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XIII CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA 29 DE MAIO A 1 DE JUNHO, UFPE, RECIFE (PE)

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29 DE MAIO A 1 DE JUNHO, UFPE, RECIFE (PE)

Grupo de trabalho 4 – Consumo, Sociedade e Ação Coletiva

Consumo como construção de identidades: a moda como forma de expressão Maria Eduarda Araujo Guimarães

Centro Universitário Senac – São Paulo madu@uol.com.br

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Consumo como construção de identidades: a moda como forma de expressão O Consumo como fenômeno da cultura

A forma como o consumo foi analisado pelas ciências sociais ao longo do século 19 e primeiras décadas do século 20 revela que esta forma de atividade humana, presente, em diferentes graus, em todas as sociedades, ainda não foi desvendada o suficiente para que possa ser entendida em toda a sua complexidade.

De fato, na relação que se estabelece entre a produção e o consumo, é ao primeiro que se devotaram os maiores esforços analíticos das ciências sociais nos últimos quase 200 anos.

Entretanto, como pensar a produção sem refletir também sobre a atividade que lhe confere, em última instância, sentido? Produzir o quê e para quem são as

primeiras perguntas que relacionam estes dois conceitos.

A partir das obras de autores como Marx, Weber, Veblen e Simmel, podemos perceber os sinais contraditórios que são atribuídos a essas duas atividades de caráter complementar: a produção aparece como atividade positiva, ligada ao mundo do trabalho, do desenvolvimento científico e tecnológico, além de criar regras para a conduta social. A produção é relativa ao mundo racional. Por outro lado, o consumo é apresentado como uma atividade negativa, resultando em atitudes de desregramento, desperdício, manipulação e emulação, portanto, da ordem da irracionalidade.

Apenas aquilo que fosse o consumo justo e necessário para a sobrevivência seria considerado como atividade legitima em relação aos bens e serviços. Tudo que fosse além disso seria considerado supérfluo, ostentatório e, em alguns momentos da história, pecaminoso.

Do ponto de vista cultural, necessidades básicas são aquelas consideradas legítimas e cujo consumo não nos suscita culpa, pois podem ser justificadas moralmente. As supérfluas, como o próprio nome indica, são dispensáveis e estão associadas ao excesso. Por conseguinte, consumi-las é ilegítimo e requer retóricas e justificativas que as enobreçam e diminuam a nossa culpa. (BARBOSA e CAMPBELL, 2006).

Esta visão colocava o consumo na ordem das decisões individuais, não considerando sua relação com o outro, pois todas as medidas para indicar “necessário” e supérfluo” só podem existir quando culturalmente definidas. O que é necessário para algumas sociedades humanas pode não ser para outra e assim também com relação ao supérfluo. A dimensão cultural do consumo também responsável por essa suposta

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divisão. Essa visão utilitarista do consumo pensa que “a unidade consumidora aja como se as suas decisões de gastar nisto ou naquilo fossem tomadas isolada e de forma independente das decisões de todos os outros consumidores”. (DOUGLAS e ISHERWOOD, 2000, p.85).

As teorias que pensavam o consumo pelo viés utilitarista ou ainda como resultado da emulação e inveja (VEBLEN, 1983), não conseguiam responder ao crescimento do consumo nas últimas décadas do século 20. A necessidade de

sobrevivência estabelecida pela primeira ou a necessidade de se fazer parecer com o outro da segunda, não conseguem responder de forma satisfatória à questão: por que os homens consomem tanto e cada vez mais e, mais ainda, por que a aquisição, pura e simples, de bens não é o centro da atividade de consumo, como podemos perceber pelo descarte cada vez mais rápido de objetos, ao invés de sua acumulação?

Para Baudrillard, a explicação reside no fato de que “não existem limites para as ‘necessidades’ do homem enquanto ser social.” (BAUDRILLARD, 1995, p.64). Para outros autores a explicação pode estar na concepção dos bens como sistema de informações (DOUGLAS E ISHERWOOD, 2004); na relação hedonista que se estabelece entre consumo e desejo (CAMPBELL,2001) ou ainda na possibilidade do consumo como expressão/construção das identidades (CRANE, 2006) e (BARBOSA e CAMPBELL, 2006).

Nesse sentido, o consumo deixa de ser pensado como concernente apenas às necessidades humanas de sobrevivência e começa a ser entendido como referente ao mundo da cultura.

