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Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade de Letras REDUPLICAÇÃO DE BASE VERBAL: UMA ANÁLISE PELA MORFOLOGIA CONSTRUCIONAL

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REDUPLICAÇÃO DE BASE VERBAL:

UMA ANÁLISE PELA MORFOLOGIA CONSTRUCIONAL

Luciana de Albuquerque Daltio Vialli

2013

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REDUPLICAÇÃO DE BASE VERBAL:

UMA ANÁLISE PELA MORFOLOGIA CONSTRUCIONAL

Luciana de Albuquerque Daltio Vialli

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para obtenção do Título de Doutor em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).

Orientador: Prof. Doutor Carlos Alexandre Victorio Gonçalves.

Rio de Janeiro/

fevereiro de 2013

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Luciana de Albuquerque Daltio Vialli

Orientador: Professor Doutor Carlos Alexandre Victorio Gonçalves DEFESA DE TESE

VIALLI, Luciana de Albuquerque Daltio (2013). Reduplicação de base verbal: uma análise pela Morfologia Construcional. Rio de Janeiro, 2013. Tese (Doutorado em Letras Vernáculas) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 150 fl.mimeo.

Examinada por:

______________________________________________________________________

Professor Doutor Carlos Alexandre Victorio Gonçalves (UFRJ – Vernáculas/Orientador)

______________________________________________________________________

Professora Doutora Maria Lucia Leitão de Almeida (UFRJ – Vernáculas/Co-orientadora)

______________________________________________________________________

Professora Doutora Sandra Pereira Bernardo (UERJ)

______________________________________________________________________

Professora Doutora Carmen Teresa Dorigo (Museu Nacional)

______________________________________________________________________

Professor Doutor Janderson Lemos de Souza (UNIFESP)

______________________________________________________________________

Professor Doutor Mauro José Rocha do Nascimento (UFRJ – Vernáculas)

______________________________________________________________________

Professor Doutor Antônio Sergio C. da Cunha (UERJ-FFP)

______________________________________________________________________

Professor Doutor André Luiz Faria (UESB)

Aprovada em ___ /___/ 2013.

Rio de Janeiro/

fevereiro de 2013

(4)

Para minha madrinha, realmente segunda mãe, Selma.

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Sou filha de Carlos e Maria... duas vezes.

Fiquei um bom tempo refletindo sobre como iniciaria esses agradecimentos.

Tanto a agradecer! Pessoas tão importantes! De repente, dei-me conta de que, em minha trajetória, há a influência constante de pessoas com o mesmo nome, que me criaram e viram amadurecer de maneiras diferentes.

Meus pais se chamam Carlos e Maria. Eles me deram a vida e sempre sonharam para mim um caminho com a solidez do conhecimento, uma oportunidade que não lhes foi dada na vida. Todo sacrifício, acertos e tropeços que tiveram em minha educação giraram em torno dessa obsessão: uma filha (única) formada! Bem, anos se passaram o diploma de bacharel e licenciada foi conquistado. Uma plena sensação de dever cumprido em minha formação. Mas, então, eu já havia sido capturada pela sede de saber e a curiosidade própria do pesquisador. Acabei por prosseguir na busca por respostas e dei asas à minha curiosidade insaciável... passei do caminhar pela solidez para alçar voos com o conhecimento. Meus pais foram os responsáveis pelo meu amor aos livros, mas os voos mais altos foram possíveis com base nos ensinamentos de outro pai em minha vida, outro Carlos.

Logo nos primeiros períodos da graduação, fui apresentada ao professor Carlos.

Não havia sido sua aluna, tinha apenas a indicação da professora Ana Flávia Gerhardt, a quem sempre serei grata por ter trazido esse segundo pai à minha vida. Sinto, hoje, como se o destino agisse naquele momento, ele não imaginava, mas estava destinado a ser meu mentor, guia e maior exemplo. Carlos foi o responsável pelo meu crescimento intelectual e, por suas mãos, aprendi muito mais do que apenas o exercício da pesquisa.

Hoje, olho para trás e percebo que a segunda parte da minha educação foi dada por esse mestre, amigo, pai. Ser sua orientanda sempre foi um dos meus maiores orgulhos,

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viu amadurecer e me direcionou ao longo desses dez anos! Ele foi meu principal incentivador, a mola propulsora de todo meu sucesso, não teria ousado sonhar tão alto sem a sua interferência. Por isso, posso dizer que devo a maior parte das minhas conquistas ao seu apoio incondicional, eu duvidava da minha capacidade, mas ele não!

Aprendi muito sobre humildade, compromisso, amizade... tantas foram as lições! O pai que, às vezes, puxa a orelha, é mais enérgico, que se interessa e participa ativamente da educação do filho, que quer sempre o melhor... amar é isso. Coisas de pai, coisas de Carlos.

No entanto, o destino não parou por aí! Pelas mãos de Carlos, chegou à minha vida outra Maria. Nossa relação começou efetivamente no período em que eu cursava o Mestrado. Pacientemente, ela me abriu o caminho para a curiosidade e compreensão da Semântica, e sentido foi exatamente o que ela me conferiu em muitos momentos difíceis que viriam... compreensão, carinho, abnegação. Maria é coração! É mãe que ensina, alimenta e afaga. Talvez ela não saiba, mas sua interferência foi decisiva na continuidade deste trabalho, não apenas do ponto de vista do sentido, mas, sobretudo, do apoio tranquilizador de que eu tanto precisei em muitos momentos! Sem esse suporte humano, talvez não tivesse me recuperado algumas vezes e pusesse tudo a perder!

Aprendi muito e levo todas as lições comigo para a vida. Mais uma fase de amadurecimento, pelas doces mãos de Maria.

Aproveito também para agradecer às minhas amigas Kátia e Ana Paula, que tão gentilmente me auxiliaram nesses momentos finais. Vocês moram no meu coração!

O NEMP tem como símbolo uma aliança, um casamento de Carlos e Maria.

Todos nós, pupilos, somos frutos dessa união. Realmente, sinto-me filha e felizarda, agraciada pelo destino... duas vezes! Muito obrigada por tudo. Amo vocês.

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Onde um homem chega à convicção fundamental de que é preciso que mandem nele, ele se torna "crente"; inversamente seria pensável um prazer e uma força de autodeterminação, uma liberdade de vontade, em que um espírito se despede de toda crença, de todo desejo de certeza, exercitado, como ele está, em poder manter-se sobre leves cordas e possibilidades, e mesmo diante de abismos dançar ainda. Um tal espírito seria o espírito livre "par excellence".

(NIETZSCHE, in A Gaia Ciência, § 347).

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Letras Vernáculas) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 150 fl.mimeo.

RESUMO

Neste trabalho, analiso o fenômeno da reduplicação de base verbal em português (bate-bate, pega-pega, cola-cola, esbarra-esbarra, gira-gira, mela-mela, come-come, pisca-pisca etc) com base no modelo teórico da Morfologia Construcional proposta por Booij (2002, 2005, 2007, 2010). A reduplicação de base verbal é um fenômeno envolvido em um processo de lexicalização (LEHMANN, 2002), por meio do qual ocorre a nominalização de verbos.

Desenvolvida a partir dos estudos de Goldberg (1995), a Morfologia Construcional propõe a existência de construções gramaticais nas línguas que alicerçam padrões de processos morfológicos como a sufixação, a prefixação e a composição.

Com base no esquema de composição, cinco construções entram em jogo na rede construcional do fenômeno da reduplicação: a construção de composição em português [[X] x [Y] y] N, proposta por Gonçalves & Almeida (2012), de repetição [[X]xi[X]xi]xj, de reduplicação [[X]Vi [X]Vi]Nj, uma verbal [V]vi e a construção final do processo [[P3 Ind. Pres.]Vi [T3 Ind. Pres.]Vi]Nj.

