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A vedação à suspensão condicional da pena e à progressão de regime no crime de deserção: uma leitura sob o prisma

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Academic year: 2018

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COORDENAÇÃO DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E MONOGRAFIA JURÍDICA

BRUNO NAYRO DE ANDRADE MIRANDA

A VEDAÇÃO À SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA E À PROGRESSÃO DE REGIME NO CRIME DE DESERÇÃO: UMA LEITURA SOB O PRISMA

CONSTITUCIONAL

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A VEDAÇÃO À SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA E À PROGRESSÃO DE REGIME NO CRIME DE DESERÇÃO: UMA LEITURA SOB O PRISMA

CONSTITUCIONAL

Monografia apresentada ao curso de Direito da Universidade Federal do Ceará como requisito para obtenção do grau de bacharel.

Orientador: Prof. Francisco de Araújo Macedo Filho.

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A VEDAÇÃO À SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA E À PROGRESSÃO DE REGIME NO CRIME DE DESERÇÃO: UMA LEITURA SOB O PRISMA

CONSTITUCIONAL

Monografia apresentada ao curso de Direito da Universidade Federal do Ceará como requisito para obtenção do grau de bacharel.

Aprovada em / /

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________ Prof. Francisco de Araújo Macedo Filho (Orientador)

Universidade Federal do Ceará-UFC

______________________________________________ Prof. Ms. Marcelo Lopes Barroso

Universidade de Fortaleza-UNIFOR

_______________________________________________ Prof. Dr. Samuel Miranda Arruda

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Dedico o presente trabalho a diversos seres, sem os quais ele não teria logrado êxito:

A Deus, pelo dom da vida e pela presença diuturna, a qual não me permite fraquejar.

A meus pais, pelo amor e pelo zelo que me dedicaram desde o meu nascimento até hoje.

A meus irmãos, pelo amor fraterno, pela convivência deliciosa, pelas brigas salutares.

A meu avô, pela sua simplicidade e por sua sabedoria profunda de homem analfabeto.

A minhas avós, pelas alegrias proporcionadas nos raros momentos de férias.

A minha ex-namorada, que muito me ajudou e me apoiou desde o início da faculdade.

A meus primos e primas, pelas gargalhadas e pelas amáveis horas de convívio partilhadas.

A meus tios e tias, pelo simples fato de existirem.

A meu falecido tio Adonilde, cuja ausência física não impede a presença espiritual.

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da faculdade, os quais me ensinaram o pouco que hoje sei.

Aos cachorrinhos Maguila, Chocolate, Reck e Bob, cujas mortes não apagam a saudade.

Ao cachorro Tody, cujas brincadeiras poupam comentários adicionais.

A minha gata Preta, pelos mios enjoados e pela convivência no ano solitário de 2007.

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O Código Penal Militar veda, em seu art. 88, II, a, a suspensão condicional da pena ao condenado pelo crime militar de deserção. Ademais, a progressão de regime é descabida na caserna, em face da inaplicabilidade da Lei de Execução Penal no âmbito castrense. A primeira viola os princípios constitucionais da isonomia, da razoabilidade e da proporcionalidade, ao passo que a segunda atenta contra os princípios da dignidade da pessoa humana, da isonomia, da individualização e da humanização da pena. Tais vedações são incompatíveis com a Carta Política de 1988, razão pela qual deve ser declarada a não recepção ou a revogação de seus dispositivos em face da nova ordem constitucional erigida sob os auspícios da Constituição Cidadã de 1988, seja em sede de controle difuso de constitucionalidade, seja em sede de controle concentrado de constitucionalidade por via da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental.

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The Military Penal Code prohibits, at art. 88, II, a, the conditional suspension of the penalty to the individuals convicted by the felony of military desertion. Furthermore, the regime progression is forbidden at barracks, due to the inapplicability of the Criminal Law to military causes. The first forbiddance violates some constitutional principles, such as isonomy, reasonability and proportionality, while the second one attemps more directly against some fundamental values as the dignity of the human being, isonomy and penalty's individualization and humanization. Such impediments are incompatible with 1988 Political Letter, reason why it should be declared the non reception or revocation of its dispositions on behalf of the new constitutional order set up by the influence of The 1988 Citizen Constitution, concerning spread control of constitutionality or even concentrated control of constitutionality through Action of Fundamental Precept Disobedience.

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Le Code Pénal Militaire interdit, dans l'article 88, II, a, la suspension conditionnelle de la peine au condamné pour le crime militaire de desertion. Em plus, la progression de régime est déplacée dans l'armée, à cause de l'inapplicabilité de la Loi d'Exécution Pénal à la sphère militaire. La première viole les principes de l'isonomie, raisonnabilité et proportionnalité, à mesure que la deuxième enfreigne les principes de la dignité de la personne humaine, de l'isonomie, de l'individualization et de l'humanization de la peine. Cettes interdictions sont incompatibles avec la Lettre Politique de 1988, raison pour laquelle cela doit être déclarée la non réception ou la révocation de ses dispositives face au nouvel ordre constitutionnel érigé selon l'influence de la Constitution Citoyenne de 1988, soit dans la siège du contrôle diffuse, soit dans la sphère du contrôle concentré de constitutionnalité à travers de l'Action de Désobéissance de Precept Fondamental.

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1. Introdução...12

2. Capítulo 1 Crime Militar de Deserção- Antecedentes Históricos e Classificação...14

2.1. Antecedentes Históricos...14

2.2. Classificação do Crime Militar de Deserção...15

3. Capítulo 2 Princípios Constitucionais Relativos ao Tema...20

3.1. Princípio da Reserva Legal...20

3.2. Princípio da Intervenção Mínima...24

3.3. Princípio da Lesividade...24

3.4. Princípio da Adequação Social...26

3.5. Princípio da Fragmentariedade...27

3.6. Princípio da Insignificância...27

3.7. Princípio da Individualização da Pena...29

3.8. Princípio da Proporcionalidade...32

3.9. Princípio da Responsabilidade Pessoal...34

3.10. Princípio da Limitação das Penas...35

3.11. Princípio da Culpabilidade...38

4. Capítulo 3 A Suspensão Condicional da Pena e a Progressão de Regime...43

4.1. A Suspensão Condicional da Pena...43

4.2. A Progressão de Regime...47

5. Capítulo 4 A Vedação à Suspensão Condicional da Pena e à Progressão de Regime no Crime de Deserção: Uma Leitura sob o Prisma Constitucional...53

5.1. Incompatibilidade entre o art. 88, II, a, do Código Penal Militar e a Carta Magna de 1988...53

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INTRODUÇÃO

O direito penal militar e o direito processual penal militar, ao contrário de seus irmãos civis, não sofrem tanta influência dos influxos constitucionais, talvez devido à época em que o decreto-lei n° 1001/69 foi editado: 21 de outubro de 1969, um dos momentos áureos do regime militar.

É que o modelo de supremacia da Constituição, arquitetado por Adolf Merkel e divulgado por Hans Kelsen, parece não superar o bloqueio invisível imposto pelas duas disciplinas castrenses e o óbice real representado pelos muros da caserna.

De fato, as garantias constitucionais afetas ao direito penal e processual penal comum são implementadas nos feitos criminais militares a duras penas.

Não é rara a ocasião em que garantias mínimas, como a individualização da pena e a progressão de regime, são desconsideradas quando da aplicação das sanções penais na esfera castrense.

No que toca à metodologia utilizada na consecução do presente trabalho monográfico, valemo-nos do cotejo de fontes doutrinárias e jurisprudenciais, seja em livros, seja na internet, bem como de indagações a expertos da seara do direito castrense.

O primeiro capítulo deste Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) traça um bosquejo histórico da Justiça Militar da União e procede à classificação doutrinária do crime de deserção.

O segundo, a seu turno, expende considerações a respeito de princípios correlatos à temática abordada na monografia.