O consumo de produtos e serviços_ este complexo mundo dos bens_ é público e, portanto, retira sua significação, elabora sua ideologia e realiza seu destino na esfera coletiva, existindo como tal por ser algo culturalmente compartilhado.” (DOUGLAS E ISHERWOOD, 2004)

Surpreendentemente, após esse período de quase “esquecimento” por parte das ciências sociais, em que o consumo é entendido principalmente por essas suas características negativas, ele aparece, a partir da segunda metade do século 20, como sendo a principal característica das sociedades contemporâneas (BAUDRILLARD, 1995) e seu principal diferenciador em relação às sociedades passadas.

Os estudos que passam a enfrentar o desafio de tentar entender esse

complexo mundo do consumo, principalmente a partir dos anos 80 do século 20, têm em comum a perspectiva de que o consumo só pode ser compreendido a partir do entendimento de sua dimensão cultural.

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As ciências sociais passam a trabalhar com o conceito de “cultura de consumo”.

Significa enfatizar que o mundo das mercadorias e seus princípios de estruturação são centrais para a compreensão da sociedade contemporânea. Isso envolve um foco duplo: em primeiro lugar, na dimensão cultural da economia, a simbolização e o uso de bens materiais como “comunicadores”, não apenas utilidades; em segundo lugar, na economia dos bens culturais, os princípios de mercado_ oferta, demanda, acumulação de capital, competição e monopolização _ que operam ‘dentro’ da esfera dos estilos de vida, bens culturais e mercadorias. (FEATHERSTONE, 1995)

A partir da perspectiva da relação entre o consumo e a cultura, surge um outro binômio, formado pelos termos consumo e identidade, que também passa a ser objeto dos pensadores que se ocupam das questões relativas ao consumo nas sociedades contemporâneas e uma das formas de entendimento daquilo que seria a motivação para sua realização.

A moda como expressão de identidades e estilos de vida

A discussão sobre identidade sempre esteve presente na relação com o outro, sendo tema preferencial das ciências sociais, em especial da antropologia, que se desenvolvem durante o século 19, momento da história em que o “outro” se apresentava cada vez em maiores quantidades, em razão do processo colonial.

A relação da identidade/alteridade é, portanto, fundamental para a idéia que cada um individualmente faça de si e também para que os grupos se constituam a partir das semelhanças/diferenciações. A construção dessa idéia de identidade, individual ou coletiva, é sempre dada pela cultura.

No que diz respeito a atores sociais, entendo por identidade o processo de construção de significado com base em um atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, o(s) qual(is) prevalece(m) sobre as outras fontes de significado. Para um determinado indivíduo ou ainda um ator coletivo, pode haver identidades múltiplas. No entanto, essa pluralidade é fonte de tensão e contradição tanto na auto-representação quanto na ação social.” (CASTELLS, 1999, p. 22).

O processo de globalização, principalmente a partir dos anos 80 do século 20, com a perda de poder dos estados nacionais, tem como conseqüência, também a

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perda de importância das identidades tradicionais, especialmente aquelas subsumidas à idéia de identidade nacional.

Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos, lugares e imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens da mídia e pelos sistemas de comunicação globalmente interligados, mais as identidades se tornam desvinculadas __ desalojadas __ de tempos, lugares, histórias e tradições específicos parecem "flutuar livremente". Somos confrontados por uma gama de diferentes identidades (cada qual nos fazendo apelos, ou melhor, fazendo apelos a diferentes partes de nós), dentre as quais parece possível fazer uma escolha.” (HALL, 2002).

É nesse contexto de transformação das identidades, cada vez mais provisórias e “em construção”, que o consumo aparece como uma das formas possíveis de expressão dessas identidades. Nesse sentido, aquilo que é consumido diz muito a respeito de cada indivíduo e também do coletivo (grupo, comunidade, movimento cultural) a que ele se reporta a partir das escolhas que faz de bens (materiais ou imateriais) e serviços. A decisão de comprar determinado bem ou serviço é filtrada pelo estilo de vida.

