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Até Tu, Brutus? Explicando A Atuação Da Coalizão Presidencial Brasileira No Processo Decisório Dos Royalties Do Petróleo

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Academic year: 2021

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Até Tu, Brutus? Explicando A Atuação Da Coalizão Presidencial Brasileira

No Processo Decisório Dos Royalties Do Petróleo

Autoria: Mauricio Carlos Araujo Ribeiro

RESUMO: O presente trabalho analisa as causas do comportamento adotado pela coalizão

presidencial brasileira na votação do projeto de lei de redefinição da partilha de royalties do petróleo entre as unidades federativas – que foi frontalmente contrário às determinações presidenciais, destoante do usualmente verificado, considerando que, em regra, os partidos e parlamentares integrantes da coalizão seguem a orientação do Governo. À luz das teorias sobre o presidencialismo multipartidário de coalizão, aplicáveis ao caso brasileiro, analisa-se o ambiente institucional da época e sugerem-se hipóteses potencialmente explicativas do ocorrido no caso específico do processo decisório dos royalties do petróleo.

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No dia 6 de novembro de 2012 a Câmara dos Deputados brasileira aprovou, por 286 votos a 124, um polêmico projeto de lei, originário do Senado Federal, destinado a modificar radicalmente a distribuição das participações financeiras governamentais oriundas da exploração do petróleo e gás natural – os chamados royalties do petróleo – entre as unidades da Federação, alcançando também as receitas advindas de campos já licitados e contratos já celebrados.

Apesar de o processo legislativo referente a tal projeto de lei ter se iniciado por meio de uma proposta encaminhada à Câmara dos Deputados pelo então Presidente da República Luís Inácio Lula da Silva em agosto de 2009, a Presidente Dilma Rousseff se opôs abertamente ao projeto substitutivo elaborado pelo Senado Federali, no que também contou com o apoio dos Estados e Municípios produtores de petróleo – particularmente dos Estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo –, os quais empreendiam desde 2009 uma expressiva campanha contra as alterações das regras de distribuição dos royalties, por conta das significativas perdas de recursos financeiros que sofreriam com a aprovação do referido projeto.

A favor da manutenção das regras então vigentes, os opositores do projeto de lei levantaram argumentos que iam desde irregularidades na tramitação legislativa até a absoluta inconstitucionalidade da proposta, passando pela discussão do pacto federativo, pela grave lesão às finanças dos entes federativos produtores de petróleo e pela exortação da necessidade de se preservarem os contratos já em vigor, por conta da imprescindibilidade da segurança jurídica para o ambiente institucional do país.

Toda a argumentação levantada contra o projeto de lei mostrou-se ineficaz: a proposta foi aprovada com facilidade em votação nominal, contando para isso com votos de deputados de todos os partidos políticos representados na Câmara – inclusive dos integrantes da coalizão presidencial – e mesmo de membros do partido da Presidente da República, que votaram contra a orientação do Governo.

O projeto de lei recém-aprovado foi então encaminhado à consideração presidencial, e, após um período de intensas manifestações e debates inflamados, contra ou a favor da medida, finalmente convertido em lei, recebendo, porém, diversos vetos aos dispositivos mais polêmicos. Os vetos apostos pela Presidente Dilma Rousseff foram então submetidos novamente ao Parlamento e, em uma tumultuada sessão conjunta realizada em 6 de março de 2013, foram rejeitados por ampla maioria dos parlamentares votantes.

Apesar de contar com a ampla maioria dos parlamentares, seja levando em conta apenas a coalizão presidencial ou considerando-a em conjunto com os partidos que apoiam o Governo sem integrar a coalizão, a Presidente Dilma Rousseff sofreu, no processo legislativo dos royalties do petróleo, uma grave – e rara – derrota, dividida em três atos: primeiro houve a aprovação, pelo Senado Federal, de substitutivo contrário ao posicionamento do Executivo, depois a votação desse mesmo substitutivo pela Câmara dos Deputados e, por fim, a rejeição dos vetos apostos ao texto aprovado pelo Parlamento. Nessas três oportunidades, não apenas os partidos integrantes da coalizão presidencial votaram abertamente em sentido contrário à posição do Executivo, mas também alguns membros do próprio Partido dos Trabalhadores – PT da Presidente Dilma Rousseff votaram contrariamente à orientação do partido.

Certamente este não foi um episódio típico do que ocorre atualmente no cenário político brasileiro, em que o Executivo federal obtém um grau consideravelmente alto de sucesso legislativo, apoiado por vários partidos políticos que integram a coalizão presidencial, participando em maior ou menor grau do gabinete de ministros. Na (muito) maior parte das vezes, o processo legislativo federal se desenvolve de acordo com o posicionamento do Executivo. Isso não ocorreu, no entanto, no caso dos royalties do petróleo, e o comportamento do Parlamento impôs severas perdas ao Governo federal.

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A história aqui narrada serviu de pano de fundo para o surgimento da questão central que se pretende responder com o presente trabalho: o que levou a coalizão presidencial brasileira a não responder satisfatoriamente ao Executivo – ou melhor, a agir contrariamente à orientação presidencial – no processo legislativo dos royalties do petróleo?

Para responder a essa questão – que se considera importante não apenas no que tange ao interesse acadêmico, mas também sob o prisma da aplicação prática no gerenciamento de coalizões –, o presente trabalho abordará, inicialmente, as teorias desenvolvidas acerca do presidencialismo multipartidário de coalizão; em seguida, voltará suas atenções para as peculiaridades do caso brasileiro; por fim, apresentará as hipóteses cuja procedência se pretende verificar, em busca de explicações para o que ocorreu com a coalizão presidencial brasileira – geralmente tão disponível ao Executivo – no processo decisório dos royalties do petróleo.

