• Nenhum resultado encontrado

Expectativas de jovens negros quanto ao acesso à Universidade: o caso de uma escola da Zona Norte de São Paulo

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2017

Share "Expectativas de jovens negros quanto ao acesso à Universidade: o caso de uma escola da Zona Norte de São Paulo"

Copied!
130
0
0

Texto

(1)

TARCÍSIO ANTONIO DO NASCIMENTO

EXPECTATIVAS DE JOVENS NEGROS QUANTO AO

ACESSO À UNIVERSIDADE

:

o caso de uma escola da Zona Norte de

São Paulo

(2)

TARCÍSIO ANTONIO DO NASCIMENTO

EXPECTATIVAS DE JOVENS NEGROS QUANTO AO

ACESSO À UNIVERSIDADE

:

o caso de uma escola da Zona Norte de

São Paulo

Dissertação de mestrado apresentado ao Programa de Pós-graduação em Educação, na área de Metodologia de Ensino, do Centro de Educação e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Carlos, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação, sob orientação da profa. dra. Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva.

(3)

Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da Biblioteca Comunitária da UFSCar

N244ej

Nascimento, Tarcisio Antonio do.

Expectativas de jovens negros quanto ao acesso à Universidade: o caso de uma escola da Zona Norte de São Paulo / Tarcisio Antonio do Nascimento. -- São Carlos : UFSCar, 2008.

118 f.

Dissertação (Mestrado) -- Universidade Federal de São Carlos, 2008.

1. Educação. 2. Ensino de segundo grau. 3. Escolas públicas. 4. Negros. I. Título.

(4)