É importante ressaltar que quando se fala que o consumo é forma de

construção da identidade, não é o objeto ou serviço consumido que tem a capacidade de expressar as identidades, mas a escolha desse bem ou serviço, os quais são expressões dessas identidades, ou seja, são a face visível daquilo que é o estilo de vida, considerado aqui como “um conjunto mais ou menos integrado de práticas que um indivíduo abraça, não só porque essas práticas preenchem necessidades

utilitárias, mas porque dão forma material a uma narrativa particular de auto-identidade” (GIDDENS, 2002).

A idéia de que o que realmente é definidor da identidade, quando associamos este conceito ao consumo, é a reação (positiva negativa, indiferente, exacerbada, etc.) diante de algum produto e não a sua mera aquisição.

Que fique bem claro que não estou sugerindo que a identidade deriva de um produto ou serviço consumido, ou que, conforme dizem, as pessoas são aquilo que compram. É evidente que o que compramos diz algo sobre quem somos. Não poderia ser de outra forma. Mas o que estou sugerindo é que o verdadeiro local onde reside a nossa

identidade deve ser encontrado em nossasreações aos produtos e não nos produtos em si.” (BARBOSA e CAMPBELL, 2006).

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A relação consumo/identidade pode também ser pensada a partir da projeção que é feita nos objetos dessas identidades. A partir desse ponto de vista, não somos aquilo que compramos, mas compramos aquilo que somos ou pretendemos ser. “Nas culturas pós-modernas, o consumo é tido como forma de desempenhar papéis, na medida em que os consumidores buscam projetar concepções de identidades que estão constantemente evoluindo.” (CRANE, 2006).

Se o estudo do consumo foi por tanto tempo considerado um assunto de pouca relevância, o consumo de moda ainda mais.

Para Thorstein Veblen (1857-1929), “as mudanças na moda podem ser vistas como corolário do ócio e do consumo conspícuo.” (VEBLEN, 1983). Sua teoria sobre o consumo conspícuo, apresentando o consumo de itens de moda como um ato de desperdício e vaidade, atrelou a esse tema uma “aura” negativa de futilidade e excesso que acompanhou o tema quase até o final do século 20, quando autores importantes como Pierre Bourdieu e Roland Barthes, entre outros, voltaram seus olhos para essa questão.

Georg Simmel (1859-1918) será outro autor a construir uma explicação para o consumo de moda que marcará toda a interpretação deste fenômeno até quase o final do século passado. Para Simmel (1904), a moda era necessariamente uma expressão das classes superiores, que buscava ser copiada pelas classes inferiores formando, nesse movimento de distinção e imitação, aquilo que se conhece hoje como “moda”, com suas mudanças cíclicas. É a emulação_ o desejo de superar ou igualar a outrem_ que criam a dinâmica da moda.

Fashion represents nothing more than one of the many forms of life by the aid of which we seek to combine in uniform spheres of activity the tendency towards social

equalization with the desire for individual differentiation and change." (SIMMEL, 1904) A explicação concebida a partir dessa idéia das classes subalternas

procurando imitar as superiores pode ser vista na perfeita imagem construída por Gilda de Mello e Souza acerca da suposta democracia da moda:

Essa mesma democracia que não estabelece barreiras nítidas entre as classes inventa um novo suplício de Tântalo: permite que as elites usufruam da moda que a classe média persegue sem jamais alcançar e que os pequenos funcionários e todos os parias sociais espiam nas vitrinas com o olhar sequioso.” (SOUZA, 1987).

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A argumentação utilizada para explicar a moda foi o da “busca dos símbolos da distinção, competição de classes, tais são as peças essenciais do paradigma que comanda há mais de um século a explicação da moda.” (LIPOVETKSY, 1989).

Aparentemente recente, a discussão sobre a relação moda e identidade tem sua gênese nas transformações que se iniciam a partir do século 17.

Até o século 17 a relação entre o ser e o parecer era una, pois os códigos do vestir eram conhecidos de todos e não tinham como ser desrespeitados. “O vestuário tinha uma função de comunicação, pois por ele passava a relação de cada um com a comunidade. O traje revelava primeiro a vinculação a um sexo, a uma comunidade, à idade, a um estado, a uma profissão, a uma posição social” (ROCHE, 2000).

Com o crescimento das cidades, principalmente a partir do século 17, e o aumento da circulação das pessoas, tornou-se possível aparentar, utilizando o artifício de usar trajes e acessórios que não correspondessem à identidade real, ser uma pessoa com características diferentes. É a ruptura entre o ser e o parecer.

