando um aminoácido X transfere o grupo amina numa reação de transaminação (ver Equação 10), o α-cetoglutarato funciona como aceitador convertendo-se em glutamato. As reações de transaminação são de facto reações redox: o carbono 2 do α-cetoglutarato e de todos os outros α-cetoácidos tem número de oxidação +2 enquanto nos aminoácidos correspondentes o número de oxidação do carbono 2 é zero. Quando um aminoácido X é oxidado ao respetivo α-cetoácido X, o oxidante é o α-cetoglutarato que, obviamente, se reduz a glutamato. Se este glutamato sofrer a ação da desidrogénase do glutamato, para além de se libertar amónio (correspondente ao grupo amina originalmente transferido) também ocorre redução do NAD+ a NADH (ver Equação 4). O processo sequenciado em que um dado aminoácido transfere o seu grupo amina por transaminação seguido da ação da desidrogénase do glutamato designa-se por

transdesaminação. O somatório das conversões envolvidas no processo de transdesaminação do

aminoácido X é descrito pela Equação 11. Dado que o NADH pode ser oxidado na cadeia respiratória, contribuindo para a síntese de ATP, compreende-se que quando se diz que um aminoácido perde o seu grupo amina por transaminação está implícita a ideia de que disso pode resultar a redução do NAD+ e a síntese de ATP. A pertinência de se ter em conta o carater “redox” das reações de transaminação fica evidente quando se analisam os processos de transdesaminação.

Ver a Fig. 2 e a Fig. 3.

Equação 10 α-aminoácido X + α-cetoglutarato ↔ α-cetoácido correspondente X + glutamato Equação 11 α-aminoácido X + NAD+ → α-cetoácido X + NADH + NH

4+

2 Resumem-se a 3 aminoácidos: a prolina que é oxidada por ação da desidrogénase da prolina, uma enzima que tem como

grupo prostético o FAD e a glicina e o glutamato que são oxidados pelo NAD+ na ação catalítica do complexo de clivagem

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3 A importância das proteínas da dieta na despesa energética do organismo

Admitindo balanço azotado nulo (estabilidade na massa de proteínas endógenas) e que a concentração dos aminoácidos livres é estacionária, é também de admitir que, em termos líquidos, os aminoácidos ingeridos num dado intervalo de tempo equivalem aos que são oxidados a CO2.

Nas dietas habituais na nossa cultura o valor calórico das proteínas representa cerca de 15% do valor calórico total da dieta e, se admitirmos que os balanços energéticos e azotado são nulos, é também de admitir que cerca de 15% da despesa energética do organismo corresponda a oxidação de aminoácidos.

Assim, embora a importância “energética” dos aminoácidos seja geralmente menor que a dos glicídeos e lipídeos, o seu valor energético não é negligenciável e a ingestão de proteínas tem como consequência a oxidação dos aminoácidos que lhes correspondem. Admitindo uma despesa energética invariante, aumentar a ingestão de proteínas implica aumento da oxidação de aminoácidos que substitui a oxidação de glicose e de ácidos gordos.

4 A importância dos aminoácidos na despesa energética do fígado e da glutamina na despesa energética das células em proliferação rápida

Para além do seu papel na síntese de (praticamente) toda a ureia sintetizada no organismo, o fígado tem um importante papel no catabolismo do esqueleto carbonado da maior parte dos aminoácidos estimando-se que metade da energia libertada nos processos oxidativos que decorrem no fígado tenha origem na oxidação de aminoácidos [2]. Uma parte da importância do fígado nos processos oxidativos dos aminoácidos decorre do facto de este órgão receber diretamente os aminoácidos da dieta (via veia porta) captando e oxidando os que estão em excesso. As moléculas dos aminoácidos que são captadas pelo fígado e não são usadas na síntese proteica acabam, diretamente (via formação de acetil-CoA e ciclo de Krebs) ou indiretamente (via formação de glicose ou corpos cetónicos), por ser oxidadas a CO2. No período pós-prandial, os enterócitos também têm um papel relevante na oxidação da glutamina, do glutamato e do aspartato que resultaram da hidrólise das proteínas que decorreu no lúmen do intestino [3].

A par com a glicose, a glutamina [5C,2N] é um importante combustível dos enterócitos (incluindo os que se situam nas criptas das vilosidades e estão em multiplicação rápida) e das células que se multiplicam rapidamente. Para além dos enterócitos das criptas, são exemplos deste tipo de células os linfócitos em fase de proliferação (em resposta a desafios de natureza imunológica), as células precursoras dos eritrócitos e dos leucócitos na medula óssea, assim como as células neoplásicas. Em todas estas células, a oxidação da glutamina e da glicose pode ser incompleta havendo libertação para exterior das células de aspartato (formado a partir do oxalacetato; ver Equação 13), de alanina (formada a partir do piruvato; ver à frente Equação 14) e de lactato (formado por redução do piruvato, via ação da desidrogénase do lactato) [4].

A via metabólica que permite a conversão de glutamina em oxalacetato ou em alanina designa-se, às vezes, por glutaminólise [4] e envolve, no seu primeiro passo, a hidrólise da glutamina por ação da glutamínase (ver Equação 12). Os passos entre glutamato e oxalacetato já foram referidos acima (ver Equações 4-9). A conversão do oxalacetato [4C] em aspartato [4C,1N] é catalisada pela transamínase do aspartato (ver Equação 13). A formação da alanina [3C,1N] a partir de oxalacetato implica a formação de piruvato (ver Equações 2-3) e a ação da transamínase da alanina (ver Equação 14) 3.

Equação 12 glutamina + H2O → glutamato + NH4+

Equação 13 oxalacetato + glutamato ↔ aspartato + α-cetoglutarato

Equação 14 piruvato + glutamato ↔ alanina + α-cetoglutarato

5 A glicose que resultou da gliconeogénese com origem em aminoácidos pode, quando é oxidada, ser entendida como um intermediário na oxidação dos aminoácidos

O fígado liberta glicose para o plasma (via gliconeogénese e via glicogenólise) e uma parte desta glicose teve origem no esqueleto carbonado dos aminoácidos. Uma situação semelhante acontece no rim

3 Na glutaminólise com formação de alanina, a conversão do glutamato em α-cetoglutarato e a do piruvato em alanina

podem ser catalisados num mesmo passo: o que é catalisado pela transamínase da alanina. Na glutaminólise com formação de aspartato pode acontecer algo semelhante; neste caso a conversão do glutamato em α-cetoglutarato e a do oxalacetato em aspartato podem ser catalisados num mesmo passo: o que é catalisado pela transamínase do aspartato. Admitindo esta possibilidade, aquando do processo de transaminação, o glutamato é o dador do grupo amina a um α-cetoácido (piruvato ou oxalacetato) que previamente se formou a partir de outra molécula de glutamato (e de glutamina).

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onde uma parte da glicose produzida na gliconeogénese deste órgão resulta da conversão da glutamina e, em menor grau, de outros aminoácidos.

A ulterior oxidação, nos diversos tecidos do organismo, da glicose que teve origem em aminoácidos é também, em última análise, uma etapa (a última etapa) do processo oxidativo destes aminoácidos.

Um gramo de proteínas, pode originar maximamente 0,6 g de glicose; assim, potencialmente, a ingestão de 100 g de proteínas (a ingestão “típica” diária numa dieta ocidental) poderá, via gliconeogénese, gerar cerca de 60 g de glicose. Este valor corresponde a cerca de metade da glicose que é diariamente oxidada no cérebro [2].

