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Entrevista com o ator do grupo Clowns de Shakespeare, Marco França, realizada por Edilaine Dias

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LABORATÓRIO – PORTAL TEATRO SEM CORTINAS

POÉTICAS ATORAIS – ENTREVISTAS

Entrevista com o ator do grupo Clowns de Shakespeare, Marco França, realizada por Edilaine Dias

Revisão: Edilaine Dias Arquivo: 07.PA.0001 Laboratório - Portal Teatro Sem Cortinas

Poéticas Atorais 07.PA.0001

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Entrevista realizada em 28 de setembro de 2014, via Skype, com duração aproximada de 1 hora e 44 minutos. Transcrição integral, com pequenas edições por conta de falhas no áudio.

Edilaine: Eu assisti dois espetáculos dos Clowns de Shakespeare, o Sua

Incelença Ricardo III e o Hamlet. Então eu vi você fazendo dois vilões, que possuem certa similaridade, dois reis que conseguiram a coroa através de atos horríveis, mas que são muito diferentes um do outro. E são montagens muito diferentes também. Eu queria que você me falasse sobre o processo de criação desses personagens que, são do mesmo autor e que têm características em comum, mas são tão distintos.

Marco França: Uma coisa importante na comparação entre essas duas figuras

é a mão dos dois diretores, que são muito diferentes. Um deles foi o Gabriel Villela no Ricardo III, e no Hamlet o Marcio Aurelio. São dois encenadores com características muito diferentes, então isso me conduziu como ator-criador por caminhos distintos. Uma coisa que o Gabriel sempre trazia para o grupo para facilitar a construção desses personagens era uma metáfora de que nós éramos titereiros, ou seja, manipuladores de bonecos e que eu sempre trouxesse o personagem à frente. Como se eu não precisava incorporar, então eu não interpretava o personagem, eu representava aquele personagem. Então eu tentava dar voz ao Shakespeare, como uma máxima que muita gente fala, que montar Shakespeare é fácil, só é preciso fazer com que você deixe ele falar pelas suas palavras, que o ator não pode atrapalhar o que Shakespeare escreveu. (risos) E o Gabriel trazia essa relação que pra gente, enquanto atores no grupo, foi um processo muito diferente, que era uma relação muito frontal com a platéia. Um espetáculo de rua, portanto um espaço aberto, numa semi-circularidade onde quase nunca os personagens se olhavam entre eles, pra contracenarem, pra desenvolver um diálogo. Então no momento em que eu queria me relacionar com outro personagem, o personagem relacionava isso dizendo para o público. Um dos outros artifícios é deixar que a encenação comunicasse, como se fossemos um quadro, pinturas de um quadro renascentista, onde à partir dessas imagens a informação pudesse ser dada através da palavra do Shakespeare. Mas obviamente o personagem tem algumas características que o próprio Shakespeare já coloca, um vilão super

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carismático e que desde o primeiro instante ele faz um pacto com a platéia. Ele deixa muito claro que ele é um vilão e que ele vai fazer de tudo e quase que convida o público para matar junto com ele. Então essas chaves já ditavam um pouco dessa leveza, desse jogo. O Ricardo III enquanto personagem ele quase realiza o metateatro, em respeito à linguagem. Ele interpreta, ele finge ser algo que ele não é diante do público e o público sabe que ele está fazendo isso, enquanto os outros personagens que se relacionam com ele não têm essa noção. Por mais que hajam essa características, ele é um cara muito inteligente, no entanto, um cara dissimulado, um cara que tem uma ironia. Eu acho que esse trabalho com o Gabriel trouxe essa idéia de trazer o personagem, não vivê-lo, mas dar vida à ele. O Marcio Aurelio também trouxe uma coisa interessante que é o cuidado com a palavra. Deixar com que o Shakespeare se manifestasse através da sua poética. E o Marcio enquanto encenador e diretor é mais minimalista, com menos artifícios, mesmo em relação à música, que é uma coisa muito presente no nosso trabalho. Tem menos elementos em cena e isso acaba trazendo para a gente, como atores, uma outra relação com a palavra, com a forma de estar em cena. Quando você faz o mínimo possível, esse mínimo ganha uma outra proporção. E dentro da linguagem do Gabriel isso é muito diferente porque tem uma série de outros elementos cenográficos e da própria encenação. Então foram relações diferentes porque são diretores muito diferentes. E apesar de serem dois vilões, o Ricardo III tem uma característica, dentro dessa linguagem do Gabriel que dialoga com essa leveza. O Gabriel dizia: “Vamos matar sorrindo, celebrando, vamos derramar sangue de uma forma brincada.” e com o recurso da linguagem popular, do circo de beira de estrada. Enquanto o Marcio dá uma outra carga trágica, que faz com que o ator se comporte de uma outra maneira, ainda que um pouco distanciada em relação ao personagem, mas talvez mais seco, algo mais objetivo, ficando mais em evidência a palavra shakespeariana.

Edilaine: E até Sua Incelença Ricardo III, o grupo trabalhava com comédias,

né? Como foi esse caminho até Ricardo III e a decisão de montar uma tragédia histórica, uma peça que também não é muito conhecida e como foi essa adaptação de linguagem?

