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UMA ANÁLISE DO CONTEÚDO HISTÓRICO NOS LIVROS DIDÁTICOS DO ENSINO MÉDIO: ELETROSTÁTICA

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UMA ANÁLISE DO CONTEÚDO HISTÓRICO NOS LIVROS DIDÁTICOS DO ENSINO MÉDIO: ELETROSTÁTICA

AN ANALISIS OF THE HISTORICAL CONTENT ON THE TEXTBOOKS OF THE HIGH SCHOOL: ELECTROSTATICS

Maria Fernanda Bianco Gução1, Sérgio Luiz Bragatto Boss2, Moacir Pereira de Souz a Filho3, João José Caluzi4

1UNESP/Faculdade de Ciências/Pós -Graduação em Ensino de Ciências, mf@fc.unesp.br,

2UNESP/Faculdade de Ciências/Pós -Graduação em Ensino de Ciências, serginho@fc.unesp.br,

3 UNESP/Faculdade de Ciências/Pós -Graduação em Ensino de Ciências, moacir@fc.unesp.br,

4UNESP/Faculdade de Ciências/Pós-Graduação em Ensino de Ciências, caluzi@fc.unesp.br

Resumo

O Livro Didático (LD) é um dos recursos mais tradicionais utilizados por docentes e discentes e tem sido alvo de intensa avaliação em diferentes aspectos. O objetivo central deste trabalho é avaliar, identificar, descrever e discutir as distorções da História da Ciência a respeito do conteúdo de eletrostática presente em alguns livros didáticos de Ensino Médio. Os livros apresentam várias informações distorcidas e alguns erros, bem como atribuem autorias de “descobertas” de forma equivocada. No presente artigo, apresentamos trechos referentes aos livros analisados e os comentários sobre os problemas detectados pelos autores. Os erros e os equívocos presentes nos livros analisados podem comprometer a inserção da História da Ciência no Ensino de Ciências . Foram investigados quatro livros didáticos de Ensino Médio, sendo que, o conteúdo analisado refere-se aos seguintes pesquisadores: Tales de Mileto, William Gilbert, Stephen Gray, Charles François de Cisternay Du Fay e Benjamim Franklim. Este artigo também é importante para pensarmos qual é a História da Ciência que deve ser veiculada nos livros didáticos.

Palavras-chave: Livro didático, História da Ciência, Eletrostática.

Abstract

The Text Book is one of the resources most traditional used by professors and students and has been white of intense evaluation in different aspects. The central goal of this work is to evaluate, to identify, to describe and to argue the distortions of History of Science regarding the content of present electrostatics in some text books. The books present some distorted information and some errors. In the present article, we present referring stretches to books analyzed and the commentaries on the problems detected by authors. The errors and the mistakes gifts in analyzed books can compromise the insertion of the History of Science in Science Teaching. Four didactic books had been investigated, being that, the analyzed content mentions the following researchers to it: Tales de Mileto, William Gilbert, Stephen Gray, Charles François de Cisternay Du Fay and Benjamim Franklim. This article also is important to think which is the History of Science that must be propagated in didactic books.

Keywords: Didactic book, History of Science, Electrostatics.

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Introdução

Considerado um dos recursos mais tradicionais utilizados na Educação, o Livro Didático (LD) está muito presente e tornou-se instrumento indispensável para o ensino, da Educação Básica a Superior. A sua importância como material de apoio ao processo ensino-aprendizagem pode ser verificada em diversos documentos oficiais do Ministério da Educação. Por tão notável relevância, tem sido alvo de intensa avaliação em diferentes aspectos, que dizem respeito à influência do LD na formação conceitual e social dos discentes, tendo papel importante na veiculação de conhecimentos científicos, pois dissemina informações e atinge de maneira ampla a comunidade escolar.