Semanticamente, o fenômeno é detalhado com base em diversas propostas, como Langacker (1987) e Goldberg (1995), ao envolver argumentos nulos e por apresentar diferentes formas de escaneamento. Ainda, a reduplicação apresenta heterossemia (LICHTENBERK, 1991), ao resultar em dois significados, um para nomeação de eventos (puxa-puxa, ato de puxar repetidamente) e outro para nomeação de coisas (puxa-puxa, doce) com diferentes características sintáticas.

Palavras -chaves: reduplicação, base verbal, Morfologia Construcional, esquema.

Rio de Janeiro / fevereiro de 2013

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Letras Vernáculas) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 150 fl.mimeo.

ABSTRACT

In this research, I analyse the verbal-based reduplication phenomenon in Portuguese (bate-bate, pega-pega, cola-cola, esbarra-esbarra, gira-gira, mela-mela, come-come, pisca-pisca etc.) within Constructional Morphology, proposed by Booij (2002, 2005, 2007, 2010). Verbal-based reduplication is a phenomenon involved in the lexicalization process (LEHMANN, 2002) through which ocurre verbs nominalization.

Developed since Goldberg (1995) studies, Constructional Morphology proposes the existence of grammatical constructions in languages that support standards of morphological processes like sufixation, prefixation and compounding. Based on compounding schema, there are five constructions in the reduplication phenomenon constructional network: the compounding construction in Portuguese [[X] x [Y] y] N, proposed by Gonçalves & Almeida (2012), the one of repetition [[X]x[X]x]x, one of reduplication [[X]Vi [X]Vi]Nj, one verbal [V]vi and the final process construction [[tema]Vi [tema]Vi]Nj.

Semantically, the phenomenon is detailed through various proposals, as Langacker (1987) and Goldberg (1995), since it involves null arguments and presents different mapping forms. Besides, reduplication presents heterosemy (LICHTENBERK, 1991), since it results in two meanings, one to nominate events (puxa-puxa, act of pulling repeatedly) and another one to nominate things (puxa-puxa, candie) with different syntactic features.

Key-words: reduplication, verbal base, Constructional Morphology, schema.

Rio de Janeiro / fevereiro de 2013

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Letras Vernáculas) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 150 fl.mimeo.

RÉSUMÉ

À ce travaille, j’analyse le fénomène de la réduplication de base verbale en portugais (bate-bate, pega-pega, cola-cola, esbarra-esbarra, gira-gira, mela-mela, come- come, pisca-pisca etc) selon le modèle théorique de la Morphologie Constructionelle proposée par Booij (2002, 2005, 2007, 2010). La réduplication de base verbale est un fénomène implique dans un processus de lexicalisation (LEHMANN, 2002), par lequel se produit la nominalisation des verbes.

Développée à partir des études de Goldberg (1995), la Morphologie Constructionelle propose l’existence de constructions grammaticales dans les langues qui soutendent des modèles de processus morphlogiques comme la suffixation, la préfixation et la composition. Baséés au schéma de composition, cinq constructions jouent en rôle dans le réseau constructionel du fénomène de la réduplication: la construction de composition en portugais [[X] x [Y] y] N, proposée par Gonçalves &

Almeida (2012), de répétion [[X]xi[X]xi]xj, de réduplication [[X]Vi [X]Vi]Nj, une verbale [V]vi et la construction finale du processus [[P3 Ind. Pres.]Vi [P3 Ind. Pres.]Vi]Nj.

Semantiquement, le fénomène est détaillé sous diverses propositions, comme Langacker (1987) et Goldberg (1995), au développer des arguments nulls et pour présenter des différentes formes de balayage. Ainsi, la réduplication présente heterossemie (LICHTENBERK, 1991), au résulter en deux sens, l’un pour nommer des évenements (puxa-puxa, ato de puxar repetidamente) et l’autre pour nommer des choses (puxa-puxa, doce) avec différentes caractéristiques syntaxiques.

Mots -clés: réduplication, base verbale, Morphologie Constructionelle, schéma.

Rio de Janeiro / fevereiro de 2013

(11)

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 11

2. SOBRE A REDUPLICAÇÃO ... 16

2.1 A REDUPLICAÇÃO COMO PROCESSO NÃO-CONCATENATIVO ... 16

2.2 A REDUPLICAÇÃO DE BASE VERBAL ... 30

2.3 SÍNTESE... 35

3. MORFOLOGIA CONSTRUCIONAL: PRINCIPAIS IDEIAS... 36

3.1 MOTIVAÇÃO PARA O MODELO: AS FRONTEIRAS INTERNAS DA MORFOLOGIA ... 36

3.2 CONSTRUÇÕES MORFOLÓGICAS: PRIMEIRAS IDEIAS... 44

3.3 SOBRE ESQUEMAS E REGRAS ... 46

3.4 CONSTRUÇÕES: A NOÇÃO DE CONSTRUÇÃO GRAMATICAL E IDIOMA CONSTRUCIONAL ... 49

3.5 SITUAÇÕES DE INTERFACE ... 63

3.6 A UNIFICAÇÃO DE ESQUEMAS ... 66

3.7 A HETEROSSEMIA ... 73

4. POR UMA ANÁLISE CONSTRUCIONAL DA REDUPLICAÇÃO DE BASE VERBAL EM PORTUGUÊS ... 79

4.1 – POLO SEMÂNTICO ... 79

4.2 - POLO FORMAL ... 107

4.3 – A REDE CONSTRUCIONAL ... 117

5. CONCLUSÃO ... 137

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 140

7. ANEXO ... 150

(12)

1. INTRODUÇÃO

Este trabalho visa a fazer uma análise da reduplicação de base verbal à luz da Morfologia Construcional (BOOIJ, 2002, 2005, 2007, 2010), perspectiva teórica que propõe a existência de construções gramaticais que alicerçam padrões morfológicos como a sufixação, a prefixação e a composição. No caso da reduplicação de base verbal (bate-bate, pega-pega, puxa-puxa, corre-corre, esconde-esconde, entre outras), ocorre a formação de compostos nominais a partir de verbos por meio de uma rede construcional integrada.

As principais questões levantadas sobre a reduplicação, nesta nossa proposta de análise, são as seguintes:

(a) Em qual processo morfológico está inserida a reduplicação de base verbal? É mesmo na composição, como preconizam as gramáticas tradicionais (CUNHA & CINTRA, 1985;

LIMA, 2000)?

(b) Quais construções mais gerais instanciam a construção morfológica de reduplicação de base verbal em português?

(c) Como essas construções são organizadas em rede?

(d) De que maneira é feito o preenchimento semântico das construções envolvidas no processo?

(e) O processo leva ao surgimento de dois significados distintos, evento (‘empurra- empurra’) e coisa (‘pula-pula’). Qual é a nuance semântica que diferencia esses dois itens lexicais?

(f) Quais são as construções referentes aos dois significados que emergem do processo e como ocorre a sua instanciação?

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Por conta dessas questões, os principais objetivos do trabalho são os seguintes:

(a) Determinar em qual processo morfológico está inserida a reduplicação de base verbal;

(b) Determinar quais construções instanciam a reduplicação de base verbal em português;

(c) Formalizar uma construção de reduplicação de base verbal em português;

(d) Estabelecer como ocorre o preenchimento semântico de cada construção presente na rede;

(e) Determinar como se desenvolve a duplicidade de significado existente no processo;

(f) Mostrar qual o percurso semântico que leva à variação de significado, discutindo, mais detidamente, a questão da heterossemia, nos termos de Lichtenberk (1991);

(g) Apresentar as construções para os dois significados que emergem do processo, coisa e evento, e de que forma elas se relacionam na rede.