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Já o quarto constitui o cerce do trabalho monográfico: nele, a inaplicabilidade dos mencionados institutos ao condenado por deserção é analisada sob a ótica constitucional.

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CAPÍTULO 1 CRIME MILITAR DE DESERÇÃO- ANTECEDENTES HISTÓRICOS E CLASSIFICAÇÃO

1.1. ANTECENTES HISTÓRICOS

Inicialmente, tracemos um escorço histórico da Justiça Militar da União no país, vertente do Poder Judiciário sobre a qual ocupar-nos-emos.

O Superior Tribunal Militar e, por extensão, a Justiça Militar Brasileira, foi criado em 1° de abril de 1808, por alvará com força de lei, assinado pelo Príncipe-Regente D. João, com a denominação de Conselho Supremo Militar e de Justiça. É, portanto, o mais antigo tribunal superior do país.

Durante o império e o início da fase republicana, foi presidido pelos Governantes, isto é, D. João VI, Dom Pedro I, D. Pedro II, Marechal Deodoro e Marechal Floriano. Somente em 18 de julho de 1893, por força do decreto legislativo n° 149, a Presidência do novel Supremo Tribunal Militar, denominação que substituiu o imperial Conselho Supremo Militar e de Justiça, principiou a ser exercida por membros da própria Corte, eleitos por seus pares.

Ressalte-se que apenas houve mudança na denominação do Tribunal, pois foram mantidos todos os componentes do antigo Conselho Supremo Militar e de Justiça, despojados de seus títulos nobiliárquicos, e denominados, genericamente, Ministros.

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1.2. CLASSIFICAÇÃO DO CRIME MILITAR DE DESERÇÃO

Antes de procedermos à classificação do delito de deserção, transcrevemos o

nomen juris e os preceitos penais primário e secundário insculpidos no art. 187 do Código Penal Militar.

Deserção

Art. 187. Ausentar-se o militar, sem licença, da unidade em que serve, ou do lugar em que deve permanecer, por mais de oito dias:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos; se oficial, a pena é agravada.

O crime de deserção é considerado delito omissivo próprio. Omissivo, uma vez que a conduta antijurídica resulta de um non facere: a ausência do militar, sem autorização ou licença, do lugar em que serve, em que deve permanecer. E próprio, uma vez que decorre da pura omissão do militar, perfazendo-se com a simples abstenção da realização de um ato: a ida ou permanência na unidade em que deve servir.

Ademais, o delito de deserção é unissubsistente, ou seja, não admite a tentativa, uma vez que o fracionamento de seu iter criminis não é possível, diferentemente do que sucede nos crimes plurissubsistentes, a exemplo do crime de roubo, no qual a tentativa é possível.

Destarte, é um crime de ação penal pública incondicionada, dado que a titularidade da ação penal é do Ministério Público Militar (MPM), e o seu exercício independe da representação de quem quer seja, diferenciando-se, assim, da ação penal pública condicionada, cujo exercício é condicionado à representação da vítima ou à requisição do Comandante da Força Armada ou do Ministro da Defesa, e dos crimes de ação penal privada, na qual o jus persequendi estatal apenas pode ser deflagrado com a oferta de queixa pelo ofendido.

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Além disso, é crime essencialmente doloso, em homenagem ao art. 33, I, do CPM, pois ocorre por vontade livre e consciente do agente, diferenciando-se, assim, do crime culposo, no qual, consoante o inciso II do referido artigo, o agente, deixando de empregar a cautela, a atenção, a diligência ordinária ou a especia a que estava obrigado em face das circunstâncias não prevê o resultado que podia prever ou, prevendo-o, supõe levianamente que não se realizaria ou que poderia evitá-lo.

Dessarte, trata-se de crime de mera conduta, pois não exige a produção de qualquer resultado naturalístico no mundo exterior para sua consumação. Diferencia-se, assim, dos crimes materiais, a exemplo do homicídio, os quais exigem um resultado naturalístico expressamente previsto no tipo penal, e dos crimes formais, a exemplo da extorsão mediante sequestro, os quais preveem um resultado naturalístico, mas não exigem a sua ocorrência para fins de consumação.

O crime é, ainda, próprio e de mão própria, uma vez que apenas o militar, figura definida no art. 22 do CPM como “qualquer pessoa que, em tempo de paz ou de guerra, seja incorporada às forças armadas, para nelas servir em posto, graduação, ou sujeição à disciplina militar” pode ser o seu sujeito ativo; ademais, o crime é de mão própria por não admitir a delegação.

Diferencia-se, portanto, no polo ativo, dos crimes comuns, em que qualquer pessoa pode ser o sujeito ativo do delito.

O crime de deserção é, ainda, um crime militar próprio, dado que não há figura típica a ele equivalente no Código Penal Comum; a contrário sensu, seria crime militar impróprio caso fosse um crime definido tanto no CP quanto no CPM, a exemplo do homicídio, prescrito no art. 121 do CP e no art. 205 do CPM.

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demonstrada no caso concreto, e dos crimes de dano, uma vez que, para sua consumação, deve haver a efetiva lesão ao bem juridicamente protegido pelo tipo.

É, ademais, crime simples, dado que a análise da figura típica somente permite a visualização de uma única infração penal, que é aquela justamente por ela criada, a exemplo dos crimes de homicídio e de deserção; diverge, assim, do crime complexo, em cuja figura típica existe a fusão de duas ou mais infrações penais, fazendo surgir uma terceira, denominada complexa, como é o caso do delito de roubo, em que se verifica a existência da subtração (art. 155 do CP), conjugada com o emprego da violência (art. 129 do CP) ou da grave ameaça (art. 147 do CP).

Trata-se, outrossim, de um crime instantâneo de efeitos permanentes, que se consuma no exato momento em que o agente ausenta-se por mais de oito dias da unidade em que serve ou do lugar em que deve permanecer, mas cujos efeitos se protraem no tempo, pois, enquanto o desertor não for capturado compulsoriamente ou não se apresentar voluntariamente, os efeitos do crime- o estado de deserção- permanecerão, motivo pelo qual a consumação ocorre no nono dia de ausência do desertor, mas os efeitos da deserção se protraem no tempo; diverge, logo, dos crimes permanentes, a exemplo do sequestro ou da extorsão mediante sequestro, nos quais o crime consumado se protrai no tempo, mas o agente pode, a qualquer tempo, interrompê-lo, e do crime instantâneo, que se consuma em um dado momento temporal, a exemplo do crime de injúria.

Aqui, é salutar a distinção entre o crime instantâneo de efeito permanente e o crime permanente: naquele, o retorno à situação fática anterior foge à alçada do agente, vez que o desertor não poderá deixar de ser desertor, ao passo que, neste, o sequestro, por exemplo, pode ser interrompido pelos autores do delito, retornando a vítima ao status quo ante: a liberdade.

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PENAL MILITAR. PROCESSUAL PENAL MILITAR. APELAÇÃO. PRESCRIÇÃO. ARTS. 125, 129, 132 E 187, TODOS DO CÓDIGO PENAL MILITAR. ARTS. 451 E SEGUINTES DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL MILITAR. DESERÇÃO. CRIME PERMANENTE. ORDEM DENEGADA. I - O

crime de deserção é crime permanente. II - A permanência cessa com a apresentação voluntária ou a captura do agente. III - Capturado o agente após completos seus vinte e um anos, não há falar na aplicação da redução do art. 129 do Código Penal Militar. IV - Ordem denegada. (Sem grifos no original)1.

Dessarte, a deserção é crime monossubjetivo, pois pode ser praticado por uma única pessoa, sem auxílio de outrem; diferencia-se, pois, dos crimes plurissubjetivos, nos quais o evento criminoso exige a participação de mais de um agente, a exemplo do delito de formação de quadrilha. Os plurissubjetivos, por sua vez, podem ser bilaterais (ou de encontro) ou, ainda, coletivos (também denominados de convergência).

