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CUIDADO AO RECÉM-NASCIDO NA FRANÇA, NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX.

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Academic year: 2021

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CUIDADO AO RECÉM-NASCIDO NA FRANÇA, NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX.

Pierre Budin pode ser considerado um dos pioneiros para cuidados com o recém-nascido, a literatura o aponta como pai da neonatologia, pois “estendeu sua preocupação para além da sala de parto, às crianças que ele ajudava a nascer” (LAMY, 1995 apud Gordon, 1984, p.3), tornando possível desenvolver princípios e métodos que se tornaram a base da medicina neonatal. (RODRIGUES; OLIVEIRA, 2004).

Em 1888, Budin começou a publicar suas experiências, na forma de artigos, sobre o atendimento aos prematuros na Maternidade de Paris. Em 1892, teve a iniciativa de padronizar normas de atendimentos a esses bebês criando, provavelmente, o primeiro Ambulatório de Puericultura. Um ano depois, organizou o Département spécial pour Affaibli que pode ser traduzido como “Departamento Especial para Debilitados”, quiçá o primeiro espaço destinado aos cuidados hospitalares de bebês doentes.

O contexto da obra de Budin se passa na França, onde ocorreu o declínio da taxa de natalidade a partir de 1790. O mesmo fenômeno aconteceu, posteriormente, nos Estados Unidos, a partir de 1800. Ambas as nações passaram por revolução para proclamar os direitos do homem e as liberdades individuais (DUBY; PERROT; FRAISSE, 1994).

No século XIX, observou-se na Europa a diminuição na taxa de natalidade, o abandono de crianças nas ruas e o aumento da mortalidade infantil. Os métodos contraceptivos da época não eram usados para espaçar o período entre uma gravidez e outra, mas para acabar logo com essa função da vida da mulher. Muitas pensavam que as relações sexuais poderiam ser nocivas durante a gravidez e o aleitamento (em média dois anos), sendo cada vez mais notável o desejo de reduzir os nascimentos (DUBY; PERROT; FRAISSE, 1994).

O aborto teve progressos técnicos, pelo conhecimento da anatomia e fisiologia femininas e criaram métodos menos traumáticos que as drogas e quedas usadas habitualmente. Passaram a usar uma agulha de tricotar para perfurar a bolsa e, posteriormente, uma cânula para injetar água com sabão no útero. Por respeitarem as precauções de antissepsia, os riscos eram reduzidos (DUBY; PERROT; FRAISSE, 1994).

O número de abortos aumentou na segunda metade do século XIX, tornando-se banalizado, profissionais médicos e parteiras ofereciam o serviço de modo discreto. O aborto passou a não ser mais o ato desesperado de uma jovem seduzida ou de mãe de

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família numerosa, mas uma maneira de limitar o número de nascimentos (DUBY; PERROT; FRAISSE, 1994).

A prática passou a ser comercializada, a citar em 1898, Londres, os irmãos Chrimes tiveram pelo menos 10.000 clientes. A amplitude desencadeada, no final do século XIX, passou a considerar o elevado número de abortos como importante problema político (DUBY; PERROT; FRAISSE, 1994).

Nos EUA foi consecutiva à Guerra Civil, na Inglaterra, associou-se à Guerra dos Boers e na França esteve ligada ao desejo de vingança contra os Prussianos, após derrota de 1870. As guerras contribuíram no sentido de que, no término dos conflitos, a vida era considerada sagrada, e a tendência era definir o aborto como infanticídio, e mesmo o feto e embrião seriam seres humanos de plenos direitos (DUBY; PERROT; FRAISSE, 1994).

Após a derrota da França em 1870, a ânsia de vingança pretendeu garantir e aumentar o número de futuros recrutas, lutando, eficazmente, contra a mortalidade infantil. Espelharam-se no modelo da Prússia de Bismark, que pôs em prática medida social eficaz (DUBY; PERROT; FRAISSE, 1994).

A expressão “fille mère”, usada na língua francesa durante a Revolução, define a mãe solteira, mulheres que não seguiram a lógica patriarcal. As que optavam em levar a diante a gestação teriam que escolher entre a vergonha de criar sozinha seus filhos ou abandoná-los (DUBY; PERROT; FRAISSE, 1994).

