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– PósGraduação em Letras Neolatinas

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Academic year: 2018

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SOB O SIGNO DE TLÁLOC

CONSTRUÇÃOIDENTITÁRIAE MEMORIALNAOBRADE GIOCONDABELLI

Bethania Guerra de Lemos

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como requisito para a obtenção do Título de Doutor em Letras Neolatinas (Estudos Literários Neolatinos).

Orientadora: Profª. Doutora Mariluci da Cunha Guberman

Co-orientador: Prof. Doutor Teodosio Fernández (UAM - Doutorado Sanduíche no Exterior CAPES)

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Sob o signo de Tláloc:

Construção identitária e memorialna obra de Gioconda Belli Bethania Guerra de Lemos

Orientadora: Professora Doutora Mariluci da Cunha Guberman

Co-orientador: Prof. Doutor Teodosio Fernández (Universidad Autónoma de Madrid)

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como requisito para a obtenção do Título de Doutor em Letras Neolatinas (Estudos Literários Neolatinos).

Examinada por:

_____________________________________________________________________ Presidente, Profa. Doutora Mariluci da Cunha Guberman

_____________________________________________________________________ Profa. Doutora Lívia Maria de Freitas Reis Teixeira - UFF

_____________________________________________________________________ Profa. Doutora Edna Maria dos Santos – UERJ

_____________________________________________________________________ Profa. Doutora Maria Aparecida da Silva - UFRJ

_____________________________________________________________________ Profa. Doutora Cláudia Heloisa Impellizieri Luna Ferreira da Silva - UFRJ

_____________________________________________________________________ Profa. Doutora Magnólia Brasil Barbosa do Nascimento – UFF - suplente

_____________________________________________________________________ Prof. Doutor Marco Américo Lucchesi - UFRJ - suplente

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Lemos, Bethania Guerra de.

Sob o signo de Tláloc: construção identitária e memorial na obra de Gioconda Belli/ Bethania Guerra de Lemos. – Rio de Janeiro:UFRJ/FL, 2008

ix, 330f.: il.; 31 cm.

Orientadores: Mariluci da Cunha Guberman e Teodosio Fernandez (UAM)

Tese (doutorado) – UFRJ/ Faculdade de Letras/ Programa de Pós-graduação em Letras Neolatinas, 2008.

Referências Bibliográficas: f. 187-205

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SINOPSE

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AGRADECIMENTOS

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq pela Bolsa de Pesquisa no País, sem a qual o início e o desenvolvimento desta trajetória não teriam sido possíveis.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES pela concessão da Bolsa de Estágio de Doutorando no exterior, realizado em Madri/ Espanha, durante a qual tive acesso a material bibliográfico imprescindível à pesquisa.

À Professora Doutora Mariluci Guberman, pesquisadora e orientadora impecável, amiga dedicada, docente que amplia nossos horizontes. Exemplo ontem, hoje e sempre.

Ao Professor Doutor Teodosio Fernández, intelectual incansável, que me acolheu generosamente na Universidad Autónoma de Madrid, oferecendo-me orientação constante, respeitosa e baseada no diálogo acadêmico.

À Professora e escritora Doutora Selena Millares (UAM), que brindou-me suas excelentes aulas, comentários, apoio e amizade.

À Professora Doutora Lívia Reis (UFF), pelos importantes aportes na ocasião de meu exame de qualificação doutoral.

A minha mãe Vera Lucia Guerra, mulher-fênix que me apresentou à magia da palavra escrita e ao seu poder transmutador. Obrigada pela dedicação e amor incondicionais, pelos sacrifícios, pela luta, por ensinar-me que podemos ir além.

A meu pai Afonso Luiz de Lemos, de quem aprendi que a vitória só vem no tempo certo, como no xadrez, e que sempre é mais bonito ganhar depois de uma partida difícil do que com um cheque pastor.

A Amanda Guerra, fiel dos meus segredos, lugar de encontro, irmã dos tantos caminhos, educadora primorosa e valente. Obrigada por toda a cumplicidade. A Ivan da Cunha, amigo inquestionável de todas as horas, íntimo dos Deuses e conselheiro de muitas estradas.

A Valeria Lima, companheira de ideologias que se alternam sempre no desejo de construir algo grandioso e melhor, inteligência perspicaz que traduz o mundo com olhos superiores.

A Diana Araujo Pereira, fraternidade escolhida há muito tempo, amizade inquebrantável em nossos textos-batalhas pessoais e compartilhados.

A José Luis Vieira, quem me inspirou provavelmente sem saber, com sua crença firme na vitória e na necessidade das revoluções verdadeiras.

A Juan Bautista Rodríguez, conhecedor da minha trajetória ibérica, apoio e família quando estive longe, testemunha afetiva e literária de meus processos de transformação.

A Leonardo Pereira Montejo, pequeno grande guerreiro que chegou fortalecendo laços e iluminando sendeiros.

À extinta Convergência Socialista. Com seus erros e acertos, a C.S. foi e é base fundamental de minha construção política e humana.

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Dedico este trabalho

aos povos da Nicarágua, pré e pós-colombianos e aos demais povos vencidos que algum dia insurgiram-se contra o opressor;

aos meus antepassados espanhóis, portugueses, africanos e paraguaios. Origens perdidas que guiaram estes caminhos mestiços desde o profundo mistério do sangue.

e a todos aos que acreditam que “el triunfo de la revolución es el triunfo de la poesía”.*

* Frase pintada em uma parede da Cidade de León e em um cartaz do evento “Nicaragua Libre”, onde

estiveram presentes Ernesto Cardenal e Julio Cortazár, citada por Cardenal em La revolución perdida.

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Sob o signo de Tláloc:

Construção identitária e memorialna obra de Gioconda Belli

Bethania Guerra de Lemos

Orientadora: Professora Doutora Mariluci da Cunha Guberman

Co-orientador: Prof. Doutor Teodosio Fernández (Universidad Autónoma de Madrid)

Resumo da Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Doutor em Letras Neolatinas (Estudos Literários Neolatinos).

Estudo do processo de construção identitária através do encontro entre literatura e história (García Canclini, Eduardo Subirats, Homi Bhabha), na narrativa de Gioconda Belli e no contexto da literatura nicaragüense a partir dos anos 70. Estabelecimento dos elementos históricos e do panorama da época da revolução sandinista. Revisão da literatura nicaragüense, em especial a escrita por mulheres. Abordagem da obra em prosa de Gioconda Belli por meio de um eixo simbólico e histórico, da recuperação de deuses, símbolos e rituais do universo mágico indígena (Mircea Eliade, J.Thompson) e inter-relação desses aspectos nos romances com as críticas da sociedade contemporânea e das opções revolucionárias apresentadas pelas personagens. Construção da memória histórica e do debate sobre a utopia nos romances da autora (Walter Benjamin, Didi-Huberman, Eduardo Subirats). Desenvolvimento da hipótese do estabelecimento de uma estratégia discursiva e simbólica que se inicia no primeiro romance, La mujer habitada, e se conclui em Waslala, onde são percebidos processos de “perda e busca”,“encontro e volta à perda” do território ideal.

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Bajo el signo de Tláloc:

Construcción identitaria y memorial en la obra de Gioconda Belli

Bethania Guerra de Lemos

Tutora: Profesora Doctora Mariluci da Cunha Guberman

Co-tutor: Prof. Doctor Teodosio Fernández (Universidad Autónoma de Madrid)

Resumen de la Tesis de Doctorado presentada al Programa de Posgrado en Letras Neolatinas de la Universidade Federal do Rio de Janeiro como exigencia para la obtención del Título de Doctor en Letras Neolatinas (Estudios Literarios Neolatinos).

