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IV Reunião Equatorial de Antropologia XIII Reunião de Antropólogos do Norte e Nordeste 04 a 07 de agosto de 2013 Fortaleza - Ceará

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IV Reunião Equatorial de Antropologia XIII Reunião de Antropólogos do Norte e Nordeste

04 a 07 de agosto de 2013 Fortaleza - Ceará

GT 21 – Migrações, Fronteiras e Projetos de Desenvolvimento

Dilemas da integração entre Brasil e França na fronteira Amapá – Guiana Francesa

José Maria da Silva Jmsilva.mcp@gmail.com

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Dilemas da integração entre Brasil e França na fronteira Amapá – Guiana Francesa

1 Introdução

A mobilidade de pessoas no espaço de fronteira entre os países que formam a Amazônia data pelo menos do século XVII. Essa mobilidade se deu inicialmente no contexto colonial em que os países centrais da Europa buscavam conquistar e colonizar territórios na região do Caribe e na América do Sul. Além do movimento de comerciantes franceses na região da fronteira, especialmente no território entre Oiapoque e o Araguari – que mais adiante, pela ação diplomática, ficou definido como território brasileiro – havia ainda o movimento de indígenas, mocambeiros e escravos fugidos de Caiena (GOMES, 1999: 225-318).

Deste modo, a região que envolve os países amazônicos sulamericanos e o Platô das Guianas foi historicamente um palco de trânsito de pessoas impulsionado por diferentes perspectivas, tais como: fugas de escravos, interesses comerciais, conquistas de terras, fixação de colonos, mobilidades de grupos indígenas, entre outros aspectos.

Desde os anos 60 do século passado constituiu-se um trânsito constante de migrantes brasileiros em direção à Guiana Francesa e o Suriname, atraídos pelas oportunidades de trabalhos. Nos últimos dez anos tem havido uma intensificação nesse fluxo migratório, intensificado a partir da adoção do euro na Europa – e por extensão na Guiana Francesa – e a descoberta de novos garimpos na região. Em geral, são trabalhadores brasileiros que atuam na fronteira de forma ilegal, portanto, considerados clandestinos e por isso são alvos da polícia francesa.

Atualmente a quantidade de brasileiros nas cidades de Caiena e Kourou (Guiana Francesa) é tão expressiva que existem verdadeiros bairros nessas cidades formados predominantemente por brasileiros. Neste artigo analiso as relações cambiantes na fronteira entre Amapá e Guiana Francesa, examinando a formação histórica desse espaço fronteiriço, os períodos críticos de articulação entre Brasil e França pelo domínio do território, bem como de busca de solução de litígios e as políticas de integração. O pano de fundo das questões norteia as relações históricas entre as unidades regionais (Amapá e

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Guiana Francesa) e os Estados nacionais (Brasil e França) são o fluxo de pessoas, levado a efeito através de movimentos migratórios, e a soberania nacional a partir de cada geopolítica adotada.

O Brasil possui uma grande extensão de terras que faz fronteira com outros países da América do Sul, sendo que uma parte dessa extensão situa-se ao norte do país. Fazem parte dessa região, além do Brasil, Colômbia, Peru, Venezuela, Bolívia, Guiana, Suriname e Guiana Francesa. A fronteira com a região do Platô das Guianas é de 2.929 km, sendo que a fronteira entre o estado do Amapá, do lado brasileiro, e a Guiana Francesa, definido como um Departamento Francês de Ultramar, é de 655 km.

2 A fronteira Amapá – Guiana Francesa

Embora haja uma significativa produção de estudos sobre a circulação atual de pessoas na região entre Amapá, Guiana Francesa e Suriname, esse processo é bem mais antigo. Estudos mostram que o trânsito de pessoas nessa região já acontecia nos séculos XVIII e XIX. Ao analisar esse período histórico, Gomes (1999) discorre sobre a mobilidade de escravos em fuga de regimes de escravidão nessa área de fronteira, tanto do Amapá quanto da Guiana Francesa.