Nos plurissubjetivos bilaterais ou de encontro, a exemplo da bigamia, as condutas praticadas pelos agentes tendem a se encontrar; nos coletivos ou de convergência, várias pessoas concorrem uniformemente para a consecução do mesmo objetivo; no entanto, nos crimes plurissubjetivos de convergência, as condutas podem ser contrapostas, como no crime de rixa, ou paralelas, como no delito de quadrilha ou bando.

É, também, crime uniofensivo, pois agride apenas um bem jurídico: a honra ou o dever militar; diverge, pois, dos delitos pluriofensivos, nos quais mais de um bem jurídico é violado, a exemplo do crime de latrocínio, o qual agride tanto o bem jurídico vida quanto o bem jurídico patrimônio.

Trata-se de crime exaurido, pois, passados mais de oito dias de afastamento do militar, o crime, além de consumado, terá exaurida toda a sua potencialidade criminosa.

Trata-se, ainda, de um crime transeunte, pois ele, em decorrência de seu modo de execução, não deixa vestígios, a exemplo do que ocorre com todas as infrações penais que são levadas a efeito por intermédio da palavra verbal, como a calúnia, a difamação, a injúria e a ameaça. Diferencia-se, logo, dos crimes não transeuntes, que deixam vestígios, podendo ser objeto de exame de corpo de delito.

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Lecionando nesse sentido, colacionamos as palavras de James Tubenchlak2: “nos

crimes não transeuntes (delicta facti permanenti) permanecem sinais materiais alvo de serem apreciados”.

À guisa de conclusão, podemos afirmar que o delito de deserção é crime de forma livre, pois ele não exige um comportamento especial, previamente definido, para fins de sua caracterização, a exemplo do que acontece com os delitos de homicídio e de lesão corporal.

Divergem, logo, dos delitos de forma vinculada, como acontece na hipótese de curandeirismo, prescrito no art. 284 do Código Penal. Damásio de Jesus subdivide, ainda, os crimes de forma vinculada em forma vinculada cumulativa ou alternativa: aquela dá-se, por exemplo, no art. 151, §1°, I, pois deve haver tanto o apossamento da correspondência alheia quanto sua sonegação ou destruição; esta ocorre quando o tipo prevê mais de um núcleo, empregando a conjunção disjuntiva “ou”, a exemplo do que acontece no art. 150, caput, o qual prescreve o crime de violação de domicílio.

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CAPÍTULO 2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS INERENTES AO TEMA

Dentre os diversos princípios afetos à seara criminal, o da reserva legal é, provavelmente, o de maior importância, dado que constitui verdadeiro pressuposto para a exercício do jus puniendi estatal, quando da perfectibilização de certa conduta à hipótese descrita no tipo penal incriminador.

2.1. PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL

O princípio da reserva legal vem insculpido no art. 5°, XXXIX, da Carta Magna, sendo, portanto, uma garantia individual, insuscetível, assim, de reforma pela via de emenda constitucional. Sua redação também deflagra o Código Penal comum (CP), em seu art. 1°, em redação pouco diversa daquela disposta no texto constitucional, litteris: Art. 1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Neste ponto, consideramos salutar a promoção de distinção entre os princípios da legalidade, da reserva legislativa e da reserva legal. Uadi Lammêgo Bulos3 entende que o

princípio da legalidade corresponde à possibilidade de edição de atos normativos secundários, a exemplo de regulamentos e decretos, os quais buscam o seu fundamento de validade em uma lei, aclarando-lhe a extensão e o sentido.

O princípio da reserva legal, a seu turno, corresponde à lei em sentido formal: aquela oriunda de ato complexo, perfectibilizado com a participação dos Poderes Executivo e Legislativo, resultante do trâmite de projeto de lei nas Duas Casas do Congresso Nacional, culminando, ao cabo, com o veto ou a sanção presidencial.

Já o princípio da reserva legislativa corresponde à edição de quaisquer das espécies normativas elencadas no art. 59 da Constituição da República:

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Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de: I - emendas à Constituição;

II - leis complementares; III - leis ordinárias; IV - leis delegadas; V - medidas provisórias; VI - decretos legislativos; VII - resoluções.

Desta feita, cotejando os três princípios, percebemos que o princípio da reserva legal é aquele cujo teor melhor se amolda às necessidades do Direito Penal hodierno, marcado pela preservação de garantias constitucionais mínimas à figura do acusado.

Trata-se, por certo, do mais importante princípio do Direito Penal, a uma porque constitui garantia ao cidadão, o qual só será processado e julgado por crime previamente tipificado em norma penal, e a duas porque constitui limitação ao jus puniendi estatal, porque a máquina punitiva do Estado apenas será desencadeada após a verificação da perfeita subsunção do fato ao tipo penal. Por essa razão, Franz von Liszt4 ensina que o Código Penal é

a Carta Magna do delinquente.

Autores há que atribuem a origem desse princípio à Magna Carta de 1215, editada ao tempo do Rei João Sem Terra, cujo art. 39 vinha assim redigido:

Art. 39. Nenhum homem livre será detido, nem preso, nem despojado de sua propriedade, de suas liberdades ou livres usos, nem posto fora da lei, nem exilado, nem perturbado de forma alguma; e não poderemos, nem faremos pôr a mão sobre ele, a não ser em virtude de um juízo legal de seus pares e segundo as leis do País.

À época da Revolução Francesa, o princípio foi positivado nos arts. 7°, 8° e 9° da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Ele foi previsto expressamente em todos os nossos Códigos, desde o Código Criminal do Império, de 1830, até a reforma da Parte Geral do Código Penal, ocorrida em 1984.

4 Tratado de derecho penal. Tradução: Santiago Mir Puig e Francisco Munõz Conde. 3. ed. Barcelona: Bosch

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Atribui-se a formulação latina do princípio da reserva legal- nullum crimen, nulla poena sine praevia lege- a Anselm Von Feuerbach, em seu Tratado de Direito Penal, que veio a lume em 1801.Feuerbach5 assevera:

I) Toda imposição de pena pressupõe uma lei penal (nullum poena sine lege). Por isso, só a cominação do mal pela lei é que fundamenta o conceito e a possibilidade jurídica de uma pena. II) A imposição de uma pena está condicionada à existência de uma ação cominada (nullum poena sine crimine). Por fim, é mediante a lei que se vincula a pena ao fato, como pressuposto juridicamente necessário. III) O fato legalmente cominado (o pressuposto legal) está condicionado pela pena legal (nullum crimen sine poena legali). Consequentemente, o mal, como consequência jurídica necessária, será vinculado mediante lei a uma lesão jurídica determinada.

Tal princípio possui quatro funções fundamentais:

a) proibir a retroatividade da lei penal (nullum crimen nulla poena sine lege praevia).

b) proibir a criação de crimes e penas pelos costumes (nullum crimen nulla poena sine lege scripta).

c) proibir o emprego de analogia para criar crimes, fundamentar ou agravar penas (nullum crimen nulla poena sine lege stricta).

d)proibir incriminações vagas e indeterminadas (nullum crimen nulla poena sine lege certa).

O inciso XL do art. 5° da Constituição Federal, em reforço ao princípio da reserva legal previsto no inciso XXXIX, diz que a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu. A regra constitucional, portanto, é a irretroatividade da lei penal; a exceção é a retroatividade, desde que seja para beneficiar o agente.

O princípio da reserva legal veda, também, o recurso à analogia in malam partem

para criar hipóteses que, de alguma forma, venham prejudicar o agente, seja criando crimes, seja incluindo novas causas de aumento de pena, de circunstâncias agravantes, etc. Se o fato não foi previsto expressamente pelo legislador, não pode o intérprete socorrer-se da analogia a fim de tentar abranger fatos similares aos legislados em prejuízo do agente (nullum crimen nulla poena sine lege stricta).