No jejum prolongado (vários dias), apesar do esgotamento do glicogénio, o fígado e o rim continuam a produzir glicose. Nestas condições, o cérebro substitui parte da glicose por corpos cetónicos e é (praticamente) o único órgão onde continua a ocorrer oxidação da glicose (a CO2). A glicose que é consumida pelo cérebro é oxidada a CO2 e, por isso, não pode, em termos líquidos, provir de “processos de reciclagem” como os ciclos de Cori e da alanina. No jejum prolongado, a glicose que é oxidada a CO2 provém da fração da gliconeogénese que tem origem nos aminoácidos que resultam da proteólise endógena (cerca de 3/4) e no glicerol que resulta da lipólise endógena (1/4).

6 O somatório das excreções de ureia e de amónio é uma medida da oxidação dos aminoácidos no organismo

Embora a ureia e o amónio não resultem da oxidação dos esqueletos carbonados dos aminoácidos, o processo de conversão dos aminoácidos em intermediário da glicólise, em intermediários do ciclo de Krebs ou em corpos cetónicos e a subsequente oxidação direta ou indireta a CO2 é concomitante com a formação daqueles compostos de excreção. Por isso, a velocidade de degradação dos aminoácidos no seu todo pode ser medida, medindo a velocidade de excreção dos compostos azotados na urina4. Se se considerarem períodos de tempo longos (vários dias) [5], o valor do azoto urinário presente na ureia e no amónio é uma medida da velocidade de oxidação dos aminoácidos e pode servir para estimar a massa e o valor energético dos aminoácidos que estão a ser oxidados.

O azoto da ureia constitui 60% a 90% (a percentagem aumenta quando dieta é rica em proteínas) do azoto urinário. A ureia, o amónio, a creatinina e o ácido úrico5 contêm praticamente todo o azoto presente na urina.

7 O catabolismo da alanina e o ciclo da alanina

O catabolismo da alanina [3C,1N] é muito simples e envolve, como etapa específica, apenas a ação da transamínase da alanina (ver Equação 14) que dá origem ao α-cetoácido correspondente, o piruvato [3C]. O piruvato é substrato da gliconeogénese e pode, por isso, originar glicose, mas outros destinos possíveis são a oxidação a acetil-CoA (ver Fig. 2) ou a redução a lactato.

A alanina (cujo azoto constitui quase 10% do azoto aminoacídico do plasma) é um veículo de transporte de azoto no plasma. No ciclo da alanina, o piruvato formado na glicólise muscular aceita grupos amina do glutamato (ver Equação 14) convertendo-se em alanina; a alanina sai dos músculos para o plasma sanguíneo; no fígado é captada e reconvertida em piruvato (ver Equação 14); o piruvato, via gliconeogénese, gera glicose que pode voltar a ser oxidada no músculo. Através da ação das enzimas da gliconeogénese hepática, da glicólise muscular e da transamínase da alanina nos dois tecidos, o ciclo da alanina participa no transporte de azoto dos músculos para o fígado (onde contribui para a formação de ureia), mas também permite que a glicose que, no músculo, foi apenas oxidada a piruvato, possa ser regenerada no fígado.

É de notar que, embora, o glutamato seja o dador direto do grupo amina para a síntese de alanina nos músculos (ver Equação 14), porque o grupo amina do glutamato pode provir, direta ou indiretamente,

4 Porque os níveis de ureia no sangue podem ser afetados pela velocidade de excreção de ureia no nefrónio, para obter um

valor mais preciso, há que somar à massa de ureia excretada na urina, a massa de ureia que eventualmente se acumulou no meio interno (ou subtrair a massa de ureia que corresponde a uma eventual descida dos níveis de ureia no meio interno). Estas correções são irrelevantes, quando se consideram períodos alargados de tempo (vários dias); nestas condições a massa de ureia que corresponde às eventuais variações da sua concentração no meio interno é sempre uma pequeníssima fração da massa de ureia que é excretada.

5 A creatinina forma-se a partir da creatina e fosfocreatina que, por sua vez, se forma a partir da glicina, da arginina e da

metionina. A molécula da creatinina contém 3 átomos de azoto sendo que 1 provém diretamente da glicina e 2 da arginina. O ácido úrico forma-se no catabolismo das purinas e a sua molécula contém 4 átomos de azoto: 2 provêm diretamente da glutamina, 1 da glicina e o outro do aspartato.

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de todos os outros aminoácidos, o transporte de alanina dos músculos para o fígado representa transporte para o fígado do azoto dos aminoácidos que perderam o grupo amina nos músculos.

Do ponto de energético o ciclo da alanina, considerado como um todo, consome ATP (consumo de 6 ligações ricas em energia no fígado/molécula de glicose formada e formação de 2 ligações ricas em energia no músculo6), mas permite poupar glicose que é um importante substrato nos processos oxidativos cerebrais: tal como o ciclo do lactato (ou de Cori), o ciclo da alanina também pode ser entendido como um processo de transferência de energia do fígado para o músculo; os nutrientes que são oxidadas no fígado (maioritariamente ácidos gordos e aminoácidos) permitem a formação do ATP necessário para a síntese de glicose, cuja oxidação nos músculos, gera ATP7.

É, no entanto, de notar que os ciclos da alanina e do lactato não permitem formar glicose de novo mas apenas recuperar como glicose, a glicose que foi oxidada a piruvato (nos músculos) ou cindida a lactato (nos eritrócitos, músculos, medula renal, etc.). No cérebro, a glicose é oxidada a CO2 e, por isso, o cérebro não participa nos ciclos da alanina e do lactato. Num indivíduo em jejum prolongado (vários dias ou semanas), a glicose oxidada pelo cérebro provém maioritariamente da conversão líquida dos aminoácidos endógenos em glicose.

8 O catabolismo da asparagina e do aspartato

A asparagina [4C,2N], por ação da asparagínase, é hidrolisada gerando aspartato [4C,1N] e amónio (ver Equação 15).

Equação 15 asparagina + H2O → aspartato + NH4+

O aspartato, por transaminação (ver Equação 13), gera oxalacetato [4C] que é um intermediário do ciclo de Krebs.

No ciclo da ureia, o aspartato reage com a citrulina (sintétase do arginino-succinato) originando arginino-succinato. Nesta via metabólica o azoto do aspartato incorpora-se na ureia e o esqueleto carbonato sai como fumarato [4C] que é também intermediário do ciclo de Krebs. Daqui se pode concluir que a asparagina e o aspartato são, via conversão em oxalacetato ou fumarato, aminoácidos glicogénicos. Ver Fig. 2 e Fig. 3.

9 O catabolismo da glutamina e do glutamato e o papel dos enterócitos no processo

De forma semelhante ao caso da asparagina, a glutamina [5C,2N], por ação da glutamínase, dá origem a glutamato (ver Equação 12) e o glutamato [5C,1N], por transaminação (ver Equação 10) ou por ação da desidrogénase do glutamato (ver Equação 4), gera α-cetoglutarato [5C]. Ver Fig. 2.

Os processos de hidrólise do grupo amida da glutamina (ver Equação 12) e da asparagina (ver Equação 15) chamam-se, frequentemente, de processos de desamidação porque o grupo químico onde ocorre a hidrólise é o grupo amida presente nos carbonos 5 (caso da glutamina) e 4 (caso da asparagina).

Como já referido, os enterócitos têm particular importância no catabolismo da glutamina (quer na que se forma a partir da hidrólise das proteínas da dieta, quer na que se forma endogenamente). Os

enterócitos captam glutamina do sangue e via glutaminólise forma-se alanina (glutamina → glutamato →

α-cetoglutarato → succinil-CoA → succinato → fumarato → malato → oxalacetato → fosfoenolpiruvato → piruvato → alanina). A alanina formada nos enterócitos passa para a veia porta podendo ser, posteriormente, transformada em glicose ou em CO2 (e ureia) no fígado.

