• Nenhum resultado encontrado

Vista do As imagens das mulheres macaenses nos contos dos escritores lusófonos contemporâneos Isolda Brasil e Chico Pascoal

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2023

Share "Vista do As imagens das mulheres macaenses nos contos dos escritores lusófonos contemporâneos Isolda Brasil e Chico Pascoal"

Copied!
16
0
0

Texto

(1)

Artigo recebido em 05/04/2022 e aprovado em 08/08/2022.

AS IMAGENS DAS MULHERES MACAENSES NOS CONTOS DOS ESCRITORES LUSÓFONOS CONTEMPORÂNEOS ISOLDA BRASIL E CHICO PASCOAL:

UM ESTEREÓTIPO INDELÉVEL E DURADOURO

YAO Di*

RESUMO: Partindo dos contos nas publicações do Festival Literário de Macau dos escritores lusófonos contemporâneos Isolda Brasil e Chico Pascoal, este artigo visa analisar uma construção da imagem das mulheres macaenses, utilizando o conceito teórico da imagologia, nomeadamente de D.H Pageaux e contributos da área da Antropologia, a saber, de João de Pina-Cabral. Serão analisados os mecanismos configuradores e origens influenciados dessas imagens, integradas numa visão estereotipada enraizada no imaginário cultural do passado.

PALAVRAS-CHAVE: Mulher macaense; imagem; estereótipo; Isolda Brasil; Chico Pascoal.

Introdução

Na obra Between China and Europe: person, culture and emotion in Macao (2002), o autor antropológico João de Pina-Cabral apresentou a sua opinião sobre género, classe e étnia em relação a Macau: “Marriage patterns have changed drastically; ethnic relations have lost their aggressive edge; class discrimination has become less blatant; utter poverty less prevalent” (PINA-CABRAL, 2002, p. 163). Este discurso anuncia uma mudança na situação intra-racial em Macau. Não podemos então deixar de nos preocupar com a transformação da trágica imagem literária das mulheres macaenses que em tempos

“estiveram no fundo” da sociedade e “foram tratadas de forma injusta e racialmente oprimidas” (PINA-CABRAL, 2002, p. 159-171) na literatura de língua portuguesa. O seu estatuto social, relações sexuais inter-étnicas, condições de vida e ideologias conduzirão a novas questões e orientações de investigação. Assim, o estudo da imagem literária da mulher macaense contemporânea nos olhares dos escritores de língua portuguesa desvendará as mudanças na percepção da mulher macaense e a reconstrução da sua imagem na literatura portuguesa, e norteará a nossa análise da sua imagem, tal como delineada nos contos dos escritores lusófonos contemporâneos.

* Universidade de Macau (UM). Faculdade de Arte e Humanidades, Departamento de Português. Taipa - Macau - China. 999078. rebeccadiyao123@gmail.com.

(2)

Escolhemos os contos de Isolda Brasil1 e de Chico Pascoal2 publicados no Festival literário de Macau uma vez que as obras no Festival são sobre Macau e têm valor literário contemporâneo. O Festival Literário “Rota das Letras”, cuja primeira edição decorreu em 2012, organizada por Ricardo Pinto e Helder Beja, assume-se como um marco fundamental, possibilitador do contacto de diversos escritores dos países de língua portuguesa com Macau. Como realçou Beja no seu discurso, o principal objetivo desta iniciativa, repetida todos os anos até ao presente, foi despertar o interesse por Macau

“como lugar de cultura e de narrativa”. Portanto, o festival tem um papel importante na defesa do princípio “escrever Macau”, oferecendo a oportunidade de escrever sobre Macau aos escritores convidados. Os textos da maioria destes escritores têm sido publicados em antologias, visto que no final de cada edição do festival é publicado um livro com textos dos convidados. Até ao momento, vieram a lume os seguintes volumes: Não há amor como o primeiro (PINTO; BEJA, 2013), Dois Dará (PINTO; BEJA, 2014), Regra de Três (PINTO; BEJA, 2015), Quarto Crescente (PINTO; BEJA, 2016), Cinco Sentidos (PINTO;

BEJA, 2017), Seis em Ponto (PINTO; BEJA, 2018) e Sétimo Céu (2019). Nestes volumes, Isolda Brasil e Chico Pascoal, como escritores nativos de língua portuguesa, referem-se à delineação da imagem das mulheres macaenses.

Isolda Brasil é perita em retratar mulheres, escrevendo uma saga familiar marcada por uma matriz profundamente matriarcal no seu romance premiado O Último Sangue da Trindade (2015). Em 2015, venceu, na categoria de romance, o prémio revelação de escritores independentes dos Estados Unidos The IndieReader Discovery Awards. O seu conto a ser estudado neste artigo, “Cartas de Amor de Macau” (2014), em 2014, foi premiado com uma menção honrosa na segunda edição do concurso literário do Festival Literário de Macau, Rota da Letras. Chico Pascoal é também um escritor lusófono com interesse e experiência em escrever sobre a imagem da mulher em Macau. Ele publicou em diversas antologias no Brasil, em Portugal e Macau (China). Em 2011 foi um dos vencedores do concurso de minicontos 100 Palavras - 100 Anos da Universidade do Porto, Portugal. Vários dos contos que escreveu sobre Macau, como A História de amor que ainda não escrevi (2014) e O pretexto (2015), apresentavam personagens femininas de Macau.

Entre estes, o seu conto que este artigo irá examinar, “A História de amor que ainda não escrevi” (2014), em 2014, foi premiado com segunda menção honrosa da versão portuguesa do concurso de contos do Primeiro Festival Literário de Macau, Rota da Letras.

1 Isolda Brasil é natural da ilha da Madeira, onde nasceu em Outubro de 1978, mas foi na ilha do Faial, nos Açores, que cresceu e viveu até aos 17 anos, altura em que deixou a ilha para ir estudar para Coimbra. Estagiou em Viseu e por lá ficou a trabalhar até ter mudado para Macau, em finais de 2009. Isolda Brasil foi colaboradora da revista Executive Digest, onde durante dois anos deu voz à crónica com laivos de humor Office Light. Em 2015 foi vencedora do prémio Indie Readers Discovery Awards, anunciado na feira do Livro de Nova Iorque, na categoria de Romance com o seu primeiro livro, The Wanton Life of My Friend Dave.