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Neste ponto, é salutar a distinção entre a legalidade nas acepções formal e material. Aquela pode ser entendida pela obediência aos trâmites procedimentais previstos pela Constituição para que determinado diploma legal venha a fazer parte de nosso ordenamento jurídico. Assim, por exemplo, a lei ordinária exige a aprovação por maioria simples, presentes a maioria absoluta dos respectivos membros, em ambas as Casas Legislativas (art. 47, CR/88).

A aceitação em nosso ordenamento jurídico de uma norma que atendesse tão-somente às formas e aos procedimentos destinados à sua criação conduziria à adoção do princípio de mera legalidade, segundo a expressão utilizada por Ferrajoli6.

Para além da mera legalidade ou da legalidade formal, a legalidade material é imprescindível em um Estado Constitucional de Direito, no qual a lei penal deve prestar tributo ao conteúdo da Constituição, respeitando-se suas proibições e imposições para a garantia dos direitos fundamentais por ela previstos. Aqui, adota-se não mera legalidade, mas, sim, como preleciona Ferrajoli, um princípio de estrita legalidade. Salienta ele7:

O sistema das normas sobre a produção de normas- habitualmente estabelecido, em nossos ordenamentos, com fundamento constitucional- não se compõe de normas formais sobre competência ou sobre os procedimentos de formação das leis. Inclui também normas substanciais, como o princípio da igualdade e os direitos fundamentais, que de modo diverso limitam e vinculam o poder legislativo excluindo ou impondo-lhe determinados conteúdos. Assim, uma norma- por exemplo, uma lei que viola o princípio constitucional da igualdade- por mais que tenha existência formal ou vigência, pode muito bem ser inválida e como tal suscetível de anulação por contraste com uma norma substancial sobre a sua produção.

As considerações tecidas mostram a importância do princípio da reserva legal para o direito penal contemporâneo, garantia sem a qual não há falar em um sistema punitivo voltado para a aplicação da justiça nas relações jurídicas penais.

6 FERRAJOLI, Luigi. Derechos y Garantías- La Ley del Más Débil. Trad. Perfecto Alejandro Ibáñez. 4. ed.

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2.2. PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA

O princípio da intervenção mínima prega que o direito penal apenas pode debruçar-se sobre os bens jurídicos mais caros à vida em sociedade. Desta feita, um dado comportamento apenas será classificado na esfera penal, seja como delito, seja como contravenção penal, quando as demais searas do direito, a exemplo da cível e da administrativa, não forem capazes de tutelar os bens jurídicos de maior relevância à vida comunitária.

É também com base neste princípio que o Legislativo, atento às mutações da sociedade, que, com a sua evolução, deixa de dar importância a bens que, no passado, eram de maior relevância, fará retirar do ordenamento jurídico-penal certos tipos incriminadores.

Nesse sentido, André Copetti8 versa sobre o tema:

Sendo o direito penal o mais violento instrumento normativo de regulação social, particularmente por atingir, pela aplicação das penas privativas de liberdade, o direito de ir e vir dos cidadãos, deve ser ele minimamente utilizado. Numa perspectiva político-jurídica, deve-se dar preferência a todos os modos extrapenais de solução de conflitos. A repressão penal deve ser o último instrumento utilizado, quando já não houver mais alternativas disponíveis.

2.3. PRINCÍPIO DA LESIVIDADE

O princípio da intervenção mínima e o da lesividade estão umbilicalmente ligados. De fato, se aquele aduz que apenas os bens jurídicos mais caros merecem a tutela penal, este assevera que apenas as condutas que agredirem direitos de terceiros devem merecer a reprimenda penal.

O princípio da lesividade surgiu à época do período iluminista, em que a secularização procurou separar o direito da moral, separação esta que, segundo o prof. Arnaldo Vasconcelos9, não pode ser absoluta, uma vez que as normas jurídicas e as normas

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morais têm uma origem comum: as normas éticas, sendo, portanto, dois círculos que apresentam uma área de intersecção indelével.

Nesse sentido, eram (são) quatro as funções da mencionada norma-princípio:

a) proibir a incriminação de uma atitude interna;

b) proibir a incriminação de uma conduta que não exceda o âmbito do próprio autor;

c) proibir a incriminação de simples estados ou condições existenciais;

d) proibir a incriminação de condutas desviadas que não afetem qualquer bem jurídico.

A primeira das vertentes pode ser expressa pelo brocardo latino cogitationis poenam nemo patitur, ou seja, ninguém pode ser punido por aquilo que pensa ou mesmo por sentimentos pessoais.

A segunda alínea diz respeito à impossibilidade de punição de condutas que não sejam lesivas a bens de terceiros, pois que não excedem o âmbito do próprio autor, a exemplo da autolesão e da tentativa de suicídio.

A letra “c” proíbe a punição do autor pelo que ele é, sancionando, apenas, o que ele fez, caso tipificado como crime ou como contravenção penal. Busca-se, assim, impedir que seja erigido um autêntico direito penal do inimigo. Eugênio Raul Zaffaroni10,

categoricamente, afirma:

Seja qual for a perspectiva a partir de que se queira fundamentar o direito penal de autor (culpabilidade penal de autor ou periculosidade), o certo é que um direito que reconheça, mas que também respeite, a autonomia moral da pessoa jamais pode penalizar o ‘ser’ de uma pessoa, mas apenas o seu agir, já que o direito é uma ordem reguladora da conduta humana.

Por fim, a quarta alínea busca afastar da incidência da aplicação da lei penal aquelas condutas que, embora desviadas, não afetam qualquer bem jurídico de terceiros, a

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exemplo de uma dada pessoa não gostar de tomar banho, pois que não repercutem diretamente sobre qualquer bem de terceiros. Nesse sentido, preceitua Luigi Ferrajoli11, verbis: “...o

direito penal não possui a tarefa de impor ou reforçar a (ou uma determinada) moral, mas, sim, somente de impedir o cometimento de ações danosas a terceiros”.

2.4. PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL

A teoria da adequação social significa que, apesar de uma conduta se subsumir ao modelo legal, não será considerada típica se for socialmente adequada ou reconhecida, isto é, se estiver de acordo com a ordem social da vida historicamente condicionada.

Tal princípio apresenta dupla função. Uma delas é a de restringir o âmbito de abrangência do tipo penal, limitando a sua interpretação, e dele excluindo as condutas consideradas socialmente adequadas e aceitas pela sociedade.

Já a segunda função é dirigida ao legislador em duas vertentes. A primeira delas orienta o legislador quando da seleção das condutas que deseja proibir ou impor, com a finalidade de proteger os bens considerados mais importantes. Já a segunda destina-se a fazer com que o legislador repense os tipos penais e retire do ordenamento jurídico a proteção sobre aqueles bens cujas condutas já se adaptaram perfeitamente à evolução da sociedade.

Neste ponto, tal princípio aproxima-se do da intervenção mínima, pois destina-se precipuamente ao legislador, orientando-o na escolha de condutas a serem proibidas ou impostas, bem como na revogação de tipos penais.

De todo modo, é oportuna a menção de que a alegativa da adequação social de uma conduta ainda definida como crime não pode merecer guarida, em face do óbice do

caput do art. 2° da Lei de Introdução ao Código Civil, segundo o qual uma lei somente pode ser revogada por outra.

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2.5. PRINCÍPIO DA FRAGMENTARIEDADE

A fragmentariedade, para Rogério Greco12, é corolário dos princípios da

intervenção mínima, da lesividade e da adequação social, significando que, uma vez escolhidos os chamados bens fundamentais, eles passarão a fazer parte de uma pequena parcela que é protegida pelo Direito Penal, originando-se, assim, a sua natureza fragmentária.

Nesse sentido, é esclarecedora a lição de Muñoz Conde13, litteris:

nem todas as ações que atacam bens jurídicos são protegidas pelo Direito Penal, nem tampouco todos os bens jurídicos são protegidos por ele. O Direito Penal, repito mais uma vez, se limita somente a castigar as ações mais graves contra os bens jurídicos mais importantes, daí seu caráter 'fragmentário', pois que de toda a gama de ações proibidas e bens jurídicos protegidos pelo ordenamento jurídico, o direito penal só se ocupa de uma parte, fragmentos, se bem que da maior importância.