Profl Df'l Maria Célia Cota

~~~&~~

,/~4 -~'

Profl Df'l Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva

(5)
(6)

Dedico a meus pais

Francisco Antônio do Nascimento (em memória) e Conceição Aparecida Nascimento.

Que com honradez e perseverança construíram uma família, criando seus dez filhos.

Aos meus irmãos

Vânia, Camila, Flávio, Conceição (Sãozinha), Márcia, Francisco (Chiquito), Consolação, José Magno e Mariângela.

Pelo apoio e companheirismo fraterno.

À Silvia Regina

Mulher e companheira, pela compreensão e apoio.

Aos filhos

Tarcísio Filho, Luis Gustavo e Pedro Augusto.

(7)

Agradecimentos

A profa. dra. Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, que com paciência e sabedoria orientou-me, sendo a grande incentivadora deste trabalho.

As profas. dras. Rachel de Oliveira e Maria Célia Cota, pelas importantes sugestões feitas durante a banca de qualificação.

As profas. dras. Anete Abramowicz e Carmem Lúcia Brancaglion Passos, pelo apoio e acompanhamento.

A profa. Neide Pacheco, então diretora da Escola Guilherme de Almeida, onde a pesquisa foi realizada.

A profa. Lúcia de Fátima, que muito colaborou aplicando os questionários; assim como aos demais colegas de trabalho.

Aos alunos e alunas que se dispuseram a participar da pesquisa.

A profa. Ana Maria de Albuquerque, que leu e abordou de maneira crítica os primeiros escritos.

A profa. Silvia Fabrício, que auxiliou na estruturação do trabalho, digitou vários textos e teceu críticas enriquecedoras.

Ao prof. ms. Julvan Moreira de Oliveira, amigo de caminhada dos APN’s, desde a década de 80, sempre atento às indagações, respondendo-as, analisando-as e muito colaborou para complementação deste trabalho.

A José Carlos, Viviane e Vitória, por várias vezes ter-me abrigado em sua casa, na cidade de São Carlos, nas minhas idas à Universidade.

Aos componentes do NEAB (Núcleo de Estudos Afro-brasileiros da Universidade Federal de São Carlos), pelo apoio.

(8)

Olhei para frente. A proa da embarcação fendia as águas sedosas e límpidas do velho rio cuja corrente nos levava, como que para me arrastar mais depressa em direção ao mundo desconhecido que me esperava, à grande aventura de minha vida de homem.

(9)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 01.

CAPÍTULO I - DA EXPERIÊNCIA PESSOAL À PROBLEMÁTICA DA PESQUISA...05.

CAPÍTULO II - A LITERATURA E A EXPERIÊNCIA DE PROFESSOR AJUDAM A SITUAR O CONTEXTO DA PESQUISA...20.

NEGRO E EDUCAÇÃO...23.

- A Problemática da Escolaridade dos Negros...28.

O ENSINO MÉDIO...32.

- Os desafios do ensino médio como etapa da educação básica...32.

- As diretrizes curriculares nacionais do ensino médio na perspectiva do povo negro...35.

- Trabalho e Cidadania: contextos e princípios...38.

- Princípios pedagógicos do ensino médio...39.

- Perspectivas do ensino médio para negros e grupos populares...41.

CIDADANIA...46.

A EXCLUSÃO SOCIAL...50.

RACISMO...53.

DISCRIMINAÇÃO...56.

CAPÍTULO III – CAMINHOS DA INVESTIGAÇÃO...60.

- Local da Pesquisa...61.

- A Escola...62.

- Participantes da Pesquisa...63.

CAPÍTULO IV – EXPECTATIVAS DE JOVENS CONCLUINTES DO ENSINO MÉDIO EM RELAÇÃO À CONTINUIDADE DE ESTUDOS NO ENSINO SUPERIOR...66.

CONSIDERAÇÕES FINAIS...84.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...89.

ANEXOS...96.

- Questionário...97.

- Portal do Aprendiz...111.

(10)

LISTAS

Tabela 1 - Incidência da Pobreza e Indigência: Brasil e Populações por Cor – 1999...17.

Tabela 2 – Divisão dos alunos(as) por Etnia e Gênero...67.

Tabela 3 – Perfil dos Pais dos(as) alunos(as) quanto a ocupação...69.

Tabela 4 – Perfil das Mães dos(as) alunos(as) quanto a ocupação...70.

Tabela 5 – A Escolaridade dos Pais dos(as) alunos(as)...73.

Tabela 6 – A Escolaridade das Mães dos(as) alunos(as)...75.

Tabela 7 – Interesse dos Pais nos Estudos dos(as) Alunos(as)...76.

Tabela 8 – Interesse das Mães nos Estudos dos(as) Alunos(as)...77.

Tabela 9 – Sobre Trabalho dos(as) Alunos(as)...79.

Tabela 10 – Sobre o lazer dos(as) alunos(as)...80.

Tabela 11 – Sobre a continuidade dos estudos...82.

Gráfico 1 – Distribuição étnico-racial dos alunos...112.

Gráfico 2 – distribuição por gênero dos alunos negros...113.

Gráfico 3 – Percentual dos alunos por classificação étnico-racial...114.

Gráfico 4 – Distribuição percentual dos alunos que trabalham...115.

Gráfico 5 – Distribuição das ocupações exercidas pelos alunos...116.

Gráfico 6 – Distribuição do interesse dos pais aos estudos dos alunos...117.

(11)

Tarcísio Antonio do NASCIMENTO. EXPECTATIVAS DE JOVENS NEGROS QUANTO AO ACESSO À UNIVERSIDADE: o caso de uma escola da Zona Norte de São Paulo. São Carlos, dissertação de mestrado. Centro de Educação e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Carlos.