2 Chico Pascoal é cearense de Crateús. Vive em Sampa desde a adolescência, a maior parte no Bairro da Liberdade. Escritor, com contos publicados nas antologias Contos Imediatos (Ed. Terracota), Cursed City, História Fantástica do Brasil (Inconfidência Mineira), Demônios VII - Avareza, Saci e os Mestres do Terror, Sexo Livros e Rock in Roll, (Ed. Estronho), H2horas (antologia de minicontos do Coletivo Dulcinéia Catadora) Literatura Futebol Clube (Ed. Multifoco. Em 2015 foi um dos classificados no Concurso Monteiro Lobato de Contos do SESC-DF. Participou da coletânea “Duas Cenas, um Muro? e outras histórias”.

(3)

De facto, no período pós-colonial e após o regresso de Macau, existem poucos romances ou contos modernos na literatura de língua portuguesa que apresentem as mulheres macaenses como as personagens principais nas suas histórias. Consequentemente, os estudos sobre o retrato literário das mulheres modernas de Macau são também poucos em comparação com os sobre o retrato das mulheres macaenses no século XX.

As personagens femininas dos contos dos dois autores selecionados são as personagens principais dos contos, e ocupam uma parte maior do conteúdo, o que é mais propício à nossa análise. Portanto, esta investigação complementará a visão das escritores de língua portuguesa sobre as mulheres contemporâneas de Macau e tem significado contemporâneo para a literatura feminina.

Nos dois contos a serem analisados, a imagem da mulher macaense é a imagem do Outro no olhar dos dois autores de língua portuguesa. No estudo imagológico, a imagem foi definida como a imagem do estrangeiro; oriunda de uma nação ou de uma cultura (de um imaginário sócio-cultural), criada pela sensibilidade peculiar de um autor (o que se reflete na estrutura da obra) (MOURA 1992). A sua formação será influenciada por imaginário coletivo social (PAGEAUX, 1994), que forma estereótipos e os espalha.

Como Leerssen (2007, p. 22) refere: “Imagology, working as it does primarily on literary representations, furnishes continuous proof that it is in the field of imaginary and poetical literature that national stereotypes are first and most effectively formulated, perpetuated and disseminated”. Assim, em grande medida, entendemos as noções (preconceitos, estereótipos) de carácter étnico por meio da imagem do Outro nas escritas dos autores, e analisamos se os estereótipos do passado, que correspondem a uma forma mínima de comunicação, uma espécie de resumo, uma expressão emblemática de uma cultura, de um sistema ideológico, transmitindo uma definição do outro através de um saber considerado colectivo que se pretende validar (GAGO, 2008), ainda estão a ser perpetuados nestas imagens. Portanto, antes de procedermos à análise da configuração das imagens nos dois contos selecionados pelo seu conteúdo feminino emblemático, generalizaremos, em traços gerais, as características da imagem formada da mulher macaense na literatura, especialmente entre 1900 e 1999. Durante este período, a produção literária sobre o retrato das mulheres de Macau estava no seu clímax, com uma série de escritores de língua portuguesa e de Macau a retratarem as mulheres coloniais nos seus próprios romances, e o epítome da sua imagem foi sendo gradualmente fixado, formando os estereótipos que seriam transmitidos e perpetuados até certo ponto. Precisamos de concentrar parte da nossa atenção nos seus estereótipos, discutir a evolução destas imagens desde o período colonial até ao pós-colonial e, mais importante ainda, comparar e dissecar se estes estereótipos no século XX continuaram até aos dias de hoje ou se foram completamente quebrados.

A imagem literária de mulher macaense no século XX

Segundo a pesquisa Between China and Europe: persom, culture and emotion in Macao (2002) de João de Pina-Cabral, um dos perfis das mulheres macaenses delineadas

(4)

na literatura corresponde à imagem de personagem que é frequentemente oprimida socialmente por patriarcado e diferenças de classe racial, ocupa um baixo estatuto social e experimenta uma vida fechada, cuidadosa e cautelosa. Esta imagem foi particularmente proeminente até meados do século XX. Os escritores fizeram frequentemente das mulheres de Macau um elemento integrante na escrita sobre Macau, e prestaram especial atenção à mudança do estatuto social e do destino das mulheres macaenses no século XX.

A personagem feminina A-Chan, escrita pelo escritor macaense Henrique de Senna Fernandes, é uma representação de uma figura trágica. Yang Xiaoxiao analisou a imagem do destino trágico desta personagem e generalizou “os relatos de sofrimento e obediência”

dos femininos de Macau nas escritas de Fernandes na sua tese de mestrado Imagens do feminino em Nam Van: Contos de Macau, de Henrique de Senna Fernandes (2019).

Pina-Cabral também critica a obediência das mulheres macaenses ao destino através da personagem A-Chan. No conto, a sua filha foi levada de volta a Portugal pelo seu marido português. Ela simplesmente resigna-se ao seu destino e tristemente concordou com a partida da sua filha. Ela acredita que “her child would have a life of incomparably greater ease as a European in Portugal than as a lower-class Chinese woman in Macao” (PINA-CABRAL, 2002, p. 164). O retrato de A-chan não só torna uma representação literária das mulheres macaenses como grupos desfavorecidos e inferiores dos velhos tempos, mas também revela as desigualdades extraordinárias vividas pelas mulheres e a sua impotência e resignação ao seu destino nas suas mentes durante o período colonial devido às tensões das relações raciais.

Além disso, a escritora macaense Deolinda de Conceição também contribuiu muito para a imagem literária das mulheres macaenses, produzindo muitos romances com as mulheres de Macau como personagens principais, tais como o romance Cheong-Sam (A cabaia) (1987). Ela retrata as mulheres de Macau através de obras literárias que se concentra no tema da feminilidade e constrói a sua identidade da humilhação e injustiça sofridas. Sob o pano de fundo da invasão japonesa e do feudalismo confucionista, as suas mulheres têm vivido num território tradicional e supersticioso com a pressão de pais, marido e sogros. As mulheres nascem num estatuto baixo, desprotegidas e sofredoras, sem condições e capacidade de lutar por um tratamento justo para si próprias, muito menos para os seus filhos. Como Veiga de Oliveira (2014) conclui no seu estudo com a análise de que Deolinda de Conceição,

Os seus contos têm como tema central, a mulher - essa discreta ou ignorada outra metade do céu. A maioria deles, são uma denúncia da sua situação de subalternidade.

Curioso é que essa denúncia é sempre feita com uma grande dose de ternura, como que existisse uma identificação entre a mulher escritora e a mulher sofredora, triste, humilhada, das suas histórias. [...] A pobreza, a doença, a fome, o frio, a infância sem protecção, também são temas recorrentes nos seus contos. (VEIGA DE OLIVEIRA, 2014, p. 225, 227).