Já há algum tempo, a inclusão da História da Ciência nos currículos escolares tem sido alvo de discussões entre pesquisadores da área de Ensino de Física. Os argumentos e justificativas utilizadas normalmente para defender o uso da História da Ciência no Ensino de Ciências são variados: situar o aluno em uma realidade científica mais ampla, procurando desmistificar o estereótipo que se tem dos cientistas; a ciência é humanizada e vinculada também a questões pessoais; é preciso levar ao aluno o conhecimento do processo de fazer ciência, mostrando que a ciência não se faz por acúmulo de conhecimento, mas por caminhos não-lineares que envolvem controvérsias, disputas, rupturas, transformações e mudanças de paradigmas. (BASTOS, 1998, p. 33; VANNUCCHI, 1996, p. 19). Faz-se importante também a compreensão da ciência como ferramenta útil para um diálogo com o mundo e com suas possíveis transformações, uma vez que, evidenciando o caráter provisório dos conhecimentos científicos é possível preparar indivíduos adaptados a uma realidade em contínua transformação. (SILVA DIAS; MARTINS, 2004, p. 517).

Em defesa da “inovação do Livro Didático” proposta pelo MEC afirma-se:

[...] A física percebida construção histórica, como atividade social humana, emerge da cultura e leva à compreensão de que modelos explicativos não são únicos nem finais, tendo se sucedido ao longo dos tempos, como o modelo geocêntrico, substituído pelo heliocêntrico, a teoria do calórico pelo conceito de calor como energia, ou a sucessão dos vários modelos explicativos para a luz. O surgimento de teorias físicas mantém uma relação complexa com o conteúdo social em que ocorreram. (BRASIL, 2002)

Alguns trabalhos apontam que a História da Ciência possibilita a discussão das influências de fatores sociais, políticos, ec onômicos, éticos, culturais e religiosos sofrida pela ciência. Destacam, ainda, a importância de ilustrar aspectos da Filosofia e da metodologia da ciência, e.g., a impossibilidade de provar teorias, a mutabilidade e provisoriedade do conhecimento científico e outras questões que favoreçam a construção de uma visão orgânica e sintética sobre a ciência. Possibilitando assim, a compreensão da natureza da atividade científica, e explicitando a dinâmica do processo de construção do conhecimento. Desta forma, a da História da Ciência passa a ser um possível caminho para um Ensino de Ciências que contribua para a construção da cidadania e da democracia. (BASTOS, 1998, p. 33-4; SILVA DIAS;

MARTINS, 2004, p. 517; VANNUCCHI, 1996, p. 19).

Dentre outras contribuições importantes da História da Ciência para o ensino e aprendizado da ciência, é possível destacar: a possibilidade de ela auxiliar os

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professores a compreender as dificuldades dos estudantes – dando “pistas” sobre o desenvolvimento individual; pode contribuir para uma melhor compreensão do conteúdo específico, ajudando a superar o “mar de sem-sentido” constituído de

“fórmulas” e equações que muitas vezes são repetidas sem a mínima compreensão de seu significado; pode tornar as aulas mais desafiadoras, favorecendo o desenvolvimento do raciocínio e de habilidades de pensamento crítico. (BASTOS, 1998, p. 36; VANNUCCHI, 1996, p. 19).

No entanto, para que as contribuições, características e elementos relevantes relacionados ao emprego da História da Ciência no ensino estejam presentes na sua utilização, a História não deve ser vista e retratada de forma

“anedótica”, “caricaturizada”, apenas cronológica ou ilustrativa. Mas deve ser retratada de forma que reporte fielmente os acontecimentos, os problemas enfrentados historicamente, a construção do conceito abordado, o contexto, etc.

Para isto, trabalhos que visam à aplicação de elementos históricos no ensino não podem s e fundamentar em fontes duvidosas, pois isso compromete a sua aplicação e o processo ensino-aprendizagem, e oferece maiores riscos de não atingir os objetivos previstos para o uso da História no ensino. Não defendemos a idéia de que todo pesquisador que se proponha a trabalhar com História da Ciência se aventure em uma pesquisa histórica aprofundada, mas que no mínimo utilize fontes de quem procedeu desta forma. (CALUZI; SOUZA FILHO; BOSS, 2007).

Uma retrospectiva sobre a História da Eletricidade .