A partir dessa ruptura, a moda se transformará em veículo para que as identidades possam ser expressas; ainda que por muito tempo os códigos de vestir tenham posto alguns limites à essa expressão. De qualquer modo, iniciava-se um processo que além da distinção e da imitação, tão presentes na moda até a segunda metade do século 20, pois existia a possibilidade da criação de expressões de alguma forma mais livres.

No século 20 a moda se consolidará como veículo transmissão de idéias e ideais, propondo transformações e agindo na sociedade como os outros produtos da cultura, “transformando-se num veículo estético para as experiências sobre o gosto, como um meio político de expressão das dissidências, da revolta e das reformas sociais.” (WILSON, 1989).

A construção das identidades hoje, com suas múltiplas possibilidades,

decorrência da reflexividade da vida social, passa, necessariamente, pela forma com que os indivíduos criam os seus estilos de vida, a moda incluída. Essas questões não estão inseridas na vida apenas dos grupos socialmente mais elevados.

“Estilo de vida” se refere também a decisões tomadas e cursos de ação seguidos em condições de severa limitação material; tais padrões de estilo de vida também podem algumas vezes envolver a rejeição mais ou menos deliberada das formas mais amplamente difundidas de comportamento e consumo” (GIDDENS, 2002).

Quando um jovem da periferia de São Paulo vai a um camelô comprar uma camiseta e escolhe entre a camisa do time de futebol para o qual torce; uma camiseta

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falsificada de uma grife famosa ou uma camiseta com dizeres como “100% Negro”, todas custando os mesmos R$ 10,00, a sua opção é parte do seu estilo de vida, da forma como ele articula o consumo com a expressão da sua identidade.

Construirmos uma identidade como uma narrativa de nós mesmo e para o outro, conforme observa Guillaume Erner (2005) “Ao praticar esse jogo social - escolher um estilo, exibir marcas – o indivíduo satisfaz uma das necessidades essenciais do ser humano: narrar histórias, tanto para si como para os outros”.

Essas escolhas pretendem também contar uma história, a história de cada um, a forma como cada um se vê e quer ser visto no mundo. “Assim, como destacou o filósofo Paul Ricouer, a identidade é inseparável de uma narrativa”. (ERNER, 2005)

Considerado por alguns autores como uma forma de linguagem (SAHLINS, 2003) e entendida a partir de uma sintaxe própria, outros autores vêem a forma de comunicação feita a partir do vestuário como uma outra lógica, mais restrita, do que a da linguagem (MCCRAKEN, 2003), mas todos concordam com a capacidade da moda de comunicação.

A moda que surge e se espalha nas ruas, hoje em grande parte no sentido da periferia para o centro, é fonte para entendimento dessa nova realidade, transformada pelo processo de globalização e também um fenômeno capaz de fazer compreender as articulações do binômio local/global. Ao revelar essas novas identidades e estilos de vida, a moda é um dos produtos da cultura que melhor podem espelhar essas transformações, pois seu caráter não-verbal e a criação de um imediato reconhecimento dessas novas identidades a transformam em um dos produtos da cultura privilegiados para construção de uma reflexão sobre esse tema.

Moda como estratégia para a visibilidade

Não é recente a idéia de usar a moda como forma de comunicação e, mais ainda, como forma de expressar descontentamento ou indignação em relação a situações sociais, culturais ou políticas.

Sempre existiram indivíduos_ nem sempre jovens e ainda menos necessariamente marginais’ _ que se expressassem e se afirmassem através de um estilo, simples pose de traje ou então de um modo de vida global em ruptura com as normas aceitas por sua época, da “elegância”, do “bom gosto” e da “respeitabilidade”. (BOLLON, 1993).

São homens e mulheres que pretendem com sua aparência e estilo de vida contestar os valores de sua época e assim o fazendo, estabelecem uma nova estética

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relativa à sua própria concepção de mundo. Criam aquilo que se pode chamar de “revolta pelo estilo” (BOLLON, 1993).

Entre eles, podemos citar os aqueles que ficaram conhecidos pelo uso do “zoot-suit”. Sua principal característica era o exagero das medidas (calças largas, paletós compridos e de golas enormes, abas grandes nos chapéus). Seus grandes difusores foram os músicos de jazz do negro Harlem nova-iorquino dos anos 40. Durante a Segunda Guerra Mundial, os esforços de todos os norte-americanos era no sentido de economizar, o que preponderava nas roupas do período. Mais de um senador foi à tribuna falar contra os “zoot-suiters” no Congresso norte-americano. Quanto mais o zoot-suit era contestado, mais a população a ele aderia, tornando-se uma mania que irrompeu em todas as classes. Sua mensagem era a do direito ao prazer.