A pesquisa de Veiga também fornece um vislumbre da situação das mulheres em Macau na primeira metade do século XX. Esta é a trágica situação das mulheres em Macau na primeira metade do século XX. O seu baixo estatuto social e a sua resignação

(5)

ao seu destino miserável contribuem para a sua imagem miserável nos olhares do mundo.

A imagem da mulher macaense como personificação da tragédia e da injustiça sofrida manteve-se durante o século XX. Esta imagem de vitimização feminina deriva da

“asymmetry in interethnic sexual relations” (PINA-CABRAL, 2002, p. 165) na sociedade de Macau. As mulheres juvenis podem ser abandonadas ou transaccionadas. Algumas destas raparigas, que cresceram em orfanatos, “When they left the orphanage at adolescence, they were put out to work as servants in Macanese families and, from there, they usually got married or found some form of employment” (PINA-CABRAL, 2002, p. 165). Estas mulheres com o baixo estatuto social “did not function as links in a chain of relatedness”, e “as the links of relatedness were severed, lacked any social significance” (PINA-CABRAL, 2002, p. 165). Esta assimetria de longo período nas relações sexuais inter-étnicas tem enraizado na mente das pessoas uma imagem étnica das mulheres de Macau como fracas, tímidas e cronicamente oprimidas, e tem criado gradualmente um estereótipo delas como fechadas, antiquadas, estagnadas e receosas de correr riscos. Este imaginário social colectivo sobre mulheres macaenses persistirá na mente do Outro, influenciando a produção (moldagem) de sua imagem literária.

Além destas impressões negativas, também têm algumas imagens positivas que são educadas e ocidentalizadas e lutam pela sua emancipação no retrato dos escritores, tal como delineadas por Henrique de Senna Fernandes. Ele esboça “a consciência a despertar de Yao Man ou as lutas de Pou In e de Candy” (YANG, 2019, p. 68) na sua obra A-Chan, A tancareira (1978), aparecendo os inícios da emancipação feminina. Elas manifestam rebeldia, coragem e firmeza das mulheres da nova era, ousando quebrar as regras rígidas da ética tradicional para alcançar a sua própria felicidade. Deolinda de Conceição também associa a imagem da mulher macaense à bondade e à coragem, apresentando “as atitudes corajosas de todas as mulheres que, recalcando humilhações, afrontas, desgraças e atropelos da vida, recomeçam a viver, tal e qual uma fénix renascida” (VEIGA DE OLIVEIRA, 2014, p. 230).

Neste caso, será pertinente salientar que a criação destas figuras femininas está ligada ao contexto histórico.

Após a Guerra do Ópio, elas tentam conscientemente resistir à ética feudal, iniciando um movimento de libertação das mulheres assente, antes de mais, na reivindicação da liberdade de casamento. [...] No final do século XIX e início do século XX, a dinastia Qing foi substituída pela República da China e, verifica-se, assim, o dealbar de uma nova era. Influenciada pela ideologia feminista ocidental, a consciência das mulheres chinesas começou a despertar e a consolidar-se. As mulheres desempenham um importante papel na revolução e na reforma da sociedade, cumprindo conscientemente a sua missão e assumido as responsabilidades que lhes são confiadas nessa época. No decurso do século XX, especialmente após o estabelecimento da República Popular da China (1949-), o feminismo multiplica-se em várias tendências (YANG, 2019, p. 68-69).

O despertar das mulheres foi assim um produto do ímpeto dos tempos. As imagens das mulheres de Macau aparecendo na literatura como sendo optimistas, superando

(6)

dificuldades e escapando às tradições feudais, começaram a criar raízes. Neste contexto, o estereótipo também flutua e muda. “O facto de o processo de estereotipização ser um fenómeno paradoxalmente estático e movente”, na medida em que os estereótipos podem apresentar certas cambiantes, surgindo um pouco como “variações sobre um tema” e “os estereótipos não são entidades estáticas, mas parecem estar sujeitos a uma variabilidade situacional em associação com uma maximização de distinção positiva entre grupos” (CINNIRELLA, 1997, p. 46). É portanto natural que tenha havido alguma mudança positiva ou negativas nos estereótipos das mulheres em Macau. Embora as mulheres estejam na lama, são suficientemente corajosas para se levantarem para o sol.

Esta ousadia será também central para o retrato dos escritores sobre elas. No entanto, dada a existência contínua de um sistema de valores sociais dominado pelos homens e de convenções sociais feudais na sociedade, “as personagens femininas oscilam entre uma luta pela emancipação e a submissão e obediência às tradições” (GAGO, 2017, p. 16). Como resultado, este retrato literário ainda não será inteiramente positivo. Nem o seu estereótipo que sucumbem à opressão de longa data será completamente invertido.

Segundo a investigação de Yang, para as mulheres macaenses,

[...] apesar desta vontade de emancipação, deve salientar-se que, nos primórdios da sua luta, nem sempre foi fácil às mulheres encontrar o caminho certo. [...] Por um lado, com a expansão das ideologias e movimentos feministas, as mulheres ganham consciência de que a sua libertação é um imperativo. No entanto, devido a uma longa história de exercício exclusivo de poder masculino, é natural que as mulheres repitam erros e se desviem dos objetivos traçados. Por outro lado, devido à divulgação tardia das teorias feministas na sociedade chinesa (e, consequentemente, em Macau) a situação da das mulheres continuou ainda a ser francamente desfavorável, colocando-se, muitas vezes, a questão da sua sobrevivência (YANG, 2019, p. 68).

Embora as mulheres “tenham beneficiado de uma profunda transformação no seu estatuto” e tenham adquirido direitos fundamentais, “o seu papel na sociedade ainda não é comparável ao dos homens” (YANG, 2019, p. 68). Há ainda a opressão social e o tratamento desigual que vem com a assimetria nas relações sexuais.

Como resultado, os preconceitos e mal-entendidos a seu respeito permanecerão ainda nas representações dos seus valores do pensamento de alguns escritores. E a criação de personagens será ainda acompanhada de estereótipos anteriores sobre as mulheres de Macau, mais ou menos intercalados com opiniões de mulheres como estando numa posição de desvantagem.

De um modo geral, as mulheres macaenses são percebidas como estando na oscilação entre uma luta pela emancipação e a subserviência à tradição, com ideias feudais e conservadoras inerentes, sujeitas à opressão por parte da sociedade exterior, mas com um desejo de igualdade e liberdade e uma coragem de lutar. Embora este estereótipo continue a mudar, será que ainda hoje em dia permeiam o retrato das mulheres de Macau por alguns escritores?