Na tentativa de suprimir o infanticídio, a roda dos expostos era um recurso utilizado que facilitava o abandono, de forma anônima. Ainda que caro aos poderes públicos, a França foi o último país a suprimi-la em 1860. No lugar, abriram-se serviços onde o abando poderia ser realizado, mas não garantiriam anonimato (DUBY; PERROT; FRAISSE, 1994).

Na França a queda da taxa de natalidade preocupou os economistas, para eles a criança deveria ser confiada à própria mãe, sendo o meio mais seguro e menos caro para garantir-lhe a sobrevivência. Assim, poderes públicos substituíam o marido-pai e ofereciam subsídios para auxiliar a mãe solteira na criação dos filhos. Este era regulamentado e atribuído por comitê de patrocínio que exercia vigilância sobre a moralidade da jovem assistida (DUBY; PERROT; FRAISSE, 1994).

A redução dos nascimentos transformou a sensibilidade feminina alterando os sentimentos maternais, pois a mãe com poucos filhos poderia estar mais presente a cada um deles, mais atenta, mais terna (DUBY; PERROT; FRAISSE, 1994).

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Acredita-se que, no final do século XIX e início do século XX, era a França o país mais avançado e moderno em ciências médicas e quem ditava os padrões da assistência em neonatologia.

Pode-se inferir que a redução da taxa de natalidade, os altos índices de mortalidade infantil, os elevados números de aborto e abandono e a vontade de vingança contra a Prússia, seriam possíveis justificativas para interesse de autoridades e profissionais médicos pelo estudo e incentivo à melhoria do cuidado ao recém-nascido. Estes fatos contribuíram para o surgimento do chamado “Movimento para a Saúde da Criança”, entre 1870 a 1920, o qual buscava preservar a vida de todas as crianças e foi um marco na história da Medicina (TRAGANTE, 2010).

O fac-símile n.1 nos mostra o frontispício da obra com título “The Nursling” que pode ser traduzido como “O Lactente”. Logo abaixo do título, a continuação do texto “The Feeding and Hygiene of Premature & Full-term Infants”, de tradução aproximada para “A alimentação e higiene de recém-nascidos prematuros e de termo”. A seguir, o nome do autor - Pierre Budin -, descrito como professor de obstetrícia da Universidade de Paris; Diretor da Clinique Tarnier; Membro da Academia de Medicina.

O frontispício indica que a tradução foi autorizada, para o idioma inglês, em 1907, e quem a realizou foi William J. Maloney, M.B., LL.D., D.Sc., com a seguinte descrição Membro da Sociedade obstétrica de Edimburgo. Este livro, de acordo com Lamy (1995), foi considerado o primeiro texto escrito sobre os cuidados que deveriam ser oferecidos ao

recém-nascido prematuro.

Ademais, no frontispício, há a informação que o livro contém cento e onze gráficos em cores e outras ilustrações. No entanto, ao manuseá-lo, se pode quantificar cento e vinte e uma imagens, predominantemente estatísticas, totalizando cento e nove gráficos, isso sem contar com os apêndices.

Neste ano, supostamente 1900, Budin se propôs expandir as palestras habituais em Obstetrícia prática, com assuntos relacionados às crianças, sendo esses: bebês nascidos antes do prazo, ou seja, crianças congenitamente fracas; bebês nascidos a termo e seus cuidados na Maternité; e bebês após a alta hospitalar (BUDIN, 1907).

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Budin pretendeu descrever a constituição e funcionamento das consultas para lactentes, que estavam sendo estabelecidas na França, descrevendo-as, no sentido de compartilhar os resultados de suas observações pessoais e pesquisas (BUDIN, 1907).

Após Budin instituir a primeira consulta para lactentes, em 1892, outros médicos se organizaram neste sentido, a citar: Dr. Variot, em 1893; o ex-aluno de Budin, Dr. Henri de Rothschilde, que em março de 1896 criou a consulta em seu ambulatório; o Dr. Dubrisay; e no Hôpital Tenon o Dr. Boissard (BUDIN, 1907).