Resultado da política de expansão colonial dos países europeus na América, a Guiana Francesa foi conquistada pela França no século XII, com finalidade política, econômica e religiosa (MAM LAM FOUCK, 2002). Passado O período colonial, em 1946 a Guiana Francesa foi definida como Departamento Ultramarino da França e com o tratado de Maastrich passou a ser concebida como um território vinculado à Fronteira Ultra-Periférica da União Européia (CLEAVER, 2007).

Em que pese se falar muito de migração nos dias de hoje, a mobilidade de pessoas de diferentes países na região da Amazônia e no Platô das Guianas data do século XIX, com a importação de trabalhadores indianos, africanos e madeirenses. Mais adiante, na primeira metade do século XX, chegaram na região migrantes antilhanos franceses e britânicos, sírio-libaneses, indonésios, chineses, portugueses madeirenses, árabes, gregos, negros refugiados do Suriname, ameríndios do Brasil e do Suriname e migrantes do Laos. Com o início da construção do Centro Espacial da Guiana,

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em 1965, houve uma nova onda de migrantes em busca de trabalho, oriundos do Brasil, Colômbia, Suriname, Peru, e do Haiti (CLEAVER, 2005: 108-110). Nas três últimas décadas, a Guiana Francesa transformou-se em lugar de destino para imigrantes de vários países, especialmente da América Central e da América do Sul, mas também de outras regiões do mundo, como, por exemplo, os chineses que atualmente dominam uma parte do comércio em Caiena. Com essa formação étnica e transnacional, a Guiana Francesa transformou-se em uma “sociedade da imigração” (CHÉRUBINI, 2002: 16), cuja paisagem sociocultural está em constante mudança.

A cidade de Oiapoque fica a meio caminho na rota da migração para a Guiana Francesa. Para os migrantes, depois de uma longa viagem, o que poderia ser o ponto de chegada é, na verdade, o lugar para uma breve parada e retomada da viagem em busca do lugar destino. Neste sentido, a cidade de Oiapoque é, para o migrante que se dirige às cidades francesas, uma cidade de passagem. O rio é o limite entre as cidades de Oiapoque (Amapá) e de Saint Georges (Guiana Francesa), e a viagem (a travessia do rio) é feita em uma lancha conhecida na região como catraia.

A viagem para a Guiana Francesa pode ser feita de duas formas: de carro pela estrada ou pelo rio através das catraias. As duas formas implicam não apenas modalidades de transportes diferentes, mas acima de tudo na condição de entrada em território francês – com ou sem documento, com ou sem autorização, portanto, legal ou clandestino. A viagem autorizada é feita com passaporte – para quem viaja à Guiana Francesa por breve período – ou portando o documento que permite a permanência em território francês (a carta de séjour). Para entrar legalizado na Guiana Francesa, o brasileiro é obrigado a comprovar residência e emprego no Brasil, assim como informar o endereço em que ficará hospedado no período em que permanecer no território francês. Já para àqueles que não cumprem as exigências de documentos e, portanto, de entrar legalizado na Guiana Francesa, resta arriscar a viagem de forma clandestina, correndo o risco de ser apanhado pela polícia francesa de fronteira.

A frequência de guianenses no comércio de Oiapoque é sazonal, pois depende do valor do euro em relação ao real e à moeda do Suriname; isto faz que com que ora os negócios sejam mais atrativos no Brasil, ora no Suriname.

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Em geral, a cidade de Oiapoque recebe um significativo contingente de pessoas das cidades de Saint Georges e Caiena (Guiana Francesa), especialmente nos finais de semana, quando dirigem-se à cidade brasileira de fronteira para se divertirem. Porém, quando o euro está mais valorizado em relação à moeda brasileira, os guianenses atravessam diariamente o rio Oiapoque para fazerem compras. Há ainda um circuito de turismo realizado pelo francês metropolitano, sendo acionado por agências de viagens da França e da Guiana Francesa. O interesse maior desses turistas não fica circunscrito à área urbana da cidade, e sim para conhecer as áreas de florestas, rios, cachoeiras e, particularmente, fazer excursão no Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque.