(7)

O olhar de Isolda Brasil: ambivalência interior

No conto “Cartas de Amor de Macau” (2014) de Isolda Brasil, um andarilho australiano Roberto como narrador autodiegético conta a sua experiência emocional com uma mulher macaense, Ling em Macau, desde o primeiro encontro, até ao apaixonamento e depois a despedida. O retrato da autora sobre a mulher de Macau é mostrado através da personagem Ling.

Em primeiro lugar, o narrador descreve a aparência da personagem, a menina macaense Ling, usando palavras muito representativas das mulheres orientais: “Olhos de formato amêndoa”, “o rosto redondo”, “a pele leitosa”, “os lábios ameixa”, “o cabelo liso e preto”, e pode-se julgar que esta menina retratada tem a melhor aparência de uma mulher oriental típica. O sorriso tímido mostrado pela Ling quando conhece Roberto pela primeira vez, também transmite o encanto introspectivo da mulher oriental, como se refere: “Ela sorriu timidamente e eu devolvi-lhe o sorriso” (BRASIL, 2014, p. 235).

Ling é uma rapariga que nasceu e foi criada em Macau e sempre viveu na cidade.

Durante o seu primeiro encontro com Roberto, quando Roberto tenta apertar-lhe a mão, Ling age não em resposta ao aperto de mão mas para lhe dizer que está noiva, como se refere: “Estou noiva e prestes a casar - exclamou ela, lançando um olhar desconfiado para a minha mão estendida” (BRASIL, 2014, p. 236). Face a um estranho do sexo oposto, Ling sublinha o seu estado noivo, o que revela a importância que as mulheres macaenses atribuem ao seu noivado, e também indica que para elas os grilhões do casamento trazem uma grande contenção, impedindo o seu contacto e interacção normal com o sexo oposto.

Também transmite a imagem de uma mulher com mente mais fechada e que “segue as três obediências e as quatro virtudes”3. “O olhar desconfiado” de Ling também manifesta o seu conservadorismo interior e a sua cautela, refletindo a erosão dos rituais feudais para a mente das mulheres macaenses.

À medida que a história se desenrola, Ling apaixona-se por este estrangeiro, Roberto.

Ela também mostra uma espécie de cobardia face ao amor inoportuno entre ela e Roberto, não querendo ou ousando mudar de estado, não se atrevendo a deixar a pátria familiar por amor. Ela está habituada a esta vida de escravidão. Como ela diz, “Não te posso escolher porque não há qualquer escolha a ser feita. Nós fazemos sentido agora, em Macau, mas não faríamos sentido em nenhum outro lugar ou momento. Tu és um andarilho. Eu sou como esta terra que me deu à luz. Eu mudo, jogo e adapto-me, mas nunca abandono as minhas raízes. Eu permaneço” (BRASIL, 2014, p. 242-243). As raízes aqui referidas têm um duplo significado. Uma refere-se à vida em Macau. A Ling está habituada a tudo aquilo com que cresceu em Macau. É com o benefício adicional da cultura única e misteriosa de Macau que Ling considera-se em si próprio como uma mulher especial, exótica, atraente e confiante na presença de outros. É por isso que ela é amada por Robert, para que a história de amor proibida possa ter lugar. Há também um mais profundo que

3 Os três subordinados: uma mulher é subordinada ao seu pai antes de casar, ao seu marido depois de casar, e ao seu filho depois de ele morrer. As Quatro Virtudes: refere-se à virtude de uma mulher, à sua fala, à sua aparência e ao seu trabalho. As mulheres devem seguir os códigos morais dos rituais feudais que oprimem e prendem as mulheres, e não devem fazer outra coisa que não seja isso.

(8)

se refere às raízes da tradição feudal. Ela é incapaz de romper totalmente com os rituais feudais confucionistas e a assimetria nas relações sexuais inter-étnicas que persistem na sociedade de Macau por séculos, e ainda se sente vulnerável e fraca, e terá problemas em sobreviver no seu novo lugar, como demonstrado no estudo de Yang (2019), as mulheres macaenses não mudaram completamente e eram propensos a repetir os mesmos erros no seu pensamento. Deste modo, a personagem de Ling, uma mulher macaense, é vividamente retratada pela autora como cobarde, insegura de si própria e receosa de lutar contra o seu destino. No entanto, Roberto foi corajoso, ousado e destemido, com a liberdade de consciência para decidir as suas próprias acções e para ousar suportar quaisquer consequências. Ele queria levar Ling a ir embora, está mesmo disposto a ficar na cidade de Ling por causa do seu amor por ela, como ele implorou: “Então pede- me para ficar” (BRASIL, 2014, p. 243). Mas no final, Ling não o aceitou ficar porque temia que, como o andarilho, Roberto se arrependesse de ficar no mesmo lugar durante demasiado tempo e que, devido a esta “prisão” e à falta de liberdade a que os viajantes estão habituados, ele também deixasse de amá-la, como ela disse: “Não posso. Não irias aguentar e eu perder-te-ia para sempre” (BRASIL, 2014, p. 243).

As duas personagens formam um contraste, liberdade e restrição, aventura e conforto, mudança e inalteração, determinação e indecisão. Ling é uma linda garota local, desejando uma vida sem arrependimentos. Apesar de o sonho dela ser “viver a vida sem arrependimentos” (BRASIL, 2014, p. 240), ela aceitou calmamente as realidades da sua vida e viveu na esperança dos outros, como na sua confissão: “Começámos a namorar quando éramos adolescentes, como esperado. E agora vamo-nos casar, como também é esperado” (BRASIL, 2014, p. 241). A realidade da vida desta personagem está de facto cheia de obediência. Ela casará com alguém que não ama, simplesmente porque é o desejo de outra pessoa e um arranjo conformista. Confrontada com os sentimentos mais reais do seu coração e os seus desejos mais verdadeiros, nunca se atreveu a quebrar as barreiras para correr riscos. Ela sempre fica com muitas preocupações e tem dificuldade em libertar-se verdadeiramente das suas grilhetas. Mesmo quando souber que terá arrependimentos nesta vida, a sua forma de pensar e de agir continuará a ser conservadora.

De facto, o seu nascimento e experiência determinam o seu caráter e pensamentos.