Estudio del proceso de construcción identitaria a través del encuentro entre literatura y historia (García Canclini, Eduardo Subirats, Homi Bhabha), dentro del proceso de la narrativa de Gioconda Belli, en el contexto de la literatura nicaragüense a partir de los años 70. Establecimiento de los elementos históricos y del panorama de la época de la revolución sandinista. Revisión de la literatura nicaragüense, en especial la escrita por mujeres. Enfoque de la obra en prosa de Gioconda Belli por medio de un eje simbólico e histórico, de la recuperación de dioses, símbolos y rituales del universo mágico indígena (Mircea Eliade, J.Thompson) e interrelación de esos aspectos en las novelas con las críticas sociales de la sociedad contemporánea y de las opciones revolucionarias presentadas por los personajes. Construcción de la memoria histórica y del debate sobre la utopía en las novelas de la autora (Walter Benjamin, Didi-Huberman, Eduardo Subirats). Desarrollo de la hipótesis del establecimiento de una estrategia discursiva y simbólica que se inicia en la primera novela, La mujer habitada, y se concluye en Waslala, donde se perciben procesos de “pérdida y búsqueda”, “encuentro y vuelta a la pérdida” del territorio ideal.

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Under the sign of Tláloc:

Identity and memory construction in the works of Gioconda Belli

Bethania Guerra de Lemos

Tutor: Professor Doctor Mariluci Guberman

Co-Tutor: Prof. Doctor Teodosio Fernandez (Universidad Autónoma de Madrid) Abstract of the Thesis of Doctorate presented to the Postgraduate Program in Neo-Latin Languages of the Universidade Federal do Rio de Janeiro, a requisite to obtain the Degree of Doctor in Neo-Latin Letters ( Neo-Latin Literary Studies).

Study of the identity construction process through the encounter between Literature and history (García Canclini, Eduardo Subirats, Homi Bhabha), within the narrative process by Gioconda Belli, in the context of Nicaraguan Literature since the 70s. Description and outline of the historical elements and context at the time of the sandinist revolution. Revision of Nicaraguan Literature, in special that written by women. Approach of the stories and novels by Gioconda Belli from a symbolic and historical point of view, of the recovery of Gods, symbols and rituals of indigenous the magical universe (Mircea Eliade, J.Thompson) and the relationship of these aspects with social critics of contemporary society and the revolutionary options displayed by the characters in her novels. Construction of the historical memory and discussion on the utopia in novels by the author (Walter Benjamin, Didi-Huberman, Eduardo Subirats). Development of the hypothesis of the establishment of a discursive and symbolic strategy that begins in the first novel, The inhabited woman, and concludes in Waslala, where processes of "loss and search" are perceived, "finding and new loss" of the ideal territory.

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SUMARIO

PRÓLOGO ...12 AAUTORA ... 15 INTRODUÇÃO ... 21

1ª Parte

HISTÓRIA E LITERATURA

01. DA CONQUISTA À INDEPENDÊNCIA

1.1. Grupos étnicos pré-colombianos ...32 1.2. Conquista espanhola, resistência indígena e invasão inglesa...37

02. DITADURA, REVOLUÇÃO E PERCURSOS LITERÁRIOS

2.1. A dinastia Somoza e a Frente Sandinista de Liberación Nacional...46 2.2. Breve revisão da literatura nicaragüense ...57

03. ARTE E RESISTÊNCIA

3.1. Uma revolução da cultura: as memórias de Ernesto Cardenal...80 3.2. Poetas na Nicarágua: precursoras e contemporâneas de Gioconda Belli...99

2ª Parte

NA PELE DE UM PAÍS INTEIRO

01. TESTEMUNHOS E REVOLUÇÕES:

(11)

02. CONSTRUÇÃO SIMBÓLICA EM LA MUJER HABITADA E WASLALA

2.1. Trajetórias histórico-literárias nos romances...181

2.2. Esquemas mitológicos na obra literária...208

2.3. A casa – a terra – o corpo...220

2.4. A árvore – a selva...231

2.5. As águas originais...238

03. MEMÓRIA E HISTÓRIA: HABITANDO CORPO DE MULHER 3.1. Recuperação ou construção?...247

3.2. Distâncias cronológicas, proximidades memoriais...256

04. TERRITÓRIOS DE FRAGMENTOS: SOB O SIGNO DE TLÁLOC 4.1. Cidade como uma construção híbrida: Utopia-Waslala...269

4.2. Procura,encontroe perda: a busca da identidade ...293

CONCLUSÃO ...312

BIBLIOGRAFIA ...317 ANEXO I–IMAGENS E FIGURAS ...I ANEXO II–FOTOS...III ANEXOIII-FRAGMENTOS DA REVISTA “NICARÁGUA GUERRILHEIRA”...XIV

(12)

PRÓLOGO

O primeiro romance de Gioconda Belli, La mujer habitada, chegou-me

como um presente, em 26 de junho de 2000. Era o final do Curso de Lengua y

Literatura españolas, pela AECID em Madrid e os companheiros de aulas

despediam-se com livros. Uma amiga guatemalteca dedicou-me o regalo com as

seguintes palavras: “Ojalá te guste este libro de una centroamericana, inserta en

su cultura y simbología. Con cariño, Mónica”. Ela realmente não podia ter a

dimensão de tudo o que me oferecia.

Não sei por quê não o li de imediato. Os estudos eram outros, os poetas

da Guerra Civil espanhola povoavam minha mente e meus projetos. Bem mais

tarde, ao escolher o tema para o plano de ingresso no doutorado, o livro gritava

em minha estante, pedindo para ser lido. E eu me rendi. Não só a ele, mas a um

novo panorama de possibilidades que se abriam. Durante dois dias e duas

noites Lavinia e Itzá contaram-me suas histórias, elas foram meus sonhos e

minha vigília. Logo, em um jogo encadeado de sincronias, reencontrei na casa

de meus pais uma antiga revista guardada por mim há muito tempo, “Nicarágua

Guerrilheira”1, junho de 1979, um mês antes do triunfo da revolução sandinista.

É certo que só nasci em 1977, e 1979 não fazia parte da minha memória

consciente. Entretanto, a construção do texto, o caminhar pelos senderos da

prosa poética de Gioconda Belli, configuraram-se, para mim, como uma

(13)

construção memorial. Tudo que veio antes e tudo que o que virá depois também

nos pertence.

Em 2006, poucos dias depois de minha volta a terras espanholas, agora

para a presente pesquisa, surge a notícia da nova vitória de Daniel Ortega para

presidência da Nicarágua. “Sandinistas no poder!” é a consigna ouvida nas ruas

de Manágua e propagada na mídia internacional. Apresentam-se esperanças de

um futuro sandinista para a Nicarágua? Será este o dirigente que lutou contra a

ditadura de Somoza? A utopia sandinista encontra lugar nesse governo, ou

melhor, na Nicarágua? Cremos que não. Sabemos, como Gioconda Belli, e

Sergio Ramírez, que este governo não será sandinista:

As bandeiras da esquerda combativa, guardadas durante a campanha eleitoral, continuam sem ser içadas novamente, e seu discurso [o de Daniel Ortega] perante os banqueiros e empresários, com quem manteve constantes reuniões, é conciliador. Prometeu que os acordos com o Fundo Monetário Internacional serão respeitados, e também o Tratado de Livre Comércio com Estados Unidos, e convidou os investidores estrangeiros a confiar em que as regras do jogo não terão variantes abruptas.2 (T.A.)

Não deixamos, entretanto, de crer na revolução que passou e em suas

vitórias. Porém, o momento é outro. O território foi modificado. E as soluções

também serão diferentes, com novos discursos, porque as estruturações de

mundo mudaram. Já não será possível reviver o sonho sandinista exatamente

2 RAMÍREZ (2006) “El beneficio de la duda”.

(14)

da mesma forma como ele foi gerado em seus inícios, entretanto tampouco é

preciso renunciar aos sonhos.

Buscando os passos que nos trouxeram até esse novo momento,

caminhamos pelos rumos das florestas de Waslala e pelos rios de Faguas.