Via glutaminólise, os enterócitos convertem três dos cinco carbonos da glutamina em alanina (os outros dois convertem-se em CO2), mas não é este o único destino dos carbonos da glutamina captada nos enterócitos. Um outro destino é a sua conversão em citrulina (via glutamina → glutamato → semialdeído do glutamato → ornitina) que passa para a circulação sanguínea. A citrulina pode ser captada no fígado ou no rim e, ser convertida em arginina, via arginino-succinato.

6 Os processos que envolvem o NAD+/NADH têm saldo nulo quer no fígado, quer no músculo. No fígado o NADH que é

oxidado aquando da redução de 1,3-bisfosfoglicerato a gliceraldeído-3-fosfato equivale ao NADH que se oxida no processo

de transdesaminação da alanina. No músculo o NAD+ reduz-se a NADH aquando da oxidação do gliceraldeído-3-fosfato

a 1,3-bisfosfoglicerato e aquando da ação da transamínase da alanina há uma molécula de glutamato que deixa de estar

disponível para, via desidrogénase do glutamato, poder levar à oxidação do NADH a NAD+.

7 Ao contrário do ciclo da alanina em que a fase anabólica só acontece no fígado, a fase anabólica do ciclo de Cori também

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Nos processos de conversão da glutamina em alanina ou em citrulina, o azoto do grupo amida da glutamina sai como amónio por ação da glutamínase (ver Equação 12) e este amónio também passa para a circulação sanguínea sendo captado pelo fígado e aí convertido em ureia8.

10 O catabolismo da serina e da glicina envolvendo transferência de unidades monocarbonadas para o tetrahidrofolato

Numa reação fisiologicamente reversível a hidroxi-metil-transférase da serina pode catalisar a interconversão da serina [3C,1N] e da glicina [2C,1N]; na reação também ocorre a interconversão do

H4-folato e do N5,N10-metileno-H4-folato (ver Equação 16). A glicina pode ser oxidada (pelo NAD+) na ação catalítica do complexo de clivagem da glicina; este complexo usa como aceitador de metilo o H4-folato e na reação forma-se NADH, CO2, NH4+ e também N5,N10-metileno-H4-folato (ver Equação 17). Ver Fig. 2.

Equação 16 serina + H4-folato ↔ glicina + N5,N10-metileno-H4-folato + H 2O Equação 17 glicina + NAD+ + H4-folato → CO

2 + NH4+ + NADH + N5,N10-metileno-H4-folato

Assim, por ação sequenciada da hidroxi-metil-transférase da serina e do complexo de clivagem de glicina, a serina pode ser completamente oxidada formando CO2 e dois equivalentes de N5,N10 -metileno-H4-folato. (O N5,N10-metileno-H4-folato é substrato na síntese da timidina monofosfato e, portanto, importante para a síntese de DNA.) Se atentarmos neste processo notaremos que a glicina (e indiretamente a serina) são aminoácidos que podem ser oxidados a CO2 sem a intervenção de enzimas do ciclo de Krebs constituindo, por isso, exceções ao processo oxidativo geral dos nutrientes.

11 O catabolismo da serina e da glicina via conversão em 2-fosfoglicerato e piruvato

A serina pode, por ação de outras enzimas, formar piruvato; ver Fig. 2.

Um processo muito simples, mas minoritário [6], envolve apenas a ação de uma enzima, a

desidrátase da serina/treonina (ver Equação 18). Por ação desta enzima a serina sofre desaminação

convertendo-se em piruvato.

Equação 18 serina → piruvato + NH4+

Uma outra via envolve, como primeiro passo, a ação da transamínase da serina; por ação desta transamínase a serina transfere o grupo amina para o α-cetoglutarato convertendo-se no α-cetoácido correspondente, o 3-hidroxipiruvato (ver Equação 19). O segundo e terceiro passo desta via são, respetivamente, a redução do 3-hidroxipiruvato a glicerato (pelo NADH, ver Equação 20 ) e a fosforilação do glicerato a 2-fosfoglicerato (pelo ATP, ver Equação 21). Assim, a via envolve sequencialmente as conversões serina → 3-hidroxipiruvato → glicerato → 2-fosfoglicerato (um intermediário da glicólise/gliconeogénese) e a equação soma que a descreve é a Equação 22.

Equação 19 serina + α-cetoglutarato → 3-hidroxipiruvato + glutamato Equação 20 3-hidroxipiruvato + NADH → glicerato + NAD+

Equação 21 glicerato + ATP → 2-fosfoglicerato + ADP

Equação 22 serina + α-cetoglutarato + NADH + ATP → 2-fosfoglicerato + glutamato + NAD+ + ADP Esta via pode parecer paradoxal porque, sendo uma via catabólica, inclui gasto de ATP e uma reação de redução onde se gasta NADH. No entanto se admitirmos que o glutamato formado na reação de transaminação (ver Equação 19) é oxidado por ação da desidrogénase do glutamato (ver Equação 4), assumindo assim que a serina é desaminada por transdesaminação (ver Equação 10), a reação soma que

8Um outro destino do azoto do grupo amida da glutamina é a sua incorporação no DNA dos enterócitos. Como já referido,

os enterócitos das criptas das vilosidades intestinais são células com uma taxa de multiplicação muito elevada (a vida média dos enterócitos é de cerca de 5 dias), um processo que envolve a síntese de DNA e dos nucleotídeos precursores. Nas vias de síntese dos nucleotídeos púricos e pirimídicos, a glutamina é substrato de diversas enzimas que catalisam reações em que os carbonos da glutamina saem como glutamato e o azoto do grupo amida se incorpora nos intermediários dessas vias. Um fenómeno idêntico ocorre em todas as células em proliferação e em menor grau em todas as células porque, com exceção dos eritrócitos maduros, todas as células sintetizam RNA.

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descreve a conversão da serina em 2-fosfoglicerato passa a ser a Equação 23. Ou seja, quando se considera que a conversão da serina em 3-hidroxipiruvato ocorreu via transdesaminação, o NAD+ e o NADH desaparecem da equação soma relativa ao processo de conversão serina → 2-fosfoglicerato.

Equação 23 serina + ATP → 2-fosfoglicerato + NH4+ + ADP

Se também admitirmos que o 2-fosfoglicerato sofre a ação da enólase (ver Equação 24) e que o fosfoenolpiruvato formado se converte em piruvato via cínase do piruvato (ver Equação 3), a equação soma que descreve a sequência serina → 3-hidroxipiruvato → glicerato → 2-fosfoglicerato → fosfoenolpiruvato → piruvato passa a ser a Equação 18.

Equação 24 2-fosfoglicerato ↔ fosfoenolpiruvato + H2O

Por ação sequenciada da hidroxi-metil-transférase da serina (ver Equação 16) e das enzimas que podem converter a serina em piruvato e/ou 2-fosfoglicerato, a glicina pode, via serina, originar glicose. Daqui se depreende que, quer a glicina quer a serina sejam considerados aminoácidos glicogénicos.

12 A conversão da cisteína em piruvato e sulfato e a sua eliminação urinária via conversão em taurina

A cisteína [3C,1N,1S] contém um grupo tiol e, no seu catabolismo, existem duas vias relevantes; ver Fig. 2.