Não obstante essa circulação de franceses (regionais e metropolitanos) em Oiapoque, a migração na fronteira é movimentada por brasileiros, tendo em vista que se trata de uma mobilidade com fins de permanência no lugar de destino.

A migração de brasileiros em direção à cidade de Oiapoque é uma aventura em busca de melhores condições de vida, que podemos classificar em dois tipos: atividades de trabalho nas cidades da Guiana Francesa ou a busca do ouro em garimpos da região. A rota do garimpo é extensa, pois abrange desde a vila de Lourenço, em Calçoene (estado do Amapá), até os garimpos da Guina Francesa e do Suriname. Na verdade, há movimentos de brasileiros em busca de garimpo até na Venezuela, em uma longa e perigosa viagem pela extensa fronteira amazônica.

Por causa dos garimpos na região, as referências monetárias na cidade de Oiapoque são o euro, o real e o ouro. O ouro é mais valorizado e cobiçado, em seguida tem-se o euro como moeda de maior valor e, por fim, o real que é a moeda de referência para o país. Contudo, o câmbio e os negócios nessa cidade de fronteira são ativados pelas duas moedas e o ouro. “Na prática, a circulação do ouro e do euro é, em grande medida, responsável pela dinâmica do mercado local, inclusive elevando os preços das mercadorias” (SILVA, 2005: 281).

A movimentação diária de migrantes na cidade de Oiapoque, na busca em atravessar o rio em direção à Guiana Francesa, é explicada em parte por causa dos garimpos, mas sobretudo por um aspecto que singulariza

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historicamente o constante interesse nessa região: a representação que se construiu em torno da Guiana Francesa, como sendo um pedaço da Europa na América do Sul. Essa ideologia se constituiu em dois momentos da história regional e da interação dos brasileiros com os franceses locais: o primeiro momento se deu a partir da década de 60 do século passado, com a construção da base de lançamento de foguetes na cidade de Kourou, que proporcionou a oferta de oportunidades de trabalho na construção civil. Foi o momento também do primeiro grande movimento migratório para a Guiana Francesa, tendo como destino a cidade de Kourou. Por três décadas, então, tratava-se de alcançar um pedaço da França, bem como a atração do franco como moeda mais valorizada que a brasileira.

O segundo momento de constituição dessa ideologia se deu nos anos 1990 e 2000, coincidente com a formação do Mercado Comum Europeu, da Europa como um bloco político e econômico e da criação do euro como moeda regional da comunidade européia. Este fato permitiu a consolidação de uma representação dominante sobre a Guiana Francesa, ou seja, de que era não apenas um pedaço da Europa na Amazônia, mas, muito mais que isso, o fato de que o Amapá seria o único estado brasileiro a fazer fronteira com essa parte da Europa e que, neste sentido, seria o corredor natural para uma efetiva ligação do Brasil com aquele continente. Esta representação foi sendo construída como uma poderosa fábula, que por sua vez implicou, por um lado, em esperanças para os imigrantes desses novos tempos e, por outro, em ações práticas nas relações entre os governos, como analiso mais adiante. Deste modo, a Guiana Francesa se tornou um espaço geográfico atrativo para imigrantes brasileiros, mas também de outros lugares, por isso constituiu-se ali uma sociedade transnacional.

Os aspectos que concretamente fazem da Guiana Francesa um lugar de atração para migrantes – uma espécie de eldorado (POLICE, 2010) – são: as oportunidades de trabalho, a busca do ouro nos garimpos, a possibilidade de adquirir cidadania francesa, o acesso aos benefícios do Estado de bem-estar social e uma moeda mais valorizada que o real. No caso da moeda, o câmbio do euro no Brasil proporciona um valor considerável – o lucro da empresa migratória –, que o migrante destina para investimentos nos lugares de origem

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(sustento da família, aquisição da casa própria ou para investir em algum negócio).