A fase de investigação sucedeu a recolha dos dados que compõem o corpus utilizado no trabalho, devidamente relacionado no Anexo. A coleta foi realizada por meio da utilização de três fontes, fundamentalmente:

(a) dados extraídos de situações de fala real, em diferentes situações de uso linguístico, a exemplo de conversas informais, entrevistas em programas de rádio e TV, aulas, seminários etc;

(b) palavras rastreadas em periódicos de grande circulação (dados obtidos indiretamente, através de análises já realizadas sobre o assunto, como as de Couto (1999; 2000) e a de Araújo (2000), por exemplo). Boa parte do corpus já havia sido recolhida na época do Mestrado (VIALLI, 2008);

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(c) rastreamento via Internet no site www.google.com.br;

(d) palavras rastreadas dos dicionários eletrônicos Houaiss e Aurélio, a partir das ferramentas de busca disponibilizadas nessas obras.

Para o rastreamento on line, foram utilizadas técnicas de busca e coleta de textos na elaboração de corpus para o trabalho científico propostas por Philippe Humblé em

“Linguística e ensino: novas tecnologias” (2001), pois, segundo esse autor, os dicionários não costumam dar uma visão realista da língua atual e um corpus rastreado via Internet pode retificar essa visão. Nesse caso, é precisamente esse tipo de coleta que favorece a análise aqui proposta, posto que a possibilidade dos diferentes usos dos vocábulos e sua heterossemia só podem ser percebidos através de dados que reflitam usos reais, como blogs, chats e posts nas redes sociais, como o Orkut e o Facebook.

Com base nessas fontes, temos um corpus constituído de 62 reduplicações V-V.

Em suma, neste trabalho, postula-se a existência de uma construção morfológica para a reduplicação de base verbal em português. A reduplicação é considerada um processo marginal de formação de palavras, sobretudo devido ao seu status não- concatenativo (GONÇALVES, 2006). No entanto, tal fenômeno apresenta alta produtividade na língua, gerando diversos tipos de modelos reduplicativos, tais como a reduplicação de base verbal (puxa-puxa, bate-bate, corre-corre) e a reduplicação nos hipocorísticos (Dudú, Cacá, Lulú), entre outros tipos apresentados em Albuquerque &

Gonçalves (2004), Vialli (2008) e Gonçalves (2009). Logo, a observação das ocorrências envolvidas no processo torna imprescindível ressaltar que tal fenômeno não envolve apenas informações de cunho formal, mas também semânticas, contraparte geralmente relegada a segundo plano na maioria das abordagens morfológicas.

Dessa forma, uma análise mais precisa da reduplicação em português deve dar conta da forma e do significado e, para atender tal requisito, o modelo teórico adotado

(15)

deve possibilitar esse tipo de pareamento. Com base nisso, é possível postular a existência de uma construção morfológica para o fenômeno em português nos moldes de Booij (2002, 2005, 2010). Desenvolvida a partir dos estudos de Goldberg (1995), a Morfologia Construcional propõe a existência de construções gramaticais nas línguas que alicerçam padrões de processos morfológicos como a sufixação, a prefixação e a composição. Esses esquemas construcionais envolvem sequências fonológicas e categorias lexicais, representadas por meio das variáveis X e Y, tais como [[X]X][Y]Y]Y

(composição), [[X]XY]Y (sufixação), [X[Y]Y]Y (prefixação).

Ainda, o fenômeno tem como característica central a heterossemia (LICHTENBERK, 1991), ao resultar em dois significados que também apresentam diferenças sintático-semânticas, um para nomeação de eventos (‘puxa-puxa’, “ato de puxar repetidamente”) e outro para nomeação de coisas (‘puxa-puxa’, “doce”).

Ademais, com o objetivo de detalhar o polo semântico do fenômeno tratado, é necessário lançar mão de propostas como a de Langacker (1987), Fauconnier & Turner (1996) e Mandelblit (1997). No entanto, é importante enfatizar que essas propostas vêm em favor da análise específica da reduplicação de base verbal; em outras palavras, a investigação de fenômenos diferentes demanda questões semânticas diversas em sua análise, muito embora possam ser observadas com base no mesmo referencial teórico, a Morfologia Construcional (doravante MC). Isso justifica, de certa forma, a carência de detalhamento do polo semântico no modelo da MC. Na verdade, isso dependerá da demanda de cada fenômeno especificamente e deve ser observado durante a análise.

O presente trabalho está dividido na forma descrita a seguir. Na primeira seção 2.1 do capítulo 2, o fenômeno da reduplicação é apresentado em abordagens anteriores, observando-se seu tratamento em compêndios gramaticais e sua análise como processo

(16)

não-concatenativo. A seguir, em 2.2, focaliza-se a reduplicação de base verbal e ressaltam-se suas características mais específicas; em 2.3 é feita uma síntese para o tratamento dispensado ao fenômeno durante o capítulo 2.

No capítulo 3, a seção 3.1 aponta o que motivou a criação do modelo teórico, uma morfologia construcional que permite o pareamento forma/significado em morfologia. Na sequência, em 3.2 são consideradas algumas ideias sobre construções morfológicas, que serão observadas mais detalhadamente em 3.4. Na seção 3.3, são confrontadas as noções de regra e esquema e são levantadas as vantagens de um modelo baseado em esquemas. Em 3.4, as noções de construção gramatical e idioma construcional são exploradas como partes importantes do modelo teórico. Na seção 3.5, mostra-se como se procede ao tratamento dos casos de interface pelo modelo proposto, enquanto em 3.6 e 3.7, respectivamente, são exemplificados casos de unificação de esquemas, aproveitados posteriormente na análise, e o fenômeno da heterossemia presente no caso de reduplicação analisado.

No capítulo 4, é proposta uma análise para os dados recolhidos e são apresentadas as regularidades do processo, suas especificidades formais e semânticas.

Esse capítulo é composto por três seções: 4.1 trata do polo semântico do processo; 4.2 aborda o polo formal e 4.3, na qual é apresentada a rede construcional, analisa alguns exemplos retirados do corpus. O capítulo 5 destina-se às principais conclusões deste estudo.

(17)

Neste capítulo, definimos reduplicação, com base em Gonçalves (2004), Couto (1999) e Vialli (2008), para, na sequência, mostrar a abrangência desse processo morfológico em português. Por fim, focalizamos mais diretamente o tipo de reduplicação analisado neste trabalho: o que promove a alteração categorial V S1 por meio da cópia da base verbal2, a exemplo de ‘puxa-puxa’ e ‘pega-pega’.

2.1 A REDUPLICAÇÃO COMO PROCESSO NÃO-CONCATENATIVO

O fenômeno da reduplicação encontra-se na lista dos processos marginais de formação de palavras do português, não apenas por apresentar escassez de análises linguísticas e dificuldades em sua definição, mas também porque faz parte da Morfologia Não-Concatenativa da língua (GONÇALVES, 2004). Os processos não- concatenativos (McCARTHY, 1981) não se enquadram totalmente no padrão aglutinativo, baseado na noção de “item”, tradicionalmente preferido nos estudos morfológicos de línguas naturais. Tais processos não envolvem apenas informações morfológicas, mas também fonológicas para sua execução, integrando primitivos de ambos os tipos. A reduplicação é concebida, em Gonçalves (2009), como um processo de afixação não-linear, já que um reduplicante, totalmente desprovido de preenchimento segmental, acopla-se à direita ou à esquerda de uma forma de base da qual copia todo o material melódico (reduplicação total) ou parte dele (reduplicação parcial).

1 Os casos envolvidos na reduplicação de base verbal são sempre nomes substantivos.

2 No capítulo 4, discutimos com mais vagar o tipo de constituinte reduplicado nessas formações lexicais:

se a terceira pessoa do singular no presente do indicativo ou o tema verbal.

(18)

O referido processo foi anteriormente analisado por Vialli (2008) sob a ótica da Morfologia Prosódica (McCARTHY & PRINCE, 1998) com um recorte da reduplicação no baby-talk3 e, posteriormente, em Vialli (2009) através da Teoria da Otimalidade (PRINCE & SMOLENSKY, 1993; McCARTHY & PRINCE, 1995).