O presidencialismo multipartidário no Brasil: do “patinho feio” ao “voo do besouro”, com a ajuda da coalizão

Depois de ser considerado por um bom tempo o “patinho feio” dentre os regimes políticos, alegadamente inferior tanto ao tradicional parlamentarismo de matriz europeia quanto ao presidencialismo bipartidário de molde americano – destacando-se, neste sentido, a crítica feita por LINZ (1990) alertando quanto aos “perigos do presidencialismo” –, o sistema presidencialista multipartidário vem sendo progressivamente revisitado por cientistas e analistas políticos, e, até certo ponto, redimido. Um dos principais motivos para essa transformação – para o “surpreendente sucesso” do regime, como disseram PEREIRA E MELO (2012) – é a observação empírica de que em diversos países, em especial na América Latina, o presidencialismo multipartidário tem sido capaz de manter não apenas democracias sustentáveis e prolongadas no tempo, mas também a governabilidade, ao contrário do que seria esperado ante as críticas tradicionais.

Para ser bem sucedido, porém, o presidencialismo multipartidário precisa ultrapassar a “combinação difícil” – para usar a expressão de MAINWARING (1993) – de fatores que, por si, contribuiriam para trazer instabilidade ao regime: a centralidade do presidente da república no processo político, a fragmentação do sistema partidário e, externa ao regime mas certamente influente sobre seus resultados, a divisão do poder entre unidades territoriais de maior ou menor autonomia política. Por conta da combinação desses elementos, diz MAINWARING (1993, 1997), o presidencialismo multipartidário seria mais propício à instabilidade, ao imobilismo, a manter Executivos fracos e a conflitos entre Executivo e Legislativo do que seu coirmão bipartidário, e mais ainda quando comparado ao parlamentarismo.

Assim, se o presidencialismo, por si, já tornaria difícil governar um país, essa tarefa se tornaria praticamente impossível quando este fosse combinado com o multipartidarismo. A pluralidade de agremiações de matizes ideológicos diversos (em geral conflitantes, mas por vezes até coincidentes), obviamente, produziria uma fragmentação do ambiente político, o que tornaria qualquer processo decisório muito mais custoso para o presidente da república – em termo de políticas de pork ou patronage –, sendo a outra opção o imobilismo.

Em alguns países, porém – como é o caso do Brasil e do Chile – o presidencialismo multipartidário consolidou-se como regime político, e, de quebra, ajudou a consolidar a democracia após décadas de regimes autoritários. O caso do Brasil é especialmente emblemático, porquanto este país concentra, se não todos, pelo menos quase todos os elementos que, de acordo com os cientistas políticos, acarretariam ingovernabilidade sob um regime presidencial – presidente forte, muitos partidos com grande polarização ideológica,

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eleições para cargos legislativos com voto em lista aberta e representação proporcional e fragmentação política, com unidades federadas fortes (LINZ, 1990; MAINWARING, 1993, 1997) –, mas, anda assim, o presidencialismo multipartidário conseguiu ser bem sucedido (PEREIRA E MELO, 2012; AMORIM NETO, 2006; BERTHOLINI, 2012).

O que poderia explicar o sucesso inesperado, o “voo do besouro” do presidencialismo multipartidário em países como Brasil e Chile? Para PEREIRA E MELO (2012), três fatores contribuem para esse efeito: presidentes poderosos, disponibilidade de moedas de troca que o Executivo pode oferecer ao Legislativo para a formação de coalizões (cargos em gabinete,

pork, patronage e outras) e a existência de mecanismos formais e efetivos de checks & balances sobre a atividade do Executivo. SANTOS (2003) também inclui a capacidade de

formar coalizões eficientes entre os fatores que levam ao sucesso do regime. RAILE et al. (2010) colocam também as coalizões multipartidárias majoritárias como centrais nesse processo, ao promover a cooperação entre os atores, apontando para diversas possibilidade de ganhos de troca.

A coalizão, para os fins deste trabalho, é figura distinta da aliança eleitoral, que é a reunião de partidos políticos em torno de uma candidatura, com vistas a reforçar o plantel de candidatos à disposição do eleitor (FIGUEIREDO et al., 2009). Durante as eleições, partidos políticos muitas vezes de linhas ideológicas claramente distintas se unem em alianças para otimizar a capacidade competitiva de cada um e, ao mesmo tempo, aumentar a chance de repelir o crescimento de outros partidos.

Ocorre que, uma vez eleito, o Presidente da República necessita assegurar para si o apoio de parlamentares em número suficiente para que os interesses do Executivo federal permaneçam protegidos caso sejam colocados em votação nas casas legislativas. Para tanto, o Executivo buscará o aumento da base parlamentar de suporte às suas iniciativas e políticas, aglutinando em torno de si – ainda que informalmente – os partidos políticos que lhe pareçam interessantes para compor essa base (FIGUEIREDO et al, 2009).

Diferentemente do que ocorre em regimes parlamentaristas, as coalizões no presidencialismo são, em regra, mecanismos sem previsão constitucional, utilizados para reduzir a susceptibilidade do sistema decisório a crises oriundas da alta fragmentação dos parlamentos causada pelo multipartidarismo (AMORIM NETO, 2000; MAINWARING, 1997; CHEIBUB et al., 2004), no qual o partido do presidente será, muito provavelmente, minoritário, dada a maior quantidade de partidos políticos que se envolvem na disputa eleitoral.

Na política brasileira, as coalizões ocupam um importante papel no processo decisório, ao congregar partidos cujos parlamentares engrossarão as fileiras do apoio ao Governo no Congresso Nacional.

O caso brasileiro: a coalizão no governo Dilma e sua configuração em novembro de 2012

Contrariando as expectativas da literatura mais tradicional, no Brasil redemocratizado – pós-1985 – a combinação do presidencialismo com o multipartidarismo não levou à crise de governabilidade, como temido por MAINWARING (1993), nem à dominação quase absolutista pelo Chefe do Poder Executivo sobre a qual alertaram LINZ (1990) e SHUGART E CAREY (1992). Ao contrário, estudos mais recentes demonstram, por diversos argumentos, que o presidencialismo multipartidário brasileiro encontrou mecanismos institucionais suficientes para garantir a estabilidade da democracia e evitar o impasse decisório. Entre esses mecanismos encontra-se, como visto acima, a figura da coalizão partidária em torno do Presidente da República.