Retrocedemos no tempo, na mesma Nicarágua, mas pisando o espaço da ficção

dos romances de Gioconda Belli. E com o espírito que magistralmente a autora

constrói em sua narrativa, o de quem procura o elo entre dois mundos – o

contemporâneo e o pré-colombiano – para compreender e transformar o

(15)

A AUTORA

A escritora nicaragüense Gioconda Belli3

Uno no vale por lo que quita sino por lo que da a los demás. Ernesto Cardenal4

3 http://www.giocondabelli.com

4 Sobre este verso Ernesto Cardenal comenta em

La revolución perdida: “Yo había escrito antes en un

(16)

Gioconda Belli nasceu em Manágua, Nicarágua, no ano de 1948, no

ambiente privilegiado da burguesia nicaragüense, foi educada para “brilhar” na

sociedade e assumir os papéis de esposa e mãe, apesar da tradição

anti-somozista de sua família. Depois de casar-se muito jovem, em 1967, e ter uma

filha, começa a perguntar-se se sua função social não pode ir mais além. Em El

país bajo mi piel (2001:51) a autora comenta o momento decisivo de sua vida:

La domesticidad me ahogaba. Empecé a tener pesadillas. La mitad del cuerpo se me convertía en electrodoméstico, y me agitaba como lavadora de ropa. Por esa época leí libros feministas. Germaine Greer, Betty Friedan, Simone de Beauvoir. Mientras más leía menos podía tolerar la perspectiva de años y años conversando sobre recetas de cocina, muebles, decoración interior. Me aburrían los sábados en el Country Club repitiendo la vida de nuestros padres: los maridos jugando al golf, los niños en la piscina, mientras nosotras dale otra vez con las niñeras, la píldora, el dispositivo intrauterino de cobre o los ginecólogos de moda. Lo único interesante para mí en ese tiempo fue la llegada de Neil Armstrong a la Luna. Y mi hija, claro, pero conversar con un bebé tenía sus limitaciones.

O terremoto de Manágua, em 23 de dezembro de 1972, causando a

destruição de 75% da cidade e a morte de aproximadamente 20.000 cidadãos5,

além da atitude corrupta do governo de Somoza, precipita os acontecimentos

que transformariam a vida de Gioconda Belli e a levariam a comprometer-se

definitivamente com a Frente Sandinista de Liberación Nacional (FSLN). De

colaboradora clandestina passa a ser ativista da resistência contra o ditador;

trabalha como “correio secreto”, é perseguida pelos serviços de inteligência e

pela Guarda Nacional da ditadura somozista, faz parte das equipes que

5 Informações extraídas do da página

(17)

preparam uma ação-comando e apaixona-se por Henry Ruiz, “Modesto”, um dos

guerrilheiros que liderará as ações e fará parte do “Grupo de los Doce”, sendo

mais tarde seu marido, membro do Diretório na Nacional Sandinista e Ministro

do Planejamento.

A poesia de Gioconda Belli (2001:62) nasce junto a sua filiação militante.

Literatura e revolução passam a fazer parte de sua relação com o mundo de

forma simultânea. Publica os primeiros poemas políticos em revistas como El

Gallo Ilustrado, La Prensa Literaria e Nicaracuac.

Em sua autobiografia, Belli (2001:68) narra a reação de seus familiares à

publicação dos primeiros poemas, nos quais celebrava a feminilidade

influenciada pelas leituras de autoras feministas e sua nascente rebelião contra

o sistema patriarcal e social vigente:

Menos de quince días después de que escribiera mis primeros poemas, La Prensa Literaria me dedicó casi una página entera. “Una nueva voz en la poesía nicaragüense”, anunciaba el encabezado al lado del retrato en que Róger me pintó oscura y misteriosa.

–Pobre tu marido –me dijo una tía el domingo, al día siguiente de la publicación–. ¿Cómo es posible que hayas escrito y publicado esos poemas? ¿Cómo se te ocurrió escribir un poema sobre la menstruación? Qué horror. Qué vergüenza.

–¿Cómo? –respondí yo–. ¿Vergüenza? ¿Vergüenza por qué?

(18)

Acreditando que a palavra poética também faz parte das transformações

dos homens e do mundo, como nos diz Octavio Paz (1998:13), essa nova autora

se lança ao panorama social e literário com armas e letras. Belli pertence à

geração de poetas que criaram um novo estilo de expressão na Nicarágua, um

estilo revolucionário que rompe com antigas estruturas. No ano de 1974 a autora

publica Sobre la Grama (poesias). Em 1975 se vê obrigada a buscar exílio no

México, onde sofre com a separação de sua pátria e de suas filhas. Estende seu

desterro à Costa Rica e viaja à Cuba, onde conhece Fidel Castro e recebe

treinamento prático de guerrilha6 (Belli,2001:17):

Era una mañana de enero de 1979. Un viento fresco, del norte, envolvía el día en una atmósfera limpia y sin nubes. Habría sido un día perfecto para ir a la playa o tirarse sobre el césped bajo un pinar a contemplar el Caribe. En vez de eso, me encontraba con un grupo de guerrilleros latinoamericanos en un polígono de tiro empuñando un AK 47. Detrás de mí, conversando con un grupo, observándonos, estaba Fidel Castro.

Seu segundo livro de poemas, Línea de Fuego, aparece em 1978 e

recebe o Prêmio “Casa de las Américas” em Cuba. Depois do triunfo da

Revolução Sandinista, em 19 de julho de 1979, Gioconda volta à Nicarágua,

onde ocupa importantes cargos políticos, diretamente subordinada à direção

nacional da FSLN, até a derrota eleitoral de 1990. Sua produção literária vai da

poesia à prosa e passa também pelo relato de memórias. Entre 1982 e 1987

publica três livros de poemas: Truenos y Arcoiris (1982), Amor Insurrecto y De la

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Costilla de Eva (1987). O primeiro romance da autora, La mujer habitada, foi

publicado em 1988 e neste mesmo ano traduzido a vários idiomas,

convertendo-se em sucesso editorial na Europa. Na Alemanha ganhou o Prêmio “Mejor

Novela Política del Año” (1989) e o “Premio Anna Seghers”. Em 1990 e 1996

foram publicados outros dois romances, Sofía de los Presagios y Waslala. Em

1992 surge também um conto infantil, El taller de las mariposas.

A autobiografia El país bajo mi piel é publicada em 2001,

simultaneamente em seis países. Gioconda Belli narra nessa obra os anos

decisivos de sua vida, com a prosa fluente e poética que conquistou tantos

leitores no mundo, levando-nos a acompanhá-la em sua viagem interior em

direção à descoberta do amor, da sexualidade e da maternidade, assim como da

convicção de que fazendo a revolução poderia transformar a realidade de seu

país. Sem pretensões de possuir a verdade absoluta, essa mulher apaixonada,

mãe, intelectual e revolucionária, apresenta-nos uma visão amorosa e crítica de

um dos processos políticos mais memoráveis da América Latina. Em um texto

rico em registros, a autora vai revelando os acontecimentos que a levaram a

viver duas experiências muito diferentes: a da Revolução Sandinista até 1990, e

a de uma vida de escritora na Califórnia desde essa data. Com o amor como

força articuladora de sua existência, Gioconda defende ardentemente o valor da

paixão, o romantismo e o idealismo.

Em 2003, com o livro de poemas Mi íntima multitud, a autora recebe na

Espanha o V Premio Internacional de Poesia Generación del 27. Na atualidade

(20)

mundo, continua seu trabalho centrado tanto na produção em prosa quanto na

poesia. Em 2005 a autora foi incorporada à “Real Academia de la Lengua

Española”, seção Nicarágua.

O romance histórico El pergamino de la seducción, lançado em 2006 e

ainda sem tradução para o português, tem como temática central recontar a vida

de Juana de Castilla, mal denominada, segundo a autora, Juana la Loca.