Willian Gilbert (1540-1603) no livro “De Magnete” (1600) discorre principalmente sobre o magnetismo, No entanto, faz referência à eletricidade. Gilbert defendia que as propriedades que dão ao âmbar o poder de atrair palhas e cascas de sementes são bem diferentes da atração magnética, e fez um grande esforço para enfatizar esta distinção. Entre outras coisas, apres entou a idéia de que a Terra se comporta de maneira semelhante a um ímã, e criou o que provavelmente foi o primeiro instrumento elétrico – o versorium. É atribuída a Gilbert a inserção da palavra “elétricos” na linguagem. (ROLLER; ROLLER, 1957, p. 545-9). Também argumentou que a eletricidade pode atrair qualquer tipo de objeto, seja sólido ou líquido. “Estes corpos (elétricos) não apenas atraem para si palhas e cascas de sementes, mas todos os metais, madeiras, pedras, terras, bem como, a água e o óleo; res umindo, qualquer coisa que ative nossos sentidos” (GILBERT, 1958, p. 78).

A partir de meados do século XVII houve uma grande expansão do trabalho científico na Inglaterra. Robert Boyle (1627-1691), em 1675, publicou um pequeno tratado exclusivamente sobre eletricidade. Francis Hauksbee (c. 1660-1713) iniciou seus estudos sobre óptica e a partir destes trabalhos foi estudar eletricidade. O fenômeno do mercúrio luminescente, também chamado de “luz barométrica” chamou sua atenção: quando um barômetro de mercúrio era agitado no escuro apareciam pontos de luminosidade, flashs de luz, que ele atribuía à “geração de eletricidade nas paredes do tubo de vidro”. (ROLLER; ROLLER, 1957, p. 559-61; WOLF, 1999, p. 213).

Otto von Guericke parece ter feito (1602-1686) fez as primeiras observações sobre a condução de eletricidade, no entanto, foi Stephen Gray (1666-1736) quem descreveu explicitamente o fenômeno, e quem distinguiu experimentalmente corpos elétricos e não-elétricos. Gray tampou as duas extremidades de um tubo de vidro com rolhas de cortiça, ao friccionar o tubo, notou que além do vidro, a rolha também

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atraía uma pena colocada em suas proximidades. Em seguida, encaixou uma esfera de marfim em uma vareta de madeira e introduziu a vareta na rolha de cortiça, observou, deste modo, que a bola de marfim também atraia. Utilizando barbante (packthread) como fio de condução e apoiando-o em linhas de seda, verificou que o barbante conduzia a eletricidade, diferentemente da seda (GRAY, 1731). J. T.

Desaguliers (1683-1744) continuou o trabalho de Gray após sua morte, denominando uma classe de materiais como condutores e os demais como não- condutores (ou isolantes ). (ELLIOTT, 1988, p. 807). Gray também realizou experimentos sobre a eletrização da água, em um artigo de 1732 apresentou dois experimentos sobre este tema: i) no primeiro, movimenta o tubo de vidro eletrizado em cima e embaixo de uma vasilha contendo água, em seguida aproxima uma linha de seda da superfície da água e verifica que a linha é atraída e repelida; ii) no segundo , aproxima o tubo eletrizado da superfície da água e verifica que se forma uma pequena montanha de água, cuja ponta emite faíscas e estalidos. (GRAY, 1732).

Charles François Du Fay (1698-1739) apresentou os resultados de seus experimentos à Academia Francesa de Ciências e no periódico Philosophical Transaction of the Royal Society. Na sua quarta memória (1733a) ele apresenta dois princípios importantes para os estudos sobre a eletricidade: i) o primeiro princípio diz que um corpo carregado é capaz de transmitir eletricidade a um corpo neutro, e em seguida ambos se repelem; ii) o segundo princípio afirma que existem dois tipos diferentes de eletricidade, apresentando a teoria dos dois fluidos, as quais ele denominou de eletricidade vítrea e eletricidade resinosa, sendo que, corpos de mesma eletricidade se repelem e de eletricidades difere ntes se atraem (DU FAY, 1733b).

Em 1747, Benjamin Franklin (1706-1790) apresentou a sua teoria de um único fluido elétrico, propondo que: “um corpo estava eletricamente neutro quando o fluido interno e externo ao corpo estava em equilíbrio, mas se contivesse mais ou menos fluido do que a sua quantidade normal, o corpo deveria apresentar-se eletrificado de uma forma ou de outra – positivamente para um excesso e negativamente pela falta do fluido” (WATSON, 1750, p. 98). Franklin também utilizava os termos ‘eletrizado mais ’ e ‘eletrizado menos’ em vez dos termos positivamente e negativamente.

