Alerta da Organização Mundial de Saú- de: o sufoco económico e o empobreci- mento da classe média estão a acele- rar um processo que já era preocupan- te - a deterioração da saúde mental.
—
iEm Portugal, os sintomas são evi-
dentes. O consumo de antidepressivos
e ansiolíticos não pára de aumentar.
—i Um em cada três portugueses sofre de um distúrbio psicológico. A taxa de suicídio duplicou na última década,
—i Nas contas da tragédia portugue- sa^ preciso obedecer a uma nova equa-
ção. Há cada vez mais gente a somar dí- vidas e a subtrair conforto à vida. —
iAté
ao dia em que estoira.
textoRicardo J.Rodrlguas
-i
fotografa Sandra Rocna/KamaraphotoManuel Palma édoente blpolar edono de uma imobiliária. Acrise económica está a atlngl-lo em cheio.
Eletentaresistir.
massaDequea aflição nãoêamiga dasua doença.
A
janelaé estupenda.da casa deEncaixa-Marta da noterceiro andar de umprédio nosubúrbio lisboeta, consegue aextraordinária proeza deteruma vista desafogada eimensamente verde, apesar deestar nomeioda urbanida- de.Nãoserá injusto dizer que aquelajanelaéoprivilégio maior da casa. Mas hádois anos queosestores permanecem fechados.
Ganharam tanta ferrugem que hoje éim- possível abri-los
-
de facto, aúnica maneira deadmirar apaisagem éespreitando pelas frestas. «Gosto deestarnoescuro», dizMar- ta que,aoscinquenta anos, trabalha dez ho- raspor dianum supermercado, ganha 600 euros por mês e paga 350 pelo aluguer do apartamento. «Senãohouver luz,eudurmo, esedurmo, não penso. Eeu estou farta de pensar. Quanto mais penso navida, mais triste fico.»Há
dezanos, Marta vivia numa moradia dedois pisos com jardim, era dona deuma lojademobiliário queempregava cinco fun- cionários, viajava três vezes porano ao es- trangeiro, comprava roupa duas vezes por mês etinha ofilho aestudar num colégio privado, cuja mensalidade era superior ao seuordenado actual. «O negócio começou a piorar em 2000.Eu não podia ter aloja va- zia, se ofizesse estava condenada. Passei anos sem facturar osuficiente para pagar aosfornecedores efui acumulando dívidas.»Em 2005 viu-se obrigada ahipotecar avi- venda, no ano seguinte fechou oestabeleci- mento. O pouco quetinhaserviu para pagar asindemnizações dosempregados. «De re- pente fiquei sem nada. Nemcasa, nemcar- ro, nempoupanças, nada.» Reagiu. «Tentei encontrar um emprego razoável, mas di- ziam-me que tinha demasiado currículo.
A única hipótese foitornar-me caixa num
supermercado.» Desde esse dia,oquotidia- no deMarta étrabalho euma casa escura.
«Ter qualquer forma deprazer na vida tor- nou-se umluxo a que não meposso dar.»
A tristeza mora ao nosso lado, mesmo quando nãoreparamos. Ahistória deMarta éadealguém que conhecemos.
Há
outros três milhões de portugueses que sofrem de distúrbios mentais, assegura oConselho Eu- ropeu das Doenças Cerebrais. Osnúmeros estão aaumentar, com a ansiedade e ade- pressão aperfazerem mais deoitenta por centodos casos. «Numasociedade deconsu- mooempobrecimento ésentido como uma afronta, uma terrível injustiça.» António Pa- checo Palha, director doserviço dePsiquia- tria doHospital de SãoJoão, no Porto, não tem dúvidas de que aactual conjuntura fi- nanceira temajudado acriar novos casos de depressão edesespero. Ofacto éparticular- mente visível napopulação emidade activa,educada,
que trabalha, tem dívidas
etem vin-
doaperder qualidade
devida. «A
possibili-dade
deas pessoasterem
deaceitar um em- pregodemenorcategoriaouforadasuaárea de especialização implica um ataque
à suaauto-estima.Quandoaauto-estimase reduz,
estão abertas asportas para
a depressão.»«É
cadavez mais difícil arranjar trabalho
eainda mais difícil
éarranjar trabalho onde
seganhe alguma
coisade jeito», palavras de Luís Robert,
psicólogono Centro
de Saúdeda Lapa, uma zona
abastadada capital onde
ofenómeno da nova pobreza - gente que
trabalha
etem competências,
mas nãocon-
seguepagar
ascontas-
estáatornar-se cada vez mais flagrante.