Gioconda defende nessa obra que a divulgada “loucura” de Juana não teria

passado de uma estratégia política para impedir que esta chegasse ao poder,

bem como para reprimir sua natureza amorosa e ativa.

As obras de Belli foram publicadas em mais de onze idiomas e em países

como Espanha, México, Alemanha, Holanda, Inglaterra, França, Grécia, China,

Itália e Estados Unidos. Em 2007, lançou outro livro de poemas Fuego soy,

apartado y espada puesta lejos. E recentemente, em 2008, recebeu em Madrid o

Premio Biblioteca Breve da Editora Seix Barral, por seu último romance editado,

El infinito en la palma de la mano, que evoca e recria o mito das origens

(21)

INTRODUÇÃO

Noticia para viajeros

Si todo es corazón y rienda suelta y en las caras hay luz de mediodía, si en una selva de armas juegan niños y cada calle la ganó la vida,

no estás en Asunción ni en Buenos Aires, no te has equivocado de aeropuerto, no se llama Santiago el fin de etapa, su nombre es otro que Montevideo.

Viento de libertad fue tu piloto y brújula de pueblo te dio el norte, cuántas manos tendidas esperándote, cuántas mujeres, cuántos niños y hombres

al fin alzando juntos el futuro, al fin transfigurados en sí mismos, mientras la larga noche de la infamia se pierde en el desprecio del olvido.

La viste desde el aire, ésta es Managua de pie entre ruinas, bella entre baldíos, pobre como las armas combatientes, rica como la sangre de sus hijos.

Ya ves, viajero, está su puerta abierta, todo el país es una inmensa casa. No, no te equivocaste de aeropuerto: entrá nomás, estás en Nicaragua.

Managua, febrero de 1980

(22)

Esta tese propõe-se a investigar como se dá a busca pela construção

identitária e memorial através do encontro entre a literatura e a história na obra

de Gioconda Belli. Nosso trabalho está centrado em dois romances, na

autobiografia da autora, e em alguns emblemáticos poemas que anunciam

temáticas desenvolvidas na obra em prosa, dentro do contexto da literatura

nicaragüense (especialmente a escrita por mulheres) a partir dos anos 70.

Portanto, faz-se imprescindível, na primeira parte de nossa investigação, tanto o

estudo dos elementos históricos, estruturados no primeiro capítulo; como o

traçado de um panorama dessa época, para que se compreenda de que forma

Belli chega a estabelecer sua escritura em prosa (passando pela poesia, e

“nunca deixando-a”, como a própria autora afirma), e a ser atualmente uma das

escritoras mais representativas do cenário literário nicaragüense.

Antes de chegar a tal estruturação, nossa pesquisa passa por outras

fases. Ao começar os estudos sobre a literatura nicaragüense, deparamo-nos

com uma necessidade quase irrefutável de estabelecer uma breve revisão da

literatura da Nicarágua, ainda pouco conhecida e trabalhada no Brasil, já que

dificilmente outros autores além de Rubén Darío e Ernesto Cardenal, são objeto

de profundos estudos acadêmicos.

Desta forma, nosso trabalho deixou de compor-se somente pela obra de

Gioconda Belli, inicialmente pensada como corpus, para passar a ser uma

tentativa de “viagem” (relembrando Waslala, como passageiros ativos no curso

(23)

sentido do ser da Nicarágua, um guegüense7, pícaro e ávido de encontro e de

rostos, que fala também, e principalmente, por boca de mulher. Essa trajetória

desemboca na obra da autora – a poesia e prosa – mas não se detém nela, não

quer e não pode se deter.

Para tal tarefa, tentamos questionar e compreender as problemáticas

político-sociais hispano-americanas, e o papel reconstrutor da obra literária a

partir de uma visão da história das margens. Segundo a escritora e professora

Selena Millares Martín, da Universidad Autónoma de Madrid, em seu livro La

maldición de Scherezade. Actualidad de las Letras Centroamericanas (1997:41),

um dos símbolos das manifestações estéticas de nossa época é a

problematização do cânone, impulsionada pela paródia, a carnavalização, a

ironia e o intertexto, que, através dessas estratégias, subverte, com uma nova

paisagem, a cena da criação. Para que seja possível essa subversão dos

padrões valoriza-se a diferença e a periferia, sendo assim,

[...] o ex-cêntrico adquire um novo sentido, para privilegiar a condição da negritude, a feminilidade, a homossexualidade ou o mundo indígena, que olham de frente para o que a tradição instituía como paradigma. (T.A)

Ainda acompanhando as reflexões de Selena Millares (1977:41-42),

verifica-se que o mundo indígena aporta sua diferença, nessa nova cena

literária, principalmente através das concepções mágicas das mitologias, tanto

na visão historicista como na fantástica e na real-maravilhosa, onde, nesta

7Referimo-nos ao personagem principal, de caráter pícaro e burlesco, da obra

El Güegüense o Macho Ratón, uma comédia anônima, escrita na Nicarágua em meados do século XVII, em uma mescla de

(24)

última, aparecem freqüentemente vozes femininas. Entretanto, além dos

elementos já citados, aparece também nessas obras o “componente

reivindicativo”, apresentando os conflitos sociais e identitários do local onde

ocorrem.

Acreditamos que a escritora nicaragüense contemporânea Gioconda Belli

contribui literária e politicamente para a discussão das problemáticas que

envolvem a América Hispânica e seus conflitos político-sociais. A autora vem

sendo analisada por diversos críticos como um expoente da literatura feminina

hispânica. Propomos, entretanto, uma abordagem que tentará ir um pouco além,

vendo sua obra em prosa como uma construção imaginária do “Novo Mundo”,

através de um eixo simbólico e histórico. A recuperação de deuses, símbolos e

rituais do universo mágico indígena aparece nos romances ao lado das críticas

da sociedade contemporânea e das opções revolucionárias apresentadas pelas

personagens, reagindo diante da necessidade de conquistar uma possível

identidade. Segundo o escritor nicaragüense Sergio Ramírez8 (2002):

As artes e as letras de Nicarágua, […], não são alheias à condição essencial desta mestiçagem múltipla, que reflete em nossa própria identidade cultural. A arquitetura, a pintura, a escultura, os tecidos, a cerâmica, os costumes e usos culturais, a fala diária, e a literatura oral e escrita, revelam a confluência de todas essas contribuições [...] e de sua própria mescla nasce a formosa riqueza de nossa cultura. (T.A.)

8 RAMÍREZ (2002) “Literatura Nicaragüense” in:

Enciclopedia de Nicarágua.Managua: Oceano.

(25)

Desta forma, o substrato mítico e ideológico é um dos elementos

formadores do discurso literário dessa autora, intrinsecamente político. Com a

publicação de seu primeiro romance, Gioconda Belli se afirma como uma

escritora de importância e representatividade nas letras contemporâneas.

A obra dessa escritora nicaragüense se insere na tentativa de construção

de um novo espaço simbólico diferente do defendido até então, que partia de

uma visão cêntrica, onde o saber considerado válido era o constituído e

produzido pela concepção dominante e colonizadora. Constrói-se nos romances

um território simbólico onde a mitologia pré-hispânica, antes considerada

“excêntrica”, faz parte do estabelecimento de valores e formas de entender e

atuar no mundo moderno. Esse processo se dá de maneira complexa, uma vez

que na contemporaneidade a discussão da perda da utopia e da necessidade de

construção da memória colocam-se como importantes temáticas na análise da

obra literária.

Defendemos nesta pesquisa a hipótese do estabelecimento de uma

estratégia discursiva e simbólica que se inicia no primeiro romance de Gioconda

Belli, La mujer habitada, e conclui-se em Waslala, onde são percebidos

processos de “perda e busca”, “encontro e volta à perda” do território ideal.