Resumo: Esta pesquisa tem por objetivo analisar jovens negros e negras, buscando compreender as dificuldades encontradas por jovens negros e negras no acesso aos estudos em nível superior. A maior dificuldade apontada pelos participantes é a falta de recursos financeiros, fazendo com que estes jovens tenham que se dedicar ao trabalho, levando-os a não obterem boas notas, pela falta de tempo ao estudo, apontada por eles também como a segunda dificuldade para o acesso ao ensino superior. A pesquisa revela que praticamente a metade dos jovens negros e negras têm interesse na continuidade dos estudos, mesmo não tendo incentivos por parte de familiares, recursos financeiros e apoio social. O estudo aponta a necessidade da criação de Políticas Afirmativas que atingem o negro e branco pobre no Ensino Médio.

Palavras-chave: Educação, Ensino Médio, Escola Pública, Negro, Acesso a Universidade.

Linha de Pesquisa: Práticas Sociais e Processos Educativos.

Data da Defesa: 28 de março de 2006.

Tarcísio Antonio do Nascimento nasceu em Senador Firmino, Minas Gerais, em 04 de dezembro de 1955. Licenciado em História pela Faculdades Associadas do Ipiranga; Professor titular efetivo na Rede Pública Estadual e Municipal de Ensino na cidade de São Paulo.

(12)

Abstract: This work is about a quantitative research, having as objective to analyze the young black in the region north of the city of São Paulo, searching to understand the difficulties found for these in the access the university. The biggest difficulty pointed for the participants is the lack of financial resources, making with that these young has that to dedicate to the work, taking them not to get it good notes, for the lack of time to the study, pointed for them also as the second difficulty with respect to the access to superior education. The research discloses that practically the half of the young blacks has interest in the continuity of the studies, exactly not having financial incentives on the part of familiar, resources and social support. The study it points the necessity of the creation of Affirmative Politics that reach the black and poor white in Secondary Education.

(13)
(14)

Este trabalho tem por objetivo conhecer as razões que levam adolescentes e jovens

negros e negras a não ingressarem no Ensino Superior, após a conclusão do Ensino Médio. Há

a necessidade de reflexão sobre o processo de abandono e descaso em que se encontraram, e

ainda se encontram, os descendentes dos escravizados no pós-abolição, conforme mostram os

estudos de Henriques (2001) e de Beghin & Jacoud (2002), entre outros, mais ou menos

recentes. A situação por eles evidenciada afeta a população negra fazendo com que se

levantem indagações como:

1) Até que ponto a inacessibilidade aos estudos do Nível Superior atinge de forma

negativa a auto-estima dos afro-descendentes fazendo com que uma grande maioria tenha

uma vida social, econômica e profissional aquém da preconizada pela minoria elitizada?

2) Qual a expectativa e contribuição da família, para que jovens e adolescentes negros

e negras possam vencer barreiras impostas pela estrutura social e possam trilhar caminhos

mais favoráveis e distintos daqueles que muitos dos pais percorreram?

A presente pesquisa reflete parte da experiência pessoal de quem encontrou o apoio

constante dos pais semi-analfabetos. Morador de uma pequena cidade do interior mineiro, que

mais tarde migra para São Paulo e continua a conviver diretamente com toda a forma de

preconceito existente contra o negro, precisando encontrar forças para crescer e

desenvolver-se profissionalmente; porém, encontrou desenvolver-sempre apoio familiar para a busca deste sucesso.

Em minhas atividades como professor, observo e analiso os aspectos sociais e as

condições precárias de vida nas quais vive a maioria dos meus alunos negros, cuja única

alternativa habitacional é a periferia de São Paulo. Geralmente as instalações não contemplam

o mínimo necessário a uma sobrevivência digna. A expectativa de um emprego razoável é

quase nula. Isto faz com que se sintam rejeitados pela sociedade, pois não encontram

facilidades para melhorar de vida. Muitos vivem na linha da marginalidade, o que demonstra

a falsidade da tão propagada Democracia Racial que na realidade encarna a figura de um

mito.

Tenho observado que a perspectiva de acesso à universidade é muito baixa entre os

alunos negros. Surgiu-me, então, a curiosidade de compreender as verdadeiras razões que os

levariam a não almejar a realização de estudos em nível superior. Sobretudo nos dias de hoje,

em que os meios de comunicação divulgam resultados de pesquisas que mostram as vantagens

(15)

O presente estudo foi realizado com alunos de uma Escola da Rede Pública Estadual

situada no bairro da Cachoeirinha, na periferia da cidade de São Paulo.

Foi aplicado um questionário elaborado em colaboração com a Profª Drª Maria Inêz

Mancuso1, a partir de discussões com este pesquisador.

Tal questionário buscou coletar os motivos que levam alunos, negros e brancos, da