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Na grande maioria dos regimes presidencialistas multipartidários, de acordo com PEREIRA E MELO (2012), a disponibilidade de “moedas de troca” – cargos em gabinetes, recursos financeiros, possibilidade de ganhos eleitorais – oferecidas aos partidos políticos é mais eficiente do que considerações ideológicas, lealdade partidária ou poder de agenda para mover os parlamentares. Não à toa, as coalizões no Brasil, seja na esfera nacional ou nas políticas regionais, baseiam-se principalmente em cargos de gabinete – ministros, secretários, presidentes de autarquias e empresas públicas.

Com exceção de Fernando Collor de Mello, cujo governo se apoiou apenas em três partidos políticos – PRN, PSDB e PFL –, obtendo com isso cerca de 49% das cadeiras da Câmara dos Deputados (PEREIRA, 2011), os demais Presidentes da República no Brasil buscaram embasar seus governos em uma coalizão mais ampla, obtendo apoio de vários partidos. Uma das maneiras tradicionalmente mais utilizadas pelo Executivo brasileiro para obtenção do apoio de outros partidos é a distribuição de cargos em ministérios ou órgãos de maior peso na administração federal, sem prejuízo de outras – como distribuição de recursos, transferências orçamentárias e promessas de apoios regionais. Em alguns momentos – como ocorreu no início do primeiro governo de Luís Inácio Lula da Silva –, a distribuição de cargos entre os partidos se deu de maneira desproporcional às respectivas participações no Parlamento, com grande concentração de cargos nas mãos do partido do próprio Presidente; em outros, como nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, a distribuição de cargos entre os partidos da coalizão se deu de maneira mais proporcional à sua importância no Legislativo.

O Governo Dilma Rousseff, iniciado em 2011, desde o primeiro momento apoiou-se sobre uma coalizão partidária de natureza heterogênea herdada de Luís Inácio Lula da Silva (SANTOS et al., 2011), com alguma pequena diferença – acrescentou-se à coalizão a participação do PDT e do PP, enquanto PV, PTB e PPS a deixaram, este último rumo à oposição. Em termos de participação percentual na Câmara dos Deputados, porém, essas alterações não acarretaram grandes mudanças: o Governo Dilma manteve entre 61,9% e 63,54% do apoio dos deputados federais, enquanto a coalizão de suporte ao Governo Lula teve em média participação de 61,99% na mesma Casa parlamentar (PEREIRA, 2011). Manteve-se também a tendência do Governo Lula no que tange ao grande número de órgãos com status de ministério – a criação de novos ministérios mostrou-se uma ferramenta bastante útil para a manutenção ou a expansão da coalizão: necessitando-se abrigar mais um partido aliado no gabinete, cria-se mais um ministério.

A Presidente Dilma Rousseff deixou claro em diversas ocasiões que considera a coalizão presidencial um elemento essencial para a governabilidade do país; por exemplo, ao substituir o ministro Luiz Sérgio (PT) por Marcelo Crivella (PRB), em 2 de março de 2012, a Presidente declarou:

"A história recente do Brasil, de afirmação da democracia [...], tem sido marcada pelo exercício do poder por meio de alianças e coalizões politicas. Nisso o meu governo não é diferente. Esse é um país extremamente complexo, múltiplo e democrático. Assim sendo, a constituição de alianças políticas é essência para que o Brasil seja administrado, para que o Brasil seja governado de forma democrática e, ao mesmo tempo, que o governo represente os interesses da nação."ii

Mesmo tendo seu gabinete sacudido por alguns escândalos de corrupção – referentes a integrantes de diferentes partidos aliados –, a Presidente Dilma Rousseff conseguiu alterar a composição do ministério respeitando a coalizão, oferecendo aos partidos envolvidos a chance de indicar dentre seus quadros os sucessores dos ministros removidos dos cargos.

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Assim ocorreu, por exemplo, na substituição de Alfredo Nascimento (PR), Wagner Rossi (PMDB), Carlos Lupi (PDT), Pedro Novais (PMDB), Mario Negromonte (PP) e Orlando Silva (PCdoB), substituídos por outros nomes dos mesmos partidos, por mais que as acusações de corrução pudessem eventualmente ser atreladas às legendas.

A coalizão, por seu turno, sempre respondeu bem aos interesses do Governo Dilma Rousseff: apesar da patente heterogeneidade ideológica dos partidos que a integram – cujas ideologias variam da extrema esquerda à extrema direita –, em geral a votação de matérias de interesse do Executivo não enfrenta dificuldades no Congresso Nacional. Por conta disso é que casos como o do processo legislativo dos royalties do petróleo sobressaem, já que destoam do comportamento usual da coalizão, geralmente alinhado com as preferências do Executivo.

Em novembro de 2012, quando da votação do projeto de lei dos royalties do petróleo, os cargos com status de ministro somavam 38, sendo 28 destes cargos ocupados por partidos integrantes da coalizão presidencial e os 10 postos restantes ocupados por técnicos ou pessoas não especialmente relacionadas a partidos políticos. Ao partido da própria Presidente, o PT, coube desde o início do governo a maioria esmagadora das vagas ocupadas pela coalizão – 16 dentre os 28 cargos –, o que, se por um lado mantém a centralidade do partido da Presidente no Governo, por outro provoca uma evidente desproporcionalidade entre a participação (e, logo, a importância) dos partidos da coalizão no Congresso Nacional e o número de cargos ocupados no gabinete. A Tabela 1 abaixo demonstra como se dava a divisão de cargos no gabinete por partidos da coalizão em novembro de 2012:

Tabela 1 - Presença da coalizão no gabinete em novembro de 2012

Partido Nº de ministros % de cargos

PT 16 42,1% PMDB 5 13,1% PSB 2 5,2% PCdoB 1 2,6% PDT 1 2,6% PR 1 2,6% PRB 1 2,6% PP 1 2,6% Não partidários 10 26,2% Total 38 100%

Fonte: elaboração própria, a partir de dados obtidos no sítio eletrônico da Presidência da República

Ao mesmo tempo, a participação dos partidos integrantes da coalizão presidencial na Câmara dos Deputados representava 61,9% das cadeiras, como se vê na Tabela 2 a seguir.