Em 1759, Robert Symmer apresentou uma teoria diferente da de Franklin

“ao descreve r a existência de dois diferentes estados elétricos e postulando dois fluidos elétricos distintos” (HEILBRON, 1976). Symmer tinha o hábito de usar dois pares de meias de seda (uma preta e outra branca) na mesma perna, ao retirá-las observou estalidos, seguido de uma faísca semelhante à descarga de uma garrafa de Leyden. Ele postulou que “um corpo carregado positivamente possui uma predominância de um tipo de eletricidade, e o carregado negativamente possui a predominância de outro tipo, enquanto um corpo neutro os efeitos dos dois fluidos presentes balanceia-se uns aos outros” (ELLIOTT, 1988, p. 806).

Os filósofos gregos atribuíam às tempestades presença de substâncias inflamáveis , que se acumulavam nas nuvens e, as quebrava por meio da descarga elétrica do raio. Para Descartes, durante a tempestade as nuvens superiores caiam sobre as inferiores provocando o trovão. Em 1708, Wall produziu flashes de luzes acompanhados de barulho, utilizando-se de uma grande peça de âmbar atritada com lã, sendo o efeito assoc iado ao raio e ao trovão. Winkler em 1746, concluiu que a

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tempestade e a descarga elétrica artificial se diferem apenas em intensidade e não em natureza. (WOLF, 1999, p. 231). Franklin, em 1749, se declarou favorável à correspondência entre o raio e uma fa ísca elétrica. Um dos grandes feitos de Franklin foi provar que o raio é um tipo de descarga elétrica semelhante a uma garrafa de Leiden. (FRANKLIN, 1774).

Franklin deu uma prova direta da associação entre eletricidade e as descargas de nuvens carregadas, por meio do seu famoso experimento da pipa elétrica. Em uma correspondência enviada para Peter Collinson – publicada no periódico Philosophical Transaction (vol. XLVII, p. 565) em 1752 – ele descreve a descarga de nuvens carregadas através do fio de uma pipa feita de gravetos e lenço de seda (FRANKLIN, 1751-2a).1

Na época houve muitas tentativas em coletar a eletricidade atmosférica.

John Canton escreveu a Watson: “Eu tive ontem, por volta das cinco horas da tarde, uma oportunidade de realizar o experimento do Sr. Franklin de extrair fogo elétrico das nuvens (...), recebi a faísca a distância de aproximadamente meia polegada, e a vi distintamente” (WOLF, 1999, p. 234). Os experimentos de Franklin sugeriram a idéia de usar pára-raios para proteção de casas, edifícios, igrejas, navios, etc.

Os livros didáticos analisados A amostra

O Foi realizado um levantamento dos livros didáticos de Física para o Ensino Médio relacionados ao conteúdo histórico da eletricidade compreendendo as primeiras descobertas até o século XVIII. Por uma questão de ética, os nomes dos autores e das obras não foram identificados, embora estes constem em uma bibliografia complementar em ordem alfabética. “A análise de livros didáticos não é apenas uma forma de levantar pontos positivos e negativos que auxiliam quem deve selecioná-lo”, mas “uma maneira de evidenciar uma tendência do ensino que está chegando aos alunos” (BORGES, 1982, p. 7).

Restringimos nossa amostra a quatro obras numeradas aleatoriamente (LD01 a LD04) para facilitar o trabalho e para tornar a análise impessoal. Os livros geralmente abordam personalidades da história da eletricidade e seus principais trabalhos relativos a este tópico. A finalidade deste trabalho é analisar estas informações verificando as possíveis distorções veiculadas por estes livros didáticos.

Apresentação dos resultados

Neste item apresentamos comentários sobre problemas encontrados nos livros didáticos analisados e em seguida transcrevemos os textos comentados .

1 Uma interessante discussão sobre Benjamin Franklin pode ser encontrada no texto: SILVA, C. C.;

PIMENTEL, A. C. Benjamin Franklin e a história da eletricidade em livros didáticos. In: ENCONTRO DE PESQUISA EM ENSINO DE FÍSICA, X., 2006, Londrina. Anais... Londrina, 2006. 1 CD-ROM.