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Marco França: Em 2007 a gente fez uma residência no TUSP, era um projeto

de apresentação de repertório e a gente apresentou o Muito Barulho por Quase Nada, o Fábulas e O Casamento, que é uma versão d’O Casamento do Pequeno Burguês do Brecht. Entre os espetáculos, a gente também teve atividade de oficinas, rodas de conversa abertas ao público. E em uma dessas atividades a gente convidou dois encenadores pra levantar durante cinco encontros uma proposta cênica à partir de um motivo que a gente determinasse. E esses encenadores convidados foram o Hugo Possolo, do Parlapatões e o Marcio Aurelio, que a gente mal conhecia na época. A gente trabalhou com Aquele que diz Sim, Aquele que diz Não do Brecht, com uma linguagem mais cômica, mais a cara do grupo, aí o Marcio propôs que a gente fizesse uma leitura e um estudo à partir do Hamlet por causa da aproximação que ele tinha com a obra e de a gente também gostar do fato de trabalhar com alguma coisa diferente do que estávamos acostumados a fazer. Aí surgiu esse desejo de investigar outras obras do Shakespeare e o Marcio nos apresentou um livro chamado Shakespeare nosso contemporâneo do Jan Kott e foi muito revelador. Foi um encontro incrível ler esse livro enquanto a gente teve esse trabalho com o Marcio em cima do Hamlet, e isso mexeu muito com o grupo. Foi um encontro muito potente e a gente ficou: “Nossa, a gente precisa montar Hamlet com esse cara!”. Foi um encontro muito feliz e trouxe outra forma de olhar o Shakespeare que a gente ainda não tinha investigado e é uma pesquisa do grupo testar essas outras possibilidades de dialogar com Shakespeare. E nessa mesma temporada a gente teve contato com o Gabriel Villela que foi nos assistir e houve uma identificação muito grande. A gente já conhecia o trabalho artístico do Gabriel e já era uma referência pra gente e surgiu essa vontade de criar alguma coisa junto, que acabou sendo recíproco. E como já tinha começado esse desejo de trabalhar com um Shakespeare que fosse o das não-comédias, a gente fez um convite pro Gabriel naquele momento para fazermos um trabalho juntos, sem saber exatamente o que seria. O Gabriel de pronto topou e isso já era o final da temporada no TUSP e no começo de 2008 começou esse processo. Da leitura do livro do Jan Kott tinha ficado muito forte pra gente o capítulo dos reis e ele faz muita referência à obra Ricardo III. Você falou que não é uma obra muito conhecida né, mas através de uma pesquisa a gente descobriu que isso é aqui no Brasil porque ela é uma das peças mais

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montadas de Shakespeare no mundo. Mais até do que Romeu e Julieta! E aí aconteceu que tinha sempre uma referência a Ricardo III nesse capítulo do Jan Kott e a gente ficou curioso pra ler. Nesse momento a gente tava investigando com o Gabriel o que montar, então a gente fez uma leitura do Ricardo III e bateu muito forte pra gente. A questão política envolvida no texto, que tem muito a ver com o momento político do estado. A gente tinha ficado muito distante da cidade porque estava viajando bastante com o grupo e chegou a hora desse questionamento de ou a gente assume de vez que é um grupo de Natal, mas que não mora mais em Natal e que a gente está alheio às questões que estão acontecendo na cidade ou a gente para, assenta a poeira e coloca um olhar de forma mais atenta para essas questões. E foi o que a gente fez e acho que o Ricardo III foi uma resposta a esse posicionamento, que é extremamente atual, contemporâneo. E a gente sabia que queria fazer na rua. E isso ficou povoando nosso imaginário: como é que a gente vai montar um texto que é uma tragédia, uma história super complicada, 54 personagens com fala, fora os que são citados e fazer tudo isso na rua para um público super democrático? E acho que a resposta de como se resolveu isso foi o nosso encontro com o Gabriel, que traz na sua linguagem uma capacidade de síntese e o uso da cultura popular. E essa linguagem que ele usa nos espetáculos fez com que seja possível a gente juntar Luiz Gonzaga com Queen e isso ficar harmônico! A mão do Gabriel foi muito forte na montagem e isso dialogando com a forma com que o grupo trabalha gerou os resultados.

Edilaine: Eu assisti uma entrevista do Fernando Yamamoto onde ele diz que

Shakespeare fala para todo mundo, independente de onde for e quando for e você disse que Sua Incelença, Ricardo III surgiu como uma resposta à questões políticas do Rio Grande do Norte. Por que você acredita ter função social um texto com mais de 400 anos que, teoricamente é tão distante da gente por falar da história da Inglaterra medieval? Qual é a importância de continuar montando Shakespeare?