4 Estados nacionais e a política de integração

E os brasileiros como vivem e como são percebidos na Guiana Francesa? Como se dá a inserção do brasileiro em território francês?

Como afirmei antes, o brasileiro segue uma verdadeira odisséia na travessia para o território guianense, como comunidade de destino, com a finalidade de melhorar de vida. Sua inserção se dá em duas dimensões: nos garimpos em busca de ouro ou como mão-de-obra nas cidades da Guiana Francesa. As modalidades de trabalho situam-se em geral nas atividades consideradas inferiores e de baixa remuneração, tais como na construção civil (pedreiro, carpinteiro, ajudante e servente de obra), no comércio e em atividades domésticas (normalmente ocupações para as mulheres).

A baixa escolaridade dos brasileiros é um fator que explica, em parte, porque são integrados no mercado de trabalho nas atividades mais inferiores da divisão social do trabalho local. Porém, existe um outro fator determinante nesse processo de assimilação dos brasileiros na Guiana Francesa, qual seja: a entrada na condição de clandestinos, portanto, à margem da lei daquele departamento francês. Atualmente calcula-se que vivem na Guiana Francesa cerca de 20 mil legalizados e mais uns 20 mil clandestinos. O processo de legalização requer, às vezes, anos de espera e alguns critérios, o que significa dizer que boa parte dos brasileiros atualmente legalizados, quando entraram na Guiana o fizeram como clandestinos. E os que vivem hoje naquele território de forma ilegal têm a esperança de uma dia tornarem-se legalizados.

A imagem do brasileiro no território francês é associada a aspectos negativos, tais como migrantes e garimpeiros clandestinos, roubo de veículos e de outros objetos, prostituição, tráfico de drogas, contrabando de mercadorias diversas para o interior da Guiana (sobretudo alimentos), trabalhadores que subtraem as oportunidades de trabalho para os “verdadeiros” guianenses e pessoas que criaram áreas pobres em bairros de periferia, ou seja, a favelização de áreas periféricas das cidades de Caiena e Kourou. Portanto, representam a horda guianense, vista sob o prisma da invasão.

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A migração constante de brasileiros para a Guiana Francesa, através do estado do Amapá, cria uma mobilidade populacional na região de fronteira e com isso força os dois países – Brasil e França – a encararem os problemas e adotarem medidas para resolvê-los. É nesse contexto que criou-se nos últimos dez anos um campo de atuação política, diplomática e paradiplomática entre representantes dos dois Estados nacionais, através de comissões, encontros diplomáticos e reuniões periódicas.

Existem quatro níveis de interlocuções e relações no espaço internacional e transnacional da fronteira comum entre Amapá e Guiana Francesa, quais sejam:

i) o nível das populações locais: neste nível tem-se o trânsito das pessoas (migrantes ou pessoas de passagem) no espaço ampliado da fronteira, o qual delimita-se não somente em um lado do rio (em um único país). São migrantes oriundos de vários locais do Brasil, os moradores da cidade de Oiapoque, os grupos indígenas e a população guianense. Para as pessoas que se movem de um lado a outro da fronteira, os limites nacionais são, na maioria das vezes, de pouca relevância. Aqui, há um nível de integração por meio do contato direto em diferentes formas das relações sociais e atividades – trabalho, saúde, educação, negócios, turismo, relações sentimentais, atividades comerciais, divertimentos etc.;

ii) o nível dos governos das cidades gêmeas: neste nível, há uma interlocução entre as prefeituras das cidades de Oiapoque e Saint Georges, buscando dirimir problemas que afetam o cotidiano das duas cidades e que muitas vezes não chegam ao conhecimento das autoridades regionais e nacionais. Um exemplo são os atendimentos médicos a pacientes brasileiros realizados na cidade de Saint Georges;

iii) o nível regional, representado pelos governos do Amapá e da Guiana Francesa: este nível envolve governadores e políticos do estado do Amapá e da Guiana Francesa. Periodicamente há reuniões e encontros regionais, com pautas específicas e de interesse dos dois governos. Pelo lado do Amapá, é preciso distinguir a atuação de dois atores: o governo e o parlamento. O governo articula acordos e cooperações em assuntos como educação, saúde, esportes, turismo, meio ambiente, intercâmbios, participação em feiras em ambos os lados. Por sua vez, os parlamentares das esferas federal e estadual