Entretanto, observamos que a segunda perda mencionada representa algo

diferente da primeira, pois revela outros matizes, já que o fracasso e a

fragmentação são assumidos e abrem-se novas perspectivas: a literatura

cumpre um papel fundamental na construção desse novo lugar. Tais aspectos,

(26)

pessoal em sua recente autobiografia, El país bajo mi piel, e são anunciados em

sua obra poética anterior.

Esclarecemos que no início deste projeto o corpus do trabalho incluía

também o segundo romance da autora, Sofía de los presagios, entretanto, com

o desenvolvimento da pesquisa percebeu-se que o esquema mitológico e

simbólico utilizado nessa obra, apesar de nos remeter também às sociedades

pré-hispânicas em alguns momentos, baseia-se principalmente na simbologia e

religiosidade dos povos de etnias ciganas. Na referida obra a protagonista Sofia

é uma cigana para quem o fato de ser diferente constitui-se durante toda sua

vida em dor e perseguição. Se por um lado a não aceitação do outro, no

romance, aparece como eixo central através da discriminação de Sofia por

causa de suas atitudes mágicas e religiosas, resgatando antigos rituais pagãos;

por outro lado, no desenlace a protagonista consegue o respeito dos demais

justamente por utilizar essas forças ancestrais. O mágico e o simbólico são

encarnados na personagem da feiticeira Xintal. Também aqui a força do

elemento mítico concorre para a “salvação” e o encontro da personagem.

A pesquisadora Selena Millares (1997:45) afirma que em Sofia de los

presagios “o amadurecimento já toma conta do texto e desaparece o grau de

maniqueísmo que se desprendia de sua anterior criação”. Sabemos que as

possibilidades de estudo baseadas na visão de mundo proposta nesse romance

são infinitas e importantíssimas, entretanto, consideramos que seria mais

produtivo não abordá-la nesta tese. Também o penúltimo romance de Belli, El

(27)

entrará no corpus central por apresentar novamente outro gênero narrativo, o

romance histórico; assim como a mais recente publicação de Belli, El infinito en

la palma de la mano, que trabalha com as cosmogonias e mitologias advindas

dos mitos de fundação judaico-cristãos. Essas obras, portanto, não constituem o

corpus de nossa hipótese central, que tem como objetivo centrar-se em outros

percursos simbólicos.

Na primeira obra, La mujer habitada, a narrativa se constrói através de

duas histórias que se entrecruzam. As protagonistas são figuras femininas que

lutam, cada uma em seu tempo histórico correspondente, por conseguir dois

tipos de libertação, um pessoal, individual e outro coletivo, social. A busca da

identidade aparece como um dos temas centrais da obra, e o resgate da história

indígena participa dessa construção. Segundo Millares (1977:45), nesse

romance “há uma profunda preocupação antropológica em torno às raízes, à

identidade própria”.

Defendemos que é em Waslala onde a autora retoma, desenvolve e

conclui (ainda que propositalmente em aberto) o processo iniciado em La mujer

habitada. Waslala é o paraíso perdido, a utopia de um povo oprimido e

subjugado pelo poder econômico. Encontrar esse “paraíso” faz parte do mito do

eterno retorno, que se relaciona e se constrói dentro da visão cíclica dos povos

indígenas. Tempo e espaço perdidos poderiam ser resgatados ficcionalmente

com a volta de seres imortais, em um lugar onde a dor e o sofrimento não

(28)

nova possibilidade, mais contemporânea e consciente da multiplicidade de

elementos formadores do povo latino-americano em questão.

Os dois romances conformam a tentativa de construção de uma memória

coletiva. A contestação social e política na obra de Gioconda Belli aparece no

discurso literário que analisa o contexto histórico nicaragüense, onde, no nível

simbólico, Nicarágua/ Faguas (lugar imaginário constante em sua obra)

universaliza-se, podendo representar toda a América Hispânica.

Além de representativos pela qualidade de sua produção narrativa, e

construídos com um discurso em prosa profundamente poético, os romances

têm em comum a temática da memória histórica e da discussão das lutas

sócio-políticas e revolucionárias de nosso tempo.

Para abordar essas questões desenvolvemos os seguintes aspectos,

apoiados em diversos teóricos: memória, história e arte (Hobsbawm, Benjamin,

Didi-Huberman); revisão da literatura nicaragüense (Arellano, Ramírez, Zamora);

política e cultura (Ernesto Cardenal, Darcy Ribeiro); símbolo e mito (Mircea

Eliade, J.Thompson, Chevalier); a imagem do corpo (Tucherman, Gil);

identidade, nação e território (García Canclini, Subirats, Homi Bhabha), cidade e

utopia (Rovira, Pizarro, Subirats, Coelho, Ainsa, Rama, Calvino).

Os objetivos secundários que estabelecemos para a pesquisa são: situar

a autora Gioconda Belli no contexto da literatura contemporânea nicaragüense;

analisar os conceitos de memória e identidade em busca de apoio teórico para

definir o processo de construção literária da escritora; verificar como a autora

(29)

compreensão histórica contemporânea; estudar como se dá a construção do

percurso de procura/ encontro/ perda na trajetória dos romances selecionados;

constatar como a autobiografia de Gioconda Belli, El país bajo mi piel, contribui

para a ponte histórica e pessoal na compreensão e análise de seus romances.

Esclarecemos, finalmente, que as edições das obras em prosa de Belli

utilizadas durante a pesquisa para citações e referências são: La mujer habitada

(Barcelona: Emecé, 1996); Sofía de los presagios (Buenos Aires: Emecé, 1997),

Waslala (Buenos Aires: Emecé, 1998), El país bajo mi piel (Plaza y Janés:

Barcelona, 2001), El pergamino de la seducción ( Barcelona: Seix Barral,2005),

(30)

1ª Parte:

HISTÓRIA E LITERATURA

Triunfo da Revolução Sandinista, Manágua, 19 de julho de 19799

(31)

01. DA CONQUISTA À INDEPENDÊNCIA

El pasado es siempre una morada. No podemos llegar a ser vanguardia de nada ni de nadie, ni siquiera de nosotros mismos, si irresponsablemente decidimos que el pasado no existe.

(32)

1.1. Grupos étnicos pré-colombianos

A Nicarágua (anexo I.1) pertence ao território da chamada Mesoamérica

(América Central e México). De acordo com o sociólogo e educador brasileiro

Darcy Ribeiro, em As Américas e a Civilização (2007:129-130):

Mesoamérica é a área intermédia que se estende do México às fronteiras da Colômbia, hoje dividida em cinco nacionalidades, uma confratação nacional criada pelos norte-americanos e um bolsão colonial britânico. O conjunto, enquanto povos-testemunho, compreende a Guatemala, com 56% de população indígena, Honduras, com 10%, São Salvador, com 20%, e Nicarágua, com 24%. [...] A área inteira conta com mais de 10 milhões de habitantes (1960). Dois milhões e meio são indígenas, vinculados à cultura original, que se concentram principalmente na Guatemala. [...] Nessa região desabrochou uma das poucas altas civilizações autônomas e originais do mundo, a maia, que, embora não alcançando o nível urbano e imperial dos egípcios, dos incas e dos astecas, atingiu um elevado grau de desenvolvimento.

Apesar do império maia não abranger o território nicaragüense, essa

civilização imprimiu marcas profundas no substrato indígena dos povos do país.

Entretanto, além desse inegável e primordial elemento, que estudamos

detidamente em outros capítulos, outros grupos étnicos confluíram na

configuração do cenário pré-colombiano na Nicarágua.

A história dos grupos pré-hispânicos naquele país é complexa. Nem

(33)

as crônicas de conquista10, seguem as divergências. De acordo com os próprios

autores dos documentos, como as línguas faladas pelos diversos grupos eram

diferentes, mas com semelhanças entre si, mesmo os textos de referência são

pouco esclarecedores nesse aspecto.