Marco França: A primeira coisa é que Shakespeare era um autor

extremamente popular. Um cara que escrevia falando sobre o ser humano. E as relações humanas podem até se transformar, mas a essência delas é quase que imutável, vem da própria condição da nossa existência. E Shakespeare

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escrevia de um jeito que, de alguma forma, te alcança independente de que lugar você esteja no planeta. As relações de poder vão existir independente de qual seja a forma de governo, de uma sociedade monárquica a uma sociedade socialista. As relações humanas mantêm um padrão independente de qualquer cultura. E Shakespeare escrevia isso de uma forma incrível, isso faz com que a obra resista a tanto tempo e faça com que temas como esse continuem sendo atuais, independente de qualquer lugar. Se a gente ver um Shakespeare montado pelo Théâtre du Soleil na França, sendo montado pelo Peter Brook, seja na África ou por nós aqui do nordeste no Brasil, essencialmente Shakespeare fala do mundo, então isso é independente a qualquer período histórico. E se a gente for ver as barbaridades que ainda acontecem hoje, é um período medieval disfarçado de sociedade extremamente evoluída e avançada! Tem barbáries acontecendo cotidianamente e de forma extremamente medievais. Eu acho que por mais que Shakespeare escreva contextualizando a Dinamarca ou a Inglaterra ou a França, ele era um cara muito atento a tudo, um cara muito sensível e falava sobre o mundo a sua volta e sobretudo à essência do humano. Isso ultrapassa qualquer coisa.

Edilaine: Sua Incelença, Ricardo III é uma montagem muito impressionante e

muito potente por conseguir esse elo harmônico entre nordeste do Brasil e Inglaterra elisabetana. Como é lidar com todos esses elementos em cena, que misturam lirismo shakespeariano, realidade nordestina e elementos de cultura contemporânea, tipo rock britânico dos anos 70 e 80?

Marco França: É uma loucura! (risos). Mas o grupo trabalha sobre essa

possibilidade e o Gabriel traz isso também e a nossa pesquisa nos mostrou que é possível cruzar coisas tão diferentes. Como eu falei a linguagem do Gabriel acaba relacionando todas essas coisas. Acho que o teatro popular, teatro de rua dentro dessa linguagem do circo, o circo de beira de estrada, essa arte precária mesmo e a precariedade como estética, podem misturar elementos tão variados, tão distantes e o Gabriel trouxe isso pra gente quando ele veio com essa linguagem mais picadeiresca, onde é possível colocar como Lady Anne um palhaço vestido de mulher com os peitos de bexiga e uma maquiagem extremamente carregada, com lábios gigantes. Eu acho que o Gabriel faz uso disso de uma forma que torna possível que essas coisas

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dialoguem de forma muito harmônica, de forma complementar. Eu não consigo traduzir exatamente como isso se dá, mas o que eu te digo é que o processo aconteceu de forma muito natural. O Gabriel cria coisas com muita velocidade e ele gosta de ir fazendo sua leitura trabalhando com o grupo. Tem imagens que são do imaginário dele, e outras surgiram do elenco à partir do trabalho com ele. Foi um processo mais vertical, como com o Marcio Aurelio também. Foram dois encenadores muito generosos, mas que têm uma assinatura e dão uma cara característica ao trabalho. O que nós tivemos que fazer foi dialogar a nossa forma de brincar com a forma deles de brincar. E essa linguagem picadeiresca, popular que o Gabriel propõe dialoga com a nossa forma de fazer, e o teatro de rua e a linguagem do clown. Nós somos um grupo tão diverso, com característica peculiares, distintas entre cada um de nós, então é difícil pegar o resultado e categorizar essa mistura musical e de elementos do popular. O Gabriel como diretor consegue juntar isso sem o menor pudor, eu acho que isso é um posicionamento político também.

Edilaine: O Hamlet e o Ricardo III tiveram dois diretores com assinaturas muito

distintas e vocês ainda estão circulando com o Muito Barulho por Quase Nada, que é dirigido em parceria pelo Fernando Yamamoto e o Eduardo Moreira do Galpão. Qual foi a diferença que essas influências trouxeram pro processo de criação e montagem de cenas e, dentro dele, como surgiram as soluções cênicas? Os exemplos que me vêm agora são do Ricardo III porque o Hamlet eu só assisti uma vez! Mas soluções de cena como a morte das crianças, que é representada através de dois cocos, tem também uma música que resume grande parte dos assassinatos... Qual foi a diferença desses processos com vocês trabalhando como grupo e sob a influência desses diversos diretores?

Marco França: Quando a gente trabalha com direção dentro do próprio grupo,

seja com o Fernando ou seja comigo que estou dirigindo agora um outro espetáculo com o grupo, a gente trabalha muito em cima de workshops de improvisação, em cima de um determinado tema. Por exemplo, eu como diretor peço para os atores criarem uma cena pensando no figurino, pensando na música, pensando no espaço, no espaço onde a cena vai acontecer, tendo algo como tema. No O Capitão e a Sereia, por exemplo, que o Fernando dirigiu sozinho, ele pediu que a gente transforme em cena, cada um contando para o