Tabela 2 – Participação de partidos da coalizão na Câmara dos Deputados em 2012

Partido integrante da

coalizão Número de deputados federais Percentual de cadeiras ocupadas

PT 87 16,9% PMDB 80 15,6% PP 39 7,6% PR 36 7% PSB 30 5,8% PDT 25 4,8% PCdoB 12 2,5% PRB 9 1,7% Total 318 61,9%

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Também no Senado Federal a coalizão de suporte à Presidente Dilma Rousseff mantinha em fins de 2012 uma expressiva maioria, conforme demonstra a Tabela 3 abaixo.

Tabela 3 - Participação de partidos da coalizão no Senado Federal em 2012

Partido integrante da

coalizão Número de senadores Percentual de cadeiras ocupadas

PT 12 14,8% PMDB 20 24,7% PR 6 7,4% PP 5 6,2% PDT 5 6,2% PSB 4 4,9% PCdoB 2 2,5% PRB 1 1,2% Total 55 67,9%

Fonte: elaboração própria, a partir de dados do Senado Federal

A coalizão de apoio à Presidente Dilma Rousseff, como se percebe pelas Tabelas 1, 2 e 3, possuía em novembro de 2012 a expressiva maioria em ambas as Casas do Congresso Nacional, em margem suficiente para aprovação – ou rejeição – de projetos de lei ordinária, de lei complementar e de propostas de emendas constitucionais. Somando-se aos parlamentares da coalizão os de outros partidos que, mesmo sem integrá-la, apoiavam o Governo – caso de PV, PTB, PSC e diversos outros, que somavam 58 cadeiras na Câmara e 9 no Senado –, o Executivo contaria inicialmente com o apoio total de 376 deputados federais e 64 senadores, respectivamente 73,3% e 79% de tais Casas legislativas.

Além da expressiva representatividade no Congresso, a coalizão mantida pela Presidente Dilma Rousseff apresentava, em novembro de 2012, índice de coalescência de 0,575 – em uma escala de 0 a 1, calculado de acordo com a metodologia proposta por AMORIM NETO (2002) –, comparável ao do primeiro gabinete de Fernando Henrique Cardoso em seu primeiro mandato, e pouco abaixo do primeiro gabinete de Luís Inácio Lula da Silva em seu primeiro mandato (AMORIM NETO, 2006; SANTOS et al., 2011).

Apesar de toda essa ampla maioria com a qual a Presidência da República contava no Congresso Nacional e do considerável índice de coalescência do gabinete, a votação do projeto de lei sobre os royalties do petróleo em 06 de novembro de 2012 significou uma fragorosa derrota para os interesses do Governo, para a qual contribuíram diversos parlamentares de partidos integrantes da coalizão, alguns deles orientados formalmente pelos próprios partidos em sentido contrário ao defendido pelo Executivo. A Tabela 4 deixa claro como se deu a votação do projeto de lei no âmbito da coalizão presidencial:

Tabela 4 – Votação do projeto de lei dos royalties no âmbito da coalizão na Câmara

Partido integrante da

coalizão

Orientação

do partido Número de deputados votantes

Votaram contra o

governo Percentual de votos contrários ao governo (por partido) PT NÃO 66 5 7,57 PMDB SIM 66 54 81,82 PP LIBEROU 32 28 87,5 PR SIM 27 20 74,07 PSB LIBEROU 27 17 62,96 PDT SIM 15 10 66,66 PCdoB SIM 11 10 96,97 PRB LIBEROU 9 6 66,66 Total 253 150 59,29%

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A segunda coluna da Tabela 4 explicita a posição adotada por cada partido como orientação formal para a votação do projeto de lei por suas respectivas bancadas: o PT, assim como a liderança do Governo na Câmara, orientou o voto “não” (ou seja, rejeitando o projeto de lei); dentre os demais partidos da coalizão, PMDB, PR, PDT e PCdoB orientaram “sim” (aprovando o projeto de lei), enquanto PP, PSB e PRB liberaram as respectivas bancadas para votarem como aprouvesse a cada parlamentar. Apenas o PT, então, comprometeu-se com a posição do Governo, enquanto todos os outros partidos da coalizão descolaram da orientação do Executivo.

Como resultado desse processo de descolamento dos partidos integrantes da coalizão, 150 de seus deputados federais votaram contrariamente aos interesses e à orientação formal do Executivo, somando-se a outros 136 deputados de oposição e de outros partidos na aprovação do projeto de lei.

Voltando, então, ao puzzle colocado no início deste trabalho, o que teria levado uma coalizão multipartidária que em geral se comporta de maneira coesa e alinhada com os interesses do Executivo a agir em franca contrariedade com relação à orientação claramente defendida por este último?

Explicando a performance da coalizão no caso dos royalties do petróleo

Analisando os fatos relativos ao processo legislativo do projeto de lei dos royalties do petróleo e aplicando a eles os elementos teóricos acerca do funcionamento do presidencialismo multipartidário de coalizão brasileiro, podem-se entrever quatro hipóteses explicativas para o “descolamento da coalizão”, ou seja, o comportamento não usual da coalizão em contrariedade à orientação do Executivo:

Hipótese 1) O descolamento da coalizão foi consequência de seu enfraquecimento e da perda de apoio parlamentar do Governo federal;

Hipótese 2) O descolamento da coalizão ocorreu como resposta dos partidos à sua subrepresentação no gabinete, comparativamente ao PT;

Hipótese 3) O descolamento da coalizão foi uma consequência da prioridade dada pelos partidos políticos aos interesses dos Estados federados, em detrimento do compromisso com o Executivo federal;

Hipótese 4) O descolamento da coalizão deveu-se aos interesses eleitorais, tanto os partidários quanto os individuais dos parlamentares, contrários ao posicionamento do Executivo.