Numa dessas vias, o grupo tiol é oxidado gerando, maioritariamente, sulfato que é

maioritariamente9 excretado na urina. De notar que o sulfato se forma juntamente com os respetivos

protões e que, portanto, o catabolismo da cisteína (e da metionina) tende a acidificar o meio interno10. Nesta via, o grupo amina da cisteína perde-se para o α-cetoglutarato numa reação de transaminação que envolve um intermediário da via (a cisteína-sulfinato que se converte em sulfinil-piruvato) e, como produto final, forma-se piruvato.

Noutra via alternativa (quantitativamente menos relevante) forma-se taurina [C2,1N,1S] que, fazendo parte dos ácidos biliares é, em última análise, excretada na urina. Na formação da taurina também ocorre oxidação do grupo tiol (a sulfonato) mas, neste caso, o enxofre e o grupo amina mantêm-se ligados ao esqueleto carbonado.

13 O catabolismo da metionina

A metionina [5C,1N,1S] é um aminoácido que contém um total de 5 carbonos e em que um deles (um grupo metilo) se liga ao resto da cadeia por uma ligação sulfureto (CH3-S-CH2CH2CHNH2-COOH). No processo catabólico (ver Fig. 3), a metionina começa por reagir com o ATP gerando S-adenosil-metionina (ver Equação 25). Um dos carbonos da S-adenosil-metionina (o do metilo ligado ao enxofre) acaba transferido para vários possíveis aceitadores (por ação de metil-transférases; ver Equação 26) formando-se um intermediário contendo adenosina e homocisteína: a homocisteína. A S-adenosil-homocisteína é, de seguida, hidrolisada gerando a S-adenosil-homocisteína (ver Equação 27). Ver Fig. 3.

Equação 25 ATP + metionina → S-adenosil-metionina + Pi + PPi

Equação 26 S-adenosil-metionina + aceitador11 → S-adenosil-homocisteína + aceitador metilado Equação 27 S-adenosil-homocisteína + H2O → homocisteína + adenosina

O átomo de enxofre da homocisteína [4C,1N,1S] acaba transferido para a serina [3C,1N,1OH] que se converte em cisteína [3C,1N,1S] enquanto o grupo azotado e os carbonos que pertenciam à

9 Uma fração minoritária do sulfato formado pode ser ativado a PAPS (fosfo-adenosil-fosfo-sulfato) e servir de dador de

sulfato na síntese de sulfolipídeos e de proteoglicanos e na sulfuração da melatonina, hormonas esteroides e fármacos.

10 Admitindo a ingestão de 100 g de proteínas/dia e balanço azotado nulo, o catabolismo da cisteína origina cerca de 30

mmol de sulfato e, portanto, 60 mmol de protões. Na hipotética ausência de tampões na urina e um débito urinário de 2 L isto corresponderia a um pH de 1,5! (Para além dos aminoácidos sulfurados das proteínas, existem na dieta outras fontes de protões; ou seja, no domínio da hipótese formulada, o pH urinário seria ainda mais ácido).

11 Entre outros, são aceitadores dos grupos metilo da S-adenosilmetionina a etanolamina (formação de

fosfatidil-colina), a noradrenalina (formação de adrenalina), o guanidoacetato (formação de creatina), resíduos de lisina e histidina em proteínas e resíduos de nucleotídeos de ácidos nucleicos.

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homocisteína se libertam como NH4+ e α-cetobutirato. Neste processo intervêm sequencialmente duas enzimas que têm o piridoxal-fosfato como grupo prostético: a síntase da cistationina (ver Equação 28) e a líase da cistationina (ver Equação 29). O α-cetobutirato, numa reação semelhante à que é catalisada pela desidrogénase do piruvato (consumo de CoA, redução do NAD+ e formação de CO

2) origina

propionil-CoA (ver Equação 30). Seguidamente, o propionil-CoA, via D-metil-malonil-CoA e L-metil-malonil-CoA,

leva à formação de succinil-CoA que é um intermediário do ciclo de Krebs (ver Equações 31-33). A enzima que catalisa a conversão do propionil-CoA em D-metil-malonil-CoA designa-se por carboxílase do propionil-CoA e a que catalisa a conversão do L-metil-malonil-CoA em succinil-CoA designa-se por mútase do metil-malonil-CoA. O grupo prostético da carboxílase é a biotina e a da mútase é a vitamina B12.

Equação 28 homocisteína + serina → cistationina + H2O Equação 29 cistationina → cisteína + NH4+ + α-cetobutirato

Equação 30 α-cetobutirato + NAD+ + CoA → propionil-CoA + NADH + CO 2 Equação 31 propionil-CoA + CO2 + ATP → D-metil-malonil-CoA + ADP + Pi Equação 32 D-metil-malonil-CoA ↔ L-metil-malonil-CoA

Equação 33 L-metil-malonil-CoA ↔ succinil-CoA

A Equação 34 é a equação soma relativa ao processo de oxidação da metionina a succinil-CoA (Equações 25-33). É de notar que, durante o catabolismo da metionina, o seu átomo de enxofre se converte em enxofre da cisteína e que, portanto, este se perde maioritariamente como sulfato aquando do catabolismo da cisteína. O grupo metilo é transferido para aceitadores de metilo. Se admitirmos que o CO2 que se perde na reação 30 é o mesmo que se incorpora durante a formação do succinil-CoA a partir do propionil-CoA (ver Equação 31), poderemos também admitir que os outros 4 carbonos da metionina geram succinil-CoA. O facto de o succinil-CoA ser um intermediário do ciclo de Krebs explica o caráter glicogénico da metionina.

Equação 34 metionina + 2 ATP + aceitador + serina + NAD+ + CoA →

succinil-CoA + cisteína + aceitador metilado + NH4+ + NADH + adenosina + PPi + 2 Pi + ADP A mutação no gene que codifica a enzima que catalisa a conversão da homocisteína em cistationina (síntase da cistationina; ver Equação 28) leva à acumulação de homocisteína no organismo e ao aumento da sua excreção urinária. A doença chama-se homocistinúria clássica12 e alguns casos são tratados eficazmente com a administração de vitâmeros da vitamina B6. O grupo prostético da síntase da cistationina é o piridoxal-fosfato e, nos casos em que observa resposta à vitamina B6, o aumento da concentração de piridoxal-fosfato nas células é suficiente para aumentar a atividade da enzima para valores que corrigem a acumulação de homocisteína. A administração de betaína também pode ser útil porque é um dos substratos da metil-transférase da betaína homocisteína, uma enzima que contribui para o consumo de homocisteína.

14 A síntase da metionina e a metil-transférase da betaína-homocisteína catalisam a “salvação” da homocisteína a metionina

A homocisteína, para além de poder reagir com a serina e formar cistationina (ver Equação 28), também pode ser substrato de enzimas que permitem "salvar" metionina em processo catabólico: a síntase da metionina (ver Equação 35) e a metil-transférase da betaína-homocisteína (ver Equação 36). Ver Fig. 3. Em ambos os casos há regeneração da metionina a partir da homocisteína que é aceitadora do grupo metilo do N5-metil-H4-folato (no caso da síntase da metionina) ou de um grupo metilo da betaína (no caso

da metil-transférase da betaína-homocisteína). A betaína resulta da oxidação da colina.

A síntase da metionina é a única enzima do organismo que usa o N5-metil-H4-folato como substrato. O N5-metil-H4-folato forma-se por redução (dependente do NADPH; ação da redútase do N5,N10 -metileno-H4-folato; ver Equação 37) do N5,N10-metileno-H4-folato (maioritariamente gerado no catabolismo da serina e glicina; ver Equação 16 e Equação 17). Ver Fig. 4.