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público, um resumo da história do O Velho e o Mar do Hemingway. Cada ator leu o livro O Velho e o Mar e transmitiu isso em cena, pensou numa proposta de como fazer isso individualmente. Às vezes esses workshops podem ser feitos por um ator sozinho, ou com duas pessoas, três... depende do que o diretor quer. E às vezes o ator já propõe uma cena, uma música e alguma coisa surge à partir desses estímulos. A idéia é que tudo que a gente possa produzir seja através de materiais simples, isso é muito importante para que a gente não caia na retórica. Então muita coisa a gente passa a investir em cima desses exercícios que o ator propõe de forma muito livre, mas conduzido através de uma certa orientação que vem do diretor. Quando há convidados, o Gabriel, por exemplo, pede que a gente faça algumas improvisações dentro de alguma coisa que ele já pensou, que ele já está querendo como solução. E as imagens vêm dele mesmo. No caso das cabeças que surgem dos cocos, têm vários deles colocados numa cruz que tem no cenário, são cabeças, rostos talhados em coco seco, que se encontra em qualquer lugar aqui e vem com cachaça. É muito comum aqui no nordeste. E o Gabriel queria colocar várias dessas cabeças na cena por serem um elemento muito comum que a gente estava ressignificando. A cena da matança aconteceu de uma forma bem curiosa. No terceiro ato da peça, acontecem muitas mortes. Mortes muito complicadas, com personagens que só surgem uma vez mas é uma parte importante para dar característica ao Ricardo como esse vilão que não mede esforços para chegar ao poder. E o Gabriel é um pouco impaciente no que diz respeito à dramaturgia, ele quer o resultado da cena e ele disse: “Eu queria que você botasse todos esses personagens no paredão e fuzilasse!” (risos.) Ele queria todas as mortes da forma mais rápida e simples e aí eu lembrei de uma música de uma romanceira chamada Dona Militana do interior do estado, ela já é falecida. Os romances são histórias cantadas, algumas até histórias bem longas, ibero-americanas e do período medieval e elas têm essa característica da oralidade e são passadas de geração para geração, pras filhas, pras netas. E a Dona Militana cantava um romance chamado Cabeleira, que é a história de um matador que por onde chegava ia matando várias pessoas, mulher, menino... também não media esforços. E eu sou músico também, e trabalho muito com as tradições populares daqui do estado. E a gente teve a oportunidade de estar com Dona Militana nos eventos de cultura popular e eu

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conhecia esse romance que é: “Eu matei um homem, meu pai não gostou, meu pai não gostou. Eu matei dois homens meu pai me ajudou...” Então tem toda uma história que é romance, contada de uma forma cantada, tem vários personagens e ela fazia de uma forma muito interessante, muito incrível. E eu lembrava dessa história e propus pro Gabriel, pro Fernando e pro grupo que a gente adaptasse todas as mortes que acontecem no texto à partir dessa estrutura de romance e o Gabriel disse: “Façam isso e me mostrem.” Então essa cena do terceiro ato foi uma cena que nós criamos, é uma cena que tem muito a nossa cara e que o Gabriel quase não mexeu no resultado. Então nessa cena a gente trabalhou como normalmente trabalha, a gente fez um workshop, teve que adaptar a letra, eu trabalhei a música com os meninos e a gente foi propondo como organizar isso na cena e o Gabriel adorou e acabou ficando. Então o terceiro ato, que é essa cena musical, de forma muito específica mesmo, são cenas distintas mas que tem formas diferentes de trabalhar. Então, de fato, isso varia muito. Normalmente quando vem um encenador ele já propõe um caminho muito mais traçado e a gente desenvolve através desse estímulo ou vem à partir do material que a gente vai propondo ao longo do processo.

Edilaine: Nossa, e aquele começo onde você entra com uma máscara de

porco? Essa cena é muito interessante, incomoda, mas ao mesmo tempo fascina! Cria um encanto pelo personagem e o monólogo de abertura é muito forte também...

Marco França: Isso foi o Gabriel. Ele já chegou com a idéia de pôr um regador

no meio das pernas, e fazer como um cavalo. Ele vai propondo e a gente vai jogando... Eu acho que o Gabriel soube aproveitar cada ator e brincar com as características de cada um do elenco. Eu tenho certeza que se ele fosse montar esse mesmo espetáculo do zero com outro grupo, seria um outro Ricardo III. Por mais que ele tenha uma linguagem que é dele e coisas que ele propõe, com certeza foi potencializado à partir do que ele encontrou no grupo. Mas essa cena de abertura foi concebida pelo Gabriel. A máscara de porco porque o Ricardo III é xingado como javali sanguinário, é chamado de porco e tal e o Gabriel queria brincar com essa máscara que parece um nariz de palhaço. As máscaras de palhaço também, duas atrizes fazem a peça inteira

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com nariz de palhaço e nos espetáculos dele normalmente tem a presença de um palhaço, é uma marca do Gabriel. Essa máscara do porco foi comprada aí na 25 de março, o Gabriel usa muito disso, coisas que estão à mão. São as loucuras dele mesmo! (risos)

Edilaine: Legal! E uma diferença bem extrema entre Hamlet e Ricardo III é que

uma é pro palco e a outra tem linguagem de rua. Que relações isso cria entre o grupo e com a platéia?