A primeira hipótese acima mencionada atribui à perda de apoio parlamentar do Executivo e ao enfraquecimento da coalizão a responsabilidade pelo seu descolamento no processo legislativo dos royalties. Analisando-se, porém, os fatos ocorridos à época da votação, principalmente por meio de reportagens jornalísticas e comentários políticos, percebe-se que o Governo Dilma gozava então de expressiva influência sobre o Congresso Nacional, inclusive por meio da coalizão, que vinha atuando em consonância com as orientações da Presidência da República, contando ainda com o fato de que o então Presidente da Câmara dos Deputados, Dep. Marco Maia, pertencia ao partido da Presidente Dilma Rousseff, e de que o Presidente do Senado Federal, Sen. José Sarney, ao PMDB. Além disso,

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as lideranças do Governo em ambas as Casas parlamentares exerciam considerável influência no contexto das discussões e deliberações, agindo também como interface entre a Presidência da República e os parlamentares, individualmente ou por bancadas.

De fato, anteriormente ao processo legislativo dos royalties, o Executivo havia amargado apenas uma derrota legislativa significativa no Parlamento – e mesmo assim parcial: a votação do Código Florestal, em maio de 2012, cujo texto contrariava delicados acordos efetuados pela Presidência da República. Mesmo assim, esse texto foi posteriormente alterado por uma medida provisória, convertida em lei em dezembro de 2012, retomando diversos pontos de interesse do Executivo.

Percebe-se, então, que não só o Executivo se mantinha bastante influente no Congresso como também que a coalizão era um importante instrumento de governo, tratado com todos os cuidados pela Presidente Dilma Rousseff. Assim, parece faltar suporte à primeira hipótese: a coalizão não estava enfraquecida, nem o Executivo havia perdido o suporte parlamentar. Outrossim, essa hipótese não fornece explicação para o fato de que cinco deputados federais do PT descolaram da orientação de seu partido – único da coalizão a orientar pela rejeição da proposta – e votaram pela aprovação do projeto de lei.

A segunda hipótese leva a investigar se a subrepresentação dos partidos no gabinete executivo poderia ter gerado insatisfação dentro da coalizão a ponto de levar os partidos a não considerarem os interesses da Presidência da República no momento da votação.

Cotejando-se os dados das tabelas 1, 2 e 3 acima, percebe-se uma expressiva subrepresentação de alguns partidos da coalizão no gabinete, em relação à sua importância em ambas as Casas legislativas, para além da já falada concentração de cargos nas mãos do PT, partido da Presidente (PEREIRA, 2011). Veja-se o caso do PMDB, ao qual pertence o Vice-presidente da República e que permanece como um dos principais detentores não apenas de cargos no Legislativo federal, mas também nos Estados e Municípios: o partido sobressai quando comparado com os demais integrantes da coalizão; seus cinco cargos colocam-no na (devida) posição de principal partido de suporte do governo além do PT de Dilma Rousseff, porém achatam a participação dos demais partidos. Ainda assim, o PMDB permanece subrepresentado, ou seja, sua representação no gabinete acaba sendo menor do que sua importância legislativa. E mais: mesmo tendo a maior parte dos cargos de ministro entregues a partidos políticos com exceção do partido da Presidente, o PMDB, em novembro de 2012, encontrava-se na pior situação no que tange à subrepresentação.

A disparidade entre a representação dos partidos no gabinete e sua participação no Parlamento pode ser bem percebida na Tabela 5 a seguir, que reflete o “índice de disparidade”, consistente, de acordo com a metodologia proposta por PEREIRA (2011), na diferença entre o percentual de cadeiras ocupadas pelo partido dentre a representação parlamentar da coalizão e o percentual de cargos com status de ministro por ele ocupados.

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Tabela 5 – Disparidade entre a participação dos partidos da coalizão na Câmara dos Deputados e sua representação no gabinete em novembro de 2012

Partido integrante da coalizão Número de deputados federais % cadeiras na Câmara % cadeiras coalizão % cargos

gabinete cargos com Número de

status de ministro Índice de disparidade PT 87 16,9% 27,35% 42,1% 16 14,75 PMDB 80 15,6% 25,15% 13,1% 5 -12,05 PP 39 7,6% 12,26% 2,6% 1 -9,66 PR 36 7% 11,32% 2,6% 1 -8,72 PSB 30 5,8% 9,43% 5,2% 2 -4,23 PDT 25 4,8% 7,86% 2,6% 1 -5,26 PCdoB 12 2,5% 3,77% 2,6% 1 -1,17 PRB 9 1,7% 2,83% 2,6% 1 -0,23 Total 318 61,9% 100% 73,8% 28

Fonte: elaboração própria, a partir de metodologia estabelecida por PEREIRA (2011)

Dos dados da Tabela 5 se percebe que à exceção do PT, todos os demais partidos da coalizão foram penalizados com uma representação no gabinete menor do que aquela à qual fariam jus pelo critério de cadeiras ocupadas na Câmara dos Deputados, mas o PMDB, em novembro de 2012, era o partido com mais grave subrepresentação. E mais: excetuando-se o PT, quanto maior a representação de um partido da coalizão na Câmara, maior a subrepresentação no gabinete.

Mas seria essa subrepresentação motivo suficiente para os partidos da coalizão descolarem de seu alinhamento com o Executivo? PEREIRA (2011) menciona que a concentração de cargos ministeriais nas mãos do PT e o desequilíbrio da estratégia da Presidente Dilma Rousseff no que tange à distribuição de cargos entre os demais partidos vinha gerando insatisfação entre os partidos políticos subrepresentados, que se sentiam pouco recompensados pela fidelidade prestada ao Executivo, e isso é encontrado em reportagens da épocaiii. No entanto, a partir de março de 2012, a Presidente da República deu sinais de que buscaria diversificar ainda mais a composição da coalizão, chamando o PRB de volta ao governo, por meio da nomeação de Marcelo Crivella para o cargo de Ministro da Pesca, anteriormente ocupado por Luiz Sérgio, do PT. A disposição da Presidente Dilma Rousseff de “cortar na carne” para agradar a coalizão, ao retirar um cargo do seu próprio partido e o disponibilizar a um novo aliado, somou-se também ao manifesto cuidado com a substituição de ministros por outros nomes dos mesmos partidos, conforme já mencionado acima.