Em abordagens não-lineares, a reduplicação é apontada como um processo de afixação de uma espécie de molde. De acordo com Broselow & McCarthy (1983), trata- se de uma camada esqueletal subespecificada4 que, quando preenchida, é anexada a uma base como um afixo, podendo realizar-se na forma de prefixo, sufixo e até mesmo infixo, a depender da língua em questão. A proposta de um molde esqueletal, por assumir um princípio geral de reduplicação para as línguas, garante mais economia ao processo. No entanto, para que essa estrutura subespecificada seja preenchida, é necessário o mapeamento de segmentos da base de acordo com o número de camadas que existirem como padrão a ser alcançado no processo de cópia. Esse mapeamento pode ocorrer da esquerda para a direita (no caso dos prefixos) ou da direita para a esquerda (no caso dos sufixos), dependo do tipo de afixação e da direcionalidade indicada no idioma. Casos conhecidos de reduplicação tratados na literatura são a reduplicação prefixal em Agta e a sufixal em Saho, como nos dados exemplificados, a seguir, por Marantz (1982):

3 Segundo Crystal (1997: 38), o fenômeno denominado de baby-talk (também conhecido como motherese ou caregiver speech) partiu de uma extensão nos estudos da aquisição da linguagem, procurando sempre mostrar características distintivas no discurso entre adultos e crianças. Logo, a reduplicação na linguagem infantil é um tipo de baby-talk (mamadeira  dedera , cabelo  bebelo, madrinha  dindinha), posto que se trata de um vocabulário altamente específico utilizado, sobretudo, em um discurso em que um adulto se comunica com uma criança em fase de aquisição da linguagem.

4 De acordo com Archangeli & Pulleyblank (1994), subespecificação é o procedimento analítico relacionado à omissão de informações nas representações subjacentes, preenchidas, mais tarde, a fim de obter as de superfície.

(19)

(01) Agta

(a) takki ‘perna’ > taktakki ‘pernas’

(b) uffu ‘coxa’ > ufuffu ‘coxas’

Saho

(a) lafa ‘osso’ > lafof ‘ossos’

(b) illa ‘primavera’ > illol ‘primaveras’

A reduplicação sempre demanda que uma porção da representação segmental da base seja copiada e anexada à camada subespecificada, como em taktakki, em que tak é copiado para um molde subespecificado CVC (CVCtakki). No entanto, é importante lembrar que nem sempre esses segmentos copiados irão representar constituintes morfológicos da base.

Outra informação relevante dada por Vialli (2009) diz respeito a algumas características formais da reduplicação no baby-talk. A primeira e mais fundamental característica do processo é ter a posição de onset do reduplicante sempre preenchida:

nenhum caso de reduplicação no baby-talk em português apresenta reduplicantes sem ataque. Outro fator que sobressai é a posição do reduplicante. No caso do baby-talk, esse formativo posiciona-se sempre na margem esquerda da palavra prosódica, como é possível verificar nos dados ‘papato’ (sapato), ‘nenelo’ (chinelo), ‘pepeta’ (chupeta) e

‘bibide’ (cabide), o que lhe dá status notório de prefixo. Além disso, esse tipo de reduplicação forma, no máximo, trissílabos, nunca ultrapassando o tamanho original da

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palavra-matriz, já que a questão em jogo não é dobrar a palavra ou formar uma derivada, mas simplificá-la por meio da cópia de parte da base. Entretanto, um ponto importante nessa questão, e que é responsável pelo tamanho dos vocábulos reduplicados, é a posição da sílaba tônica. Em quase todos os casos, a sílaba reduplicada é a proeminente, o que explica a inexistência de formas finais polissílabas.

A reduplicação, devido a seu status marginal dentre os processos de formação de palavras, é um fenômeno pouco analisado em língua portuguesa. Por meio de uma consulta a compêndios gramaticais (LIMA, 2000; BECHARA, 1998 e CUNHA &

CINTRA, 1985), é possível notar que esse mecanismo é frequentemente associado ao processo de composição.

Com o objetivo de demonstrar o tratamento dado à reduplicação nas Gramáticas Tradicionais, foram consultadas as obras de Lima (2000), Bechara (1998) e Cunha &

Cintra (1985). No primeiro compêndio, o fenômeno da reduplicação não aparece na lista dos processos de formação de palavras; no entanto, o vocábulo “corre-corre”, uma reduplicação de base verbal, é indicado como resultado do processo de composição. Na segunda obra, embora seja apresentada a reduplicação, esta é indicada como o fenômeno responsável pela formação de onomatopeias e, novamente, “corre-corre” é apontado como uma composição vocabular, assim como na primeira obra anteriormente destacada. Finalmente, no terceiro compêndio consultado, o referido processo não é mencionado, apresentando-se o vocábulo reduplicado acima apontado como fruto de uma composição.

Considerando essas informações, é necessário elaborar uma definição para a reduplicação como processo formador de palavras em português. Logo, o processo de reduplicação deve preencher os seguintes requisitos (VIALLI, 2008):

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(i) a base copiada deve ser sincronicamente depreendida e haver relação de significado entre base e produto. Nesse caso, bebelo é uma reduplicação, porque a base cabelo é reconhecida sincronicamente. O mesmo não acontece, por exemplo, com mamão, em que a isolabilidade do suposto prefixo reduplicativo destruiria as relações de significado no interior da palavra, uma vez que a noção de mão não está contida em mamão;

(ii) o resultado do processo deve ser uma forma com função lexical ou expressiva de avaliação (BASILIO, 1987), como ocorre, respectivamente, em corre-corre, que denomina um evento, e em Dedé, hipocorístico do antropônimo André, marcado pela expressão de afeto;

(iii) a forma resultante não deve possuir valor onomatopaico, o que caracterizaria simplesmente a reprodução de um som e não uma cópia feita a partir de uma base, como fonfom e auau. Essas formações são casos de reduplicação bem motivados onomatopaicamente, ao contrário de bate-bate e pega-pega, entre outros.

Como lembra Couto (2000), a reduplicação não é um fenômeno desconhecido das gramáticas tradicionais; no entanto, é tratada nesse tipo de compêndio como composição e envolve, sobretudo, casos de compostos formados com duas bases verbais (‘luze-luze’, ‘ruge, ruge’), tal qual apontado por Vialli (2008). Couto (1999) observa

(22)

que o fenômeno também aparece nos tratados de retórica, como em Tavares (1978), que apresenta a epizeuxe ou reduplicação entre as figuras feitas por “repetição ou excesso”.

Ele exemplifica a repetição seguida pelo mesmo vocábulo “São uns olhos verdes, verdes...” (G. Dias) e de uma frase integral ou verso, a palilogia, como nos versos em (02), a seguir, de Mário de Andrade:

(02) Caminho pela cidade Sofrendo com mal de amor Sofrendo com mal de amor Sofrendo com mal de amor Sofrendo (a frase não para no meio) com mal de amor

(Mário de Andrade)

Dessa forma, o autor expressa que os avanços com relação ao tratamento das gramáticas tradicionais para o processo foram praticamente imperceptíveis. Nesse sentido, procura conceituar a reduplicação e para isso retoma Garcia (1996):

“repetição é a reaparição de um ou mais elementos linguísticos depois de sua primeira ocorrência no texto. Como processo expressivo, não intratextual, mas também intertextual, a repetição (...) constitui um dos recursos mais efetivos para a intensificação da linguagem nos níveis fonológico, morfológico e sintático”.

(23)

Logo, afirma que a repetição pode ser frasal ou lexical; no entanto, somente a lexical implica a aparição de palavras autônomas, como substantivos, verbos, adjetivos e advérbios. Ora, nesse sentido, a epizeuxe e a palilogia são casos de repetição discursiva, muito diferentes de exemplos como “Eles ficam nesse canta-canta e não fazem nada”, em que temos como resultado da repetição um substantivo. Outros exemplos de repetição vocabular utilizadas com função expressiva são os seguintes, extraídos da internet, letras de músicas ou obras literárias:

(03)

(a) Repetição com adjetivo São uns olhos verdes, verdes, Que podem também brilhar;

Não são de um verde embaçado, Mas verdes da cor do prado, Mas verdes da cor do mar.