O cronista espanhol Gonzalo de Oviedo em Historia Natural apresenta

uma divisão central entre as línguas e etnias principais, presentes na Nicarágua

antes da conquista: os chorotega-mangüe e os nicarao-nahua (também

chamados Nicaraguas ou niquiranos). Segundo Javier García Bresó (1992:37)

en Identidad y cultura en Nicaragua, Oviedo sustenta que os dois grupos “não se

entendiam”, entretanto, Fray Bernadino de Sahagún11 utilizou a língua nahuatl

para constituir a primeira gramática desse idioma, com a qual é possível traduzir

vocábulos do chorotega, o que nos leva a crer que as línguas guardam grandes

similitudes.

Cronistas e investigadores coincidem que ambos grupos tiveram origem

em diferentes lugares da grande planície mexicana, já que esta era o núcleo

central das dispersões éticas e culturais nos séculos anteriores à conquista

espanhola. Anne Chapman (1974:20), etnóloga e antropóloga franco-americana,

afirma que tanto um grupo quanto o outro vinham do México, e que os nicaraos

haviam migrado do sul mexicano provavelmente setecentos anos antes da

conquista, e os chorotegas teriam chegado antes, também vindos do sul

mexicano.

10 Referimo-nos especialmente à obra

Historia General y Natural de las Indias, islas y Tierra Firme del mar Océano, de Gonzalo Fernández de Oviedo y Valdés.

11 Fray Bernadino de Sahagún: frei franciscano autor de um grande número de obras bilíngües em nahuatl e

(34)

Os nicaraos ocupavam uma parte do território nicaragüense que limitava

a leste com a região de Cocibolca, a oeste com o Oceano Pacífico e ao norte

com o rio Tamarindo e habitavam também as ilhas Zapatera e Ometepe e todo o

istmo de Rivas.

Os chorotegas estavam assentados na parte ocidental do território e na

faixa entre os dois lagos principais. Dividiram-se, entretanto, em dois grandes

grupos, por motivo de diversas guerras internas: os dirianes, que viviam em

locais como Salteba, cujo chefe local era o cacique Nequecheri e cujo poder

territorial estendia-se aos povoados de Diriomo e Niquinohomo. Os dirianes

estavam em constante guerra com os niquiranos de Xinotepetl e Masatepetl, e

apareciam também nas regiões de Masaya e Nindiri. Os naragrandos tinham

como cidades principais Imabita e Imbita, e poderiam ter incluído o povo

subtiava (ou maribio). Alguns estudiosos incluem esses grupos como

subdivisões dos chorotegas, e outros como um terceiro grande grupo

independente de chorotegas e nicaraos. Segundo Darcy Ribeiro (2007:187)

haveria ainda outra agrupação indígena, os jicague. O autor brasileiro afirma que

as diversas etnias presentes na Nicarágua transmitiram seus traços aos novos

grupos nacionais, e por esse processo surgiram grupos “neo-americanos”,

plasmando-os como “novos povos”.

Antes da chegada dos espanhóis, os chorotegas e os nicaraos eram as

principais culturas do Pacífico. Os maribios assentaram-se principalmente na

oeste da cordilheira vulcânica, que cruza a região, razão pela qual esta conserva

(35)

zona do Caribe ou Atlântico: os sumos (ou sumus), os mískitos e os ramas que

se assentaram na vertente do caribe. Os sumus e os mískitos mantinham maior

interação porque suas línguas eram realmente semelhantes. Os mískitos

constituem a etnia predominante na Nicarágua atualmente, havendo um número

reduzido de indígenas da etnia rama.

Ao possuírem uma origem de certa forma comum, essas sociedades

guardavam semelhanças com as das culturas do México, mantinham um

sistema de comércio à base do escambo ou de intercâmbios com povos

vizinhos, trabalhavam a terra e viviam da agricultura baseada no cultivo do

milho, além de semelhanças religiosas. De acordo com García Bresó (1992:40),

alguns restos arqueológicos nos mostram que os símbolos e ídolos utilizados

pela cultura chorotega possuem certa similaridade com representações dos

astecas, como serpentes, macacos, lagartos, monstros da terra, jaguares. Essa

semelhança é fundamental para compreender porque o sistema mitológico

utilizado nos romances da autora estudada nesta tese apresenta íntima relação

com o asteca-mexicano.

Podemos ainda destacar algumas analogias entre esses povos que

habitavam o território, hoje denominado Nicarágua, tais como as pirâmides

escalonadas, seu sistema de teogonia e cosmogonia, a prática de sacrifícios

humanos, o uso do cacau como moeda, a consumo de tabaco, sistemas de

calendários, elementos culinários similares (metate, comal, tortilla, chicha de

maíz), desenvolvimento de documentos escritos e semelhança entre os tipos de

(36)

política, com governos teocráticos e o “cacicazgo” (presença de caciques como

chefes)12. Entretanto, García Bresó (1992:38), apesar de concordar com a teoria

de Anne Chapman sobre as origens comuns, reforça as diferenças entre os

povos:

[...] se as semelhanças podem vincular-se a umas origens próximas, as diferenças acentuam-se porque os chorotegas emigraram ao sul séculos antes dos nicaraos. Quando estes últimos chegaram à Nicarágua os anteriores já levavam muito tempo vivendo nestas regiões. Haviam conseguido estender-se por toda a faixa do Pacífico da Nicarágua. (T.A.)

Desta forma, acentuam-se as diferentes formas de organização e

estabelecimento no território. Com a chegada posterior dos nicaraos, estes

entram nas terras onde vivem os chorotegas com atitudes belicosas (um ou dois

séculos antes da conquista espanhola), conseguindo expulsar um grupo

chorotega em direção ao norte da Costa Rica, no Golfo de Nicoya, tomando

suas terras (no grande lago da Nicarágua, diante da ilha Ometepe) e

assentando-se assim no território que a partir de 1523 os espanhóis

encontraram.

(37)

1.2. Conquista espanhola, resistência indígena e invasão inglesa

Em 1523, o capitão espanhol Gil González de Ávila chega ao Golfo de

San Lúcar de Barrameda, e do golfo parte para o povoado chorotega de Nicoya,

acompanhado de uma tropa de 100 espanhóis e 400 indígenas. Posteriormente

o conquistador encontra-se com o grupo do cacique “Niqueragua”, numeroso e

combativo, e esse encontro é fundamental para todo o desenvolvimento do

processo de conquista. O poder e a influência deste chefe devem-se ao alto

grau de desenvolvimento social de seu grupo, enquanto os demais chorotegas

possuíam um sistema de “jefatura”, os nicaraos encontravam-se no início de um

sistema de Estado militarista, com planos de expansão.

Gil González trava contato com Niqueragua, fato que, por sua

importância, passa a figurar nas crônicas de conquista de maneira sumamente

relevante, pois estas passam a referir-se não só à língua mas também à terra de

“Niqueragua”, nome que será dado à nova província. As pretensões de

expansão do Estado nicarao são, logicamente, freadas com a chegada

devastadora dos espanhóis, mas não sem resistência. González e sua

expedição avançam em direção ao lago e são recebidos pelo cacique Diriangén,

de quem exigem tributos, mas este se opõe à presença dos espanhóis, e junto

com 4000 homens rodeia a expedição, captura um deles e fere outros. Apesar

de um segundo ataque, do cacique Niqueragua, Gil González consegue

colocar-se a salvo e chegar ao golfo de San Lúcar, às embarcações de Andrés Niño.13

(38)

Em fins de 1524, Francisco Hernández de Córdoba, enviado do Panamá

à Nicarágua por Pedrarias Dávila14, entra com seu exército para conquistar e

colonizar a região e funda as cidades de León e Granada. A partir dessa

conquista começam a ser realizadas as primeiras encomiendas, que podem ser

definidas da seguinte maneira:

instituição de distintos conteúdos, segundo tempos e lugares, pela qual se fixava uma pessoa para um grupo de índios, e esta se aproveitaria de seu trabalho ou de uma tributação taxada pela autoridade, e sempre com a obrigação, por parte do “encomendero”, de procurar e costear a instrução cristã daqueles índios15. (T.A.)