2.6. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Antes de tecermos alguns comentários sobre o princípio da insignificância, entendemos de bom grado refletirmos, ainda que perfunctoriamente, a respeito de alguns conceitos.

Com efeito, crime, segundo o seu conceito analítico, é composto pelo fato típico, pela ilicitude e pela culpabilidade. O fato típico, a seu turno, exige a presença dos seguintes elementos:

a) conduta (dolosa ou culposa- comissiva ou omissiva); b) resultado;

c) nexo de causalidade (entre a conduta e o resultado); d) tipicidade (formal e conglobante);

A tipicidade penal divide-se em tipicidade formal e em tipicidade conglobante.

12 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal- Parte Geral. 5. ed. Niteroi: Impetus, 2007, p.63.

13 CONDE, Francisco Munõz apud GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal- Parte Geral. 5. ed. Niteroi:

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Aquela consiste na adequação perfeita da conduta do agente ao modelo abstrato (tipo) previsto na lei penal. A aferição da tipicidade conglobante exige a antinormatividade da conduta do agente, o não fomento estatal e a tipicidade material do fato. O princípio da insignificância repercute na chamada tipicidade material.

Esta consiste, precipuamente, no fato de determinada conduta só possuir tipicidade material caso ela produza dano de monta. Caso a tipicidade material não esteja presente, seria o caso de aplicar-se o princípio da insignificância à conduta perpetrada.

Tecidas tais considerações, colacionamos ensinamento de Assis Toledo14, que

explica o princípio da insignificância: “segundo o princípio da insignificância, que se revela por inteiro pela sua denominação, o direito penal, pela sua natureza fragmentária, só vai aonde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não deve ocupar-se de bagatelas”.

Assim, o princípio da insignificância tem por finalidade auxiliar o intérprete quando da análise do tipo penal, para fazer excluir do âmbito de incidência da lei aquelas situações consideradas como de bagatela.

À guisa de conclusão, há acórdãos que homenageiam o mencionado princípio, a exemplo do seguinte:

Princípio da insignificância. Identificação dos vetores cuja presença legitima o reconhecimento desse postulado de política criminal. Consequente descaracterização da tipicidade penal, em seu aspecto material. Delito de furto. Condenação imposta a jovem desempregado, com apenas 19 anos de idade. Res furtiva no valor de R$ 25,00 (equivalente a 9,61% do salário mínimo atualmente em vigor). Doutrina. Considerações em torno da jurisprudência do STF. Pedido deferido. O princípio da insignificância qualifica-se como fator de descaracterização da tipicidade penal15.

14 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de Direito Penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 19.

(31)

2.7. PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA

A individualização da pena é garantia que deve ser exercitada nas fases de cominação, aplicação e execução da reprimenda penal.

Bettiol16, a respeito de tal princípio, aduz:

todo o direito penal moderno é orientado no sentido da individualização das medidas penais, porquanto se pretende que o tratamento penal seja totalmente voltado para características pessoais do agente a fim de que possa corresponder aos fins que se pretende alcançar com a pena ou com as medidas de segurança.

A individualização da pena consiste,em um primeiro momento, na circunstância de o legislador, dentre as penas aplicáveis aos crimes cometidos, cominar sanções que variam de acordo com a importância do bem a ser tutelado.

Trata-se, portanto, de critério político, por meio do qual o Legislativo valora os bens que são objeto de proteção pelo Direito Penal, individualizando as penas de acordo com a sua importância e gravidade.

Empós, em um segundo momento, tendo chegado o julgador à conclusão de que o fato praticado é típico, ilícito e culpável, dirá qual a infração penal praticada pelo agente e começará, agora, a fixar a pena a ela correspondente.

O critério adotado no Brasil foi o trifásico (art. 68 do CP): de início, fixa-se a pena-base (art. 59 do CP) entre os limites mínimo e máximo fixados em abstrato pelo legislador, atendendo às chamadas circunstâncias judiciais. Após, serão aplicadas eventuais causas atenuantes e agravantes, previstas, respectivamente, nos arts. 65, 66 e 61, 62 do CP. Ato contínuo, são aplicadas eventuais causas de diminuição e de aumento de pena, fixadas em esparsos dispositivos do Código Penal.

Esta é a fase da aplicação da pena: sai-se do plano abstrato (cominação- Poder Legislativo) para o plano concreto (aplicação- Poder Judiciário). Nesse sentido, colacionamos

16 BETTIOL, Giuseppe. Direito Penal- Parte Geral. Tradução e notas do prof. Paulo José da Costa Júnior e

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decisão do Superior Tribunal de Justiça, a qual atesta a insuperável necessidade de individualização da pena na fase de sua aplicação, verbis:

PENAL. HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO. NEGATIVA DE AUTORIA E DE MATERIALIDADE. ANÁLISE PROBATÓRIA INCOMPATÍVEL COM A VIA ELEITA. PLURALIDADE DE RÉUS. PENA-BASE COMUM A TODOS.

INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. NÃO-OBSERVÂNCIA. NULIDADE VERIFICADA.

ORDEM NÃO CONHECIDA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO. 1. O exame das alegações quanto à autoria e materialidade do delito importa, inexoravelmente, em valoração de matéria fático-probatória, vedada nesta via, devendo tal ser procedida no regular curso da ação penal, à luz do contraditório e da ampla defesa.

2. O juiz singular, na aplicação da pena, deve observar os ditames dos arts. 5º, XLVI, da Constituição Federal e 59 do Código Penal, individualizando a pena de cada um dos acusados, sob pena de nulidade da sentença.

3. No caso, a pena-base foi fixada genericamente a todos os co-réus, sem que o juiz sentenciante fizesse a distinção entre eles, não procedendo de maneira correta à individualização da pena.

4. Ordem não conhecida. Habeas corpus concedido de ofício, para anular a sentença a fim de que outra seja proferida.17

Para além das fases de cominação e de aplicação da pena, a individualização também é imperiosa no momento da execução penal, em consonância com a dicção do art. 5° da lei n° 7210/84, assim redigido: “Os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da execução penal”.

Mirabete18, analisando o problema da individualização no momento da execução

da pena aplicada ao condenado, preleciona:

Com os estudos referentes à matéria, chegou-se paulatinamente ao ponto de vista de que a execução penal não pode ser igual para todos os presos- justamente porque nem todos são iguais, mas sumamente diferentes- e que tampouco a execução pode ser homogênea durante todo o período de seu cumprimento. Não há mais dúvida

de que nem todo preso deve ser submetido ao mesmo programa de execução e que, durante a fase executória da pena, elege-se um ajustamento desse programa conforme a reação observada no condenado, só assim se podendo falar em verdadeira individualização no momento executivo. Individualizar a pena, na execução, consiste em dar a cada preso oportunidades e os elementos necessários para lograr a sua reinserção social, posto que é pessoa, ser distinto.

A individualização, portanto, deve aflorar técnica e científica, nunca improvisada, iniciando-se com a indispensável classificação dos condenados a fim de serem

17 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC 104091/RS. Quinta Turma. Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima. Data de julgamento: 24.06.2008. Data de publicação/Fonte: Dje 04.08.2008.

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destinados aos programas de execução mais adequados, conforme as condições pessoais de cada um. (Sem grifos no original).

O princípio da individualização da pena foi amplamente discutido e debatido nos Tribunais Superiores. De início, a exemplo de julgamento prolatado em 1993, o Pretório Excelso entendeu que a impossibilidade de progressão de regime nos crimes definidos como hediondos e nos a eles equiparados não ofendia o princípio da individualização da pena, consoante acórdão a seguir colacionado:

Crime hediondo-(...)- Caracterização- Regime prisional- Crimes hediondos-Cumprimento da pena em regime fechado- Art. 2°, §1°, da lei n° 8.072/90. Alegação de ofensa ao art. 5°, XLVI, da Constituição. Inconstitucionalidade não caracterizada. Individualização da pena. Regulamentação deferida, pela própria norma, ao legislador ordinário.