última série do Ensino Médio, a projetar ou não a continuidade de estudos no Ensino

Superior, além de outras informações que pudessem auxiliar a entender as escolhas desses

alunos.

A pesquisa organiza-se em três capítulos. Um embasa o outro e verifica, passo a passo,

serem pertinentes os questionamentos supra-citados e a necessidade de combater o fracasso

escolar e jovens negros que ingressam no Ensino Superior com a adoção de medidas públicas

de combate às desigualdades.

O primeiro capítulo relata a experiência familiar e pessoal do pesquisador. A busca

constante de um entendimento da sociedade, que ora prega a inclusão de todos os cidadãos em

todos os níveis de estudo, ora exclui muitos deles, notadamente os negros, lançando mão de

estratégias extremamente racistas, entretanto mascaradas em seus discursos.

Ainda neste capítulo há uma breve contextualização histórica sobre os caminhos

percorridos pelo negro no Brasil, desde a “abolição da escravatura” até a tão debatida e

propagada democracia racial que teria por objetivo o fim das desigualdades, mas que na

realidade busca camuflá-las.

Nesse cenário de luta desponta a minha própria trajetória de vida, trilhada com muita

garra e com direção completamente definida. Mas, o mesmo não ocorreu com muitos outros

com histórias semelhantes. Faltaram políticas públicas, pois há que se considerar que somente

o apoio familiar, na maior parte dos casos é insuficiente.

No segundo capítulo, por meio da literatura, abordando épocas e períodos, busca-se

mostrar a partir da história dos negros brasileiros, o estado de marginalização a que foram

relegados no pós-abolição sequer podendo freqüentar os primeiros anos de escolaridade.

Ficaram, assim, impedidos de acompanhar as exigências de formação feitas pelo mercado de

trabalho mais especializado. Para suprir a exclusão educacional das classes populares,

marcadamente dos negros, instituíram-se políticas que facilitassem o acesso de “todos” às

1

(16)

escolas, porém a qualidade da educação oferecida, não foi, nem tem sido a mesma em todos

os estabelecimentos de ensino.

É uma forma importante de ascensão social de um grupo marginalizado, a instrução.

Ser cidadão é ser igual, é ter os mesmos direitos, as mesmas conquistas, inclusive o de

estudar.

O terceiro Capítulo é dedicado a explicitar o contexto e os procedimentos da pesquisa.

O propósito do levantamento de dados da comunidade justifica o fator desigualdade

social/racial. Mostrarei no decorrer do capítulo que os moradores da comunidade citada têm

carência educacional formal e informal. Alguns não respeitam os espaços públicos,

principalmente as escolas por perceberem que em nada lhes ajudarão a alçarem vôos mais

altos, outros que são lesados pelo mau uso dos primeiros, pelo não comprometimento da

sociedade e segue-se uma lista imensa de ações contrárias à democracia.

O quarto capítulo mostra-nos a realidade do jovem negro, suas aspirações e as

contradições da sociedade brasileira, quando não disponibiliza maneiras e fórmulas sociais

concretas.

Acredito que esta pesquisa em muito nos ajudará a refletir sobre qual sociedade

queremos nos inserir no mundo atual e quais atitudes sensatas devem ser tomadas para

revertemos todo esse processo de exclusão, a uma fatia imensa do povo formador deste

(17)

CAPÍTULO I

(18)

As referências com as quais trabalharei evidenciam as desigualdades raciais existentes

no Brasil. Os estudos sobre a questão racial podem ser agrupados basicamente em quatro

correntes (BANDEIRA, 1998, pp. 15-19). A primeira, segundo a autora, com pressupostos

teóricos evolucionistas, abordando o negro como “expressão de raça”, enfatiza que há no

Brasil uma verdadeira democracia racial, ou seja, preconiza a inexistência de preconceito

étnico-racial. Os estudos evolucionistas estavam orientados pela teoria de Gobineau, defensor

da mistura das raças como princípio de maior relevância na sua teoria do nascimento da

civilização, mas uma mistura que levaria do estado “selvagem” ao estado da cultura. Munanga

(1999) nos mostra que inspirado nesse pensamento Silvio Romero escreveu sobre o

nascimento de um povo tipicamente brasileiro, resultado da mestiçagem de três raças, com a

predominância biológica e cultural branca e o desaparecimento dos não brancos, que ele

denominava “raças inferiores”. O mestiço brasileiro herdava do sangue africano, dizia Silvio

Romero, a apatia, o desânimo, a falta de iniciativa e de inventividade (MUNANGA, 1999, p.

52).

Silva (2002, p. 83) reconhece que os estudos sobre o negro tiveram início tardiamente,

se comparados com os sobre os indígenas. A última década do século XIX, no entanto, afirma

que alguns autores apontam “a origem do saber etnográfico brasileiro nas primeiras crônicas

escritas sobre o Brasil” (ibidem, p. 85). Aqui, o negro era considerado inferior, e com isto se