Por outro lado, os ministérios se convertem em instrumentos importantes de patronagem e afirmação política dos partidos, ainda mais se esses ministérios tiverem grandes orçamentos – como é o caso do Ministério dos Transportes, atribuído ao PR –, importância estratégica (como o Ministério das Minas e Energia, ocupado pelo PMDB) ou forte penetração regional – como o Ministério da Pesca (PRB), do Turismo (PMDB), das Cidades (PP) ou do Esporte (PCdoB). Assim, ainda que seja pequeno o número de ministérios entregues a um partido, pode ser que estes poucos cargos signifiquem já um importante incremento da capacidade desse partido de se afirmar no cenário político – ainda mais quando há no horizonte a perspectiva de perder o pouco que já se tem, nunca desprezível na política partidária.

Outro fator que aponta para o fato de a subrepresentação dos partidos da coalizão não ser grave o bastante para provocar o seu descolamento é o índice de coalescência do gabinete, que, como já mencionado acima, em novembro de 2012 era de 0,575. Se é fato que o índice de coalescência do gabinete diminuiu desde o início do Governo Dilma Rousseff – uma vez que, de acordo com SANTOS et al. (2011), o primeiro gabinete tinha índice de coalescência

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de 0,61 –, o valor encontrado para o mesmo índice em novembro de 2012 não fica muito abaixo da média dos dois mandatos de Luís Inácio Lula da Silva, e ainda significa uma considerável proporcionalidade entre a participação dos partidos no gabinete e sua representação legislativa.

Deste modo, apesar da subrepresentação dos partidos integrantes da coalizão, seu histórico demonstra que a insatisfação por ela gerada não vem tendo efeitos muito expressivos, não parecendo ter influenciado, no caso dos royalties do petróleo, o posicionamento dos partidos nas votações nas Casas Parlamentares. Tem-se por bem, assim, considerar esta hipótese como não explicativa do ocorrido; ademais, é de se ver que ela também não explica os votos de deputados do PT contrários à orientação de seu próprio partido, uma vez que estes pouco teriam que ver com a sustentação da coalizão em si.

A terceira hipótese acima levantada afirma que o descolamento da coalizão, no caso dos royalties do petróleo, foi uma consequência da prioridade dada pelos partidos políticos aos interesses dos Estados federados, em detrimento do compromisso assumido com o Executivo federal. Neste passo, é importante notar que, apesar de ter nascido de uma atitude desastrada do Governo Federal em 2009, fruto do extremo otimismo com as descobertas de óleo nas camadas do pré-sal na costa brasileira, a discussão em pouco tempo foi dominada pelo debate em torno da distribuição de royalties a todas as unidades da Federação, representando, por um lado, um aumento de receita para a grande maioria dos entes federativos subnacionais, mas, por outro, uma gravíssima ameaça às finanças dos Estados e Municípios produtores. Assim, desde o primeiro momento o assunto tornou-se o pivô de uma discussão sobre o federalismo fiscal, apressando-se os entes federativos, produtores ou não de petróleo, a defender seus interesses.

No Senado Federal, as discussões e a elaboração do projeto de lei substitutivo à proposta presidencial caminharam no sentido da distribuição dos royalties por toda a federação – o que não foi nenhuma surpresa, já que o Senado é, por excelência, a Casa parlamentar da representação dos Estados-membros. Na Câmara dos Deputados, onde se reúnem os representantes do povo – ainda que escolhidos por meio de distritos geográficos estaduais –, o resultado, teoricamente, poderia ser diferente.

Mas não foi: a votação realizada em 06 de novembro de 2012 teve como resultado a alteração das regras de distribuição dos royalties do petróleo, destinando-as a todas as entidades federativas, em evidente prejuízo para os entes federativos produtores.

A Tabela 6 a seguir demonstra como se deu a votação do projeto de lei em questão por Estado da federação (incluindo-se o Distrito Federal):

Tabela 6 – Votação do projeto de lei dos royalties por Estado

Estado Numero de deputados votantes Votos SIM (aprovando o projeto) Votos NÃO (rejeitando o projeto) AC 8 6 2 AL 5 5 0 AM 5 5 0 AP 4 3 1 BA 34 11 23 CE 19 17 2 DF 7 5 2 ES 9 0 9 GO 12 11 1 MA 12 12 0 MG 41 36 5 MS 7 5 2 MT 7 7 0

(12)

PA 13 10 3 PB 9 8 1 PE 22 18 4 PI 7 5 2 PR 23 21 2 RJ 39 0 39 RN 6 5 1 RO 7 7 0 RR 5 5 0 RS 27 20 7 SC 15 12 3 SE 7 6 1 SP 54 28 26 TO 6 6 0 Total 410 286 124

Fonte: elaboração própria, sobre dados obtidos no Diário da Câmara dos Deputados de 07 de novembro de 2012. Os dados da votação demonstram que, à exceção dos Estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo – principais produtores de petróleo do país –, cujos parlamentares, à unanimidade, rejeitaram o projeto, todos os demais Estados votaram por sua aprovação, alguns à unanimidade (caso de Tocantins, Roraima, Amazonas, Rondônia, Maranhão, Alagoas e Mato Grosso).

Os discursos e debates havidos no plenário da Câmara dos Deputados na sessão de votação, por seu turno, demonstram também claramente que a discussão assumiu viés nitidamente federativo – o que também se refletiu na orientação dos partidos políticos que, mesmo tendo orientado o voto “sim” às suas bancadas, ressalvaram a liberdade de voto aos parlamentares dos Estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo que integrassem as legendas.