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Equação 35 N5-metil-H4-folato + homocisteína → H4-folato + metionina Equação 36 betaína + homocisteína → dimetilglicina + metionina

Equação 37 N5,N10-metileno-H4-folato + NADPH → N5-metil-H4-folato + NADP+

15 O catabolismo da treonina leva, maioritariamente, à formação de α-cetobutirato que se oxida a succinil-CoA

A esmagadora maioria das moléculas de treonina [4C,1N,OH] sofre, inicialmente, a ação de uma líase originando NH4+ e α-cetobutirato

(ver Equação 38) que, como já referido, é oxidado a propionil-CoA (ver Equação 30). Equação 38 treonina → α-cetobutirato + NH4+

O propionil-CoA acaba por se converter em succinil-CoA (ver Equações 31-33 e Fig. 3).

Numa via metabólica minoritária [7], algumas moléculas de treonina sofrem cisão de tal forma que dois dos carbonos e o azoto originam glicina e os outros dois carbonos originam o grupo acetilo do acetil-CoA. Se se tiver em consideração esta via minoritária, a classificação da treonina como um aminoácido simultaneamente glicogénico e cetogénico seria adequada, mas a classificação da treonina como um aminoácido glicogénico também é defensável.

Nas vias catabólicas da treonina, da metionina e, como veremos, da valina e da isoleucina existe um intermediário comum: o propionil-CoA. Como já referido, a conversão do propionil-CoA em succinil-CoA envolve a carboxílase de propionil-CoA, uma isomérase e a mútase do L-metil-malonil-CoA (ver Equações 31-33). Quando há deficit da carboxílase de propionil-CoA, o propionil-CoA acumula-se nas células, a molécula sofre hidrólise ocorrendo aumento da concentração de ácido propiónico no sangue e na urina. A condição designa-se de acidúria propiónica. Uma outra doença em que há acumulação de um ácido orgânico (no caso, o ácido metil-malónico), designada por acidúria metil-malónica e deve-se ao deficit da mútase do L-metil-malonil-CoA13.

16 No catabolismo da tirosina forma-se um intermediário que é hidrolisado a fumarato e acetoacetato

No catabolismo da tirosina [9C,1N,1OH] a primeira reação é uma transaminação onde o grupo amina é transferido para o α-cetoglutarato formando-se para-hidroxifenilpiruvato [9C] e glutamato (ver Equação 39). (O p-hidroxifenilpiruvato é o α-cetoácido correspondente à tirosina.) Em três reações sequenciais catalisadas por duas oxigénases (um dos substratos é o O2) e uma isomérase, o p-hidroxifenilpiruvato dá origem ao homogentisato [8C], ao maleilo-acetoacetato [8C] e ao fumaril-acetoacetato [8C] (ver Equação 40, Equação 41 e Equação 42). O fumaril-fumaril-acetoacetato é, de seguida, hidrolisado (ver Equação 43) cindindo-se em fumarato [4C] e acetoacetato [4C]. A equação soma que descreve o catabolismo da tirosina é a Equação 44 ou, considerando que a tirosina acaba perdendo o grupo α-amina por transdesaminação (ver Equação 11), a Equação 45. Ver Fig. 2.

Equação 39 tirosina + α-cetoglutarato → p-hidroxifenilpiruvato + glutamato

Equação 40 p-hidroxifenilpiruvato + O2homogentisato + CO2 Equação 41 homogentisato + O2 → maleilo-acetoacetato

Equação 42 maleilo-acetoacetato ↔ fumaril-acetoacetato

Equação 43 fumaril-acetoacetato + H2O → fumarato + acetoacetato

Equação 44 tirosina + α-cetoglutarato + 2 O2 + H2O → fumarato + acetoacetato + glutamato + CO2 Equação 45 tirosina + NAD+ + 2 O2 + H2O → fumarato + acetoacetato + NADH + NH4+ + CO2

O facto de a cisão molecular do fumaril-acetoacetato gerar um intermediário do ciclo de Krebs e um corpo cetónico explica a classificação da tirosina no grupo dos aminoácidos “simultaneamente glicogénicos e cetogénicos”. Porque a fenilalanina [9C,1N] se converte em tirosina (ver abaixo) o catabolismo da fenilalanina gera os mesmos produtos e a mesma classificação se aplica a este aminoácido. Quando existem mutações nos genes que codificam as enzimas da via do catabolismo da tirosina, as doenças resultantes designam-se de tirosinemias. Quando existe deficit na atividade da hidrólase do fumaril-acetoacetato a doença correspondente designa-se de tirosinemia tipo I. Nesta doença (que é raríssima: 1/210 000 nascimentos em Portugal [8]) acumulam-se intermediários situados a montante da hidrólase em questão assim como produtos anormais que resultam de modificações químicas sofridas pelo fumaril-acetoacetato, o substrato da hidrólase. Alguns dos produtos anormais formados na tirosinemia tipo I estão na origem de hepatocarcinomas que se desenvolvem nos doentes. Porque o deficit da dioxigénase que catalisa a conversão do p-hidroxifenilpiruvato em homogentisato (tirosinemia tipo III) é uma condição

13 São doenças raríssimas: em Portugal a incidência da acidúria propiónica é de 1/400 000 nascimentos e a da acidúria

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relativamente benigna, no tratamento da tirosinemia tipo I usa-se um medicamento (NTBC) que é um inibidor da referida dioxigénase. A administração de NTBC faz com que o doente deixe de ter tirosinemia tipo I e passe a ter tirosinemia tipo III.

17 A conversão da fenilalanina em tirosina e o défice de hidroxílase da fenilalanina

A fenilalanina [9C,1N] converte-se em tirosina por ação de uma enzima hepática, a hidroxílase

da fenilalanina (diretamente dependente da tetrahidrobiopterina; ver Equação 46). Nesta reação a

fenilalanina e a tetrahidrobiopterina são oxidadas pelo oxigénio molecular originando, respetivamente, tirosina e dihidrobiopterina; a regeneração da tetrahidrobiopterina ocorre por ação de uma redútase

dependente do NADPH (redútase da dihidrobiopterina; ver Equação 47). Ver Fig. 2.

Equação 46 fenilalanina + tetrahidrobiopterina + O2 → tirosina + dihidrobiopterina + H2O Equação 47 dihidrobiopterina + NADPH → tetrahidrobiopterina + NADP+

Quando uma destas enzimas está deficiente ocorre a acumulação de fenilalanina que pode, por

transaminação, gerar fenilpiruvato. O fenilpiruvato é excretado na urina dos doentes e contém um grupo

cetónico (no carbono 2); daí a designação de fenilcetonúria atribuída a esta condição patológica.

A fenilcetonúria provoca lesões no cérebro em desenvolvimento e, consequentemente, atraso mental grave. A causa das lesões cerebrais e do atraso mental estará, provavelmente, relacionada com as concentrações elevadas de fenilalanina no plasma sanguíneo e com a inibição (competitiva) que estas concentrações provocam na captação de outros aminoácidos neutros (nomeadamente tirosina e triptofano) ao nível da barreira hematoencefálica [9]. Estas complicações graves podem ser prevenidas com uma dieta pobre em fenilalanina. Nos indivíduos saudáveis a tirosina sintetiza-se endogenamente a partir da fenilalanina e por isso a tirosina não é nutricionalmente indispensável. No entanto na fenilcetonúria a tirosina é nutricionalmente indispensável e tem de ser fornecida pela dieta.

Em Portugal colhe-se sangue a todos os bebés recém-nascidos sendo um dos objetivos detetar (e tratar) precocemente esta doença. A doença é autossómica recessiva e, quer em Portugal (1/10000 nascimentos [8]), quer globalmente (1/12000 nascimentos) tem uma incidência relativamente elevada. Desconhece-se o motivo da alta incidência das mutações sendo legítimo especular que poderá estar relacionado com seleção positiva dos heterozigotos em situações em que a fenilalanina escasseia (ou escasseava) na dieta.