Os povos indígenas que se rebelavam sofreram ataques sanguinários da

cavalaria e a destruição dos povoados. Os que aceitavam o sistema de tributos

eram, de certa forma, mais “poupados” pelos espanhóis. Essas batalhas foram

travadas especialmente ao norte do país.

Em março de 1527 inicia-se oficialmente o governo de Pedrarias Dávila,

entretanto, este não governa efetivamente até abril de 1528, sendo seu

representante até esta data Martín Estete. Antes da posse de Pedrarias assume

o governador de Honduras, Diego López de Salcedo, quem estabelece uma

nova redistribuição das tribos indígenas e um duro tráfico de escravos índios.

14 A figura do primeiro Governador da Nicarágua, Pedrarias Dávila, é o centro do romance

Requiem en Castilla de Oro (1996), do escritor nicaragüense Julio Valle Castillo.

(39)

Tais medidas levam a população indígena a organizar outras formas de

resistência e luta contra a conquista16.

Vários fatos importantes ocorrem antes da volta de Pedrarias, entre os

quais destacam-se a rebelião dos índios Chontales, em 21 de janeiro de 1527,

destruindo o povoado de Villahermosa fundado por Pedrarias nas “Segovias”, a

região mais ao norte da Nicarágua; e, ainda em 1527, o levantamento dos

indígenas de Mateare, sitiando a cidade de León. Na primeira, morre o capitão

Benito Hurtado, junto a outros espanhóis. A notícia da segunda rebelião chega

até o monarca espanhol através de uma carta escrita em León pelo “alcalde

mayor” Francisco de Castañeda, com data de 5 de outubro de 1529.

A carta de Castañeda faz referência a esses fatos relatando que os índios

de Mateare, junto aos de outros povoados, desafiaram os espanhóis da cidade

de “León Viejo”, tomando-a, e que os conquistadores passavam a noite dentro

de um cercado de madeiras, com medo dos indígenas17. Acrescenta ainda que

Martín Estete, responsável pela defesa de León, não o fez, sendo trazido outro

capitão de Segovia, Francisco de Campañón, quem, segundo a carta, ao chegar

“desbarató a los indios” e “hizo grandes estragos en ellos”. Sabe-se entretanto,

que a resistência indígena lutou brava e duramente contra os invasores. Porém,

passa-se a fazer referência a Mateare não como núcleo de rebeldia e

resistência, mas sim como “pueblo bautizado como cristiano”. Fray Francisco de

Bobadilla foi o religioso enviado por Pedrarias em missão evangelizadora e

16 Guido Martínez, 2006. op. cit.

(40)

inquisidora, e quem, no período compreendido entre setembro de 1528 e março

do ano seguinte, realizou o “batismo” da cidade.

Apenas dois meses depois de ter assumido o governo da cidade de León,

Pedrarias ordena a execução de dezoito índios18, provavelmente chorotegas, em

plena praça central da cidade, acusando-lhes da prática de “canibalismo”, pois

teriam assassinado e comido a Don Alonso de Peralta, dois jovens de

sobrenome Baeza e um encomendero de sobrenome Zúñiga. Pode-se imaginar

que, ao ser verdadeiro o fato do canibalismo, este provavelmente ocorreria em

rituais religiosos, onde o inimigo era sacrificado e comido pelos sacerdotes19.

Em El país bajo mi piel (2001:189), Gioconda Belli refere-se em diversos

momentos à resistência indígena na Nicarágua, unindo história e discurso

poético:

Desde que era niña mi abuelo materno, Francisco Pereira, me habló de lo aguerridos que habían sido los indios nicaragüenses. Recordaba la pasión de su voz cuando me contaba la historia de la princesa Xotchilt A Catalt, Flor de Caña. Montada en el caballo que el capitán español que era su amante le regalara, Flor de Caña no vaciló en salir con arco y flecha a matarlo cuando éste atacó a traición a su padre, el gran cacique Subtiava, Agateye. “Muere, traidor de mi pueblo, ladrón de mi honra, asesino de mi padre”, gritó la princesa atravesándolo de un certero flechazo para luego lanzarse galopando en medio de las llamas de la casa paterna.

Em 1542 são promulgadas as leis para centralizar a autoridade espanhola

e estabelecer o sistema judicial que controlaria a distribuição das terras e as

quantidades dos impostos (diferentes das encomiendas) que, de agora em

18 Ver anexo II.6

(41)

diante, seriam exigidos dos índios. Também com o objetivo de facilitar a

evangelização dos indígenas, diante da necessidade de “integrá-los à nova

sociedade” e, certamente, evitar novas rebeliões, – tanto espiritual como

materialmente – , chegaram muitas novas ordens missioneiras a cargo de freis

ou padres.

Em 1610, um terremoto destrói a cidade de León, que estava situada nas

margens do lago Xolotlán, motivo pelo qual foi transferida ao lugar onde hoje se

encontra. Isto, de alguma forma, beneficiou a cidade de Granada no que se

refere ao comércio que se movia pelo lago Cocibolca e pelo rio San Juan20, mas

a cidade não pôde escapar dos assaltos por parte dos piratas que conseguiam

atravessar o rio e surpreendê-la. Em 1633 os ingleses iniciam incursões na

costa caribenha da Nicarágua e estabelecem assentamentos que respondem ao

reino da Inglaterra.

A zona do Caribe nunca foi totalmente dominada pelos espanhóis. Os

ingleses mantiveram relações comerciais com os índios miskitos, principal grupo

dessa área, e foram realizadas diversas expedições a cidades do interior. Como

conseqüência da colonização inglesa, uma parte importante do Caribe

nicaragüense fala inglês até os dias de hoje e se refere aos demais habitantes

como “espanhóis”.

Entre os corsários que negociavam com os indígenas do Caribe e com os

ingleses que chegavam da Jamaica, encontrava-se Henry Morgan. Os

filibusteros (pirata americano, especialmente da América Central) começaram

(42)

assim a realizar visitas à costa do Caribe por causa das relações comerciais, o

que deu início à rivalidade entre a Espanha e o protetorado do Caribe, da

Inglaterra.

Granada era frequentemente invadida por grupos de piratas através da

costa atlântica, como a primeira incursão do pirata holandês John Davis,

ocorrida em 1665. No final do século XVII os ingleses, instalados na Jamaica,

estabelecem um protetorado na costa oriental do continente, indo do Golto do

México até o Panamá, o que permitiu um melhor assentamento dos corsários.

Em 1740 são fundadas as cidades de Bluefields e Greytown; e no

decorrer do século XVIII os ingleses acompanhados por índios da etnia miskita

realizam periodicamente incursões em direção ao interior, subindo rios e

cruzando o Grande Lago. Nesta época situa-se a gesta heróica de uma jovem

nicaragüense, Rafaela de Herrera Sotomayor, durante uma operação para

expulsar piratas vindos da Jamaica (Arellano,1986:20).

Os ecos da revolução francesa chegam até a América Central,

despertando a esperança de liberação do jugo espanhol. As primeiras

manifestações pela independência ocorrem em Masaya, León, Granada, Nicoya

e Guanacaste.

Em 15 de setembro de 1821 é declarada na Guatemala a independência

da América Central com relação à Espanha, que se divide em cinco estados, e,

posteriormente, em cinco repúblicas soberanas. A escravidão é abolida e

inicia-se uma etapa de deinicia-senvolvimento social e econômico. Entretanto, na Nicarágua

(43)

devastadoras para a paz da província. Todos queriam o controle e os cargos do

governo do Estado, e depois de diversas lutas entre liberais e conservadores,

em 1824, começa a primeira das numerosas guerras civis.