Marco França: Isso diferencia bastante. Na rua você tá lidando com o

cachorro, com o bêbado que passa, com carro de som fazendo propaganda, com as coisas mais diversas do lugar mais democrático. As pessoas quando vão para o teatro normalmente se preparam para isso, na rua a gente que se prepara pro evento e muitos que estão lá sem saber o que está acontecendo vão se aproximando e ficam. Por mais que Ricardo III exija uma estrutura e uma preparação anterior, se a gente for entrar numa discussão de teatro de rua ou teatro na rua... é uma discussão complexa e aí acaba vindo aquela pergunta, ‘o que é teatro?’, e tentar responder isso é um tanto quanto complicado, e ao mesmo tempo é muito simples! Deveria ser muito simples... Enfim, a gente tem uma experiência maior com a caixa fechada, teatros convencionais, mas o Capitão e a Sereia a gente já apresentou em espaços alternativos, espaços adaptados e a gente teve uma experiência anterior que foi com A Farsa da Boa Preguiça. A gente fez uma montagem desse texto do Ariano Suassuna em parceria com um grupo de João Pessoa chamado Ser Tão Teatro, a gente fazia na rua, sem microfone, era uma linguagem popular, uma comédia do Ariano. E com o Ricardo III, mesmo com os aparatos tecnológicos, tem toda uma iluminação e a estrutura, traz uma outra relação completamente diferenciada. No teatro de rua a gente se prepara para receber o público e no espaço fechado o público se prepara para receber a gente. O público vai ao teatro, mas na rua, o ator vai à rua que é o espaço de quem passa. A gente tem que ter permissão para estar ali. No teatro convencional tem todas aquelas regras com celular e na rua não tem como exigir isso. Passam pessoas dentro do espaço cênico, já aconteceu várias vezes. Crianças e adultos também que nunca viram teatro na vida e de repente se deparam com aquilo. Então tem essa relação que é muito diferente sim. E pra gente,

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como grupo, tudo isso é ótimo! A gente teve a oportunidade de trabalhar com diretores diferentes, mesmo com mãos firmes e linguagem e propostas mais fechadas, e trabalhamos com direções dentro do próprio grupo numa proposta mais livre, fizemos espetáculos na rua e em teatro, pra gente como grupo ótima isso de poder trabalhar experimentando. Se a gente fosse sempre reproduzir um formato, a gente ficaria estagnado e pra gente não é interessante ficar na mesma forma, é importante dialogar com outras formas de fazer.

Edilaine: O Ricardo III é montado de uma forma muito leve, então a gente se

choca com ele, mas ao mesmo tempo com tantos elementos, a gente se diverte. Enquanto o Hamlet é muito minimalista, e sem elementos de ‘distração’ o foco fica mais no texto e a história acaba mais densa, é um aprofundamento na tragédia. E foram processos seguidos, né? Como foi essa transição?

Marco França: Eu acho que é muito fácil quando se trabalha coletivamente. Eu

acredito no trabalho coletivo, estou no grupo há 14 anos, minha história como ator começa nos Clowns e a minha vida no teatro está no grupo, não tenho nenhuma experiência anterior, e agora tenho trabalhado também com outros grupos, mais como diretor musical, de forma pontual. Mas a minha vida teatral está nos Clowns de Shakespeare, mas é muito comum e a gente precisa cuidar para que isso não aconteça, que o grupo crie determinadas resistências. Coletivamente a gente vai se apoiando e entra numa zona de conforto e é muito fácil isso acabar num formato fechado. A gente tem que burlar isso. A questão da música, por exemplo, que é muito presente no nosso trabalho. A gente gosta de fazer e acho que a gente consegue fazer isso de forma bacana, de forma bem executada. E isso dá um apoio, mas ao mesmo tempo isso pode mascarar alguma deficiência que a gente não queira tocar, que a gente pode estar se protegendo diante daquela coisa. Mas quando o Marcio propõe uma linguagem com “vocês quase não vão tocar e quase não vão cantar”, a defesa cai. A gente não canta nenhuma canção no Hamlet e isso exige de nós um outro lugar, experimentar com outras potencialidades. Inevitavelmente dificuldades vão surgir, e acho que surgiram nesse processo, é um processo revelador e que nos interessa, investigar e enxergar essas deficiências para que a gente possa trabalhá-las. Eu acho que o Hamlet foi um espetáculo que circulou muito pouco e a sensação que fica é que às pessoas às vezes querem

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ver o grupo fazendo aquilo que o grupo faz muito bem, quase que uma reprodução. Mas pro grupo é legal explorar outras possibilidades até pra que a gente possa rever, negar, ter essa experiência e ver que não é pra gente ou decidir investir nisso. Foi um processo bem diferente mesmo e exigiu de nós como atores um outro lugar em relação a interpretação, em relação à palavra shakespeariana, por mais que tenha sido um grande avanço o trabalho de preparação vocal com a Babaya, que começou no Ricardo III e desde então tem sido uma parceira do grupo. Então tem esse lugar onde a gente passa a não ter mais essas muletas e sai da zona de conforto, então a gente precisa de pé no chão, senão a gente se desestabiliza. E eu esperava isso desse encontro com o Marcio especificamente, acho que ele trouxe um equilíbrio muito bem-vindo. Enquanto que e Gabriel, a nossa linguagem em relação à dele é mais... hum, menos...

Edilaine: Menos conflitante?

Marco França: Menos conflitante, talvez. Conflitante no bom sentido da

palavra. O Marcio é uma figura encantadora, incrível e cada encontro com ele foi uma aula. E as fricções que aconteceram entre os dois e o grupo foram muito diferentes, mas os dois trouxeram provocações importantes.

Edilaine: Eu sou fascinada por Shakespeare, mas eu acho uma coisa

extremamente complicada de pôr em cena porque é muito baseado no texto. E as montagens de vocês, embora se utilizem de vários recursos cênicos, ainda têm o texto como base. Como se dá essa relação do ator com o texto, de pôr poesia em diálogo e transformar aquelas palavras que estão super distantes do modo como a gente fala e que são muito líricas como palavras suas?