À lei ordinária compete fixar os parâmetros dentro dos quais o julgador poderá efetivar ou a concreção ou a individualização da pena. Se o legislador ordinário dispôs, no uso da prerrogativa que lhe foi deferida pela norma constitucional, que nos crimes hediondos o cumprimento da pena será no regime fechado, significa que ele não quis deixar, em relação aos crimes dessa natureza, qualquer discricionariedade do juiz na fixação do regime prisional.19

No entanto, com o passar dos anos, alguns ministros do STF que consideravam o dispositivo constitucional aposentaram-se. Instado a se manifestar em sede de habeas corpus, o Plenário do STF, por apertada maioria de seis votos contra cinco, declarou a inconstitucionalidade, incidenter tantum, do art. 2°,§1°, da lei n° 8.072/90:

Em conclusão de julgamento, o Tribunal, por maioria, deferiu pedido de habeas corpus e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do §1° do art. 2° da lei 8.072/90, que veda a possibilidade de progressão do regime de cumprimento da pena nos crimes hediondos definidos no art. 1° do mesmo diploma legal. Inicialmente, o Tribunal resolveu restringir a análise da matéria à progressão de regime, tendo em conta o pedido formulado. Quanto a esse ponto, entendeu-se que a vedação de progressão de regime prevista na norma impugnada afronta o direito à individualização da pena (CF, art. 5°, XLVI), já que, ao não permitir que se considerem as particularidades de cada pessoa, a sua capacidade de reintegração social e os esforços aplicados com vista à ressocialização, acaba tornando inócua a garantia constitucional. Ressaltou-se, também, que o dispositivo impugnado apresenta incoerência, porquanto impede a progressividade, mas admite o livramento condicional após o cumprimento de dois terços da pena (Lei n° 8.072/90 , art. 5°). Vencidos os ministros Carlos

Velloso, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie, Celso de Mello e Nelson Jobim, que indeferiam a ordem, mantendo a orientação até então fixada pela Corte no sentido da constitucionalidade da norma atacada. O Tribunal, por unanimidade, explicitou que a declaração incidental de inconstitucionalidade do preceito legal em questão não gerará consequências jurídicas com relação às penas já extintas nesta data, uma vez

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que a decisão plenária envolve, unicamente, o afastamento do óbice representado pela norma ora declarada inconstitucional, sem prejuízo da apreciação, caso a caso, pelo magistrado competente, dos demais requisitos pertinentes ao reconhecimento da possibilidade de progressão20. (Destacamos).

Em que pese a mudança de entendimento no âmbito do Supremo Tribunal Federal, doutrinadores há, a exemplo de Rogério Greco21, que entendem que a redação

declarada inconstitucional não padecia de tal mácula, pois, segundo ele, havia, sim, individualização da pena, uma vez que o Legislativo havia definido que crimes de maior potencial ofensivo, a exemplo dos hediondos, não faziam jus à progressão de regime, pois a análise individualizada dos tipos penais é que autorizava tal (im)possibilidade.

Em que pese o entendimento do mencionado autor, entendemos que a individualização da pena, para além de uma norma constitucional de eficácia limitada à edição de lei ordinária pelo Legislativo, abrange, em seu aspecto material, a necessidade insuperável de análise da evolução do criminoso, da promoção de esforços pessoais tendentes a fazê-lo melhorar enquanto pessoa e, ainda, de reintegrá-lo, paulatinamente, à sociedade, para qual, mais dia, menos dia, ele retornará.

2.8. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

O princípio da proporcionalidade constitui norma informadora de todo o ordenamento jurídico pátrio, servindo de norte ao poder legiferante e aos intérpretes do direito.

Alberto Silva Franco22, dissertando sobre o princípio em tela, aduz:

O princípio da proporcionalidade exige que se faça um juízo de ponderação sobre a relação existente entre o bem que é lesionado ou posto em perigo (gravidade do fato) e o bem de que alguém pode ser privado (gravidade da pena). Toda vez que, nessa relação, houver um desequilíbrio acentuado, estabelece-se, em consequencia, inaceitável desproporção. O princípio da proporcionalidade rechaça, portanto, o estabelecimento de cominações legais (proporcionalidade em abstrato) e a imposição de penas (proporcionalidade em concreto) que careçam de relação valorativa com o fato cometido considerado em seu significado global. Tem, em consequência, um duplo destinatário: o poder legislativo (que tem de estabelecer

20 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Boletim Informativo n° 418. 21 Ob. Cit., p. 89.

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penas proporcionadas, em abstrato, à gravidade do delito) e o juiz (as penas que os juízes impõem ao autor do delito têm de ser proporcionadas à sua gravidade).

André Copetti23, a seu turno, ensina:

Apesar de não existir nenhuma relação naturalística entre pena e delito, não podemos excluir que a primeira deva ser adequada ao segundo em alguma medida. O controle do quantum da pena está diretamente ligado ao controle sobre o conteúdo de desvalor do delito, mais precisamente sobre os seus conteúdos substanciais. É indubitável que qualquer juízo sobre a medida da pena, sobretudo se conduzido à maneira do critério da proporção, pressupõe necessariamente o acertamento do intrínseco desvalor do delito, se não absolutamente a reconstrução conceitual da

ratio legis e dos objetivos da disciplina. É o desvalor do delito que constitui, na verdade, o parâmetro de valoração da proporcionalidade da pena, assim como são os objetivos assumidos pelo legislador os pertinentes para valorar-se a adequação.

Assim, relativamente ao princípio da proporcionalidade, temos que a cominação, realizada pelo Legislativo, envolve critérios de cunho eminentemente político. Logo, os parlamentares, num juízo subjetivo de valor, e após vários debates, estabelecem os parâmetros máximo e mínimo para uma dada sanção penal.

Desta feita, é fundamental que o Legislativo, quando da fixação das penas máxima e mínima, tenha sempre em mente o princípio da proporcionalidade, valendo-se do juízo de desvalor da conduta em relação a outros comportamentos criminosos e, ainda, do estudo do direito comparado, para, analisando os aparatos normativos das diferentes nações, obter subsídios para a produção normativa em matéria penal, sobretudo no estabelecimento do

quantum dos preceitos penais secundários.

Relativamente ao Poder Judiciário, a concreção da proporcionalidade é mais simples, quando da apenação de condenado. É que há parâmetros bem delimitados no Código Penal, os quais vinculam o julgador dentro de critérios que, embora permitam ao juízo valorar os diferentes elementos da culpabilidade do acusado, não lhe dão margem arbitrária.

Também por esse motivo- o de delimitação da atuação do julgador pelos parâmetros previamente fixados pelo Legislativo-, avulta a necessidade de cautela dos parlamentares na feitura das normas através do devido processo legislativo, momento no qual

(36)

o princípio da proporcionalidade deverá, sempre, constituir vetor orientador da atuação dos eleitos pelo povo.

2.9. PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE PESSOAL

A pena, via de regra, não pode passar da pessoa do condenado. Com efeito, o art. 5°, XLV,da Carta Magna aduz:

XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido.

Assim, as exceções à regra enunciada no parágrafo anterior são: obrigação de reparar o dano e decretação da perda dos bens, nesses casos até o limite das forças da herança(art. 1997 do CC/2002).

São, portanto, sanções que não têm natureza estritamente penal, uma vez que possuem conteúdo pecuniário, ao passo que aquelas previstas no art. 32 do CP envolvem penas que, a contrario sensu, têm teor, à exceção da pena de multa e da restritiva de direitos na modalidade prestação pecuniária, mais penalizante, verbis:

Art. 32 - As penas são: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) I - privativas de liberdade;

II - restritivas de direitos; III - de multa.