(Gonçalves Dias)

O sol chegou, tão atrevido. Penetrando na cortina. Eu posso ver todo seu corpo.

Descoberto, linda, linda.

(Zezé di Camargo e Luciano)

(24)

(b) Repetição com verbo Minha Boca Deseja

Me Abraça e Me Beija, Amor

Que o meu Coração chamou chamou (Banda Calipso)

Telefone fixo chama chama e ninguém atende e depois da como ocupado?

O que será que é??

(c) Repetição com advérbio E eu dizia: - Ainda é cedo cedo, cedo, cedo, cedo

E eu dizia ainda é cedo...

(Legião Urbana)

Ele acorda cedo, cedo, mas dorme tão tarde!!

Para Wierzbicka (1986), repetição e reduplicação são fenômenos bem diferenciados funcionalmente em italiano, o que também vale para o português. O primeiro é marcado por pausa, representada por meio de uma vírgula na escrita (Ele caminha devagar, devagar); o último não admite pausa ou vírgula na escrita e constitui um novo item lexical (bate-bate – brinquedo de parque de diversões). A autora observa que, nos casos de reduplicação gramaticalizada, apesar de haver a manutenção de

(25)

alguma carga semântica da base original, a ideia veiculada é de intensificação, manifestada de diferentes maneiras.

Retomando Couto (1999), pode-se concluir que na repetição existe total igualdade entre a base e a cópia do ponto de vista formal e funcional; na reduplicação, essa igualdade se dá apenas formalmente, podendo a cópia da base ser total ou parcial.

O autor decide, então, seguir a conceituação de reduplicação dada por Kiyomi (1995) e transcrita em (04), a seguir:

(04) reduplicação:

Dada uma palavra com a forma fonológica X, reduplicação refere-se a XX ou xX (em que x é a parte de X e x pode aparecer antes, após ou no interior de X).

Condições:

(i) XX ou xX deve ser relacionado semanticamente a X.

(ii) XX ou xX devem ser produtivos.

Dessa forma, a reduplicação pode ser total (XX) ou parcial (xX) e a forma reduplicada não preserva a mesma função semântica e gramatical da base. Quando a reduplicação for parcial, os segmentos copiados podem pertencer ao início, meio ou final da base original; por isso mesmo, a reduplicação é um tipo especial de afixação (GONÇALVES, 2009), um processo morfológico que, de acordo com Key (1965), pode dar ideia de iteração, pluralidade, intensificação, distributividade, diminuição e mudança de categoria gramatical.

(26)

Couto (op. cit.), Albuquerque & Gonçalves (2004) e Vialli (2008) alertam para as comparações entre onomatopeia e reduplicação, também feitas por diversos autores já citados. No entanto, Key (1965) aponta que, por ter como função primordial a imitação de sons, a onomatopeia não pode expressar funções gramaticais, tal qual a reduplicação.

Alguns exemplos de onomatopéia que se assemelham à reduplicação aparecem elencados em (05), a seguir:

(05) auau fonfom quero-quero zunzum

De acordo com Couto (op. cit.), Araújo (2000) e Albuquerque & Gonçalves (2004), a reduplicação é um processo altamente produtivo no português brasileiro:

aparece no. baby-talk (biscoitococoto, sapatopapato), na formação de hipocorísticos (Edududú, LiliamLilí) e na nominalização de bases verbais, chamada por Couto (op. cit.) de reduplicação V-V (quebra-quebra, mata-mata).

Couto (op. cit.) procura exemplificar esses tipos de reduplicação, começando pelo baby-talk. Segundo ele, essa é a linguagem utilizada pelos adultos ao se comunicarem com crianças na tentativa de reproduzirem a fala infantil, numa espécie de adaptação. Em (06), aparecem alguns exemplos dados pelo autor:

(27)

(06) (i) dandá ‘andar, caminhar’, (ii) dodói ‘machucado, ferida, dor’, (iv) mamãe ‘mãe’, (v) papá ‘comida’, (vi) papai ‘pai’, (vii) pepeta ‘chupeta’, (viii) tetéia ‘bonito, coisa bonita’, (ix) titio ‘tio’.

É importante ressaltar que muitos desses exemplos não figuram na lista de reduplicação no baby-talk proposta por Vialli (2008, 2009) por não serem considerados casos do fenômeno, como tetéia e outros, que podem ser identificados ainda como pertencentes a outro tipo de reduplicação; tal é o caso de papai, uma reduplicação em início de palavra, pouco produtiva em português, utilizada, sobretudo, na nomeação afetiva de nomes de parentesco (GONÇALVES, 2009), como os arrolados em (07):

(07) mamãe, papai, vovó, vovô, titio, titia

Em Vialli (2008), com base no instrumental de análise da Morfologia Prosódica (McCARTHY, 1986), dados do baby-talk foram descritos a partir dos seguintes padrões silábicos presentes nos pés nucleares das formas de base5:

(08) Bases envolvidas na reduplicação no baby-talk

1ª BASE  CV xampu  pupú

2ª BASE  CVV chapéu  pepéu

3ª BASE  CV.CV boneca  neneca

5 Pés são unidades prosódicas, como mora (), sílaba (), pé () e palavra prosódica () (SELKIRK, 1980). Entende-se por pé nuclear aquele que comporta o acento primário da base.

(28)

4ª BASE  CV.CVV remédio  memédio

5ª BASE  CVC.CV madrinha  dindinha

Em relação aos hipocorísticos, a seguinte lista de formas reduplicadas é bastante extensa, como se vê em (09), a seguir. Lima (2008) e Thami da Silva (2008) analisaram a reduplicação com os instrumentos da TO e concluíram que há severas restrições sobre o reduplicante, que não pode se iniciar por vogal, nem apresentar coda, tendo sempre o formato CV:

(09) Cacá (< Carlos), (ii) Dudu (< Edu < Eduardo), (iii) Gegê (< Geraldo), (iv) Nonô (<

Nicanor), (v) Zezé (< José)

Nos exemplos em (07), (08) e (09), tem-se casos de reduplicação parcial, uma vez que o reduplicante copia apenas os segmentos iniciais da base e é adjungido à esquerda, funcionando como prefixo. Em português, a reduplicação pode explorar a margem direita da palavra, como demonstrado em Gonçalves (2010). Para esse autor, a reduplicação sufixal manifesta intensificação, como se observa nos dados em (10):

(10) bololô (“tumulto”) chororô (“choradeira”) bafafá (“confusão”)

(29)

Para Gonçalves (2010: 32), “Em todas as palavras que expressam intensificação por essa estratégia, as vogais da forma resultante são sempre idênticas, havendo, portanto, perfeita harmonia na melodia vocálica”. Pelos dados apresentados em (10), o autor considera que o processo se vale da cópia “dos elementos melódicos da raiz (e não da palavra), já que a vogal final do item derivante, realizada como alta em todos os casos, nunca é aproveitada. Assim, de 'chor[u]' se forma 'chororô', com a realização de uma média fechada, [o], nas três posições de V da forma derivada” (GONÇALVES, 2010: 33).