Marco França: A primeira coisa é encontrar uma boa tradução. No Hamlet, a

gente trabalhou com sete traduções, até chegar na da Anna Amélia (de Queiroz Carneiro de Mendonça), que é a mãe da Bárbara Heliodora. Ela só traduziu dois textos de Shakespeare, que foram o Hamlet e o Ricardo III, e justamente são as duas traduções que a gente usa! E a gente procurou muitas outras, trabalhamos muitas outras. Pra você ter uma idéia, no trabalho com o Marcio a gente foi fazer uma leitura de mesa onde cada um dos atores tinha na mão uma tradução diferente. E a princípio esse era um desejo do Marcio de

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falar dessa esquizofrenia, essa loucura que tá presente no Hamlet, onde quase ninguém se escuta e, ao mesmo tempo, o ouvir por trás das tapeçarias é muito presente. Então tem sempre alguém ouvindo, mas quase ninguém se escuta nessa loucura. E o desejo do Marcio era que cada ator falasse muito solitariamente e gerasse uma coisa bem estranha. Na prática acabou não acontecendo como a gente imaginou na idéia inicial. No entanto a gente fez um trabalho de mesa que era assim, cada ator tinha uma tradução e cada um falava fala por fala da tradução que tinha em mãos. Por exemplo, a primeira fala do Hamlet é “Quem vem lá?”, quem diz é o guarda, o sentinela; aí eu li “Quem vem lá?” e o outro lia a mesma frase como estava na sua tradução, “Quem está lá?”, e outro lia “Quem está vindo?”, então é um processo muito cansativo e a gente leu metade do texto todo assim. “Quem vem lá?”, “Quem está lá?”,“Quem está vindo?”... E foi muito interessante porque a gente foi ouvindo formas diferentes de dizer aquela mesma frase. E aí é que entra essa questão de que nós como atores precisamos conduzir a palavra em função de imagens e cada autor constrói sua poética de uma forma específica. E o Shakespeare... o cara era foda! Um cara incrível. Esse foda você não pode colocar no seu trabalho, põe outra palavra. (risos) Então as traduções são importantíssimas e fundamentais, a gente encontrou traduções extremamente confusas e complicadas durante o processo e muito distantes, quase que não cabiam na boca do ator, era difícil de mastigar como uma carne dura, borrachuda. E outras ajudam, ajuda quando o tradutor conseguiu manter a essência da linguística e da estética shakespeariana facilitando e de forma mais palatável, mais saborosa e de um jeito que nós atores consigamos articular a imagem da construção dessas palavras de uma forma mais gostosa. Eu acho que a escolha da tradução é muito importante. E aí o como é dito, que não é fácil. Como de fato preservar aquilo que o Shakespeare tem pra dizer, e tem muita coisa sendo dita mesmo numa pequena frase. E a Babaya atua na condução desse trabalho da palavra, a construção dessa imagem. E esse trabalho foi pra gente um divisor de águas. Mas sem dúvida alguma, não dá pra você simplesmente comprar na livraria qualquer tradução. Por exemplo, o Carlos Alberto da Costa Nunes, que foi o primeiro cara a traduzir a obra de Shakespeare, há muitos anos atrás. Ele era médico legista, era apaixonado por ler e adorava Shakespeare, só que ele utilizou-se recursos muito mais da

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literatura do que do teatro, então são escolhas de palavras rebuscadas demais. Não servem para ser ditas pelo ator, então é preciso ter mais traduções e às vezes a opção é cruzar uma coisa com outra e ter a liberdade de aproximar um pouco mais da realidade que se queira pontuar. Então a escolha da tradução é algo muito importante.

Edilaine: Como grupo vocês têm têm influências de técnicas de palhaço, mas

não só isso. Eu queria saber sobre quais técnicas você se utiliza, como é o seu treinamento como ator e, se há um treinamento individual, como ele se relaciona com o coletivo?

Marco França: Essa idéia de treinamento hoje está muito mais presente

durante os processos de montagem dos espetáculos. Durante a criação é quando a gente acaba tendo uma certa frequência, mas depois vem o período de produção, execução e circulação. Os espetáculos têm um bom período de vida no repertório do grupo, então hoje a gente não tem um treinamento, o que acontece é que se na montagem a gente se utiliza de um repertório acumulado ao longo da vida do grupo, nos encontros de sala a gente vai traduzindo isso para as necessidades que aquele espetáculo tem. E algumas coisas acabam sendo muito padrão, como por exemplo o uso da música. Acho que o fato de a gente ter música ao vivo em quase todos os espetáculos traz a necessidade de um treinamento musical. Eu sou o diretor musical e acredito muito nisso, na potência do treinamento musical. Tocar, cantar... tem a relação do canto coral que é sobretudo um exercício de coletividade e capilariza todas as outras questões que estão independentes do uso da música em cena, independente de se a gente vai cantar ou não. Isso exige, por exemplo, a escuta e exige uma outra relação de jogo quando eu toco com o outro ou quando eu canto junto com o outro. Na hora em que eu tenho isso no meu corpo e exercito isso na prática, eu posso tirar o instrumento. Se eu não for cantar, mas for falar um texto, eu entendo esses tempos, com a musicalidade no corpo eu não preciso ter um instrumento para executar. Então tem esse treinamento que é uma coisa que está no nosso dia a dia, tocar junto, cantar junto e isso acaba vazando para todas as outras áreas e as outras formas. Então hoje não existe um treinamento padrão, mas existe o trabalho corporal, físico, durante muito tempo a gente trabalhou com base nos procedimentos do movimento porque no início

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a gente teve uma grande influência de referências do teatro antropológico do Eugênio Barba. Foi uma coisa muito importante pra gente, só que com o tempo nós encontramos outras formas que faziam mais sentido pra gente e aquela antiga forma passou a fazer menos sentido. E a gente encontrou a nossa forma muito através do jogo teatral, então o jogo é uma coisa que tá muito presente no nosso dia a dia.