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se mobilizam para fazer pressão política e resolver problemas específicos sobre o trânsito de migrantes para a Guiana Francesa, particularmente com críticas sobre a política francesa de combate à migração ilegal e pressões para a flexibilização da legislação francesa voltada à entrada de pessoas em território francês. Por vezes os parlamentares federais e estaduais se unem em torno dos problemas emergentes na fronteira e reúnem no Ministério das Relações Exteriores e na Embaixada da França no Brasil. As demandas principais dos parlamentares são direcionadas para equacionar o tratamento repressivo aos brasileiros na Guiana Francesa, a implantação de uma representação do consulado brasileiro na fronteira, diminuição da burocracia para concessão do visto de entrada na Guiana e criação de oportunidades de trabalho. Na verdade, a intenção maior dos parlamentares é no sentido de que houvesse efetivamente uma flexibilização na legislação francesa para que os brasileiros não sofressem perseguição policial, com expulsão de volta ao país, como tem sido atualmente.

iv) o nível dos Estados nacionais – Brasil e França: neste nível tem-se a atuação da diplomacia formal dos dois países, dialogando com base na legislação de cada Estado e os acordos entre ambos. Aqui podemos distinguir dois planos de interesses constituídos de maneira dialética: de um lado, procura-se preservar a legislação e os interesses de cada Estado nacional; de outro, existem os interesses regionais, que muitas vezes estão em desacordo com aqueles definidos dos Estados. Deste modo, sobrepõem-se os interesses dos Estados sobre os regionais e locais, sobretudo para a manutenção das “boas relações” diplomáticas estabelecidas. Destarte, os interesses regionais e locais não podem se sobrepor, de acordo com essa ideologia, à convivência harmoniosa entre os países. Enfim, é o Estado nacional que se impõe!

Ainda no âmbito das relações entre os Estados nacionais, pode-se identificar um histórico de convenções e acordos assinados entre Brasil e França e como esses protocolos são instrumentalizados para dar conta dos interesses nacionais e regionais ao mesmo tempo.

Em 1996, Brasil e França assinaram o Acordo Quadro de Cooperação visando o desenvolvimento da cooperação econômica, cultural, científica e técnica. O artigo 6º do referido acordo propõe a realização de consultas para o “favorecimento da cooperação transfronteiriça em todos os domínios de

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interesse comum” (MRE), ou seja, uma agenda específica para tratar das questões de interesse da região de fronteira nos limites entre Amapá e Guiana Francesa. Os encontros ganharam fórum específico que passou a se chamar Reunião da Comissão Mista de Cooperação Transfronteiriça. Trata-se de uma reunião realizada anualmente, sob a coordenação do Ministério das Relações Exteriores e de representantes diplomáticos de ambos os países, tendo a participação de políticos e governantes das duas unidades da fronteira (Amapá e Guiana Francesa).

As reuniões da Comissão Transfronteiriça são realizadas com base em uma pauta previamente estabelecida em encontros preparatórios. Os assuntos abordados nessas reuniões são referentes ao combate às atividades consideradas ilegais e dirimir questões visando ampliar as possibilidades de integração no plano formal. Os temas mais debatidos e às vezes objeto de acordos específicos são: infraestrutura de transporte e integração, cooperação na área de segurança e ações conjuntas de combate às atividades consideradas ilícitas, relações econômicas entre Amapá e Guiana Francesa, educação, cultura, esportes, meio ambiente, saúde e diversos outros assuntos. O tema mais polêmico dessas reuniões é, sem dúvida, sobre o migrante clandestino e o combate à exploração de ouro em garimpos.