18 A histidina leva à formação de glutamato, mas um dos azotos e um dos carbonos da

histidina leva à formação da unidade monocarbonada presente no N5-formimino-H4-folato

O grupo α-amina da histidina [6C,3N] liberta-se na forma de amónio por ação de uma líase (histídase) na primeira reação da via catabólica (ver Equação 48). O urocanato formado vai levar à formação de formimino-glutamato (FIGLU) que vai ser dador do grupo formimino ao H4-folato, formando-se glutamato e N5-formimino-H4-folato (ver Equação 49). (O N5-formimino-H4-folato sofre hidrólise no grupo formimino

gerando N5,N10-metenilo-H4-folato e NH

4+; ver Equação 50 e Fig. 4).

O catabolismo do esqueleto carbonado e do azoto que fica incorporado no glutamato é, obviamente, o mesmo do glutamato. A histidina é um aminoácido glicogénico porque, como já referido, o glutamato se vai converter em α-cetoglutarato (ver Equação 4), um intermediário do ciclo de Krebs. Ver Fig. 1 e 2.

Equação 48 histidina → urocanato + NH4+

Equação 49 FIGLU + H4-folato → glutamato + N5-formimino-H4-folato

Equação 50 N5-formimino-H4-folato + H

2O → N5,N10-metenilo-H4-H4-folato + NH4+

O somatório das reações que descrevem a conversão da histidina [5C,1N] em α-cetoglutarato [5C] e amónio é a Equação 51. Equação 51 histidina + H4-folato + 3 H2O → α-cetoglutarato + 2 NH4+ + N5,N10-metenilo-H4-H4-folato

19 Os catabolismos da arginina e da prolina têm como intermediário comum o semialdeído do glutamato

(1) O catabolismo da arginina [6C,4N] está intimamente associado ao seu papel como intermediário do ciclo da ureia. Neste ciclo, a hidrólise da arginina (pela argínase) leva à formação de ornitina [5C,2N] e ureia [(NH2)2CO]. A ornitina contém um grupo amina no carbono 5 (o

último) e é substrato de uma transamínase; no processo catalítico, este grupo amina converte-se num grupo aldeído formando-se o semialdeído do glutamato (ver Equação 52). A oxidação dependente do NAD+ do grupo aldeído do semialdeído do glutamato leva à formação de glutamato que,

como já referido, se pode converter em α-cetoglutarato (ver Equação 10 e Equação 4). Equação 52 α-cetoglutarato + ornitina ↔ glutamato + semialdeído do glutamato

(2) O catabolismo da prolina [5C,1N] está relacionado com o da arginina na medida em que um intermediário comum é o semialdeído do glutamato. Neste caso, o semialdeído do glutamato forma-se por oxidação da prolina numa reação em que o agente oxidante é o FAD.

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20 As vias catabólicas específicas dos aminoácidos ramificados são processos oxidativos que têm em comum os dois primeiros passos

O catabolismo dos aminoácidos ramificados valina [5C,1N], isoleucina [6C,1N] e leucina [6C,1N] inicia-se com a perda dos grupos α-amina em reações de transaminação catalisada pela mesma enzima: a

transamínase dos aminoácidos ramificados (ver Equação 53, Equação 54, Equação 55 e Fig. 3). Os

esqueletos carbonados correspondentes formados são α-cetoácidos ramificados que, pela ação catalítica de uma mesma desidrogénase (desidrogénase dos α-cetoácidos ramificados; com atividade semelhante às desidrogénases que catalisam a oxidação descarboxilativa do piruvato, α-cetoglutarato e α-cetobutirato), originam acis-CoA ramificados distintos (ver Equação 56). No caso do acil-CoA ramificado que resulta da valina, o grupo acilo tem 4 carbonos e nos que resultam da isoleucina e da leucina, os grupos acilo têm 5 carbonos.

Equação 53 leucina + α-cetoglutarato ↔ α-ceto-isocaproato + glutamato

Equação 54 isoleucina + α-cetoglutarato ↔ α-ceto-β-metil-valerato + glutamato Equação 55 valina + α-cetoglutarato ↔ α-ceto-isovalerato + glutamato

Equação 56 α-cetoácido ramificado + CoA + NAD+ → acil-CoA ramificado + CO

2 + NADH

Subsequentemente as vias metabólicas divergem mas, em todos os casos, as vias catabólicas específicas dos aminoácidos ramificados assemelham-se às da oxidação em β dos ácidos gordos ocorrendo a intervenção de diversas desidrogénases dependentes do NAD+ e do FAD. (A oxidação do NADH e do FADH2 envolve a cadeia respiratória explicando a síntese de ATP nas vias metabólicas específicas destes aminoácidos.)

(1) No catabolismo da valina o produto final é o succinil-CoA que se forma a partir do

propionil-CoA via metil-malonil-CoA (ver Equações 31-33). Assim, a valina leva à formação de um intermediário

do ciclo de Krebs e é um aminoácido glicogénico.

Admitindo o envolvimento do processo de transdesaminação (em que há redução do NAD+ e perda de NH4+; ver Equação 11) na perda do grupo α-amina da valina, a equação soma que descreve a conversão deste aminoácido em propionil-CoA é a Equação 57.

Equação 57 valina + CoA + 4 NAD+ + FAD → propionil-CoA + NH

4+ + 2 CO2 + 4 NADH + FADH2 (2) Um dos intermediários do catabolismo da leucina é o hidroxi-metil-glutaril-CoA. Este composto é também um intermediário do ciclo de Lynen e a sua cisão (por ação da líase do hidroxi-metil-glutaril-CoA) gera acetoacetato e acetil-CoA. A classificação da leucina como aminoácido cetogénico deriva do facto de um dos produtos do seu catabolismo ser o acetoacetato (um corpo cetónico) e de a acetil-CoA (o outro produto), quando formado no fígado, poder também originar acetoacetato (ciclo de Lynen).

Admitindo o envolvimento do processo de transdesaminação na perda do grupo α-amina da leucina (ver Equação 11), a equação soma que descreve a conversão deste aminoácido em acetil-CoA e acetoacetato é a Equação 58.

Equação 58 leucina + CoA + 2 NAD+ + FAD + ATP →

acetil-CoA + acetoacetato + NH4+ + 2 NADH + FADH2 + ADP + Pi

(3) No catabolismo da isoleucina, um dos intermediários (o α-metil-acetoacetil-CoA) sofre cisão tiolítica originando acetil-CoA e propionil-CoA. Num processo já referido a propósito dos catabolismos da metionina e da valina, o propionil-CoA gera succinil-CoA (ver Equações 31-33). Assim, porque da cisão do intermediário α-metil-acetoacetil-CoA se gera acetil-CoA e um composto (propionil-CoA) que é glicogénico, a isoleucina costuma classificar-se como um aminoácido “simultaneamente glicogénico e cetogénico”.

Admitindo o envolvimento do processo de transdesaminação na perda do grupo α-amina da isoleucina (ver Equação 11), a equação soma que descreve a conversão deste aminoácido em acetil-CoA e propionil-CoA é a Equação 59.