«Os pedidos deapoio
psi- cossocialnão param
deaumentar. Veja,
as pessoastrabalham de manhã
ànoite para ganhar
setecentos euros epagar quinhentos de renda
de casa.Isto não
énormal. Pode-
mosdizer que
asdoenças físicas sedesen- volvem
atravésde umabactéria. E
oque ve-
moshoje
équeacarência económica
está atornar-se também ela numa bactéria, que provoca
doenças esepropaga rapidamen-
te.ȃ como
sePortugal
vivesseum surto de
aflição,de
ansiedade.Angústia
«De repente fiquei sem casa, carro, pou- panças, fiquei sem nada.Ter qualquer forma de prazer na
vida tornou-se um luxo a que não me
posso dar.»
o peso da solidão
Está uma mulher carregada
de sacos acor- rer
aolongo
doMosteiro
dosJerónimos, em
Lisboa.
Está
atentar chegar
atempo
àpara- gem de autocarro, que
sópassa demeia em meia hora. Ela chama-se Isabel Manuel, tem 29
anos eum filho de
dois.Nasceu em Ango-
la masvive em Portugal há
12anos.Vai na- quela correria desenfreada para ir buscar
ofilho
àcreche da Segurança
Social,que fica em Santa Apolónia.
Sai doemprego - traba- lha na copa de um restaurante em Belém -
às
cinco
emeia da tarde.
Aseducadoras guardam
ascrianças
atéàs seis eela,
senão houver
atrasos nos trêsautocarros
quetem de apanhar, com um bocadinho de sorte
eo passo estugado, conseguechegar
aojardim- -de-infância
às seis emeia. «Menos mal,
as-sim não ralham comigo.»
Dá
amão
aogaiato,
seele estáde birra
co-loca-o
àscavalitas, etorna
aapanhar um
au-tocarro, direito
ao Cais do Sodré.Daí, apa- nha
obarco para Cacilhas
eespera vinte mi-
nutospor outro autocarro, que
aleva
àBaixa da Banheira. Nunca põe
opé dentro de
casaantesdasoitodanoite.Duashorasemeiade viagem para
cada lado, todos osdias.No mí- nimo. Depois
éfazer
asopa para
orapaz, dar-lhe banho, comer alguma
coisa sehou-
ver.E cama, que o dia começa
àsseismenos quinze. «Ganho 565 euros por
mês,incluin-
dojá
osubsídio
dealimentação.
Pago200 euros de renda
decasa,50 da
escola e 55 de passe social.Como
omeu trabalho funciona
por turnos,
estoumuitas
vezescom
ohorá- rio
dascinco da tarde
àsduasda manhã, por
issopago mais 100 euros
auma senhora que me toma conta do menino. As contas da
água,da luz
e dogásdão mais ou menos 30 euros por
mês.»Sobram-lhe
130para comer, vestir
ecomprar
devez em quando um brin- quedo
aofilho.
Isabel tem uma depressão. Quando
sesenta
àmesa da cozinha, tudo
édesespero.Há alguma fruta que
aama
dofilho vai bus-
caràpraça, são assobras dodia.
Há
Cerelac para opequeno-aJmoço do miúdo. Elafaz normalmente uma refeição por dia, aque lhedão no restaurante. «Desmaio muitas vezes. Pensava queerade fome, mas não é só. Também tenho tremores, diarreia, vó- mitos. Não consigo parar de pensar no que aminha vida setornou, não consigo dormir, preocupada com omeu filho. Aiseeu um dia adormeço, ai sechego atrasada para oir buscar ouparaoirlevar. Etenho tanto me- dodeser despedida.»Ofuturo não existe. Ela nãosabe oqueirá fazer quando orapaz crescer efor paraaes- cola primária. Ou quando tiver delhecom-
prarlivros. Ou quandoo miúdo fordemasia- do grande paraandaraocolo damãeetiver de pagar bilhete deautocarro. «Sefinancei- ramente não estás bem, emocionalmente também não.Como é que te consegues
rir
se estás apassar fome? É por isso que aspes- soas enlouquecem. Eeuàsvezes sinto que passo abarreira, que não aguento mais, sei lá,quepasso paraooutro lado. Mas nãote- nho medo de enlouquecer. Loucura éesta vida que levo.»As paredes doapartamento onde Isabel vive estão cheias deretratos dela, do peque- no e dafamília deuma colega do trabalho, com quem partilha acasa. Fotografias tão
sorridentes quanto pretéritas. «Às vezes, quando chega ao fim-de-semana, vou ao centro comercial encher osolhos na Zara.