Além dos usos já citados para o fenômeno, vale destacar os exemplos retirados de diversas línguas por Couto (op. cit.), a começar pelo grego, em que a reduplicação parcial do radical verbal é usada para marcar a primeira pessoa do singular:

(11) futuro perfeito ativo

(i) φιλω ‘eu amo πε-φιληκα ‘eu amei’

(ii) δηλϖ ‘eu mostro’ δε-δηωκα ‘eu mostrei’

(iii) κελευσω ‘eu ordeno’ κε-κελευκα ‘eu ordenei’

Outra língua exemplificada pelo autor é o latim. Nela, a reduplicação ocorre também ocorre na formação de pretéritos:

(30)

(12)

(i) mordeo ‘eu mordo’ mo-mordi ‘eu mordi' (ii) fallo ‘eu engano’ fe-felli ‘eu enganei’

(iii) do ‘eu dou’ de-di ‘eu dei’

Couto (op. cit.) observa que, muito embora o que se apresente hoje em muitas línguas seja uma reduplicação parcial, essa pode ter se originado de uma reduplicação total que foi se reduzindo com o tempo. Na opinião do autor, isso pode revelar a origem dos afixos.

Com relação às línguas modernas, o inglês, o chinês e o japonês também possuem casos de reduplicação. No caso do japonês, por exemplo, o redobro indica pluralidade, como nos dados retirados de Ando (1957):

(13)

(i) ie ‘casa’ / ie-ie ‘casas’

(ii) yama ‘montanha’ / yama-yama ‘montanhas’

(iii) ki ‘árvore’ / ki-gi ‘ávores’

(iv) kuni ‘país’ / kuni-guni ‘países’

(v) hito ‘pessoa’ / hito-bito ‘pessoas’

Finalmente, a presença da reduplicação nas línguas crioulas é marcante. No tok pisin, crioulo inglês da Papua Nova Guiné, observa-se o redobro total na formação de

(31)

verbos, como tok-tok ‘falar’, luk-luk ‘olhar’. Nos crioulos franceses, o emprego do fenômeno também é frequente, como em tous-touse ‘tossir sem parar’, bouz-bouze

‘mexer-se ligeiramente’.

Logo, é notório que a reduplicação é um processo presente em quase todas as línguas do mundo. Isso leva Couto a defender a tese de que a reduplicação pode ser um dos primeiros processos morfológicos e gramaticais a existir, já que parte da simples junção de duas formas da maneira mais econômica: por meio da cópia.

Ao contrário dos demais tipos até então comentados, a reduplicação de base verbal, tema da próxima seção, é do tipo total, já que o reduplicante constitui cópia fiel de sua base, não havendo, com isso, condições de decidir se esse elemento é adjungido à esquerda ou à direita.

2.2 A REDUPLICAÇÃO DE BASE VERBAL

A reduplicação de base verbal é um processo que se baseia na cópia de uma base verbal, formando um composto VV. Esse processo resulta num nome em português e pode abranger dois significados: um relacionado ao evento e outro à coisa, o que pode ser observado em um mesmo vocábulo, como pula-pula, que pode designar tanto o ato de pular repetidas vezes como o brinquedo.

Nesse sentido, vale a pena relembrar o tratamento dado à reduplicação verbal no italiano por Thornton (2008). A autora destaca exemplos como fuggifuggi (debandada) e copia copia (cópia generalizada) e afirma que esse tipo de composição VV é responsável pela nominalização de ações em italiano, sendo muito usual nesse idioma.

No espanhol, por exemplo, esse tipo de composto é responsável pela nomeação de

(32)

plantas, animais, brinquedos ou jogos, pessoas, mas raramente outras categorias. A autora destaca os seguintes exemplos do espanhol:

(14) Plantas: brincabrinca, pegapega.

Animais: duermeduerme, matamata, picapica.

Jogos: pasapasa.

Brinquedos: chupachupa.

Pessoas: chapa chapa < chapar ‘enriquecer’

Outros: correcorre ‘voo desordenado’

Guilbert (1971) elenca poucos nomes dessa operação morfológica em francês;

são eles:

(15) Instrumentos: pousse-pousse ‘riquexó’, coupe-coupe ‘facão’, vire-vire

‘ventilador’.

Jogos: passe-passe ‘abracadabra’, cache-cache ‘esconde-esconde’.

O italiano possui outras formas compostas por dois verbos para representar as entidades e categorias expressas em francês e espanhol. No entanto, esses vocábulos não são constituídos por verbos idênticos, como é o caso de portareca (‘entregador’) e bagnasciuga (‘faixa litoral submergível’). Os compostos VV idênticos em italiano,

(33)

como em português, são nomes de ação. Thornton (2008) fornece o seguinte quadro contendo o corpus coletado no italiano:

(16)

Para Thornton (2008), os nomes em (16) têm origem no imperativo descritivo, comum em línguas românicas, que serve para descrever ações por meio de dois ou mais verbos. Retomando Spitzer (1918), a autora observa que esse tipo de imperativo é utilizado para descrever ações endereçadas ao próprio agente. Entretanto, é importante destacar que nem toda repetição imperativa será um nomeador de ação, assim como

(34)

também é possível que nem todo nome desse tipo seja criado por formas no imperativo.

Thornton (2008) ainda observa que os casos de lexicalização6 desses nomes reduplicados tornam esse tipo de processo um modelo para criação de novas palavras.

Em relação ao português, Couto (1999) mostra que a reduplicação de base verbal pode ser chamada de reduplicação V-V. Entretanto, o autor ressalta que nem todo composto VV é uma reduplicação, como se observa nos casos abaixo, em que as formas verbais são diferentes:

(17) deita-levanta entra-e-sai liga-desliga pões-tira senta-levanta leva-e-traz

Nesses casos, a fórmula do composto é Vi-Vj (com índices diferentes, portanto: i e j) e o significado é transparente, tomado pela soma das partes. Apesar de envolver duas bases verbais diferentes flexionadas (todas estão na terceira pessoa do presente do indicativo), o resultado do processo é sempre um nome, a exemplo de ‘bate-entope’, que nomeia uma comida (geralmente um salgado) que, quando ingerida, logo deixa a pessoa saciada, por ser grosseiro. Os casos de reduplicação envolvem uma fórmula Vi-Vi (com idêntico índice) e seus significados podem ser diversos e imprevisíveis, mesmo que haja sempre a manutenção de alguma carga significativa da base. A partir disso, Couto classifica as diversas formas de reduplicação V-V observadas por ele da seguinte maneira:

6 Segundo Brinton & Traugott (2005), a lexicalização é o processo através do qual duas ou mais unidades linguísticas se transformam em uma unidade autônoma. Nesse caso, então, o termo se refere à perda da composicionalidade morfológica e semântica, tendo em que vista a unidade deixa de ser interpretada por acesso às partes e passa a ser tomada holisticamente.

(35)

Formas citadas pelas gramáticas, algumas das quais em desuso:

(18) (i) bule-bule ‘?’, (ii) corre-corre ‘correria’, (iii) luze-luze ‘pirilampo’, (iv) pega- pega ‘1.carrapicho; 2. conflito, disputa, briga; 3. prisão em massa; 4. brinquedo infantil’, (v) ruge-ruge ‘1. ruído produzido por saias que roçam o chão; 2. rugido ; 3.

confusão, atropele, barulho’

Formas usadas como nomes próprios:

(19) Quero-quero ‘nome de restaurante em Brasília’, Treme-treme ‘nome de edifício- cortiço de São Paulo’, Troca-troca ‘nome de feira popular de Olhos d’água, Goiás’, Vai- vai ‘nome da escola de samba mais famosa de São Paulo’

Formas não encontradas nas gramáticas tradicionais, mas que estão dicionarizadas:

(20) (i) bate-bate ‘1. movimento constante de dois objetos que se chocam; 2. espécie de batida’, (ii) lambe-lambe ‘1. fotógrafo ambulante; 2. primeira fila dos teatros de revistas’, (iii) lufa-lufa ‘grande afã, azáfama’, (iv) mexe-mexe ‘ tipo de jogo’, (v) pisca- pisca ‘1. cacoete de piscar; 2. ato de piscar seguidamente, 3. farol intermitente, 4.

farolete dos automóveis’, (vi) pula-pula ‘tipo de ave’, (vii) puxa-puxa ‘1. diz-se do doce ou da bala de consistência elástica e grudenta; 2. espécie de alféloa, puxa’, (viii) quebra- quebra ‘1. arruaça com depredações; 2. cobra-de-vidro’, (ix) roque-roque ‘1. Ato de roer; 2. tipo de peixe’.