Edilaine: E o grupo passou por um processo de musicalização depois de já

uma década de existência, né?

Marco França: É. A gente começou em 2003, quando o grupo completou 10

anos, foi quando a gente fez o Muito Barulho por Quase Nada, que foi o primeiro espetáculo que a gente trabalhou com música ao vivo.

Edilaine: Eu pesquisei e é difícil encontrar material sobre o começo do grupo.

Eu encontrei as peças, o que estava sendo feito, mas não material para assistir, então eu não tenho essa referência de como era o trabalho antes do Muito Barulho por Quase Nada. Mas você é o diretor musical, então pra você, qual é o papel da música no trabalho atualmente, porque é um dos elementos mais importantes, né?

Marco França: É engraçado que nas últimas peças do grupo, talvez as últimas

três pegando o Hamlet como referência, a gente toca muito pouco em cena. E estamos com um espetáculo pra estrear agora em novembro, em que eu não estou em cena, é o primeiro que eu não estou em cena em 14 anos e nele a gente não tem música ao vivo. No entanto, como o Marcio Aurelio trabalha a questão da palavra, tem a música do espetáculo, a música da movimentação dos atores, dos silêncios, da articulação das falas, enfim, uma série de padrões que a gente pode avaliar em padrões musicais. Eu também sendo diretor musical desejei muito fazer um trabalho de musicalização num espetáculo que não necessariamente teria como resultado o ator tocando em cena. Mesmo que eu tenha uma música externa, uma música mecânica tocando, ainda assim a construção desse pensamento parte de um conhecimento e de uma preparação musical, que eu acho fundamental que o grupo tenha. No momento não sei o quanto o fato de eu não estar em cena nesse espetáculo acaba influenciando, mas a gente não tem essa música com os instrumentos. No

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entanto, o fato de que nessa peça a gente não toca desperta diretamente daquilo de a gente mudar determinadas questões que muitas vezes ficaram escondidas. É muito sedutor usar música ao vivo. Porque é muito potente, é muito forte, só que me interessa investigar outras coisas. De fato o Muito Barulho foi o primeiro espetáculo em que a gente começou a trabalhar a música e é uma coisa que a gente gosta muito de fazer, de experimentar e desenvolver em cena, então isso acaba sendo muito presente diariamente. E pra mim é muito importante que os atores tenham essa consciência musical para que isso possa dialogar com essa forma de fazer mesmo sem que eu preciso me utilizar do recurso do instrumento ou da canção. A música enquanto caminho técnico para a preparação do ator em cena, seja ele tocando para a cena ou não. São bem diferentes e eu acredito que a música é um caminho para essa preparação do ator. O Jean-Jacques Lemêtre do Théâtre du Soleil fala muito disso também e pensa exatamente dessa forma. O ator precisa ter como base, ouvir música e cantar e entender o mecanismo musical e não racionalmente, é entender no corpo. Quando a gente entende no corpo, realiza de uma outra forma e a minha experiência é essa. Eu sou músico antes de ser ator, então minha história com a música é anterior ao teatro e inevitavelmente quando eu comecei a trabalhar como ator, o Muito Barulho foi meu primeiro espetáculo há 11 anos atrás, tudo o que eu tinha era música então eu trouxe esses códigos pra cena traduzidos no corpo, entendendo o teatro como uma outra forma de me manifestar artisticamente. Então a música sempre me conduziu mesmo num texto, eu não preciso estar com um instrumento ou cantando uma canção para pensar musicalmente. E eu tendo conduzir os atores assim nos processos, construir essa musicalização e potencializar isso. Eu acho que todos nós temos isso, todos nós somos seres musicais.

Edilaine: Incrível! A gente falou sobre como Shakespeare é universal e

atemporal e sobre os elementos de cultura popular brasileira no Sua Incelença, Ricardo III e como tudo isso se relaciona para tornar a história contemporânea. E vocês são de Natal e tem um regionalismo forte nas questões da peça, eu imagino que circular com ela pelo Brasil já traga recepções bastante diferentes. Eu sou de São Paulo e quando eu assisto existem elementos que não são comuns para mim, como as cabeças de coco que você disse serem comuns ou

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a música que eu nem sabia que era uma adaptação e não criada pra peça e vocês rodaram com ela pra fora do país também, né? Como é a recepção do público pelo Brasil e fora?