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Livro didático 01

O livro didático 01 atribui equivocadamente a Gilbert as “descobertas ” feitas por Du Fay por meio do seu segundo princípio. Neste princípio, Du Fay apresenta a teoria dos dois fluidos , denominando as duas eletricidades de vítrea e resinosa.

“Já no século XVI, William Gilbert provou que muitas outras substâncias também apresentam propriedades elétricas e que elas podem manifestar dois tipos de efeito elétrico. Por exemplo: quando atritado com um pedaço de couro, o âmbar adquire uma eletricidade

‘resinosa’; o vidro, entreta nto quando atritado com seda adquire uma eletricidade ‘vítrea’. Gilbert observou que eletricidades de mesmo tipo se repelem e eletricidades de tipos opostos se atraem”.

Este livro apresenta uma história anacrônica, visto que ele afirma que Franklin e Watson formulam o princípio da conservação da carga elétrica. Para Franklin, um corpo neutro apresenta uma quantidade normal de fluido, se o corpo contivesse este fluido em excesso ele estaria eletrizado mais, e se houvesse a falta do fluido ele estaria eletrizado menos. Em momento nenhum ele formula o que se denomina atualmente como princípio da conservaç ão da carga, que só foi formulado posteriormente.

Com base nisso, Franklin e Watson formularam o princípio da conservação da carga elétrica: a quantidade total de carga elétrica de um sistema isolado é constante.

Ao discorrer sobre a teoria da eletricidade proposta por Franklin o livro apresenta um texto bastante confuso e com equívocos: i) Franklin não definiu o fluido elétrico como correspondente à eletricidade vítrea e nem como positivo, segundo a sua teoria, os corpos possuíam uma quantidade normal de um único fluido, e o excesso ou a falta deste fluido é o que definia o estado elétrico do corpo;

ii) Franklin não utilizou a terminologia “positiva” e negativa” referindo-se à diferenciação de cargas elétricas, mas para diferenciar estados elétricos de um corpo que poderia possuir maior ou menor quantidade de fluido elétrico, desta forma, a convenção de Franklin não é utilizada ainda hoje.

Franklin definiu o fluído elétrico, correspondente à eletricidade vítrea, como positivo, e a falta desse fluido como negativa. Essa convenção para os sinais da carga elétrica é adotada ainda hoje.

Um fato que nos chamou a atenção é que este livro aborda o conceito de carga elétrica diz endo que ela está associada também aos nêutrons. Embora o nêutron faça parte do átomo, a carga é apenas característica dos prótons e dos elétrons.

A carga elétrica é uma propriedade associada a certas partículas elementares que constituem o átomo: prótons, nêutrons e elétrons [...].

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Livro didático 02

Os povos primitivos não sabiam que os fenômenos atmosféricos tinham relação com os fenômenos elétricos, Franklin foi um dos primeiros a relacionar estes dois fenômenos. Embora o livro não afirme que os povos primitivos soubessem da relação entre os fenômenos elétricos e o raio e o trovão, parece sugerir que tal relação já era conhecida.

Fenômenos ligados à eletricidade geralmente causavam medo – como o relâmpago, considerado um deus para os povos primitivos – ou eram explicados com ‘magia’ – como é o caso da eletrização do âmbar. [...] Depois disso, mais de dois mil anos se passaram até que algum progresso no campo da Eletricidade se acrescentasse à descoberta de Tales.

No livro há afirmação de que Franklin realizou o experimento da pipa, no entanto, não há indícios que ele tenha realmente realizado este experimento, embora ele tenha escrito um artigo descrevendo-o. Para mais detalhes ver (SILVA; PIMENTEL, 2006).

A experiência que Franklin realizou para confirmar sua teoria a natureza elétrica que os raios [...] a outra ponta desse fio foi ligada ao interior de uma garrafa de Leyden . Quando os raios surgiram perto da pipa, o cientista pôde verificar que a garrafa de Leyden ficou carregada, comprovando, assim, sua teoria da natureza elétrica do raio.

Du Fay não postulou sua teoria dos fluidos em termos de uma eletricidade atrativa e outra repulsiva, mas em termos de uma eletricidade denominada de vítrea e outra de resinosa, sendo que, em seu segundo princípio sobre eletricidade, Du Fay afirma que corpos que possuem a mesma eletricidade se repelem e corpos com eletricidades diferentes se atraem. Como dito anteriormente, não foi Franklin quem convencionou os sinais positivo e negativo para as cargas elétricas, ainda, Franklin não poderia atribuir cargas diferentes para os corpos eletrizados, uma vez que sua teoria versava sobre um fluido elétrico.