As penas mencionadas há dois parágrafos guardam conteúdo diverso da visão mais clássica da pena: a privação da liberdade.

De todo modo, Rogério Greco24 entende que as penas enumeradas no art. 32

apenas poderiam ser cumpridas pelo próprio condenado, em obediência ao princípio da responsabilidade pessoal. Assim, no caso da morte do agente, por exemplo, sendo sua punibilidade extinta (107, I, CP), os seus descendentes, mesmo havendo herança bastante, não estariam obrigados a pagar multa impingida ao condenado ou, ainda, a adimplir valor a título

(37)

de prestação pecuniária a ele imposta por sentença judicial, em tributo ao mencionado princípio.

Todavia, é factível que um terceiro pague pelo condenado multa ou prestação pecuniária, razão pela qual Ferrajoli25 abomina tais modalidades de sanção penal, em face de

sua impessoalidade.

No entanto, embora, sob a ótica jurídica, a pena seja aplicada apenas à pessoa do condenado, é indiscutível a repercussão que a apenação de uma pessoa traz na vida daqueles que fazem parte do seu convívio, seja do ponto de vista da repercussão da sanção penal naqueles que com ele convivem, seja na perda de força de trabalho, seja na estigmatização social.

2.10. PRINCÍPIO DA LIMITAÇÃO DAS PENAS

O Constituinte originário de 1988, preocupado com a dignidade da pessoa humana, elevada a fundamento da República Federativa do Brasil, estabeleceu como garantias individuais a vedação à cominação de penas crueis.

Assim, o art. 5°, XLVII, é transparente ao prescrever, litteris:

XLVII - não haverá penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo;

c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) crueis;

Relativamente a tal tema, Ferrajoli26 prelecionou:

acima de qualquer argumento utilitário, o valor da pessoa humana impõe uma limitação fundamental em relação à quantidade e à qualidade da pena. É este o valor sobre o qual se funda, irredutivelmente, o rechaço da pena de morte, das penas corporais, das penas infames e, por outro lado, da prisão perpétua e das penas privativas de liberdade excessivamente extensas...Um Estado que mata, que tortura,

25 FERRAJOLI, Luigi. Ob. Cit., p. 117.

26 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão, Teoria do Garantismo Penal. Trad. Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan

(38)

que humilha um cidadão não só perde qualquer legitimidade, senão que contradiz sua razão de ser, colocando-se no mesmo nível dos delinquentes.

A partir do Século das Luzes, foram iniciadas as maiores transformações no que diz respeito à qualidade das penas. Nessa época, começa a haver uma modificação da postura até então adotada, na qual o corpo do condenado é que tinha que sofrer pelo mal por ele produzido.

Os suplícios que, na definição de Foulcault27, eram a arte de reter a vida no

sofrimento, foram, gradualmente, sendo abolidos. Começava, portanto, a transição das penas aflitivas, corporais, para a pena privativa de liberdade.

Maurício Antônio Ribeiro Lopes28, por sua vez, ensina:

a pena de morte deve ser reputada como algo que conflita com os princípios gerais de direito, dentre eles o da humanidade, sendo que vários foram alçados constitucionalmente, ou seja, a vedação quanto ao tratamento degradante, desumano. Se a pena tem função terapêutica, reeducadora, socializante, não pode haver pena de morte ou perpétua, que não atendam à função da pena.

A tendência mundial tem sido a abolição, seja parcial, seja total, da pena de morte dos diversos ordenamentos jurídicos mundo afora.

Em nosso país, a pena de morte apenas é permitida em caso de guerra declarada, hipótese na qual ela se dá por fuzilamento, consoante o art. 56 do diploma repressivo penal castrense.

Relativamente à alínea “c” do inciso XLVII, o Constituinte preocupou-se com a pessoa do condenado, ao proteger-lhe da execução de pena de trabalhos forçados.

Assim, trabalhos assemelhados ao escravo não foram contemplados na Carta Magna.

27 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Trad. Raquel Ramalhete. 29. ed. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 31.

(39)

No entanto, a contrario sensu, é salutar que o preso desenvolva trabalho lícito no ambiente prisional. Isso facilitá o seu reingresso na sociedade, para qual a retornará, mais dia, menos dia, incutindo-lhe o dever de trabalhar, de auferir a sua subsistência com o suor de seu próprio rosto. Dessa forma, ele estará praticando ato que a maioria da sociedade já exerce, o que subsidiará o seu retorno à comunidade, de acordo com os ditames do princípio da reinserção social do delinquente.

Ademais, o trabalho na cadeia possibilita a remição da pena, pela qual três dias efetivamente trabalhados abatem um dia de pena a ser cumprido, bem como possibilita a constituição de pecúlio a ser recolhido após a sua saída da prisão. Ademais, o benefício da progressão de regime, por exemplo, só lhe será aplicado em plenitude, possibilitando-lhe a progressão para o regime aberto, caso ele trabalhe ou comprove a possibilidade de fazê-lo (art. 114, I, LEP).

A letra “d” fez menção à pena de banimento, sanção que consistia na expulsão do território nacional de quem atentasse contra a ordem política interna ou a forma de governo estabelecida.

Orlando Soares29, dissertando sobre o tema, aduz que “o banimento representa a

negação do direito à nacionalidade, contrariando, portanto, o disposto no art. XV, 1 e 2, da Declaração Universal dos Direitos do Homem”.

Relativamente às penas crueis, Zaffaroni30 preleciona que o antônimo da 'pena

cruel' é a 'pena racional'. Assim, a proscrição das penas crueis e de qualquer pena que desconsidere o homem como pessoa é decorrência da aplicação do princípio da humanidade ao direito penal.

29 Comentários à Constituição da República Federativa do Brasil. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007,

p.184.

(40)

Fábio Konder Comparato31, a seu turno, ensina:

No que tange às penas degradantes ou crueis, é geralmente admitido que entram nessa categoria todas as mutilações, como o decepamento da mão do ladrão, prescrito na sharia muçulmana, e a castração de condenados por crimes de violência sexual, constante de algumas legislações ocidentais.

Nesse sentido, e indo ao encontro do princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento material da Carta Política de 1988, o inciso XLIX do art. 5° assegura ao preso a sua integridade física e moral.

2.11. PRINCÍPIO DA CULPABILIDADE

A culpabilidade consiste no grau de censura ou de reprovabilidade social da conduta.

No Brasil, segundo a maioria da doutrina pátria, a culpabilidade é constituída pela imputabilidade, pela potencial consciência da ilicitude e pela exigibilidade de conduta diversa.

A imputabilidade consiste na possibilidade de imputação a alguém de determinado fato típico. O Código Penal comum, nos arts. 26 e 27, disciplina a matéria. Segundo os mencionados dispositivos, são inimputáveis os menores de 18 anos e aqueles que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, eram, ao tempo da ação ou omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esdeterminar-se entendimento.

O Código Penal Militar inclui mais uma hipótese de inimputabilidade penal, ao tempo em que estende a imputabilidade àqueles que, pelo diploma comum, não seriam imputáveis.

(41)

Com efeito, o art. 49 do Código Penal Militar reza, verbis:

Não é igualmente imputável o agente que, por embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Ademais, o CPM estende, em seus arts. 50 e 51, a imputabilidade a pessoas específicas, senão vejamos:

Art. 50. O menor de dezoito anos é inimputável, salvo se, já tendo completado dezesseis anos, revela suficiente desenvolvimento psíquico para entender o caráter ilícito do fato e determinar-se de acordo com este entendimento. Neste caso, a pena aplicável é diminuída de um terço até a metade.

Equiparação a maiores

Art. 51. Equiparam-se aos maiores de dezoito anos, ainda que não tenham atingido essa idade:

a) os militares;

b) os convocados, os que se apresentam à incorporação e os que, dispensados temporariamente desta, deixam de se apresentar, decorrido o prazo de licenciamento;

c) os alunos de colégios ou outros estabelecimentos de ensino, sob direção e disciplina militares, que já tenham completado dezessete anos.