Essa moda chegou à Europa, nesse mesmo período, e surgiram os zazous na França, menos extremos em sua concepção visual. Usado como oposição às

restrições e às idéias de “revolução nacional” estabelecidas pelo governo de ocupação, era também um libelo contra o alistamento militar.

Aderindo ao zoot-suit, os jovens mexicanos da costa leste sofreram

perseguições e a eles foram atribuídos atos violentos. Em pouco tempo, usar um zoot-suit tornara-se sinônimo de pertencer à marginalidade.

Um artista que procurou explorar a relação estabelecida entre os códigos de vestir e a sociedade, a partir de uma ruptura destes, foi o arquiteto e artista plástico Flávio de Carvalho. Em duas ocasiões ele experimentou um comportamento não condizente com as práticas de vestir. Naquela que foi denominada por ele “Experiência n° 2”, realizada em 1931, ele atravessou uma procissão de Corpus Christi, no centro da cidade de São Paulo, usando um chapéu. Foi praticamente linchado pela população, sendo salvo por uma intervenção da polícia.

Em outra experiência, a “Experiência n.º 3”, de 1956, sua atuação foi ainda mais radical em relação aos costumes. Nessa experiência ele apresentou aquilo que ele chamou de”New Look”, um traje masculino composto por um saiote de pregas, uma blusa de nylon de mangas curtas, usado com uma meia do tipo “arrastão” e sandálias de couro. Ele desfilou pelas ruas do centro da cidade de São Paulo, causando extremo espanto em todos que presenciaram sua performance. Segundo ele, a sua proposta era no sentido de criar um traje masculino mais condizente com o clima tropical.

Outro exemplo que podemos identificar de criação de uma estética relativa ao modo de vestir de determinados grupos, é aquela que surge com os cangaceiros.

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Suas vestimentas criavam uma identificação instantânea para aqueles que se encontravam com os membros do cangaço. Eram o seu “cartão de visita”.

Com sua entrada no cangaço, graças aos seus talentos de bordadeira e costureira, e graças também à sua criatividade, Dada foi encarregada de confeccionar as vestimentas de Lampião e de Corisco. Foi ela quem mudou radicalmente os motivos e a confecção de seu guarda-roupa. A partir de 1932, lançou a moda dos motivos bordados em couro branco sobre os chapéus, das flores em tecidos coloridos bordados sobre as bolsas, dos peitorais e dos cinturões largos. Desde então, todos os cangaceiros vestiam-se com esses novos trajes". (JASMIN, 2006).

Nesses três exemplos percebemos que existe uma “batalha” simbólica em relação à aparência, ao modo de vestir, desafiando os códigos vigentes ou criando uma nova forma de se relacionar com a sociedade a partir de uma identidade visual.

Hippies, punks, darks, rockers, funkeiros, membros do movimento hip hop, todos os movimentos culturais, principalmente formado por jovens, que surgiram na segunda metade do século 20, procuraram distinguir-se também pela forma como inovavam em sua aparência, sendo a moda um dos mais importantes itens nesse processo de diferenciação.

Para adolescentes e jovens que não pertencem à força de trabalho, o vestuário é um aspecto da vida que eles podem controlar com relativa facilidade e podem utilizar para afirmar-se a si próprios e sua postura diante do ambiente social. Apropriando-se de estilos existentes e combinando-os de novas maneiras, eles misturam objetos, vestuário e penteados de forma a definir uma identidade que evidencie suas experiências pessoais e a situação de um grupo particular. Em alguns casos, o impulso que cria as identidades subculturais pode ser interpretado como expressão de resistência à cultura dominante. (CRANE, 2006).

Além dessa forma contestadora/diferenciadora, tem chamado a atenção nos últimos anos um outro fenômeno relativo à moda: a estratégia de vários grupos sociais em utilizar o canal de comunicação da moda para tornarem-se mais visíveis, para criar não só essa visibilidade, mas também relações de solidariedade.