É interessante também perceber que os cinco deputados federais do PT que desconsideraram a orientação do Governo e do partido e votaram pela aprovação do projeto de lei pertenciam a Estados não produtores – Piauí, Minas Gerais, Pará, Ceará e Rondônia –, o que aponta para a motivação federativa do voto. Por outro lado, nos partidos da coalizão cuja orientação foi no sentido de aprovar o projeto de lei, as defecções foram, todas ou quase todas, de parlamentares oriundos dos Estados produtores de petróleo – Rio de Janeiro e Espírito Santo, e, em alguns, também da Bahia, Estado que concentra grande número de poços em terra, e São Paulo, que, além dos campos da Bacia de Santos, tem em seu território diversos pontos de manejo de óleo.

Às evidências fáticas no sentido da procedência desta terceira hipótese soma-se também a teoria, evidenciada por MAINWARING (1997), que reconhece no forte federalismo brasileiro um importante contraponto à concentração de poderes nas mãos do Presidente da República. De acordo com MAINWARING (1997), o “robusto” federalismo brasileiro faz com que os parlamentares se prendam mais aos interesses locais e regionais do que ao alinhamento aos interesses nacionais, entre os quais podem ser incluídos os da coalizão. Tampouco seria desprezível, no caso, a influência exercida pelos governadores, prefeitos e líderes de diretórios regionais dos partidos, atores importantes do processo decisório mesmo a nível nacional – ainda mais se a decisão a ser tomada envolve os rumos das finanças estaduais e municipais.

Uma declaração do Presidente da Câmara dos Deputados, Dep. Marco Maia (PT-RS) logo após a sessão deliberativa ilustra exemplarmente a importância dos entes federativos subnacionais na discussão do assunto:

"Aprovamos uma proposta que dialoga com o interesse da sociedade brasileira, que é ver os royalties do petróleo chegando a todos os municípios, a todos os estados brasileiros.

(13)

13  Nós produzimos um belo debate no Parlamento, com opiniões, com posições divergentes, com sugestões que foram feitas por parlamentares, o que valoriza o Parlamento, valoriza a decisão que foi tomada."iv

Portanto, uma vez que a discussão ultrapassou a barreira ideológica e migrou para o âmbito dos interesses das unidades da federação, a migração dos partidos políticos na mesma direção tornou-se questão de momento: independentemente da coloração partidária, ou de pertencer ou não à coalizão presidencial, o que parece ter importado mais para os partidos – e não apenas para cada um dos parlamentares, ressalte-se – na votação do projeto de lei dos

royalties do petróleo foi a possibilidade de se alterar a regra da distribuição de receitas do

petróleo em benefício das unidades federativas não produtoras, ainda que isso significasse descolar da orientação do Governo.

A terceira hipótese, desta forma, parece fornecer uma explicação plausível para o descolamento da coalizão presidencial no caso em questão. Passe-se, então, a analisar a quarta hipótese, segundo a qual o descolamento da coalizão deveu-se aos interesses eleitorais, tanto dos partidos quanto dos parlamentares, contrários ao posicionamento do Executivo.

O sistema político brasileiro não é propriamente conhecido pela fidelidade dos parlamentares às linhas programáticas ou às orientações de seus partidos. Diversos autores – dentre os quais MAINWARING (1997), AMORIM NETO (2006), SANTOS (2003) e outros – reconhecem como uma das dificuldades inerentes à governabilidade no Brasil a facilidade com que os parlamentares atuam contrariamente à orientação partidária ou a ignoram. Dizer que a disciplina partidária não está entre os pontos fortes do sistema político brasileiro tornou-se quatornou-se um lugar-comum entre os comentaristas políticos.

No entanto, no que tange ao comportamento dos partidos integrantes da coalizão presidencial, é importante lembrar que o comportamento individual dos parlamentares não vinha até então destoando muito da lógica partidária, bem como que a crescente utilização de mecanismos como o voto de liderança e a uniformização de entendimentos nas comissões vem servindo para manter as decisões legislativas em maior alinhamento com as posições dos respectivos partidos.

De acordo com AMORIM NETO (2006), os parlamentares se afastam do posicionamento esposado por seu partido quando dispõem de motivação e de autonomia para fazê-lo. A motivação pode ser ideológica ou eleitoral (excluindo-se aqui outros fatores de convencimento pessoal); já a autonomia dependerá de cada partido, cujas regras internas poderão definir maior ou menor grau de disciplina partidária.

No caso do projeto de lei dos royalties do petróleo, mais do que um problema de disciplina intrapartidária, o que se verificou foi a indisciplina intracoalizão, com a adoção, pelos partidos de sustentação do Executivo no parlamento, de comportamento frontalmente contrário à posição sabidamente defendida pela Presidência da República. No entanto, não se pode esquecer que os partidos políticos são compostos por pessoas, e que as decisões dessas agremiações nada mais seriam do que deliberações coletivas, adotadas de acordo com alguma regra de prevalência – seja por maioria, por voto qualificado etc.

Neste contexto, pode-se concluir que a adoção, pelos partidos integrantes da coalizão, de posicionamento francamente contrário ao preconizado pelo Governo deveu-se a inspirações pessoais transformadas em decisões institucionais, tendo os partidos decidido a linha de atuação no caso em questão de acordo com o interesse eleitoral de seus membros. Este fato parece ficar mais evidente quando se percebe que diversos partidos – inclusive integrantes da coalizão – liberaram suas bancadas, para que cada parlamentar votasse de acordo com sua orientação pessoal, talvez em um indicativo de que esses partidos não teriam chegado a uma decisão institucional quanto à aprovação ou rejeição do projeto de lei.