Equação 59 isoleucina + 2 CoA + 3 NAD+ + FAD →

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Ao contrário do que acontece com a maioria dos outros aminoácidos que sofrem o seu catabolismo no fígado, no intestino ou no rim, a maior parte das moléculas dos aminoácidos ramificados sofre catabolismo nos músculos esqueléticos e cardíaco. Pelo menos a primeira reação em que estes aminoácidos intervêm (a de transaminação; ver Equação 53, Equação 54 e Equação 55) é um processo que é muito mais ativo nos músculos que nos outros órgãos [10]. O azoto do grupo amina destes aminoácidos sai dos músculos incorporado na alanina e na glutamina14. Uma parte dos carbonos dos aminoácidos (possivelmente minoritária) sai dos músculos incorporados nos α-cetoácidos que resultaram da reação de transaminação e vão sofrer oxidação descarboxilativa noutros órgãos como o fígado, rim e cérebro [11].

Uma das doenças congénitas do metabolismo mais conhecidas15 é a que resulta do deficit da desidrogénase dos α-cetoácidos ramificados. A doença é conhecida como leucinose ou como “doença com urina com cheiro a xarope de bordo”. Nesta doença acumulam-se no organismo os aminoácidos ramificados e os α-cetoácidos correspondentes e o tratamento consiste numa dieta pobre em aminoácidos ramificados.

21 A via catabólica específica da lisina é globalmente um processo oxidativo complexo que leva à formação de acetil-CoA

No primeiro passo do catabolismo da lisina [6C,2N], o grupo amina terminal (no carbono 6) é transferido para o α-cetoglutarato gerando-se glutamato e o gerando-semialdeído do α-aminoadipato. O processo poderia, em última análigerando-se, gerando-ser entendido como “uma transaminação”; no entanto, não é catalisado por uma transamínase do tipo das que operam no caso dos outros aminoácidos. A enzima que catalisa o processo designa-se de síntase do semialdeído do α-aminoadipato, é uma enzima bifuncional que forma o intermediário sacaropina e que, logo de seguida, o usa como substrato, envolvendo simultaneamente a oxidação do NADPH e a redução do NAD+ (ver Equação 60).

Equação 60 lisina + α-cetoglutarato + NADPH + NAD+

semialdeído do α-cetoadipato + glutamato + NADP+ + NADH

O semialdeído do α-aminoadipato é oxidado (pelo NAD+) a α-aminoadipato que já é substrato de uma transamínase clássica; é na ação

catalítica desta transamínase que o grupo α-amina se perde para o α-cetoglutarato formando-se o α-cetoácido correspondente, o α-cetoadipato (Equação 61). O α-cetoadipato é sequencialmente oxidado por ação de duas desidrogénases que originam primeiro o glutaril-CoA e de seguida o crotonil-CoA (ver Equação 62 e Equação 63).

Equação 61 α-aminoadipato + α-cetoglutarato → α-cetoadipato + glutamato Equação 62 α-cetoadipato + CoA + NAD+ → glutaril-CoA + CO2 + NADH

Equação 63 glutaril-CoA + FAD → crotonil-CoA + FADH2 + CO2

Na via catabólica específica do catabolismo da lisina existem, no total, cinco desidrogénases sendo quatro dependentes do NAD+ e uma

dependente do FAD. Aquando das reações catalisadas por estas desidrogénases forma-se NADH e FADH2 que são subsequentemente oxidadas

pelo O2 na cadeia respiratória mitocondrial levando, em última análise à síntese de ATP.

A desidrogénase dependente do FAD designa-se por desidrogénase do glutaril-CoA (ver Equação 63) e tem uma especial relevância médica porque, quando a sua atividade é deficiente (devido a mutações no gene que a codifica), o indivíduo tem uma doença denominada acidúria glutárica tipo I16 e excreta na urina quantidades aumentadas de ácido glutárico. (Como veremos à frente, a desidrogénase de glutaril-CoA é comum

aos catabolismos da lisina e do triptofano e, por isso, a acidúria glutárica tipo I é um defeito do catabolismo destes dois aminoácidos).

O produto final da via catabólica específica da lisina é o acetil-CoA que resulta da ação da tiólase no acetoacetil-CoA (ver Equação 64).

Equação 64 acetoacetil-CoA + CoA → 2 acetil-CoA

Admitindo o envolvimento do processo de transdesaminação (ver Equação 11) na perda do grupo α-amina da lisina e da desidrogénase do glutamato na perda do azoto que pertencia ao grupo amina terminal, a equação soma que descreve a conversão da lisina em acetil-CoA é a Equação 65.

Equação 65 lisina + 2 CoA + 6 NAD+ + FAD + NADPH →

2 acetil-CoA + 2 NH4+ + 2 CO2 + 6 NADH + FADH2 + NADP+

14 Embora seja controverso, admite-se que na formação do esqueleto carbonado da glutamina no músculo possam intervir

conjuntamente os produtos de todos os aminoácidos ramificados. No ciclo de Krebs, o succinil-CoA (formado a partir da valina e isoleucina) pode gerar oxalacetato que, reagindo com a acetil-CoA (eventualmente proveniente do catabolismo da isoleucina e leucina), pode formar citrato e sequencialmente α-cetoglutarato. O α-cetoglutarato poderá aceitar grupos amina na primeira reação do catabolismo dos aminoácidos ramificados (ver Equação 53, Equação 54 e Equação 55) formando glutamato. O glutamato pode gerar glutamina (ação catalítica da sintétase da glutamina: glutamato + NH3 + ATP →

glutamina + ADP + Pi) incorporando NH4+ formado no catabolismo de outros aminoácidos. A glutamina é o aminoácido

mais abundante no plasma sanguíneo constituindo por si só quase ⅓ do azoto aminoacídico do plasma e, conjuntamente com a alanina (ciclo da alanina), é um veículo de transporte de azoto dos músculos para o fígado.

15 A razão de ser conhecida é ter uma altíssima taxa de incidência entre a população Amish nos Estados Unidos da América

(1/180 nascimentos). Em Portugal é rara: 1/90 000.

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O acetil-CoA pode ser oxidado no ciclo de Krebs ou pode, no fígado, via ciclo de Lynen levar à síntese de corpos cetónicos; por isso a lisina é classificada como um aminoácido cetogénico.

Ver Fig. 1 e 2.

22 Na via catabólica específica do triptofano forma-se alanina e acetil-CoA, mas também se pode originar o resíduo de nicotinamida que está presente na estrutura do NAD+ e do

NADP+

A via catabólica específica do triptofano [11C,2N] é um processo que é globalmente oxidativo e muito complexo.

A primeira enzima envolvida no catabolismo do triptofano [11C,2N] é uma oxigénase cuja ação leva à rotura do anel indole. Subsequentemente um dos intermediários (3-hidroxi-cinurenina) sofre hidrólise libertando-se alanina e um outro composto (3-hidroxi-antranilato) que, em diversos passos reativos, vai levar à formação de acetil-CoA ou, em alternativa, vai ser substrato na síntese do resíduo de nicotinamida que está presente nas estruturas do NAD+ e do NADP+17.

O somatório das reações envolvidas na conversão do triptofano em acetil-CoA (e alanina) é a Equação 66.

Equação 66 triptofano + 3 O2 + 3 NAD+ + FAD + 2 NADPH + 2 CoA →

alanina [3C,N] + 2 acetil-CoA + NH4+ + 3 CO2 + formato + 3 NADH + FADH2 + 2 NADP+ O intermediário que precede a formação do acetil-CoA é o acetoacetil-CoA que sofre tiólise (ver Equação 64) e as enzimas envolvidas na conversão do triptofano em acetoacetil-CoA também levam à formação de amónio, alanina e formato. Estas enzimas são de diversos tipos incluindo três oxigénases (sendo uma destas uma hidroxílase), duas hidrólases, uma descarboxílase, uma redútase e quatro desidrogénases sendo três dependentes do NAD+ e uma do FAD. Aquando das reações catalisadas por estas desidrogénases forma-se NADH e FADH2 que são subsequentemente oxidadas pelo O2 na cadeia respiratória mitocondrial. Duas das desidrogénases catalisam oxidações descarboxilativas e uma outra uma desaminação oxidativa com libertação do amónio (ver Equação 67); o azoto do amónio aqui libertado era originalmente o azoto do anel indole do triptofano. É por ação direta das duas hidrólases que se liberta o formato (que está na origem do N10-formil-H4-folato) e a alanina que contém o azoto que constituía o grupo α-amina do triptofano.