Algumas ações são realizadas, no entanto, a maioria das propostas não passa de intenções. Entre tantas ações propostas, uma de grandes dimensões e alto custo está sendo concretizada: a construção de uma ponte sobre o rio Oiapoque para fazer ligação entre as cidades de Oiapoque e Saint Georges. Essa é um exemplo dos interesses distintos entre os dois lados da fronteira: o governo, os empresários e parte da população do Amapá sempre desejaram que a ponte fosse viabilizada e alimentam a esperança de que a mesma possibilite um corredor de integração entre Amapá e Guiana Francesa. Com a construção da ponte aprofundou-se a idéia de que o Brasil, através do Amapá, estaria definitivamente ligado à comunidade européia. A integração com a Guiana, aliado ao porto do município de Santana (Amapá), possibilitaria a criação de um corredor de ligação e exportação para o Mercado Comum Europeu. Seria, enfim, a integração Norte-Sul.

Ao contrário do ufanismo do lado brasileiro, os franceses demonstraram por diversas vezes nas reuniões que antecederam a licitação da obra, que não

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tinham interesse na construção da ponte. E quando mudaram de ideia, assimilaram a possibilidade de construção da ponte não para ampliar o fluxo de pessoas entre os territórios francês e brasileiro, mas, diferentemente, como um instrumento que possibilitará maior controle no trânsito de pessoas.

5 Região, nação e a geopolítica de fronteira no século XXI

O território de fronteira entre Amapá e Guiana Francesa é amplo, complexo e multifacetado. A visibilidade desse espaço na mídia deve-se ao fluxo de migrantes que chegam e partem da cidade de Oiapoque em busca de “melhorar de vida”. Podemos vislumbrar nessa viagem a atualização do mito da terra prometida. Porém, a fronteira é muito mais diversa e abrangente do que o movimento dos migrantes. Há uma diferenciada população vivendo nos dois lados do rio, muitos dos quais não conheciam limites, pois ambos os lados eram um só espaço – o espaço vivido. Do lado brasileiro, além dos migrantes que fazem de Oiapoque uma cidade de passagem, vivem ali os nascidos na região, os migrantes que permanecem e assim transformam Oiapoque em cidade destino, e quatro etnias indígenas – Galibi Kali’na, Galibi Marworno, Karipuna e Palikur. Estes, mesmo tendo presença na área urbana da cidade, são invisibilizados quando se fala em fronteira e nas políticas públicas para a região.

Pode-se afirmar também que a fronteira é um lugar de discurso (ou de discursos) que mobiliza forças políticas e administrativas. E enquanto locus de discurso pode ser apropriado para performances políticas. Vejamos um exemplo.

No dia 11 de fevereiro de 2008, os presidentes Luis Inácio Lula da Silva (Brasil) e Nicolas Sarkozy (França) fizeram um encontro apoteótico na fronteira, para selar o acordo e a decisão dos dois chefes de Estado de construção da ponte binacional que proporcionaria a integração entre Brasil e França, logo, entre as unidades regionais Amapá e Guiana Francesa. Se já havia um imaginário ufanista sobre a esperança de um dia essa integração se concretizar, o encontro foi um marco. Os dois presidentes se encontraram na cidade de Saint George, o que implicou no deslocamento do presidente brasileiro até o território francês. O encontro não era casual e fortuito, pois

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reunia dois chefes de Estado, e para isso foi montada uma grande operação de segurança e de mídia para dar visibilidade ao evento.

Um fato pouco divulgado na imprensa nacional (quase ofuscado) foi o mote do encontro entre os presidentes Lula e Sarkozy: a discussão sobre a entrada do Brasil no Conselho de Segurança da ONU, que estava sendo reivindicada pelo governo brasileiro e defendida pelo presidente da França. No jogo estavam a necessidade do Brasil de instrumentalizar e assim modernizar as forças armadas, com aquisição de submarinos e caças de guerra. Alguns dias depois do encontro na fronteira entre Amapá e Guiana Francesa, o ministro da defesa do Brasil viajou à França para continuar as conversações.