Gostava decomprar umacamisola oudeter um telemóvel, masnãoposso. Tudo oquete- nho vai paraasfraldas, paraoleite, paraapa- pa.Étãodifícil criar omenino sozinha. Hou- veum dia em queestava tão desesperada que pensei daromeufilho para adopção, paraele ter uma vida melhor do que aquela que eu lhe consigo dar.» Baixao rosto, envergonha- da.«Claro que nunca conseguia fazer isso.»
Isabel estudou atéaonono ano emLuan- dae,quando chegou aPortugal, começou a trabalhar no que mais gostava: tomar conta
decrianças.
À
noite estudava. Tirou umcur- so desecretariado, outro de inglês, um de informática eainda acarta de condução.«Investi naminha formação cparaquê? Só arranjo emprego alavar pratos. Devia ter poupado essedinheiro, hoje dava-me mui- to maisjeito para comer.» Aos sábados fre- quentava osescuteiros e faziaparte deum grupo de jovens, naIgrejadeArroios.«Gos- tava de ajudar osoutros. Sempre gostei.»
Depois veio a gravidez, ascenas deviolên- cia doméstica como companheiro, ascrian- ças dequem tomava conta cresceram e
já
não precisavam dela. Foi aí quesecomeçou airabaixo.«Sei que estou doente.» Sem esperança.
Nem apoio deninguém. Isabel precisa de antidepressivos para aguentar osdias, de calmantes para as noites, mas só ostoma quando tem dinheiro ou quando alguém da Segurança Social lhe arranja a medicação sem custos.
Há
cinco anosganhava bem, ti- nha umaboacasa, podiacomprar roupa eti- rarcursos, podia fazer voluntariado. Perdeu tudo. Eestádoente.Ocaso deIsabel éumentre muitos. Luís Robert, opsicólogo daLapa, tem outra opi- nião: oque está doente éomodelo social.
«Estamos adesenvolver uma alergia àtris- teza e acomunidade exige aos seus mem- bros que, mesmo sentindo-se mal, aparen- temestar bem. O conceito alargado defamí- lia desapareceu e quem sofre, sofre cada vez mais sozinho.» Arevista norte-americana Psychology Today calculou num estudo de 2003que, em2050,mais demetade dapo- pulação no mundo ocidental tivesse tido umadepressão pelo menos uma vez navi- da. Diante de uma possibilidade destas, é obrigatório colocar umaquestão: são as pes- soas que não seadaptam aesta construção social ou é esta construção social que não
serve aspessoas?
Depressão «como é q ue
te podes rir se não tens dinheiro para
comer? É por isso que as pessoas enlou- quecem. E loucura é a minha vida.»
Isabel ganha pouco evive numa aflição permanente.
«Quefuturo posso euoferecer aomeu filho?»
awnaoaopoço
A partir de2003,onúmero desuicídios em Portugal ascendeu aos1100casos anuais.
Atéaosanos 2000,amédiaerade
500
ocor-rências. Numasódécada, houve um aumen- to superior acem por cento. Acomunidade médica temexpresso o seualarme, ogover- no lançou recentemente um plano nacional de saúde mental [vercaixa], oque sótorna ainda mais estranho oqueestá aacontecer como SOSVoz Amiga, uma linhatelefónica deemergência eprevenção dosuicídio, cria- dahátrinta anospela Liga Portuguesa para aHigienc Mental
(LPHM).
APT,quesupor- tavaum número gratuitoentre as21h00 e as24h00,decidiu cancelar esseapoio apartir do início de2008.OsMinistérios daSaúdee doTrabalho eSolidariedade Social, quesub- sidiavam ainstituição, ainda não pagaram as
verbas de2007. Ealistatelefónica continua aindicar umnúmero verde quejánão exis- te. «Pedimos para pelo menos colocarem uma gravação aindicar onovo número de telefone», diz Afonso Faria, dadirecção da Liga, «mas pediram-nos quarenta euros por mês.» Incrível.