(14)

Outro fator que pode ter colaborado para levar ao descolamento da coalizão por conta de interesses individuais dos parlamentares é o fato de que se adotou o processo de votação nominal, no qual os parlamentares são identificados e então claramente associados ao voto por eles proferido. Neste contexto, sendo a votação nominal um mecanismo pelo qual o parlamentar torna público seu voto, ela serve para que cada deputado federal demonstre ao seu eleitor, às suas bases, ao seu Estado ou aos seus líderes a sua aderência a esta ou aquela ideologia, a defesa que faz dos interesses de seus eleitores etc. Assim, sendo colocado em votação nominal um determinado projeto de lei, cada parlamentar tenderá a votar de maneira a agradar suas bases, satisfazendo os interesses de seus constituintes, ou suas lideranças, alinhando-se à vontade do seu partido.

No processo de apreciação do projeto de lei dos royalties do petróleo, então, a votação nominal foi requerida por parlamentares dos Estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, desejosos de tornar públicos seus posicionamentos pessoais contrários à medida; no entanto, a exposição dos votos talvez não tenha sido a melhor estratégia no prisma institucional, uma vez que, tendo seus votos a descoberto, os parlamentares dos Estados não produtores tenderiam a agradar as suas bases – ou seja, seus Estados – ou as lideranças partidárias. Em um contexto de votação nominal no qual apenas o Governo, o PT e o PSOL orientaram o voto “não” às bancadas, os parlamentares dos Estados não produtores viram-se livres (se não praticamente compelidos) a aprovar o projeto, satisfazendo simultaneamente tanto as bases quanto as lideranças partidárias, e com isso incrementando seu potencial eleitoral.

Assim, a quarta hipótese parece também explicar o fenômeno do descolamento da coalizão, tanto no âmbito institucional quanto no individual, à medida que os interesses dos partidos e os objetivos individuais dos parlamentares viram-se suficientemente motivadores para ensejar a aprovação do projeto de lei, contrariamente ao preconizado pelo Executivo.

Conclusão

O presidencialismo multipartidário brasileiro encontrou na coalizão presidencial uma importante ferramenta para a promoção da governabilidade e a redução dos riscos inerentes ao sistema político. Ainda assim, a coalizão não é um remédio sem contraindicações: como indicam HIROI E RENNÓ (2012), em um sistema presidencialista de coalizão os parceiros no Legislativo podem representar um embaraço tão grande para as políticas do Executivo quanto os partidos políticos de oposição.

No caso específico do processo legislativo que culminou com a aprovação do projeto de lei de alteração da distribuição dos royalties do petróleo, analisado pelo presente trabalho, a coalizão de suporte ao Governo Dilma Rousseff descolou da orientação claramente fixada pelo Executivo, adotando decisão francamente contrária aos interesses da Presidência da República – e, assim, nesse caso concreto, a coalizão presidencial se provou um parceiro tão ou mais perigoso do que a oposição.

Esse descolamento, extremamente intrigante quando comparado com o comportamento habitual da coalizão no Brasil, não parece ter ocorrido como mera “traição” dos partidos e dos parlamentares à Presidente Dilma Rousseff, tampouco parece ter sido causado por fatores como subrepresentação dos partidos no gabinete, enfraquecimento da coalizão ou perda de controle do Executivo sobre suas bases de sustentação no Parlamento.

Como causas explicativas para o descolamento da coalizão, conforme arguido pelo presente trabalho, podem ser mencionadas (i) a federalização do debate, que passou a ser visto como uma disputa entre entes federativos, levando os parlamentares e os partidos da coalizão a se alinharem com os interesses da maioria das unidades federativas, convergindo para a aprovação do projeto de lei; e (ii) a proeminência de interesses eleitorais dos partidos políticos

(15)

15 

e individuais dos parlamentares, catalisados pelo método nominal de votação, que aumentou a tendência dos deputados federais à satisfação dos interesses de suas bases e das lideranças partidárias, com intuito de auferir benefícios eleitorais.

Outro fator que pode ter contribuído para o descolamento da coalizão – relacionado à federalização da matéria – é que, do modo em que a mesma foi montada pelo Presidente Luís Inácio Lula da Silva e mantida pela Presidente Dilma Rousseff, ela claramente enfatiza os aspectos partidários do modelo, em detrimento do atendimento dos diversos interesses regionais também representados no Parlamento. Em um país no qual os interesses regionais, em regra, importam – e muito – nos resultados eleitorais e de governabilidade, uma coalizão que possa abrigar não apenas os diferentes interesses dos partidos políticos mas também os das diversas unidades federativas converte-se em uma ferramenta recomendável para o sucesso legislativo do Governo.

Essas causas, por seu turno, embora tenham sido percebidas por meio da análise de um caso concreto e muito especificamente relacionado ao ambiente institucional brasileiro, afiguram-se de evidente generalidade e aplicabilidade a outros sistemas políticos em que o Executivo dependa, para governar, de coalizões de suporte parlamentar.

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i

 A rejeição da Presidente Dilma Rousseff à proposta oriunda do Senado era patente e foi demonstrada diversas  vezes.  Neste  sentido:    http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2012/05/15/eduardo‐lopes‐elogia‐

dilma‐por‐declaracao‐sobre‐2018royalties2019‐do‐petroleo;  ver  também 

http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2012‐05‐15/dilma‐e‐vaiada‐em‐encontro‐com‐prefeitos.html.  Acesso  em 9 de abril de 2013.  iiReportagem jornalística disponível em http://g1.globo.com/politica/noticia/2012/03/na‐posse‐de‐crivella‐ dilma‐chora‐e‐defende‐politica‐de‐coalizao.html. Acesso em 09 de abril de 2013.  iii Exemplo de reportagem sobre a insatisfação de partidos e parlamentares com a coalizão pode ser vista no  sítio do Senado Federal, em  http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2011/08/12/dilma‐rousseff‐paga‐ preco‐por‐coalizao‐muito‐ampla‐dizem‐senadores. Acesso em 09 de abril de 2013.  iv

  Declaração  disponível  em  reportagem  no  sítio  eletrônico  da  Câmara  dos  Deputados,  em 

http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/POLITICA/429498‐MARCO‐MAIA:‐VOTACAO‐DOS‐ ROYALTIES‐NAO‐REPRESENTA‐PERDA‐PARA‐O‐GOVERNO.html. Acesso em 09 de abril de 2013. 

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