Um caso desses pode ser apontado no surgimento de grifes ligadas ao movimento hip hop. Segundo o site da Cufa (Central Única das Favelas) 1 “Não há

dúvidas de que o estilo hip hop constrói uma linguagem que transmite suas idéias, e expressa antes de tudo, atitude. Estaríamos falando então de um 5º elemento da

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cultura hip hop? Sim, a moda é mais um espaço de criação e informação que estamos conquistando aqui no Brasil. Reforçar a identidade, passar a mensagem, marcar posição; assim como o rap, o graffiti, o break e o dj, essas são algumas das funções da moda no hip hop”.

Assim como as outras formas de expressão do hip hop buscam ser uma forma de comunicação “em primeira pessoa”, pois seus agentes pretendem ser os autores do discurso sobre a periferia e a vida dos jovens que nela vivem, na moda também pretendem se expressar de maneira direta e não mais mediada por outras grifes e marcas. Não por acaso, nos Estados Unidos, uma das marcas de maior prestígio ligada ao movimento hip hop é a FUBUS ( For us, By us), nesse mesmo sentido de não ter intermediação no discurso, em ser “para nós, por nós”.

A grife criada pelo escritor Férrez no bairro do Capão Redondo, na zona sul de São Paulo, um dos bairros mais violentos da cidade, tem como objetivo incentivar a produção local. Batizada de 1Dasul, surgiu em 1999 com o intuito de ser uma

resistência através de uma marca de roupas. Em entrevista ao site “Bocada Forte do Hip Hop” 2, Férrez conta que o fato de ser e estar na periferia “Está ai a nossa grande

diferença, não vendemos para outras lojas, a grife é feita para as pessoas de várias periferias, principalmente do extremo, e quem não é, vai ter que comprar aqui, e isso é o que valoriza a marca e o bairro. Eu sempre comparo, quando alguém vai a Santa Catarina, e quer comprar uma lembrança, lá tem uma camiseta escrita “Fui a Paraíba”? Não, porque a valorização é local. Não somos uma marca do Brás, e não queremos ser".

Em Pernambuco, a comunidade do Alto José do Pinho, local de origem, entre outros, do grupo de rap “Faces do Subúrbio”, também acredita na moda como forma de dar visibilidade à comunidade e foi criada a grife “Altofalante”, ligada ao Instituto Vida. Segundo a versão online do jornal “Diário de Pernambuco", de 14 de fevereiro de 20013, “a grife surgiu de um trabalho já desenvolvido no Instituto. Algumas oficinas

trabalham com material reciclado. Há três anos, as atividades acabam com um desfile de fantasia reciclada durante o Carnaval. Deste o primeiro ano, Eduardo Ferreira presta consultoria no desfile. Descoberto o potencial da comunidade para o reciclado, começa-se o projeto de uma futura geração de renda, através da moda e com uma visibilidade artística. A cultura suburbana encontrada na música, na dança, nas artes plásticas, difundida no Alto José do Pinho e na Comunidade Chão de Estrelas, se estenderia para a moda. No entanto, a criatividade não ficaria limitada aos desfiles de Carnaval. A idéia é desenvolver um estilo com raízes na atitude dos jovens dessas

2

http://bocadaforte.uol.com.br. Acesso em 19 de março de 2007.

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comunidades. O estilo suburbano, de atitude. "Com influências do break, do hip hop", explica Eduardo.”

O nome da grife, Altofalante, é bastante representativo da idéia de que a moda pode amplificar as idéias propostas e criar uma visibilidade para grupos sociais e culturais.

Da mesma forma como os membros do movimento hip hop se consideram “porta-vozes” da periferia, a moda feita por esses grupos pode ser considerada uma forma de amplificação dessas idéias, levando-as por toda a parte, já que uma das grandes potencialidades da moda como difusora de idéias é a sua mobilidade.

Projetos que pretendem criar visibilidade para culturas que ainda não têm um espaço assegurado na cultura brasileira também utilizam a moda como forma de comunicação. Entre eles, podemos citar a grife Modaxé, criada pelo Projeto Axé, em Salvador. O Modaxé, utiliza a moda como instrumento de educação, sendo que, segundo seus idealizadores,”o processo educacional que utiliza como instrumento pedagógico a atuação na área da moda, desde o aspecto criativo (estilístico) até os aspectos técnicos de modelagem e costura industrial” e “cada coleção desenvolve 4 temas inspirados na Cultura afro-baiana e brasileira” 4. Pretende, portanto, reforçar a

cultura afro-brasileira através da difusão de seus temas pelas roupas.