Há
uma diminuição nas chamadas: até 2007, havia em média cinco mil pessoas a pedirajudatodos os anos.AtéaofinaldeOu- tubro de2008,o SOSVoz Amiga sótinha re- gistados 3721telefonemas. Mesmo assim, o número de pessoas que abordavam oassun- todasdificuldades financeiras duplicou em relação aosanosanteriores. «O mais impres-Avida deHelena segue aleide Murphy: guando algocorre mal. pode sempre piorar.
Aprovado peio Conselho de Ministros,
oPlano Nacional de saúoe Mental pretende mudar aspolí- ticas dosector até2016. Aprimeira reforma èambiciosa-' garantir a todos oscidadãos oacesso acuidados de saúde específicos. Alémdisso, três hospitais psiquiátricos vãoterservi- ços de internamento para doentes mimputáveis. umemLisooa. outro noPorto eumterceiro emcoimDra.0 plano também prevê acriação de unidades detratamento para pertur- bações docomportamento alimentar.
0 documento quer «reduzir oimpacte das perturbações mentais e contribuir paraapromoção dasaúde mental das populações». Masa coisa arrancou mal.0 piano traçava medidas a partir de2007 massô foi publicado em Diário úaßepúúlicaem Março de2008. Apesar de o documento dogoverno apontar deficiências nonúmero de profissionais ac saúde que se dedicavam às questões da saúde mental, vários psicólogos emédicos doHospital Miguel Bombarda, em Lisboa, foram dispensados em2008.
Eas notícias doencerramento desse estabeiecimentojá não deixam dúvidas a ninguém, odirector do serviço dePsiquiatria doHospital Júlio deMatos, José Manuel Jara, tentou explicar ao diário Público asua interpretação dos factos:
«os princípios dareestruturação estão certos, mas aideia também é poupar.»
_L SIQUG «Só quero olhar para a televisãcr e anestesiar- me com a vida dos outros. Ou então olhar um espaço vazio, tão vazio que não me faça sentir nada.»
sionante detudoéque hámuita gente aper- guntar sepodemos ligar de volta, porque nãotêm dinheiro para otelefonema. Enós não podemos, mesmo que escutemos uma voz desesperada que ameaça suicidar-se no outro lado da linha. Temos de desligar.
Émuito cruel», contesta MariaAzenha, vo- luntária há12anos na
LPHM.
Osvoluntários dizem quehámuita gente que liga etemapoio psiquiátrico
-
mas que,apesar de estaracompanhadapor ummédi- co,sente-se igualmente perdida. «Osantide- pressivos, talcomo outros psicofármacos, são medicamentos necessários para resol- veralgumas crises edoenças, mas oque me parece óbvio é que secaiu num enorme fa- cilitismo nouso destes medicamentos», opi- naDelfim Oliveira, presidente daAssocia- ção deApoio aosDoentes Depressivos eBi- polares. «Oproblema éque, nocaso de uma depressão mais ligeira, quais são asalterna- tivas?
Ir
passar férias fora, fazer terapia? Pa-raaclasse média, que empobrece aolhos vistos, émuito maisfácil ebarato tomar um comprimido.»
Segundo oInfarmed, aautoridade nacio- nal domedicamento, notop 10 dosmedica- mentos mais vendidos emPortugal estão dois psicofármacos famosos, oLorcnin eo Xanax, algo queháumadécada seria inima- ginável. Em2007,sódestes dois produtos fo- ramvendidas cerca de 2,5milhões deemba- lagens. Retoma apalavra Delfim Oliveira:
«As pessoas tomam mais medicamentos e vão saltando para depressões médias, ou até mesmo profundas, eemcasos graves come- çamaprecisar deantipsicóticos. Eaípioram gravemente asuacondição de saúde.»
Manuel Palma ébipolar. Tirou um curso naquilo que chama «a arte deempobrecer alegremente», ouseja, em agronomia, eva- gueou por umasérie deempregos até que há cinco anos decidiu criaroseupróprio negó- cio. Umaagência imobiliária. «Os dois pri-
meiros anos serviram paramontar umaes- trutura e, assim queas coisas ficaram pron- tas,começou uma tremenda crise nosector imobiliário. Nunca tive um ano dourado.»