No seu diálogo com Roberto, “-Então, vai-se casar com um tipo que não ama apenas porque todos esperam que o faça - Eu sou uma mulher macaense sem pai. Se há uma coisa que a vida me ensinou é que o amor da nossa vida não é necessariamente o homem da nossa vida” (BRASIL, 2014, p. 241). Transmite-se que ela não precisa o amor do homem como as necessidades da vida. Como uma menina de Macau sem pai, a vida dela não é fácil. No olhar da autora, o estereótipo da submissão e cobardia da mulher ainda influencia o seu retrato de Ling. Para Ling, sem o seu pai como forte apoio, ela tem de escolher um marido em quem se apoiar para a sua vida futura. O amor torna-se um luxo e não uma necessidade, e então não importa se ela se casa com alguém que ama ou não. Ela está presa há demasiado tempo numa vida que ainda tem os hábitos de uma sociedade feudal. A mulher retratada pela autora ainda é afetada pelo patriarcado social e pela assimetria das relações sexuais inter-étnicas, mantendo o seu carácter da fraqueza na velha sociedade e o desejo de confiar nos homens. Deste modo, esta personagem fica

(9)

sem espaço para escolher a vida que quer, e inevitavelmente acaba por não ter respeito pelo seu próprio coração, preferindo comprometer-se a casar com alguém que não ama em vez de tentar deixar o familiar e mudar a estabilidade de uma vida com um parceiro esperado. Como resultado, a rapariga acredita ter feito a melhor escolha para si própria.

Entre uma vida de estabilidade e conforto e uma vida aventureira em obediência à sua própria vontade, ela acabou por escolher a vida estável, familiar e vulgar.

O retrato literário de Isolda Brasil sobre a mulher de Macau destaca a sua vacilação na determinação, vivendo sempre num estado auto-contraditório de “sonhos e realidade”.

Isso parece muito próximo da imagem do século XX presa numa vida injusta, vivendo uma vida fechada, cuidadosa e cautelosa, mas ansiosa por liberdade. Face a um amor não reconhecido, Ling, num estado de angústia e ambivalência, assemelha-se à personagem feminina na obra Cheong Sam - A Cabaia (1987) de Deolinda da Conceição, mostrando as dificuldades da vida das mulheres macaenses e os seus casamentos longos e restritos, onde não são livres de se apaixonarem e estão sujeitas às decisões dos seus pais ou família:

“A rapariga tinha aprendido desde pequenina a não ter vontade própria, a aceitar as decisões dos pais, a deixar-se guiar por eles e a esperar que o seu destino fosse por eles traçado. [...] E ela, sempre obediente, fizera-lhe a promessa de que, enquanto vivesse, cumpriria o seu dever e aceitaria as imposições da família” (CONCEIÇÃO, 1987, p. 60), revelando que as mulheres não são livres de se apaixonarem e estão sujeitas às decisões dos seus pais ou família. Maria de Lurdes Nogueira Escaleira (2018) também comentou a personagem feminina desta obra de Deolinda da Conceição: “O casamento era negociado pelos pais e a questão do amor em nada influenciava na escolha de noivas e as filhas aceitavam as decisões dos pais mesmo que isso implicasse uma vida de infelicidade” (ESCALEIRA, 2018, p. 211). Desta forma, a imagem de Ling é retratada como perpetuando o estereótipo inferior de que as mulheres só podem submeter-se às decisões das suas famílias e não são livres de escolher o casamento, refletindo a visão do Brasil sobre as mulheres macaenses a partir de uma perspectiva feminina, nomeadamente que elas nunca tiveram o direito, nem a ideologia firme, de determinar as suas vidas e os casamentos desejados.

Globalmente, através deste conto de amor, a personagem feminina Ling, escrita por Isolda Brasil, herda algumas das cores das personagens femininas do século XX em Macau. “Conservadora”, “fechada”, “submissa” e “ambivalente” tornam-se os seus traços de carácter. A cobardia nos seus ossos e o seu medo da aventura e da mudança tornam-se obstáculos para quebrar a resistência da sua vida e avançar para a liberdade. A imagem literária de uma mulher sem dependência masculina numa sociedade influenciada pelo autoritarismo patriarcal e infestada de ideias feudais, cuja vida foi inerentemente menos privilegiada e até ligeiramente injusta. Esta imagem é familiar aos leitores, e como um retrato moderno é capaz de refletir o facto de a imagem ser ainda fortemente influenciada pelos estereótipos do passado.

Por outro lado, hoje, Macau é uma pequena cidade sem desafios e com uma vida confortável, e este tipo de “solo” tem alimentado pessoas com espíritos menos aventureiros.

A personagem Ling também expressa como se familiarizou e adaptou à cidade que lhe deu origem. Não é raro que as mulheres que vivem aqui estejam relutantes em abandonar

(10)

as suas raízes, em assumir riscos no novo mundo e em fazer mudanças arbitrárias. Estão ligados por ideias conservadoras e estão imersos num círculo confortável da vida. Mesmo que não sejam tão felizes, a natureza submissa dos seus ossos ainda os leva a seguir as regras e a viver para sempre no lugar que conhecem.

O olhar de Chico Pascoal: coragem e optimismo

O escritor brasileiro Chico Pascoal esboça igualmente a imagem da mulher macaense no seu conto “A História de Amor que Ainda Não Escrevi” (2013). Nesta curta história, a protagonista conta a história de Sueli, oriunda de Macau, que encontra num pequeno restaurante chinês. Sueli é a garçonete e proprietária deste restaurante. A sua imagem também pode ser generalizada por narrador em “ambivalência”, acompanhado de “alegre e triste, calma e atribulada, na justa ou injusta medida” (PASCOAL, 2013, p. 225). O passado de Sueli em Macau tem estado cheio de devastação e tribulações da vida. Na sua juventude, ela “serve em casa de família”, que é de ascendência portuguesa do “Alentejo”, para “ajudar a sua mãe viúva e os seus cinco irmãos pequenos” (PASCOAL, 2013, p. 225). Por não ter pai e estar no fundo da escada social, ela teria sido tratada injustamente pela sociedade, tal como as mulheres macaenses em geral no século XX, foram influenciadas por despotismo paterno e oprimidas por diferenças de classe, sendo incapazes de viverem e se apaixonarem livremente. Mesmo que estivessem grávidas do filho de um amante de descendência portuguesa, não poderiam alcançar um bom estado e condições de vida através do casamento, mas foram expulsas da família de amante.