Enquanto nos Estados Unidos Franklin comprovava sua teoria, na França o cientista Charles François Du Fay (1698-1739) constatava a existência de dois tipos de eletricidade: uma atrativa, outra repulsiva.

Os sinais positivo (+) e negativo (-) para as cargas elétricas foram convencionados por Benjamin Franklin, naquela mesma época. Para estabelecer essa convenção, o cientista atritou um bastão de vidro com um pedaço de seda, convencionando que a carga elétrica adquirida pelo bastão era positiva e que a carga elétrica adquirida pela seda era negativa.

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Livro didático 3

O livro pode induzir o leitor a pensar que foi Du Fay quem primeiramente realizou experimentos sobre eletrização por indução, no entanto, Gray já havia realizado experimentos em que materiais eram eletrizados por indução.

Até então acreditava -se que somente por meio de atrito conseguia-se tal propriedade. Nesta época, Charles François Du Fay (1698-1739) realizou um experimento em que atraia uma fina folha de ouro com um bastão de vidro atritado. Porém, ao encostar o bastão na folha, esta era repelida. Du Fay sugeriu a existência de duas espécies de eletricidade que denominou eletricidade vítrea e eletricidade resinosa.

Livro didático 4

O livro coloca como data de nascimento de Stephen Gray o ano de 1670, no entanto, Gray nasceu no ano de 1666.

O livro atribui a Gilbert a constatação da existência de materiais condutores e isolantes, no entanto, foi Stephen Gray quem fez tal constatação. O livro também atribui o experimento sobre condução elétrica do corpo humano a Gilbert, sendo que foi Gray quem o realizou inicialmente.

“Quando o fio permite a passagem do fluido elétrico, dizemos que é condutor de eletricidade. Quando o fio não permite a passagem do fluido, dizemos que é isolante. O estudioso constatou dessa forma que os metais são bons condutores, enquanto o vidro, o âmbar, a seda, o papel e a lã são isolantes. Gilbert fez também experimentos com o ilustrado na figura 13, para mostrar que o corpo humano é bom condutor de eletricidade. Nesse experimento, o menino está suspenso por fios isolantes. Um bastão eletrizado é encostado no garoto, que assim também fica eletrizado, atraindo pequenos pedaços de papel”.

Considerações Finais

Procuramos evidenciar neste trabalho que alguns livros didáticos apresentam a História da Ciência de maneira superficial e equivocada. Apresentam, ainda, uma Ciência pronta e acabada , cuja finalidade é simplesmente abordar o conteúdo específico sem se preocupar com outros fatores, e.g., a natureza da ciência, o processo de construção do conhecimento, a imagem do cientista, etc.

Alguns trabalhos apontam erros que livros didáticos trazem e suas implicações para o ensino, e.g., (BIZZO, 2000; CANALLE, 1999; MOHR, 2000;

SANDRIN et al, 2005). Apontamos neste artigo alguns erros relacionados à História da Ciência veiculada nos manuais escolares de nível médio, sendo que, tais equívocos podem comprometer a inserção da História da Ciência no Ensino de Ciências . Isto ocorre porque aqueles elementos apontados na Introdução deste artigo como possíveis contribuições desta inserção passam a não ter validade quando se veiculam fatos históricos errados . Além disso, os erros sobre conteúdos

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históricos podem levar os alunos à aquisição de conhecimentos equivocados em relação a História da Ciência, ao processo científico, e podem levá-los também a uma visão mitificada e distorcida da ciência e do cientista. Isso não contribui para a formação do cidadão e do pensamento crítico.

O estudo dos problemas apontados aqui expressa um esforço dos autores dirigido para a tentativa de melhoria da utilização de fatos históricos no ensino e para pensarmos qual é a História da Ciência que deve ser veiculada nos livros didáticos.

Referências dos livros analisados (em ordem alfabética)

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PARANÁ, D. N. S. F ísica – Eletricidade. 6. ed. Ed. Ática, 1998. v. 3.

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