A estabilidade laborai passava por vender um apartamento pormêsmas, garante ele, desde Agosto de
2008
que não consegue vender umacasa. «Aimportância deterre- cursos é assegurarem- me uma certa tran- quilidade. A instabilidade emque vivo hoje não émuito amiga da doença de que sofro.»Delfim Oliveira concorda. «Osdoentes bi- polares perfazem umvalor que oscila entre 1,5e dois por cento da população. É uma doença crónica com aqual seconsegue vi- ver sem problemas, desde que secumpra uma medicação, semantenha umavida re- grada. Aangústia de nãoter dinheiro para pagar ascontas, para educar osfilhos, é um factor que pode desencadear crises manía- cas ou depressivas.» EPacheco Palha, psi- quiatra doHospital de SãoJoão, atira outra
acha
para
afogueira «Com
avinda
destacri-
se,enomeadamente com
aperda
deempre-
go, algunsdoentes tratados
erecuperados, que estavam há muito em equilíbrio psíqui-
co,têm sofrido
recaídas.É então que
ossin-tomas
depressivosreaparecem.»
«TunSoésnada»
«Na minha outra vida eu fui cantora.» Hele- na Costa tem 42
anos, masfala de uma exis- tência anterior, quando tinha vinte. Era
vo-calista
deuma banda de garagem que toca- va em bailes
dealdeia
e baresde
rockabillies.Foi um tempo em que dava concertos em- poleirada em carroças
e sesentia no céu.
«No
palco,eu era
eu.Sentia-me plena, cheia
demim. Hoje não consigo cantar, nem
se-quer no banho. Tornou-se
tudo.tão diferen-
te, estátudo tão
longe.Eu já
não sei ser eu.»A vida
deHelena deu umas cambalhotas.
Engravidou
e,aosexto
mêsde
gestação, se-parou-se do companheiro. Deixou-se de cantorias, tinha uma filha para criar. Há uma década que trabalha para
aCâmara Municipal de Lisboa. Quando
amiúda
nas-ceu, mudou-se para
casada mãe. «É uma derrota grande, voltares
atrásdepois de ter
saído.»Reconciliou-se com
ocompanhei-
ro,engravidou outra vez. Separaram-se
eela viu-se sozinha com
duascrianças
nosbraços
epouco
peso nos bolsos. «Passei osúltimos dez
anos atrabalhar
arecibos ver-
des,sem segurança alguma, numa angústia constante por não saber quando ia perder
oemprego. Tive de abdicar da minha vida, de qualquer divertimento.»
A instabilidade no trabalho,
afalta de di- nheiro, fê-la mergulhar numa depressão enorme. «Há dez
anos,eu era uma compra- dora
deroupa compulsiva. Agora tenho de esperar pelo reembolso
doIRS para poder ir
àscompras.» Tem um olhar triste, amargo.
No início
do ano, apósuma década
atraba- lhar
arecibos verdes,foi finalmente integra- da
nos quadros.«Foi
apior
coisaque me po- dia ter acontecido. Até aqui, ganhava
1100 eurosbrutos por
mês,que me davam ajusta para pagar uma renda de
casa, a escola e acreche
dasmiúdas,
o passe,comida,
otaba-
co.Agora,
passeipara 600 euros ilíquidos.
Não
sei oque hei-de
fazer.»Para Helena,
avida tem seguido
alei de Murphy: quando
ascoisasparecem mal, po- dem sempre correr
pior.Arranjou um part-
-timenuma papelaria, que lhe garantia 200 euros mensais extra,
masfoi
dispensadano fim
de2008. Está
aviver com metade
dodi- nheiro que tinha. «E
nãovejo qualquer pers- pectiva de melhorar. Como
éque eu vou vi- ver com 600 euros por
mês setenho
depa- gar uma renda de 280, mais
acreche
ea escola?Não há uma porra duma luz
aofun-
do do
túnel? Tinha
doisempregos,
mas nãotinha tempo para
asmiúdas. Agora tenho tempo,
masnão tenho condições de
assus-tentar. É horrível.»
A mãe vai ajudando, oferece
todos osdiasjantar àlinhagem inteira. «Estou
asobrecar-
regá-la, bem
sei,esinto-me mal com
isso.Mas
senão
o fizessenão havia
solução.E um dia que ela desapareça,
oque
éque eu vou fazer? Isto não
évida, não
énada Sinto que perdi
odireito
arir-me,
adivertir-me, a tirar algum gozo
dos dias.E
issodeixa-me embai-
xo,desmotivada, triste. Sozinha, sinto-me muito sozinha.»
Aos