Formas que não constam nas gramáticas tradicionais nem estão dicionarizadas:

(36)

(20) beija-beija ‘ação de várias pessoas beijando umas às outras’, empurra-empurra

‘tumulto, em que cada um quer se safar primeiro’,gira-gira ‘brinquedo giratório de parquinho infantil’, mata-mata ‘jogo decisivo’

O autor aponta que a reduplicação V-V consiste na nominalização de ações por meio do redobro verbal e possui alta produtividade, podendo ser observada em muitas línguas do mundo, talvez devido a uma relação com as necessidades comunicacionais fundamentais do ser humano, revelando tendências generalizadas nas línguas.

2.3 SÍNTESE

Como se vê, a reduplicação é um fenômeno que abrange os dois principais processos morfológicos da língua: a derivação e a composição. Além disso, é um típico fenômeno de interface morfologia-fonologia, já que os reduplicantes são desprovidos de preenchimento segmental, manifestando-se através de uma operação de cópia. No presente trabalho, é feito um recorte: analisa-se a reduplicação de base verbal, segundo um modelo teórico que permite acessar analiticamente os dois polos envolvidos na construção desses termos, o formal e o semântico. Dessa forma, a Morfologia Construcional (BOOIJ, 2002, 2005, 2010), baseada na Gramática das Construções (GOLDBERG, 1995), revela-se o modelo teórico mais indicado para dar conta do tratamento desse fenômeno em língua portuguesa, como sustentamos no próximo capítulo, no qual são apresentadas as bases desse modelo de análise morfológica das línguas naturais.

(37)

Neste capítulo, apresentamos o modelo de morfologia construcional (construcion morphology) desenvolvido por Booij em três diferentes trabalhos, dois artigos e um livro: em Booij (2002), estabelecem-se as bases desse novo modo de conceber as estruturas morfológicas das línguas naturais; Booij (2005), por sua vez, descreve o papel do léxico nos mecanismos de formação de palavras; em Booij (2010), um livro inteiramente dedicado à apresentação do modelo, tem-se uma espécie de introdução ao paradigma da morfologia construcional.

3.1 MOTIVAÇÃO PARA O MODELO: AS FRONTEIRAS INTERNAS DA MORFOLOGIA

De acordo com Booij (2002), a observação da literatura referente ao estudo dos fenômenos morfológicos revela que tanto sua classificação quanto demarcação podem, muitas vezes, ser uma difícil tarefa. Aliás, não é apenas do ponto de vista didático- terminológico que a questão apresenta grande importância, mas, sobretudo, devido ao interesse linguístico em fazer generalizações que sejam capazes de sustentar hipóteses a respeito de fenômenos da língua. Dessa forma, a aplicação de construções específicas para o domínio da Morfologia requer a observação atenta de suas características particulares com o objetivo de prever seu comportamento gramatical.

O referido autor enumera três importantes demarcações investigadas na literatura morfológica contemporânea: (a) a demarcação entre compostos e construções sintáticas, (b) a distinção entre flexão e derivação (cf., também, GONÇALVES, 2005) e, mesmo

(38)

que menos explorada, (c) a delimitação entre a composição e a derivação, essa última foi escolhida pelo autor como foco investigativo7.

Tradicionalmente, o critério seguido para a demarcação entre composição e derivação é a definição de suas unidades de análise: a composição é o mecanismo de junção de dois ou mais lexemas, enquanto a derivação é o resultado do acréscimo de um afixo a um lexema.

Investigadores como Lieber (1980, 1992) e Selkirk (1982) apresentam uma análise que revela as semelhanças entre os processos de composição e derivação. No entanto, o problema da demarcação não é resolvido apenas com a unificação dos processos; torna-se necessário definir os critérios que levarão um determinado constituinte morfológico a ser considerado preso ou livre, assim como se tal diferença também repousa em dados semânticos e fonológicos e de que modo isso deve ser observado.

Segundo Booij (2005), na literatura morfológica, o modelo Item-e-Arranjo trata os processos de composição e derivação como fenômenos radicalmente distintos, ou seja, enquanto a derivação é vista como a aplicação de uma regra com aspectos de vários níveis – fonológico, semântico e sintático; a composição é tomada como uma regra sintática de estruturação de palavras e combinação em compostos.

Anderson (1992), ao defender uma abordagem palavra-e-paradigma da flexão, acaba por estender essa mesma interpretação morfológica à derivação, fato que aproxima tal processo a outros tipos de formação de palavras, mesmo os de ordem mais formal, como os não-concatenativos, a exemplo da reduplicação, foco desta tese.

Entretanto, ele separa a composição da derivação afixal, já que aquela geraria

7 A discussão sobre os limites entre a derivação e a composição vem ganhando destaque nos dias de hoje e é objeto de investigação, por exemplo, em Kastovsky (2009) e Gonçalves (2011a, 2011b).

(39)

compostos, unidades passíveis de aplicação de diferentes regras gramaticais e, logo, teriam uma estrutura morfológica interna acessível a outras regras, enquanto esta última, ao contrário, não possuiria tal estrutura, uma vez que as palavras resultantes seriam apenas derivadas de outras. Dessa forma, a hipótese de Anderson sustenta que, se uma palavra é derivada, suas novas propriedades fonológica, sintática e semântica são especificadas por uma determinada regra derivacional, o que torna desnecessário o acesso à sua estrutura morfológica interna.

Booij (2002) procura comprovar que a demarcação entre composição e derivação não é viável, contrariando a proposta de Anderson. Com esse objetivo, enumera alguns casos fronteiriços na morfologia, como a relação entre a composição e a prefixação. Certas palavras complexas do português são objeto de discussão, por exemplo, em Câmara Jr. (1970):

(01) contra irmão contra irmão entre entre mim e você sobre prato sobre a mesa

contra-ataque contra-cultura entre-aberta entremeado sobrevoar sobretudo

É possível observar que as palavras complexas em (01) apresentam uma formação bastante peculiar, no sentido de que todas são o resultado da união de um lexema com uma preposição; dessa forma, tais casos podem ser considerados prefixação, já que preposições são palavras gramaticais. Entretanto, palavras

(40)

gramaticais também possuem status de lexema e, nessa perspectiva, o resultado dessa união pode ser considerado um caso de composição.

Outro exemplo dessa situação, encontrado em Booij (2002), é tomado do holandês, idioma que impõe como regra para a formação de compostos que a tônica principal apareça no primeiro componente vocabular (BOOIJ, 2002:3). No entanto, algumas palavras usadas como preposição, adjetivo ou advérbio podem aparecer como parte de outras palavras sem obedecer a essa regra, ou seja, não apresentam o acento tônico. Nesse caso, é impossível apontar com exatidão se estamos diante de uma prefixação ou de uma composição, já que, muito embora o acento não apareça, essas palavras são lexemas. Observe os exemplos a seguir:

(02) mis ‘errado’

onder ‘abaixo’

weer ‘de novo’

vorm ‘formar’

breek ‘quebrar’

schijn ‘brilhar’

mis-vorm ‘deformar’

onder-breek ‘interromper’

weer-schijn ‘refletir’

A partir dessas análises, o referido autor afirma que alguns lexemas podem possuir uma contraparte prefixal. O primeiro indício dessa propriedade seria de ordem

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fonológica, como é o caso do holandês e sua regra de acento primário; o segundo seria de ordem semântica, pois os afixos muitas vezes podem apresentar uma gama de significados que é reduzida ou reinterpretada no lexema resultante, como é o caso de weer que isoladamente significa “de novo” e como parte da palavra complexa, “no sentido inverso”. A terceira propriedade, de ordem mais morfológica, aponta que esses lexemas-prefixos podem, muitas vezes, determinar a categoria gramatical da palavra complexa, assim como os prefixos prototípicos do holandês, como se vê nos exemplos em (02).