Marco França: É bem diferente mesmo. A gente teve a oportunidade de, um

mês antes da estréia, ir pro interior do estado, num município chamado Acari, que é a terra de Titina (Medeiros), e vizinho à Acari tem uma comunidade pesqueira que fica dentro de um assore, uma comunidade pequena de pessoas que nunca saíram dali, nunca viram teatro e a gente se apresentou lá, o espetáculo não estava pronto ainda, parava no quarto ato que é a cena logo depois do Bohemian Rhapsody, terminou aquela cena e a gente parava ali. A gente queria testar a linguagem, ver como aquilo chegava para aquelas pessoas que nunca tinham visto teatro. E foi surpreendente! Porque é uma história complicada, mesmo pra quem é de teatro é difícil tentar acompanhar. Tem gente que não entende mesmo, outros não querem entender. Os que não querem entender são os que mais entendem, porque são aqueles que compreendem por outras vias que não são necessariamente racionais, como uma criança. E foi incrível a resposta de pessoas que nunca tinham visto teatro e ouvido um texto tão complexo, tem muita gente que entra e sai, foi aquela confusão toda e eles deram depoimentos surpreendentes sobre a forma como eles entendiam aquilo. Me disseram: “sujeito assim que um dia abraça um cabra e no outro manda matar também tem aqui!”. Foi uma tradução muito honesta e muito genuína da palavra a forma como eles entenderam aquilo, e foi surpreendente. No Chile a gente fez em castelhano, então hoje o Ricardo III é bilíngue, a gente tem a versão em português e a versão em espanhol. E foi incrível, coisas muito sutis que aqui funcionavam de um jeito, lá receberam outro entendimento. Eles são bem mais politizados, então do taxista ao varredor, funcionário do hotel em que se está hospedado, os técnicos que estão trabalhando no teatro, das pessoas mais humildes aos mais acadêmicos, todos eles vão conversar sobre a questão social e política do país de uma forma extremamente lúcida. Então lá a gente teve uma resposta completamente diferente do que a gente teve aqui. E mesmo se a gente circula aqui no nordeste, existe um senso de humor que é diferente. O senso de humor do cearense é diferente do senso de humor do paulistano, que é

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diferente do do gaúcho, que é diferente do carioca, então tem essa interferência cultural à partir do que cada um trás e a gente tem respostas muito distintas e isso é muito interessante. É engraçado também, no Muito Barulho tem dois personagens que são opostos e têm essa relação, Benedito e Beatriz. Eu faço o Benedito que é um personagem super bobão, super patético, muito clownesco e tem um humor que é muito mais próximo ao teatro popular, aos grupo de rua que se utilizam dessa linguagem. E a Beatriz tem um humor mais inteligente, é uma personagem muito mais madura com um humor mais racional. E aqui no nordeste, o Benedito funciona muito bem, mas o humor da Beatriz dialoga muito mais com o humor do público de São Paulo, por exemplo. Tem claro uma questão que é cultural, o espetáculo funciona de uma forma no nordeste e outra forma no sudeste, e isso não é melhor nem pior. E é muito bacana ver como uma obra dialoga com olhares tão diversificados.

Edilaine: O grupo tem um planejamento de dois anos à frente, né? Você pode

falar um pouco sobre projetos e direcionamentos futuros e como é o planejamento profissional de um ator de grupo?

Marco França: Essa escolha da condição de estar em grupo faz parte da

nossa condição de existência. Não significa que não existam desejos pessoais e individuais que nem sempre dialogam com o caminho que o grupo tá tomando. Hoje o grupo tá vivendo um projeto muito ligado à questão da América Latina, tem um espetáculo que está sendo produzido ligado à isso e eu estou dirigindo outro, com outra parte do grupo que estréia agora em novembro e toca nas questões da ditadura, só que é um espetáculo para crianças e toca no assunto de uma forma bem divertida, têm sido um processo bem bacana. A idéia é que o César (Ferrario) e a Titina (Medeiros) também vão criar uma peça no ano que vem que é parte desse projeto latino-américa. Tem também o projeto do Rei Lear em parceria com um integrante do Théâtre du Soleil, provavelmente é pra 2016. Então a gente já fez leituras de texto com ele. Esse planejamento é necessário porque a gente tem muitos desejos e muitos sonhos, e precisa organizar isso num espaço de tempo. E outro projeto à média prazo é o projeto de escola, a gente quer efetivar aqui o espaço (o Barracão dos Clowns) como uma escola livre de teatro, para que a gente possa

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colocar em prática as nossas oficinas, que quase todos nós já desenvolvemos e que a idéia e que os nossos parceiros também possam contribuir com esse espaço de escola e as coisas já estão avançando na concretização desse projeto. A gente foi contemplado pelo Itaú Cultural com um piloto projeto dessa escola e eu acho que até 2016, a gente vai conseguir transformar isso em realidade.

Edilaine: Marco, muito obrigada! Eu queria muito fazer essa entrevista, mas

achava que seria muito inacessível. Valeu muito a pena e rendeu até muito mais do que eu estava esperando, foi incrível e eu queria agradecer muitíssimo por você disponibilizar esse tempo pra fazer isso.

Marco França: Foi um prazer! Pra mim é uma maravilha poder falar sobre o

trabalho e revisitar sempre faz com que a gente pense sobre ele de uma outra forma. Então eu adoro conversar sobre isso! E eu acho que esse processo de registro, de criar memória é fundamental pra gente, enquanto fazedores de teatro porque ainda se tem pouca coisa sobre o assunto. Então eu agradeço por ter sido escolhido e foi uma honra para mim!

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