Como se refere o caso de Sueli, “um amor proibido. E as consequências previsíveis e não menos desastrosas da sua imediata ruptura: a Sueli, a nora indesejada, deram-lhe algum dinheiro e a devolveram humilhada, um filho na barriga, uma mão na frente e outra atrás, ao seio sujo da pobreza dos aterros do Porto Exterior” (PASCOAL, 2013, p. 225). Esta narrativa sobre a experiência de Sueli reflete o tratamento indiferente e injusto sofrido pela mulher macaense no olhar do autor. É evidente que os escritores estrangeiros modernos continuam a estereotipar as mulheres macaenses como sofrendo da opressão da vida colonial e das dificuldades causadas pelas diferenças de classe. O termo “oprimido”, representante das mulheres de Macau na primeira metade do século XX, também se transporta para o imaginário colectivo social do feminino de Macau de hoje. Ainda que Sueli, no conto, ficasse “sempre envergonhada por causa da posição social inferior” e enfrentasse adversidades difíceis e uma vida pesada, ela ainda teria coragem de viver e lutaria os obstáculos da sua vida. Após a sua expulsão, ela casa com um homem tão velho como o seu pai e segue a sua vida de uma forma positiva. A seguir ao seu casamento, emigraram para o Brasil e abriram o seu próprio restaurante chinês. O novo casamento de Sueli e a sua mudança para um lugar novo e desconhecido mostram o seu estoicismo e resiliência como mulher. Esta qualidade de resiliência e dureza de carácter foi retratada e enfatizada ao máximo pelo autor. O seu espírito desafiador para com a vida e a sua mentalidade positiva face aos reveses retratam o feminino de uma forma mais rica e tridimensional, transmitindo o seu espírito corajoso que ousam lutar

(11)

contra o seu destino. Além disso, na apresentação do narrador, sueli tem um forte senso de individualidade. Ela não é uma mulher que só obedece cegamente, que não tem opinião e que apenas sabe seguir o seu marido. A sua relação com o seu marido não é

“a submissão presente no quotidiano de um relacionamento desigual, em que o marido dita as regras e exige ser obedecido” (ESCALEIRA, 2018, p. 214). Ela acredita que as mulheres também têm um certo direito a falar. Podemos constatar que os pensamentos e acções de Sueli são um confronto com a natureza servil da cultura tradicional chinesa, ao tentar quebrar a ideologia feudal da superioridade masculina sobre a feminina e recusar-se a ser subordinada e submissa nas relações de género. Isto corporiza o anseio de liberdade e igualdade das mulheres de Macau e o espírito de exploração para quebrar as barreiras do pensamento feudal.

Além do retrato para Sueli, neste conto, Pascoal também delineia uma imagem da jovem mulher macaense de descendência híbrida eurasiática, que é a filha de Sueli, Cesária. Ela vive com a sua mãe e padrasto desde o nascimento e sabe ajudar os seus pais com o restaurante e partilhar o peso da vida. Ela é competente, trabalhadora e amada por vida, como se refere no texto: “Introspectiva, tímida, doce, prestativa. Quando chega do colégio troca o uniforme pelo avental e ajuda os pais no restaurante” (PASCOAL, 2013, p. 229). Esta menina tem “capacidade dos jovens em se adaptar mais rápido a novas situações, em integrar-se” (PASCOAL, 2013, p. 229), demonstrando a força e resistência do feminino. Contudo, a sua vida com a sua mãe Sueli também não têm sido fácil. O falecimento do seu padrasto tornou-se “outra guinada brusca na vida” (PASCOAL, 2013, p. 230) de Cesária e da sua mãe. “Que a vida não é mais que uma sucessão de provas”

(PASCOAL, 2013, p. 230). Embora exista infelicidade na vida, Cesária, “revelando-se tão guerreira quanto a mãe, e mostrando uma disposição que não se adivinha em alguém de compleição tão frágil, assume as tarefas da casa, do restaurante” (PASCOAL, 2013, p. 230), mostrando o confronto da pressão da vida de forma positiva. O autor também incorpora o estereótipo de mulheres macaenses com o espírito que ousa enfrentar as provocações e tribulações da vida na personagem Cesária.

Comparação das imagens criadas pelos dois escritores

Comparando a personagem feminina neste conto de Chico Pascoal e a no conto de Isolda Brasil, há semelhanças nas imagens das mulheres macaenses. As suas imagens parecem ter surgido sob a premissa de que os autores foram influenciados pelos estereótipos das mulheres macaenses do século XX. Em outras palavras, o contexto de sobrevivência de Suelli e Ling em Macau não é otimista, nem é fácil. Devido à influência dos velhos problemas sociais da ditadura patriarcal e às raízes sociais da assimetria nas relações sexuais inter-étnicas, ambas sofreram de diferentes graus de opressão nas suas vidas e à injustiça de não poderem escolher livremente o casamento. A diferença, porém, é que Ling é moldada para ser mais submissa face a acidente e desafio, tem medo de romper as barreiras da vida e esconde em Macau. Prefere viver uma vida monótona e presa do que ser corajoso por uma vez pelo amor e liberdade, enquanto Sueli é uma mulher corajosa que

(12)

ousa enfrentar a mudança e quebrar a situação desastrosa. Ela é como uma flor de lótus num pântano, encontrando o desejo e o amor pela vida, mesmo quando está na lama. Tal como ela, a sua filha tem a mesma coragem para aceitar as dificuldades do seu destino e tem o optimismo face aos obstáculos da vida.Aqui, o retrato de Pascoal sobre as mulheres de Macau inclina-se mais para a sua imaginação coletiva das mulheres despertadas no século XX, enfatizando sua resiliência a estar em um estado de desigualdade, enquanto Brasil tende mais para a imagem feminina cuja ideologia está ainda nas contradições da velha sociedade, que ansie pela liberdade mas costuma estar habituada à obediência e à fraqueza.

Como uma escritora portuguesa contemporânea que vive em Macau há muito tempo, a atenção de Isolda a essas mulheres de uma perspectiva feminina é valiosa. É também de grande importância complementar as mudanças na imagem das mulheres macaenses na literatura de língua portuguesa. Em vez de tentar cortar o tema a partir do actual novo visual das mulheres macaenses nos tempos modernos ou remodelar a sua nova imagem, ela escolhe mostrar as contradições e opostos nas suas personalidades e os complexos entrelaçamentos de emoções nas suas mentes. Este estado de espírito vagueante e ambivalente tem de lembrar ao leitor as imagens das mulheres macaenses do século XX. Isto não exclui o facto de a autora ainda ser influenciada pelos estereótipos do baixo estatuto das mulheres macaenses no passado, do seu tratamento injusto na vida e do seu desejo de romper com as tradições feudais e lutar contra as provações e tribulações da vida, bem como ser incapaz de escapar ao imaginário colectivo social das mulheres macaenses que estão ligadas pela ideologia feudal e pelo patriarcado, mas que estão indefesas. Assim, a imagem da mulher do século XXI transmitida por Brasil é uma imagem que tem “sombras” do estereótipo passado, trata-se de uma continuação da imagem das mulheres que oscila constantemente entre a escravidão e a libertação.