Equação 67 semialdeído do α-aminomuconato + NAD+ → oxalocrotonato + NH

4+ + NADH

Um intermediário distal desta via é o α-cetoadipato e todas as reações e enzimas situadas a jusante do α-cetoadipato são comuns às vias catabólicas da lisina e do triptofano e isto inclui as conversões descritas pela Equação 62 e pela Equação 63. O facto de a desidrogénase do glutaril-CoA (ver Equação 63) ser comum aos dois processos permite compreender que a acidúria glutárica tipo I seja uma doença relacionada com estas duas vias metabólicas.

Porque, no seu catabolismo, o triptofano pode gerar alanina (que gera piruvato) e acetoacetil-CoA, o triptofano é classificado como um aminoácido simultaneamente glicogénico e cetogénico. (O destino do grupo amina e dos carbonos da alanina já foram discutidos no Capítulo 7.)

Ver Fig. 1 e 3.

23 Aminoácidos glicogénicos, cetogénicos e simultaneamente glicogénicos e cetogénicos

De acordo com o critério referido no ponto 1 seriam classificados como aminoácidos cetogénicos a leucina (que origina acetoacetato + acetil-CoA) e a lisina (gera acetoacetil-CoA que, por ação da tiólase, origina 2 acetil-CoA).

17 O contributo do triptofano para a síntese do NAD+ inicia-se num intermediário que resulta diretamente da oxidação do

3-hidroxi-antranilato e que se designa por semialdeído do 2-amino-3-carboxi-muconato. Este intermediário sofre isomerização não enzímica a quinolinato que, por sua vez, aceita ribose-5-fosfato do ATP na ação catalítica de uma fosforribosiltransférase originando o mono-ribonuleotídeo do nicotinato. Este mononucleotídeo aceita o adenilato de uma outra molécula de ATP formando o dinucleotídeo de adenina e nicotinato que, aceita o grupo amida da glutamina

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A tirosina e a fenilalanina (que originam fumarato e acetoacetato), o triptofano (que origina alanina e acetoacetil-CoA) e a isoleucina (que origina succinil-CoA e acetil-CoA) seriam classificados como simultaneamente cetogénicos e glicogénicos.

Seriam aminoácidos glicogénicos: a asparagina e o aspartato (que originam oxalacetato ou fumarato), a glutamina, o glutamato, a arginina, a ornitina, a prolina e a histidina (que originam α-cetoglutarato), a alanina, a serina, a glicina e a cisteína (que originam piruvato) e a metionina e a valina (que originam succinil-CoA).

No caso da treonina, porque a via metabólica específica maioritária leva à formação de succinil-CoA e a minoritária à sua cisão em glicina e acetil-succinil-CoA, as classificações como aminoácido glicogénico ou como simultaneamente cetogénico e glicogénico são ambas defensáveis.

As expressões “aminoácido glicogénico”, “aminoácido cetogénico” e “aminoácido simultaneamente glicogénico e cetogénico” são expressões clássicas mas, na opinião do autor destas linhas, o seu uso acrítico pode, como acontece com todas as classificações, contribuir para obscurecer a realidade. O uso do termo “cetogénico” para qualificar aminoácidos pode gerar equívocos. Nas vias catabólicas específicas da leucina, da fenilalanina e da tirosina forma-se diretamente um corpo cetónico, o acetoacetato; por isso, é inequívoco concluir que há produção de corpos cetónicos aquando do catabolismo destes aminoácidos. No entanto, nos casos em que, há formação de acetil-CoA sem que antes se tenha formado um intermediário do ciclo de Krebs ou da glicólise (lisina, triptofano, e isoleucina) o destino do acetil-CoA tanto pode ser a oxidação a CO2 no ciclo de Krebs como, no fígado, servir de substrato para a síntese de corpos cetónicos (ciclo de Lynen). As condições que levam à estimulação da síntese de corpos são as que cursam com baixas concentrações plasmática de insulina e altas de glicagina como, por exemplo, o jejum prolongado. Nestas condições pode haver algum contributo dos aminoácidos acima referidos para a síntese de corpos cetónicos mas, comparativamente ao dos ácidos gordos, este contributo é diminuto.

O jejum prolongado é a condição em que a expressão “aminoácidos glicogénicos” faz mais sentido porque a glicose que, nessa condição, é oxidada (a CO2) no cérebro provém maioritariamente dos aminoácidos que nas suas vias catabólicas específicas geram intermediários da glicólise ou do ciclo de Krebs. 1 g da mistura de aminoácidos que resultam da hidrólise das proteínas endógenas pode, na gliconeogénese, originar, maximamente, cerca de 0,6 g de glicose. No jejum prolongado o cérebro oxida cerca de 40 g de glicose por dia e, um indivíduo de 70 kg de peso perde cerca de 50 g de proteínas por dia. Um cálculo simples permite estimar que, em jejum prolongado, cerca de ¾ da glicose oxidada pelo cérebro provém do catabolismo de aminoácidos18. No ciclo diário de alimentação-jejum, o destino dos intermediários da glicólise ou do ciclo de Krebs que tiveram origem em aminoácidos tanto pode ser a gliconeogénese como a conversão em acetil-CoA e a oxidação deste no ciclo de Krebs.

24 Na maioria dos casos os aminoácidos são oxidados via conversão em acetil-CoA

Com as exceções da glicina e da serina (via glicina) que podem ser completamente oxidados a CO2 pela ação do complexo de clivagem da glicina, a oxidação completa dos aminoácidos implica, mesmo no caso dos aminoácidos glicogénicos e dos simultaneamente glicogénicos e cetogénicos, a formação de

acetil-CoA e o envolvimento das enzimas do ciclo de Krebs.

Às vezes usa-se a expressão “oxidação direta de aminoácidos” para expressar a ideia de que os seus carbonos podem ser completamente convertidos em CO2 sem que antes se forme glicose (ou corpos cetónicos). Quando um determinado aminoácido é oxidado de forma completa num determinado órgão, o intermediário do ciclo de Krebs formado no catabolismo desse aminoácido é oxidado via conversão desse intermediário em oxalacetato (ciclo de Krebs) e posterior conversão sequencial deste em fosfoenolpiruvato, piruvato e acetil-CoA (ver Equações 2-3 e Equação 1)19.

18 ¼ provém do glicerol formado aquando da lipólise das gorduras.

19 A via “direta” de oxidação dos aminoácidos glicogénicos também ocorre no fígado quando, durante a fase absortiva, há

elevadas concentrações de aminoácidos na veia porta e estes são (com exceção dos aminoácidos ramificados) maioritariamente captados pelo fígado. Admite-se assim que, quando a refeição é rica em proteínas, uma parte dos aminoácidos estão, no fígado, a ser usados como substratos na síntese de glicose e que, pelo menos, uma parte do ATP consumido no processo provenha das etapas oxidativas a montante da formação de fosfoenolpiruvato ou da oxidação da parte restante dos aminoácidos que estão a ser diretamente oxidados via conversão em acetil-CoA [Newsholme e Leech (2010) Functional Biochemistry in Health and Disease].

Referências

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