Com base nessas observações, Booij (2002) propõe a Morfologia Construcional.

Esse novo modelo teórico revela que, devido à semelhança estrutural existente entre os processos de composição e derivação, é possível expressá-los através de esquemas de formação de palavras que representam as generalizações prováveis nas línguas; além disso, esses esquemas são frequentemente usados na formação de novos itens lexicais.

O autor propõe três padrões morfológicos, referenciados conforme (03), a seguir, modelagem utilizada no trabalho de Gonçalves & Almeida (2012), sobre os chamados xenoconstituintes, como ‘cyber’, ‘pit’ e ‘tube’, e encontrada também em Faria (2011) e Castro da Silva (2012):

(03) (a) composição: [[X]X[Y]Y]Y

(b) sufixação: [[X]X Y]Y

(c) prefixação: [X[Y]Y]Y

Nesses esquemas, as variáveis X e Y representam as sequências fonológicas, enquanto X e Y representam as etiquetas lexicais. No caso dos compostos ilustrados em (03a), a cabeça lexical se encontra à direita da palavra, motivo pelo qual o vocábulo

(42)

resultante do processo terá a mesma categoria lexical que a base à direita. A prefixação, segundo o esquema, terá como resultado uma palavra de categoria idêntica a de seu radical; a sufixação, por outro lado, não segue a categoria gramatical do radical. Esses esquemas são pertinentes ao padrão morfológico do holandês e obviamente podem apresentar variações a depender da língua em que são aplicados. Por exemplo, em português, o esquema de composição teria de ser alterado, já que, independentemente da categoria de suas bases formadoras, o resultado do processo de composição em português é sempre um nome. Assim, Gonçalves & Almeida (2012) reescrevem, para o português, o esquema geral da composição como (04) a seguir:

(04) composição: [[X]X[Y]Y]N

Outra importante observação a respeito do modelo proposto por Booij é que se mantém a proposta construcionista inicial, apontada por Goldberg (1995), de pareamento entre estrutura formal e semântica, com alterações da formalização efetuada pela autora. O autor mantém o seu esquema nos moldes especificados em (01), (02) e (03) e propõe o acréscimo da seguinte especificação semântica ao esquema geral da composição:

(05) [[X]X[Y]Y]Y “Y com alguma relação com X”

Os esquemas até então apresentados são generalizantes e, portanto, não especificam afixos possíveis, como as regras de formação de palavras, em Aronoff (1976), por exemplo, em que operações individuais regem a utilização dos afixos. Mais

(43)

adiante, na seção 3.3, abordamos com mais vagar as diferenças entre esses dois dispositivos analíticos.

A ideia fundamental da Gramática das Construções é que instanciações específicas de padrões sintáticos da língua formam grupos de construções gramaticais independentes e, por isso mesmo, devem ser definidas individualmente. O autor retoma o famoso exemplo da construção em inglês V NP away, como em twisting the night away (“revirando-se noite afora”). Nessa construção idiomática, uma posição é especificada lexicalmente em um padrão sintático, ou seja, seu significado não será totalmente composicional. Na mesma construção, o item lexical especificado permanecerá trazendo o mesmo significado ao conjunto, como em talking the night away (“conversando noite afora”).

Dessa forma, os esquemas morfológicos propostos por Booij podem ser interpretados como expressões idiomáticas no nível da palavra, tendo significados relacionados às suas instanciações específicas. Esses esquemas de construção representam, na verdade, generalizações de conjuntos de palavras complexas na língua com diferentes graus de abstração. Essas palavras complexas tornam-se lexemas convencionalizados. Assim, como proposto na Gramática das Construções, a relação entre o esquema mais abstrato e as instanciações individuais pode ser representada por meio de uma árvore construcional, em que construções mais específicas herdam propriedades de construções dominantes ou mais gerais. Booij exemplifica essa cadeia hereditária por meio da palavra baker (“padeiro”) do inglês, como se vê em (06), a seguir:

(44)

(06) [[X]X Y]Y |

[[X]V er]N ‘pessoa que faz V’ s’

|

[[bak]V er]N ‘pessoa que assa’ (profissionalmente)’

Como exemplificado acima, cada nó inferior da árvore herda propriedades de nós dominantes. É importante ressaltar, ainda, que a palavra baker herdará propriedades de sua base, o lexema verbal bake, que também estará ligado à árvore:

(07) [[X]X Y]Y

|

[[X]V er]N ‘pessoa que faz V’ s’

|

[[bak]V er]N ‘pessoa que assa’ (profissionalmente)’

[bake]V

Com essas observações, Booij (2005:14) determina um dos princípios fundamentais de sua Morfologia Construcional: o de que palavras complexas devem ser autorizadas a ter ligações múltiplas no léxico.

É importante observar que a segunda linha das árvores em (06) e (07) expressa a formação de substantivos deverbais em -er. Diversas palavras podem ser formadas por meio do mesmo esquema, como ocorre com o verbo to fix em inglês, que dá origem ao

(45)

substantivo fixer (jeitoso). Logo, a palavra fixer é uma instanciação do esquema de formação de substantivos deverbais em -er no inglês.

Os falantes conhecem e dominam os esquemas morfológicos por meio dos conjuntos de palavras que instanciam esses padrões. Dessa forma, os usuários da língua são capazes de inferir um sistema abstrato ao se depararem com um número de palavras do mesmo tipo e estendê-lo ainda mais. É dessa forma que ocorre, provavelmente, a aquisição da linguagem. Segundo Tomasello (2000), o ponto final do período aquisitivo é definido “em termos de construções linguísticas de diferentes graus de complexidade, abstração e sistematicidade.” A Morfologia Construcional parte do pressuposto de que isso também se aplica no nível das construções morfológicas.

3.2 CONSTRUÇÕES MORFOLÓGICAS: PRIMEIRAS IDEIAS

Posteriormente, Booij (2010), em sua obra “Construction Morphology”, dá continuidade ao seu trabalho, procurando desenvolver e definir melhor as bases da sua teoria, para a qual a ideia de “construção” é o elemento fundador. Dessa forma, seria possível tratar mais satisfatoriamente a relação entre sintaxe, morfologia e léxico, observando melhor as diferenças e semelhanças de formação nos níveis da palavra e da frase. Observe-se a lista de palavras abaixo, dada pelo autor (BOOIJ, 2010:2 ):

(08) buy (comprar) buyer (comprador) eat (comer) eater (comedor*) shout (gritar) shouter (gritador*) walk (andar) walker (andador*)

(46)

Na lista em (08), existe, além da diferença formal, uma diferença de significado entre as palavras da coluna da esquerda em relação às da direita. Os vocábulos da direita representam os agentes das ações expressas pelos verbos da esquerda. Logo, esses pares de palavras possuem uma relação paradigmática que pode ser projetada para o verbo como uma espécie de estrutura morfológica interna da palavra, como em (09):

(09) [[eat]V er]N

Dessa forma, a lista em (08) pode suscitar um esquema abstrato como o seguinte:

(10) [[X]V er]N ‘aquele que V’

O esquema em (10) expressa uma generalização sobre a forma e o significado de nomes deverbais listados no léxico e que pode inclusive funcionar como ponto de partida para a formação de novas palavras na língua. No caso do inglês, Booij observa que o esquema abstrato [[x]V er]N levou à formação do nome “skyper” por meio da aplicação do verbo “to skype” no lugar da variável x. As novas palavras criadas com base em esquemas abstratos são acrescentadas ao léxico da língua e podem apresentar propriedades idiossincráticas e/ou convencionalizar-se, como explica o autor no texto de 2007, no qual se dedica exclusivamente ao tratamento de questões desse tipo (BOOIJ, 2007).

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