Diante da incapacidade dos governantes de chegar a um acordo, vêm à

tona interesses de diversos grupos que viam a Nicarágua como uma possível

rota inter-oceânica, o que atraiu não só os ingleses, que reclamavam direitos,

mas também outros aventureiros. Em 1848 aqueles apoderam-se da cidade de

San Juan del Norte, na costa atlântica com a finalidade de controlar a saída ao

Caribe .

De 1854 a 1856 ocorre a Guerra Nacional, e o flibusteiro William Walker,

quem havia sido contratado pelos liberais leoneses (democráticos) para derrotar

os conservadores granadinos (legitimistas), chega ao poder. Os objetivos de

Walker iam além da concessão do canal, pois pretendia também estabelecer um

Estado e controlar a rota do trânsito com destino à Califórnia, como comenta

Gioconda Belli em El país bajo mi piel (2001:23):

[…] el país entero para cumplir su sueño de añadir una estrella más a la bandera norteamericana. Walker se nombró presidente de Nicaragua y decretó la esclavitud, pero los centroamericanos se unieron para hacerle guerra y en 1860 lo fusilaron en Honduras.

Walker aproveita-se das constantes disputas para tomar o poder, impor o

inglês como língua oficial e restabelecer a escravatura. O processo engendrou

duas alterações significativas, a anexação, pela Costa Rica, da região

(44)

entre os dois países, e o estabelecimento definitivo da capital em Manágua.

Sobre este personagem histórico Eduardo Galeano afirma, sem abrir mão de

sua característica ironia, em Las venas abiertas de América Latina (2003:142):

Em meados do século passado [o XIX], o filbusteiro Wiliam Walker, que operava em nome dos banqueiros Morgam e Garrison, invadiu a América-Central à frente de um grupo de assassinos que se auto-denominavam “a falange dos imortais”. Com o respaldo extra-oficial do governo dos Estados Unidos, Walker roubou, matou, incendiou e proclamou-se presidente, em expedições sucessivas, da Nicarágua, El Salvador e Honduras. Reimplantou a escravidão nos territórios que sofreram sua devastadora ocupação, continuando, assim, a obra filantrópica de seu país nos estados que haviam sido usurpados, pouco antes, do México.(T.A.)

Em 1893, o Partido Liberal, liderado pelo General José Santos Zelaya,

tomou o poder, e com ele chegaram muitas mudanças ao país: o trem de ferro, o

telégrafo, os portos, o cultivo do café e, inclusive, foram feitos esforços para a

construção do canal inter-oceânico, mas o projeto não foi possível: primeiro, por

seu alto custo e, segundo, porque em 20 de dezembro de 1909 Zelaya viu-se

obrigado a renunciar. Posteriormente, o poder passa à coalizão do liberal Juan

José Estrada, e depois aos conservadores Emiliano Chamorro, Luis Mena e

(45)

02. DITADURA, REVOLUÇÃO E PERCURSOS LITERÁRIOS

Adelante marchemos compañeros avancemos a la revolución nuestro pueblo es el dueño de su historia arquitecto de su liberación.

Hino da FSLN21

La revolución es cultura y la cultura es revolución.22

José Coronel Urtecho.

21 Música e letra de Carlos Mejía Godoy, um dos fundadores da Frente. O hino oficial foi substituído

durante a campanha electoral de 1996 pela melodia da Nona Sinfonia de Beethoven (quarto movimento,

Ode à Alegria) e ganhou nova letra, intitulada “Himno a la alegría”.

(46)

2.1. A dinastia Somoza e a Frente Sandinista de Liberación Nacional

De acordo com Darcy Ribeiro (2007:133), a partir de 1909 os Estados

Unidos iniciam uma série de invasões na Nicarágua, tendo como motivo a

recusa da concessão para construir um canal inter-oceânico que ligasse o

Atlântico ao Pacífico. Esses contínuos ataques contribuíram para o crescimento

da dívida nicaragüense com os EUA:

cada desembarque é seguido de um empréstimo ao governo nicaragüense por meio do qual indeniza aos norte-americanos os gastos das operações de guerra e permite-lhes, ademais, apropriar-se dos setores mais lucrativos da economia nacional.

O governo conservador na Nicarágua, que contava portanto, com o apoio

dos Estados Unidos e devia a este país o sucesso de sua ascensão, autoriza em

1912 o estabelecimento de bases e de tropas norte-americanas na Nicarágua.

Em 1914 a concessão final é obtida, o negociador nicaragüense é eleito

presidente e o pais é governado por ele até 1925. Em 1926 os marines invadem

novamente a Nicarágua com o objetivo de combater o levantamento liderado

pelo general Augusto César Sandino23, liberal e líder guerrilheiro, herói da

resistência nicaragüense contra a ocupação norte-americana de 1927 a 1933.

Darcy Ribeiro (2007:133) retrata a figura de Sandino em As Américas e a

civilização:

(47)

Filho de um fazendeiro médio e de uma camponesa de origem indígena, o mecânico e agricultor Augusto César Sandino se tornaria o símbolo da resistência antiianque na América Central e um dos precursores da guerra de guerrilhas como tática de luta contra exércitos convencionais. Sua causa era originalmente a reconstituição do país; converte-se, porém, depois da intensificação norte-americana, numa guerra contra o invasor estrangeiro.

Sandino havia trabalhado anos antes nas plantações de banana e cana

de açúcar de Honduras e da Guatemala e nas empresas petrolíferas do México.

Sua origem proletária é de fundamental importância para a elaboração política

de todo o sistema ideológico do sandinismo. Com algumas economias, Sandino

voltou à Nicarágua e comprou armas para intervir no conflito interno entre

liberais e conservadores. Ainda como explica Darcy Ribeiro (2007:133):

Começando com 29 homens, o caudilho nicaragüense reuniu, no auge da luta, cerca de 3 mil combatentes, dentre os quais voluntários de vários países da América. Com esse exército conseguiu enfrentar 12 mil invasores e as tropas locais de sustentação do governo, que, mesmo armados com os mais modernos recursos militares, jamais conseguiram vencê-lo e subjugá-lo. Sandino só depõe as armas depois de alcançar a repatriação das tropas norte-americanas, que retira a principal motivação de sua luta.

Em 2 de janeiro de 1933, a ocupação pelas tropas norte-americanas na

Nicarágua chega ao fim, e um mês mais tarde Sandino aceita abandonar as

armas em troca do compromisso entre os liberais e os conservadores de manter

a soberania e a independência política e econômica do país. Entretanto, antes

(48)

Anastasio Somoza García24, deixando, portanto, um legado funesto: a Guardia

Nacional, criada e treinada pelos EUA, para garantir a paz, como afirma Eduardo

Galeano (2003:142): “as empresas apoderaram-se de terras, aduanas, tesouros

e governos, os marines desembarcaram em todas as partes para ‘proteger a

vida e os interesses dos cidadãos norte-americanos’ ”.

Em 1934 a Guardia Nacional assassina Sandino e toma o poder.

Anastasio Somoza Garcia lança, em 1936, sua própria candidatura à presidência

da república, sendo vitorioso em uma eleição plena de irregularidades e dando

início a um longo período na história do país. Inaugura-se na Nicarágua uma

dinastia autoritária, baseada e financiada em grande parte por movimentações

escusas de dinheiro público.

A partir de 1937, Somoza, com mão de ferro, realiza reformas

constitucionais e alia-se fortemente com os Estados Unidos, país que apoiou

seu regime, não só politicamente, mas com o envio constante de armas e em

todas as retaguardas. Os Somoza acumularam terras e fizeram-se donos de

algumas das empresas mais produtivas do país, que passaram do Estado às

mãos da família no governo. Durante a ditadura, que durou 46 anos, o país viveu

um certo desenvolvimento econômico, entretanto, as diferenças sociais

radicalizaram-se, criando abismos entre as classes. O ditador morre por efeito

dos disparos de Rigoberto López Pérez, um poeta leonês que se infiltrou em

setembro de 1956 em uma festa em homenagem a Somoza. Neste atentado

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