Região e nação se confundem em termos de territorialidade. Neste sentido, podem-se conformar os interesses locais com os interesses nacionais, e os eventos, enquanto rituais, são apropriados a esse fim. Quando o evento passa, nação e região sincronizam apenas o espaço geopolítico; o cotidiano, os problemas e os interesses locais serão tão somente locais. Assim, as esferas locais, regionais, nacionais e globais são cambiantes e instrumentalizadas; confluem-se em determinados momentos, mas também podem ficar separadas.

Outro aspecto que relevante para uma análise da fronteira entre Amapá e Guiana Francesa é a superposição de territorialidades em um caleidoscópio que torna complexo o sentido de pertencimento e as identidades. As razões dessa complexidade situam-se nos interesses e significados que se impõem ao processo de integração entre os Estados nacionais. As questões podem ser vislumbradas a partir dos domínios territoriais e geopolíticos de referências dos Estados nacionais, com seus interesses, posições e articulações, assim como pela inserção das unidades locais nesses territórios. Esses domínios definem-se pela posição de cada país e o espaço geográfico em jogo. São várias dimensões, que podemos ilustrar da seguinte forma:

Estado-nação: Brasil / França

Estados locais: Amapá / Guiana Francesa Cidades-gêmeas: Oiapoque / Saint-Georges Regiões: Amazônia / Platô das Guianas Continente: América do Sul / Europa

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O esquema acima não pode ser considerado linear, pois tem outras variáveis como, por exemplo, o fato da Guiana Francesa pertencer aos dois espaços regionais (Amazônia e Platô das Guianas) e aos dois espaços continentais (América do Sul e Europa). Geograficamente está situada no continente americano, no entanto, como Departamento Ultramarino da França tem vínculos político, administrativo, financeiro e cultural com a metrópole européia. A legislação que rege a estrutura administrativa e comercial da Guiana Francesa, bem como a política de migração na fronteira com os países da América do Sul, está diretamente vinculada à França e à Europa.

Outro aspecto são as políticas dos Estados nacionais, no que concerne à formação de blocos políticos regionais, as alianças e interesses. O Brasil tem demonstrado interesse em aprofundar suas relações com os demais países da América do Sul, a partir da formação do Mercosul, enquanto a França restringe seu interesse como membro do Mercado Comum Europeu. Granger (2011) ressalta que a Guiana Francesa vive o parodoxo de pertencer a dois continentes e a consequência disso é o isolamento na região quando da formação de blocos, especialmente da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL). Segundo ele, se por um lado a integração continental não avança, tornando “a continentalização incompleta” (GRANGER, 2011: 88), por outro lado, há que se reconhecer os avanços em uma integração lenta por meio dos acordos de cooperação. Alguns resultados dessa integração podem ser exemplificados com as reuniões da Comissão Transfronteiriça, que reúne agentes dos governos brasileiros e franceses todos os anos – incluindo a participação de atores regionais e não apenas de representantes das diplomacias dos dois países –, e com os acordos e protocolos assinados e implementados na região de fronteira.

Portanto, podemos concluir que a fronteira entre Amapá e Guiana Francesa é herdeira do processo colonial que inicialmente envolveu duas nações européias – Portugal e França – em disputa por grandes espaços territoriais na América do Sul e que, malgrado as transformações ocorridas nos séculos XIX e XX e com isso as reconfigurações na geopolítica mundial, trata-se de um espaço ainda preso às relações entre metrópole e colônia, os interesses e relações divergentes na geopolítica dos Estados nacionais e na relação destes com suas unidades. Tais fatos proporcionam uma

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especificidade na geopolítica amazônica, assim como na concepção complexa de fronteira vivida na prática entre as populações regionais.

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Referências

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