A campanha de prevenção do câncer de mama, com os círculos azuis e pretos nas camisetas, ganhou visibilidade e se tornou amplamente conhecida pela difusão das camisetas com seu símbolo. É outro exemplo da utilização da visibilidade

conferida pela moda para difusão de uma solidariedade a um grupo social também à margem, como são os portadores de doenças, servindo também como chamamento à prevenção.

Hoje talvez o exemplo mais conhecido de expressão de um grupo por meio da moda seja o da grife Daspu, do Rio de Janeiro. Criada pela ong (organização não-governamental) Davida, tem como slogan “moda para mudar”. Segundo o site da Davida 5, um de seus objetivos é: “assegurar o protagonismo e a visibilidade social das

profissionais do sexo” e uma das formas mais bem sucedidas foi a criação da grife. Importante destacar também a mudança do discurso de “inclusão” para “visibilidade”, já que o primeiro termo carrega necessariamente uma idéia que o antecede que é o da “exclusão”. Essa suposta “exclusão” estaria referenciada, na verdade, a parâmetros construídos fora do grupo social “a ser incluído” e portanto, seria uma idéia arbitrária, gerada a partir de uma concepção de “estar incluída” relativa ao grupo que quer “incluir” e não do pretenso “incluível”.

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http://ospiti.peacelink.it/zumbi/org/axe/br-moda.html. Acesso em 3 de março de 2006.

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Incluir seria, portanto, trazer para determinado grupo social as mesmas referências de uma parcela da sociedade, a qual se acredita incluída, quando, na verdade, deveria ser criado não um conceito arbitrário de inclusão, mas de acesso, o qual poderia ou não ser escolhido, e visibilidade, fazendo com que as vozes das periferias e de todos os supostos “excluídos” fosse ouvida e sua imagem conhecida.

Creio que a forma mais interessante seria pensar a moda não como caminho de “inclusão”, mas efetivamente como forma de gerar visibilidade e um discurso em “primeira pessoa” para grupos que, sem condições de terem voz em outras instâncias que não a da cultura, mas que não têm acesso às mídias tradicionais, recorrem a uma forma de comunicação eficiente e de grande possibilidade de difusão como é a moda.

REFERÊNCIAS

BAUDRILLARD, J. Sociedade de consumo. Lisboa, Edições 70.

BARBOSA, L. e CAMPBELL, C. Cultura, consumo e identidade. Rio de Janeiro: Editoria FGV, 2006.

BOLLON, P. A moral das máscaras: merveilleux, zazous, dândis, punks, etc. Rio de Janeiro: Rocco, 1993.

CAMPBELL, C. A ética romântica e o espírito do consumismo moderno. Rio de Janeiro: Rocco, 2001.

CASTELLS, M. O poder da identidade. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

CRANE, D. A moda e seu papel social: classe, gênero e identidade das roupas. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2006.

DOUGLAS, M. & ISHWWOOD, B. O mundo dos bens: para uma antropologia do consumo. Rio de Janeiro, Ed. UFRJ, 2004.

ERNER, G. Vítimas da moda? como a criamos, por que a seguimos. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2005.

FEATHERSTONE, M. Cultura de consumo e pós-modernismo. São Paulo: Studio Nobel, 1995.

JASMIN. E.Cangaceiros. São Paulo: Editora Terceiro Nome, 2006.

GIDDENS, A. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002. LIPOVETSKY, G. O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades

modernas. São Paulo, Cia das Letras, 1999.

MCCRAKEN, G. Cultura e consumo: novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e das atividades de consumo. Rio de Janeiro: Mauad, 2003.

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SIMMEL, G. 1904. Fashion. In: JOHNSON, K. P.; TORNTORE, S. J. e EICHER, J. Fashion foundations: early writings on fashion and dress. Oxford/New York: Berg, 2003.

SOUZA, G.M. O espírito das roupas: a moda no século dezenove. Sâo Paulo: Companhia das Letras, 1987.

VEBLEN, T. A teoria da classe ociosa: um estudo econômico das instituições.São Paulo: Abril Cultural, 1983.

WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. 3ª edição. São Paulo: Pioneira, 1983.

Referências

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