Os bebês afetados com debilidade congênita eram denominados fracos, à época, em virtude do produto de trabalho de parto prematuro (BUDIN, 1907). A classificação de RN’s por peso, no século XIX, foi descrito por Budin como: a termo, quando pesava em média de 3000-3500 gramas; os nascidos antes do tempo pesavam menos, sendo considerados congenitamente fracos, pois pesavam entre 1000 e 2500 gramas e; as crianças com menos de 1.000 gramas não eram mencionadas, pois

eram consideradas inviáveis, já que raramente eram salvas (BUDIN, 1907).

Em síntese, para salvar os recém-nascidos fracos deveriam levar em consideração três cuidados, a saber: o

primeiro - consistiria em prevenir que, o fraco ficasse hipotérmico, pois a depressão da temperatura poderia ser fatal; o segundo - seria supervisionar, atentamente, a alimentação do lactente, em virtude da subalimentação que acarretaria fraqueza e ataques de cianoses, por outro lado, a superalimentação poderia ocasionar problemas digestivos como diarreia pela quantidade de leite, que deveriam ser calculadas de acordo com o peso do lactente e; o terceiro - evolveria evitar qualquer tipo de exposição do bebê a doenças contagiosas (BUDIN, 1907).

Com essas medidas, e se o fraco pudesse contar com uma ama de leite, que também alimentava seu filho, conseguindo conservar a secreção láctea pelos meios explicitados, seriam grandes e fortes nos limites das chances de sobrevivência (BUDIN, 1907).

Pode-se vislumbrar o livro como fonte de informações de cuidados que, eram ensinados e realizados para se cuidar dos RNs prematuros. Trata-se de documentação de pesquisa, que pode revelar aspectos técnicos de interesse para a trajetória do cuidado em neonatologia e se debruçar nessa obra, é uma possibilidade de mergulhar na construção do conhecimento sobre o desenvolvimento dos cuidados ao atendimento desses pequeninos e quiçá rever apontamentos escritos há quase um século atrás, por pessoas que, não tinham

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ferramentas tecnológicas que se tem nos dias de hoje para buscar explicações para as fisiopatológicas.

REFERÊNCIAS

BUDIN, P. The Nursling. The Feeding and Hygiene of Premature & Full-Term Infants. Tradução de Willian J. Maloney. Lodon: 1907.

DUBY, G.; PERROT, M.; FRAISSE, G. História das mulheres no Ocidente, século XIX. Afrontamento, 1994.

LAMY, Z. C. Estudo das situações vivenciadas por pais de recém-nascidos internados em unidade de terapia intensiva neonatal. Dissertação (Mestrado). IFF/ FIOCRUZ. Rio de Janeiro. 1995.

RODRIGUES, R. G.; OLIVEIRA, I. C. S. Os primórdios da assistência aos recém-nascidos no exterior e no Brasil: perspectivas para o saber de enfermagem na neonatologia (1870-1903). Revista Eletrônica de Enfermagem, v. 06, n. 02, 2004. Disponível em: < http://www.revistas.ufg.br/index.php/fen>. Acesso em: 12 ago. 2013.

TRAGANTE, C. R. et al. Desenvolvimento dos cuidados neonatais ao longo do tempo. PEDIATRIA, São Paulo, vol. 32, n. 2, p. 121-30, 2010.

VAINFAS, R. Micro-história. Os Protagonistas Anônimos da História. Rio de Janeiro: Editora Campus; 2012.

Autores Daiana Lima Enfermeira pela Escola de Enfermagem Alfredo Pinto. Mestranda do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Enfermagem (PPGENF) da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).

Membro do grupo de pesquisa LACUIDEN Fernando Porto Doutor em Enfermagem com pós-doutoramento pela USP. Professor da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, PPGENF, PPGENFBIO da UNIRIO. Membro dos Grupos de Pesquisa LAPE, LAESHE, LACENF e líder do LACUIDEN.

Como citar este post (Vancouver adaptado): LIMA, D; PORTO, F. Cuidado ao Recém-Nascido na França, na segunda metade do século XIX. [internet]. Rio de Janeiro (br); 2015 [Acesso em: dia mês (abreviado) ano]. Disponível em: http://www...(completar com os dados do site).

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