No Oriente, a assimetria das relações sexuais inter-étnicas sempre afectou o estatuto das mulheres, e ainda hoje, perante a influência do feminismo e o enorme avanço do estatuto das mulheres em todo o mundo, é difícil que a sua identidade seja completamente invertida nos olhares do Outro. Por conseguinte, podemos inferir que nos seus imaginários dos escritores contemporâneos, as confusões interiores das mulheres macaenses têm estado com elas ao longo do seu crescimento e evolução, e o seu carácter excessivamente cauteloso, que ousa viver apenas no conforto do momento, é exposto e enfatizado. Ao mesmo tempo, reflete também a opinião da autora sobre Macau. Mesmo num contexto de globalização e do multiculturalismo, Macau tem uma forma de se agarrar ao seu sabor original, trata-se de um lugar que não está totalmente aberto e ocidentalizado, criando uma população paradoxal que vê a liberdade e anseia por ela, mas tem medo de agir em conformidade. As restrições da tradição e a ligeira continuação do feudalismo não libertarão completamente as suas mentes, mas deixá-las-ão ainda com a cobardia herdada do passado. Ainda estão presos pelos grilhões do ritual feudal nos seus ossos, dos quais têm dificuldade em se libertar.

Chico Pascoal, por outro, embora seja um escritor masculino, também se concentra no retrato das mulheres macaenses. Como um escritor que brevemente visitou Macau, os seus retratos nas suas histórias aludem ao seu imaginário colectivo social sobre elas.

(13)

Os leitores podem sentir que ele parece ter sido influenciado pelo estereótipos da mulher

“baixa” mas “ideologicamente acordada” e “resistente” da mulher da segunda metade do século XX. Para a criação do fundo de vida das personagens femininas em Macau, ainda é tendencioso para a difícil situação das mulheres no período colonial. Contudo, o seu imaginário colectivo social da resiliência das mulheres macaenses existe na sua consciência.

Nessa altura, a imagem literária no século XXI criada pela autora inclina-se mais para o lado positivo da imagem no século XX. De facto, sob o iluminismo do feminismo ocidental e com o encorajamento da cultura ocidental, algumas mulheres de Macau despertaram relativamente cedo e tentaram ganhar uma sensação de independência.

Tornaram-se suficientemente corajosas para lutar contra os rituais feudais e tornaram- se mais independentes e desafiantes. O estatuto das mulheres também melhorou significativamente após o estabelecimento da República Popular da China (1949-). Neste contexto, o autor mantém esta impressão, construindo uma imagem de mulheres que vivem vidas imprevisíveis mas activas e trabalhadoras, e defendendo a encarnação do seu lado optimista e confiante face aos contratempos.

Embora estes dois escritores modernos retratam as mulheres macaenses através de perspectivas diferentes e com personagens diferentes em contos diferentes, ambos partilham o epítome dos estereótipos do século XX, incorporando características de mulheres do passado na caracterização de personagens femininas contemporâneas. O pano de fundo de seus personagens também é uma continuação da difícil situação das mulheres no passado. Os estereótipos de mulheres orientais podem ser profundamente arraigados nos seus imaginários. Em vez de se concentrarem nas realidades das mulheres modernas e na evolução do pensamento progressista, ainda usam os estereótipos do passado para pintar um quadro das mulheres macaenses, criando uma história ficcional que gira em torno do seu estatuto inferior.

Tanto estes dois escritores lusófonos modernos como os famosos escritores que retrataram a imagem da mulher em Macau no século XX, Henrique de Senna Fernandes, Deolinda de Conceição e Maria Ondina Braga, usam português como a primeira língua e a língua da escrita, pertencem à mesma linhagem na literatura e têm a mesma formação literária. No entanto, eles vivem em diferentes origens da era e experimentam culturas diferentes. Normalmente, a imagem literária que eles moldam deve ser relativamente distinta. Contudo, entrando no século XXI, à medida que o contexto social muda, o feminismo se desenvolveu, e o estatuto real das mulheres também melhorou. Especialmente em cidades como Macau, onde a integração das culturas chinesa e ocidental foi precoce, a consciência de liberdade das mulheres deveria ter sido civilizado relativamente cedo, e os seus direitos também deveriam ser garantidos. Mas, na verdade, Brasil e Pascoal não mudaram significativamente na sua representação da mulher macaense, mas aproximaram-se de um certo ângulo da sua imagem no século XX.

A partir deste ponto de partida, podemos inferir que isso está relacionado ao fato de que estes dois escritores podem ter sido submetidos aos estereótipos no passado. Este tipo de estereótipo não é fácil de mudar e abandonar por Outro e afeta a formação da imagem feminina de Macau hoje.

(14)

Considerações finais

Em síntese, notamos que a imagem das mulheres macaenses delineada por estes dois escritores surge ancorada no estereótipo de mulheres sendo oprimidas pela vida e sendo tratadas injustamente no passado. O retrato por Outro sobre as dificuldades encontradas pelas mulheres macaenses na sociedade revelam alguns apegos em apreender.

Importa ainda salientar os diversos imaginários culturais pelos dois autores revelam onde se enraízam as imagens da tecelagem feminina em Macau. Nesta sequência, Isolda Brasil, uma escritora portuguesa, está particularmente preocupada que algumas mulheres modernas ainda estejam presas à ideologia feudal do passado, embora esses remanescentes em Macau tenham gradualmente se dissipado sob a globalização e outras influências orientais-ocidentais. Por seu turno, o escritor brasileiro Pascoal também olha para mulheres que ainda parecem estar em uma situação ruim, lutando para sobreviver às adversidades com qualidades de bravura e otimismo.

Embora estes dois contos modernos sejam curtos, perante o retrato das imagens das mulheres macaenses, revelam a plenitude da moldagem. As situações de vida e personalidades das personagens femininas são bem ilustradas e interpretadas, o que também reflete as percepções e preconceitos em relação às mulheres macaenses nesta cidade fluida (na linha da Sociedade líquida de Zygmunt Bauman), de integração cultural, aberta a todos os equívocos. Mesmo que o povo de Macau tenha estado mais cedo em contato com ideias e conceitos avançadas, nos olhares dos outros, as características da personalidade das mulheres não foram herdadas por esta civilização, a igualdade e a liberdade não se refletiram nelas, e os traços do período colonial ainda são fortes e difíceis de desaparecer facilmente. É a existência desse estereótipo forte das mulheres que as torna uma imagem trágica que é difícil de tirar os rostos antigos. Demonstra que os estereótipos do feminino não têm feito mais uma mudança na construção da imagem da “modernidade líquida”, nem produzem mais apoios na formação de uma nova imagem no século XXI. A imagem da mulher em Macau continua enraizada nos estereótipos do passado, o que envia uma mensagem aos leitores de que a imagem não progrediu e evoluiu com os tempos.