As hipóteses de imputabilidade previstas nos artigos anteriores não podem ter sido recepcionadas pela ordem constitucional, vigente, em face da transparente dicção do art. 228 da Constituição da República, litteris: Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.

Todavia, nada obstante a clareza do texto constitucional, o qual passou a viger a partir de 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Carta Magna, houve decisão do Superior Tribunal Militar, datada de 1989, a qual admite aplicação de detenção a condenado por deserção menor de dezoito anos, verbis:

DESERÇÃO - ART. 187 CPM. RÉU SUBMETIDO A EXAME DE SANIDADE MENTAL, CONSIDERADO IMPUTAVEL. DOSIMETRIA DA PENA EM DESACORDO COM A JURISPRUDENCIA DO STM POR SER O ACUSADO

MENOR,PRIMARIO E DE BOM COMPORTAMENTO E TER SIDO FIXADA A

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REDUZIR A PENA IMPOSTA AO APELANTE PARA 06 MESES DE DETENÇÃO. DECISÃO UNANIME32. (Sem grifos no original).

Salta aos olhos a inconstitucionalidade do acórdão em face da Nova Ordem Constitucional, uma vez que a dicção do art. 228 Carta Política de 1988 é inequívoca, razão pela qual os artigos 50 e 51 do Código Penal Militar podem ser objeto de arguição judicial, seja por meio do controle difuso, seja por intermédio do controle concentrado de constitucionalidade por meio de Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF).

A potencial consciência da ilicitude, a seu turno, consiste na sabença geral da população que, embora desconheça a lei formal, tem ciência das condutas que foram proibidas no ordenamento jurídico.

É por esse motivo que o desconhecimento da lei, via de regra, não isenta o agente de pena nem a minora, muito embora seja circunstância atenuante genérica, a teor do art. 65 do CP, litteris:

Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena: (…)

II- o desconhecimento da lei;

Já a teoria da inexigibilidade de conduta diversa tem origem na doutrina alemã. Com efeito, o primeiro caso de que se tem notícia na aplicação de tal teoria aconteceu na Alemanha, quando o Tribunal do Reich reconheceu a inexigibilidade de conduta diversa na atuação de um cocheiro, o qual, por ordens de seu patrão, procedeu a determinado serviço em cavalo arisco e ressabiado, por temer perder seu emprego. Tendo o cavalo atropelado um pedestre, foi o cocheiro submetido a julgamento e, posteriormente, teve sua culpa excluída, em face da impossibilidade de o direito lhe ter exigido outra conduta.

Assim, a culpabilidade apenas estará aperfeiçoada se o agente, nas circunstâncias específicas do caso concreto, puder agir de outro modo, sendo-lhe exigível conduta diversa.

(43)

Nessa ordem de ideias, Miguel Reale Júnior33 ensina que “reprova-se o agente por

ter agido de tal modo que, sendo-lhe possível atuar de conformidade com o direito, haja preferido agir contrariamente ao exigido pela lei”.

Tal princípio possui três sentidos fundamentais: culpabilidade como elemento integrante do conceito analítico de crime, como princípio medidor da pena e como impedidor da responsabilidade penal objetiva, ou seja, responsabilidade penal sem culpa.

A primeira das vertentes ensina que a culpabilidade é estudada, segundo o ensinamento de Welzel34, após a análise do fato típico e da ilicitude, ou seja, após concluir-se

que o agente praticou um ilícito penal. Uma vez concluída tal análise, inicia-se um novo estudo, que agora terá seu foco dirigido à possibilidade ou não de censura sobre o fato praticado. Nesse sentido, a lição de Claus Roxin35, quando aduz:

O injusto penal, quer dizer, uma conduta típica e antijurídica, não é em si punível. A qualificação como injusto expressa tão somente que o fato realizado pelo autor é desaprovado pelo direito, mas não o autoriza a concluir que aquele deva responder pessoalmente por isso, pois que esta questão deve ser decidida em um terceiro nível de valoração: o da culpabilidade, sendo, portanto, fundamental na caracterização da infração penal.

O segundo viés da culpabilidade a considera na medição da pena. Sendo uma dada conduta típica, ilícita e culpável, o agente estará, em tese, condenado. Nesse sentido, o ensinamento de Juan Cordoba Roda36, quando assevera:

Uma segunda exigência que se deriva do princípio regulador da culpabilidade é a correspondente ao critério regulador da pena, conforme o juízo de que a pena não deve ultrapassar o marco fixado pela culpabilidade da respectiva conduta.

Assim, tal viés foi adotado pelo Código Penal Brasileiro o qual, ao estabelecer o critério trifásico de aplicação das sanções penais, aduz, no art. 59 do CPB:

33 Teoria do delito. 2. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 95.

34 WELZEL, Hans apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva,

2000, p. 115.

35 ROXIN, Claus; ARZT, Gunther; TIEDEMANN, Klaus . Introducción al derecho penal y al derecho penal procesal. Tradução: Luis Arroyo Sapatero e Juan-Luis Gómez Colomer. 2. ed. Barcelona: Ariel, 1989, p. 38.

(44)

O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime.

A primeira das circunstâncias judiciais a ser aferida pelo juiz é, justamente, a culpabilidade. Nessa fase, esse estudo não mais se destinará a concluir pela infração penal, já verificada no momento anterior. A culpabilidade, uma vez condenado o agente, exercerá uma função medidora da sanção penal que a ele será aplicada, devendo ser realizado outro juízo de censura sobre a conduta por ele praticada, não podendo a pena exceder ao limite necessário à reprovação pelo fato típico, ilícito e culpável praticado.

O terceiro compartimento da culpabilidade, por sua vez, aborda-a como princípio impedidor da responsabilidade penal objetiva, ou seja, responsabilidade penal sem culpa.

Segundo Nilo Batista37, a culpabilidade “impõe a subjetividade da

responsabilidade penal. Não cabe, em direito penal, uma responsabilidade objetiva, derivada tão-só de uma associação causal entre a conduta e um resultado de lesão ou perigo para um bem jurídico”.

Isso significa dizer que determinado resultado só pode ser atribuído ao agente caso sua conduta tenha sido dolosa ou culposa.

Todavia, deve ser observado que, nessa vertente, que tem por finalidade afastar a responsabilidade penal objetiva, a culpabilidade deve ser entendida somente como um princípio em si, pois que, uma vez adotada a teoria finalista da ação, dolo e culpa foram deslocados para o tipo penal, não pertencendo mais ao âmbito da culpabilidade, que é composta, segundo a maioria da doutrina nacional, consoante expendido alhures, pela imputabilidade penal, pelo potencial conhecimento da ilicitude do fato e pela exigibilidade de conduta diversa.

(45)

CAPÍTULO 3 A SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA E A PROGRESSÃO DE REGIME

Abordaremos, agora, os institutos da suspensão condicional da pena (sursis) e da progressão de regime: requisitos para sua obtenção, possibilidade de revogação, dentre outros aspectos.

3.1. A SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA

A suspensão condicional da pena consiste num benefício processual aplicável, via de regra, na justiça penal comum e na justiça castrense.

Na esfera penal comum, o sursis está previsto no art. 77 do Código Penal, verbis:

Art. 77 - A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

I - o condenado não seja reincidente em crime doloso; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

III - Não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art. 44 deste Código. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

§ 1º - A condenação anterior a pena de multa não impede a concessão do benefício. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

§ 2º - A execução da pena privativa de liberdade, não superior a quatro anos, poderá ser suspensa, por quatro a seis anos, desde que o condenado seja maior de 70 (setenta) anos de idade. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Assim, a suspensão condicional da pena pode ser concedida pelo juiz quando da prolação de sentença condenatória, desde que o apenado satisfaça requisitos objetivo e subjetivos: o primeiro deles consiste na cominação de pena não superior a dois anos.

Referências

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