É muito importante para nós pensar e refletir sobre as imagens que têm sido divulgadas nos últimos anos, visto que “os estereótipos não são entidades estáticas” (CINNIRELLA, 1997, p. 46). A imagem deve ser fluida e não estática. No entanto, vestígios da imagem passada da mulher macaense ainda podem ser encontrados nos textos do século XXI.

Isto não só ilustra a solidez da imagem da mulher no século XX no imaginário coletivo social, mas também evidencia que as novas características da mulher na nova era ainda não são suficientemente visíveis, podendo mesmo refletir o facto de que a situação social do feminino em Macau ainda se encontra num ponto em que está atrasada em relação ao progresso dos tempos. Apesar do rápido ritmo de modernização e globalização em Macau e do choque feroz de culturas, o crescimento e mudança das mulheres macaenses é a única coisa que permanece estagnada ou mesmo inalterada nos olhares dos Outros. É por esta razão que o retrato das mulheres de Macau nos textos modernos se baseia unicamente nos estereótipos do passado como ponto de partida para a construção de imagens e narração de histórias. Neste contexto, é muito interessante dissecar a imagem da mulher de

(15)

Macau na escrita de autores modernos. Também vale a pena explorar e prestar atenção às mudanças em sua imagem literária. Os resultados da observação das mulheres macaenses em textos modernos não só complementam a compreensão das mulheres macaenses, mas também nos levam a um entendimento mais profundo da imagem da mulher macaense na literatura contemporânea.

YAO Di. The images of macaense women in the contemporary lusophone writers’ stories Isolda Brasil and Chico Pascoal: an indelible and lasting stereotype. Revista de Letras, São Paulo, v.62, n.1, p.147-162, 2022.

ABSTRACT: Based on the short stories published in the Macau Literary Festival by contemporary writers Isolda Brasil and Chico Pascoal, this article aims to analyse the construction of the image of Macanese women, using the methodology of imagery, namely by D.H Pageaux and contributions from the area of anthropology, namely João de Pina-Cabral. The shaping mechanisms and the influenced origins of those images will be analysed. They are part of a stereotyped vision rooted in the cultural imagery of the past.

KEYWORDS: Macanese woman; image; stereotype; Isolda Brasil; Chico Pascoal.

REFERÊNCIAS

BRASIL, I. Cartas de Amor de Macau. In: PINTO, R.; BEJA, H. Dois-Dará. Macau:

Praia Grande Edições, 2014. p.232-243.

CINNIRELLA, M. Ethnic and National Stereotypes: a social identity perspective. In:

BARFOOT, C. (ed.). Beyond Pug’s Tour: National and Ethnic stereotyping in Theory and Practice. Amsterdam: Rodopi, 1997. p.41-50.

CONCEIÇÃO, D. D. Cheong-Sam (A cabaia). 3. ed. Macau: Instituto Cultural de Macau, 1987.

ESCALEIRA, M. D. L. N. A Mulher na Obra de Deolinda da Conceição. Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública, Macau, v. 31, n. 122, p.205-222, 2018.

GAGO, D. N. Figurações Femininas nas Obras de Deolinda da Conceição, Maria Ondina Braga e Fernanda Dias: Os Árduos Caminhos do Exílio e da Emancipação.

Review of Culture, Macau, n.54, p.7-17, 2017. International Edition.

GAGO, D. N. Imagens dos Estrangeiros no Diário de Miguel Torga. Portugal:

Imprensa de Coimbra, 2008.

LEESEERN, J. Imagology: History and method. In: BELLER. M.; LEESEERN, J.

(ed.). Imagology: The cultural construction and literary representation of national characters. A critical survey. Amsterdam: Rodopi, 2007. p.17-32.

(16)

MOURA, J. M. L’imagologie littéraire: Essai de mise au point historique et critique.

Revue de Littérature Comparée, Paris, v. 66, p.271-287, 1992.

PAGEAUX, D. H. La littérature générale et comparée. Paris: Armand Colin, 1994.

PASCOAL, C. A História de Amor que Ainda Não Escrevi. In: PINTO, R.; BEJA, H.

(ed.). Não há amor como o primeiro. Macau: Praia Grande Edições, 2013. p.222-236.

PINA-CABRAL, J. D. Between China and Europe: person, culture and emotion in Macao. London: New York: Continuum, 2002.

PINTO, R.; BEJA, H. (ed.). Seis Pontos. Macau: Praia Grande Edições, 2018.

PINTO, R.; BEJA, H. (ed.). Cinco Sentidos. Macau: Praia Grande Edições, 2017.

PINTO, R.; BEJA, H. (ed.). Quarto Crescente. Macau: Praia Grande Edições, 2016.

PINTO, R.; BEJA, H. (ed.). Regra de três. Macau: Praia Grande Edições, 2015.

PINTO, R.; BEJA, H. (ed.). Dois-Dará. Macau: Praia Grande Edições, 2014.

PINTO, R.; BEJA, H. (ed.). Não há amor como o primeiro. Macau: Praia Grande Edições, 2013.

VEIGA DE OLIVEIRA, M. C. Para uma leitura feminista dos contos de Deolinda da Conceição. Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública, Macau, v. 27, n.103, p.225-230, 2014.

YANG, X. X. Imagens do feminino em Nam Van: Contos de Macau, de Henrique de Senna Fernandes. Orientador: Pereira Paulo. 2019. 73f. Dissertação (Mestrado em Português)  - Departamento de Línguas e Culturas, Universidade de Aveiro, Aveiro, 2019.

Referências

Documentos relacionados

De acordo com o exposto, verifica-se que a teoria e a legislação portuguesa, acrescidas das diretivas europeias sobre o audiovisual, podem contribuir para a definição de

A teoria discursiva de Habermas apresenta-se como uma solução para a legitimação e efetivação dos direitos fundamentais em sociedades pluralistas, bem como de toda a

de lôbo-guará (Chrysocyon brachyurus), a partir do cérebro e da glândula submaxilar em face das ino- culações em camundongos, cobaios e coelho e, também, pela presença

One of the main strengths in this library is that the system designer has a great flexibility to specify the controller architecture that best fits the design goals, ranging from

Mulher myke tyson - aquela que te bate achando que ocê comeu outra.. Mulher clube itaporã - só dá procê se ocê estiver com o condomínio

Se você tem um trabalho chato e que paga pouco, deveria tomar vergonha na cara e arrumar algo

20) Sabe como uma mulher se livra de 75 kgs de gordura inútil? Pedindo o divorcio. 21) O que acontece com um homem, quando engole uma mosca viva? Fica com mais neurônios ativos

[r]