justificava a escravidão.

Segundo Munanga (op. cit., p. 68), outros, como Oliveira Viana, identificavam a

miscigenação como estratégia de branqueamento da sociedade brasileira. Para eles, os

indivíduos resultantes da mestiçagem entre cruzamentos de raças muito distintas, brancos e

negros, as características físicas, morais e intelectuais seriam de caráter degenerescente, ou

seja, os mestiços tenderiam a um tipo humano inferior. Sobre essa teoria, Andrews (1997, p.

97) nos esclarece que segundo seus formuladores e seguidores:

Nos casos de mistura racial, sustentavam eles, o componente genético branco tenderia a dominar; e se tal mistura fosse repetida durante várias gerações, o resultado final seria uma população branqueada na qual a ancestralidade africana e índia seriam superadas e neutralizadas.

Nina Rodrigues, um dos principais evolucionistas brasileiros, já defendia a

(19)

negros e brancos e defendendo serem os negros causadores do atraso brasileiro frente

a outras nações:

A raça negra no Brasil, por maiores que tenham sido os seus incontáveis serviços à nossa civilização, por mais justificadas que sejam as simpatias de que a cercou o revoltante abuso da escravidão, por maiores que se revelem os generosos exageros dos seus turiferários, há de constituir sempre um dos fatores da nossa inferioridade como povo (RODRIGUES, 1977, p. 7).

Gilberto Freyre (2004) desloca a questão racial do debate biológico e moral para

privilegiar a diferenciação das manifestações culturais. Sua teoria foi a de que o Brasil seria

uma “democracia racial”, com livre convívio entre os diferentes grupos étnico-raciais:

Talvez em parte alguma se esteja verificando com igual liberalidade o encontro, a intercomunicação e até a fusão harmoniosa de tradições diversas, ou antes, antagônicas, de cultura, como no Brasil. É verdade que o vácuo entre os dois extremos ainda é enorme; e deficiente a muitos respeitos a intercomunicação entre duas tradições de cultura. Mas não se pode acusar de rígido, nem de falta de mobilidade vertical o regime brasileiro, em vários sentidos sociais um dos mais democráticos, flexíveis e plásticos (p. 115).

A sociedade sempre quis calar os negros, os índios e outros grupos marginalizados,

ensinando existir no Brasil uma democracia racial, isto é, uma sociedade em que todas as

pessoas têm as mesmas oportunidades e são respeitadas em seus direitos (HASENBALG,

1979, p. 242).

A segunda vertente de estudos sobre os negros, aborda o negro como “expressão de

cultura”, tendo Arthur Ramos como pioneiro. A cultura, segundo ele, seria concebida como

uma realidade histórica, um sistema independente e autônomo que agiria sobra as realidades

históricas, econômicas e sociais, sem por elas ser afetadas. A dinâmica cultural foi tratada

como que mecanicamente, privilegiando a origem do traço ou do padrão cultural como base

de correlações e explicações.

Arthur Ramos considerava que o estudo científico sobre o negro estava sendo

prejudicado por três obstáculos: a exploração política (no sentido eleitoral) do negro; a visão

folclórica sobre o negro; e o negro como tema da moda, em contraposição às pesquisas

indianistas. “Examino os padrões de culturas que os negros transportaram da África para o

(20)

A terceira vertente dos estudos raciais no Brasil privilegiou as pesquisas sobre a

estrutura das relações raciais entre negros e brancos, em substituição às análises sobre as

expressões religiosas e culturais do negro.

Um dos primeiros estudiosos nesta perspectiva foi Pierson. Observando os dados

estatísticos relativos à distribuição racial nos empregos, o autor confirmou que nos empregos

melhor remunerados predominava o trabalhador branco, com alguma penetração de mulatos

claros e raros casos de mulatos escuros; nos empregos medianamente remunerados

predominavam os mulatos claros; nos empregos de baixa remuneração predominavam os

trabalhadores pretos (PIERSON, 1971).

Estendendo suas observações a outros aspectos da sociedade, que não o trabalho, ele

também confirmou em todos a dominância branca. Nos clubes, nas escolas, nos sindicatos,

nas igrejas, na política, em suma, em todas as manifestações sociais observadas, mesmo

naquelas onde era grande a presença de negros, a direção pertencia aos brancos.

No entanto, Pierson insiste em afirmar a inexistência de discriminação racial no Brasil,

considerando as diferenças como sociais (ibidem, p. 233). O estudo de Pierson situa-se assim

entre os que interpretam as diferenças existentes apenas nas esferas econômicas e sociais.

Apesar disso, ele incorpora posições da “ideologia do branqueamento” e da “arianização

progressiva”:

O negro, como unidade racial, parece estar gradual, mas inevitavelmente, desaparecendo assim como tem desaparecido, na Bahia, e em vários outros lugares do Brasil o Índio, antes dele. (...) A tendência mais característica de ordem social baiana tem sido a redução gradual, mas contínua, de todas as distinções culturais e raciais, e para a fusão biológica e cultural do africano e do europeu em uma raça e cultura comuns (ibidem, pp. 346-358).

As pesquisas patrocinadas pela UNESCO (1955) no Brasil sobre relações raciais

apresentam estudos com esta perspectiva social, principalmente de Costa Pinto na cidade do

Rio de Janeiro e de Florestan Fernandes em São Paulo.

Costa Pinto procurou construir a proposta que orientou e direcionou seu pensamento,

dizendo que o fenômeno étnico mascarava uma questão que é fundamentalmente política,

ideológica e econômica. As questões das relações de raças são na verdade questões de

(21)

Embora Costa Pinto, utilizando os dados do recenseamento de 1940, faz uma

decomposição da ocupação da cidade do Rio de Janeiro, a fim de descobrir como os negros se

inseriam, verificando que aos negros estavam reservadas as atividades econômicas menos

valorizadas, e as piores condições de residência e moradia, assim como da escolaridade, que

revelava altos índices de analfabetismo, índices baixíssimos de escolaridade média e índices

desprezíveis de escolaridade superior entre os negros, insiste que a causa é de ordem social

(ibidem, p. 142).

Florestan Fernandes reforça essa análise social das diferenças entre brancos e negros.

Argumenta que o negro possuía uma inadequação ao novo sistema de trabalho, livre, após o

fim da escravidão, enquanto o imigrante estava integrado ao sistema já existente em seus

países de origem, o que explicava a exclusão do negro da “integração na sociedade de

classes” (FERNANDES, 1978, p. 20).

As únicas oportunidades de ocupação para os negros eram aquelas de baixa

remuneração e pouco valorizadas socialmente. “A grande massa da ‘população de cor’ não

tinha oportunidade para reeducar-se para o gênero de trabalho, a ética e o estilo de vida do

trabalhador livre” (ibidem, p. 158).

Essa desorganização social, aliada a inexistência da estrutura familiar, levou a

população negra, no entender deste autor, para o desemprego, o alcoolismo, a mendicância, a

vagabundagem, a prostituição, a criminalidade e o abandono do menor e do idoso. Os negros,

para suportarem a situação de marginalidade, descarregavam no álcool as tensões que

certamente explodiriam (ibidem, pp. 172-215).

Quanto à escolarização, os pais negros desconheciam a utilidade da escola, sem contar

que os negros eram apáticos, na visão de Florestan Fernandes: “desse prisma, a apatia aparece

como uma condição dinâmica, como uma escolha que envolvia a predisposição de fazer corpo

mole até o fim” (ibidem, p. 233).

A quarta corrente de estudos considera a “raça” como determinante na estratificação

social. Um dos pensadores defensores dessa vertente é Muniz Sodré. Para ele, a cultura no

Brasil se cristaliza a partir de dois eixos complementares: o modo de vida branco/europeu e

uma outra não-ocidental, representada especialmente pela cultura negra (1988). É nesta

(22)

O grupo social dominante silenciou, por vários anos, muitos, perseguindo os escravos

e seus descendentes, maltratando-os. Mas a esperança e o sonho de liberdade sempre da parte

destes foram transparentes. Desta forma, os rejeitados impedidos de participação social, tendo

consciência de cidadãos, reagem, estruturando metas, criando e recriando o valor da

cidadania, buscando o fortalecimento da auto-estima de tantas e tantos discriminados,

forjando a luta por garantia de seus diretos sociais, políticos, econômicos e civis (BARBOSA

& SILVA, 1997).

Faço parte deste numeroso grupo que diz ser uma minoria. Aos 9 anos de idade não

achava que a sociedade brasileira fosse realmente tão hipócrita e preconceituosa, mas a partir

da relação educacional entre brancos e negros que freqüentavam o mesmo espaço escolar,

pude perceber, aprender como o preconceito e a discriminação se fazem presentes, e o negro é

sacrificado e prejudicado em suas aspirações.

O preconceito no Brasil é conhecido, ele atinge crianças na mais tenra idade,

influencia negativamente o processo de socialização. Evidentemente prejudica o negro no

contexto social e racial (CAVALLEIRO, 2001).

De acordo com Hasenbalg (1982, p. 90),

A raça como atributo social é historicamente elaborada, continua a funcionar como um dos critérios mais importantes na distribuição de hierarquia social. Em outras palavras, a raça se relaciona fundamentalmente como um dos aspectos de reprodução das classes sociais, isto é, a distribuição dos indivíduos nas posições da estrutura de classes, as dimensões distributivas na estratificação social.

Torna-se importante entender que o preconceito contra os negros, como qualquer

preconceito, não é fundamentado no conhecimento que dele se tem, ao contrário é baseado na

falta de informações sobre o seu jeito de ser, sua cultura e história que geram estereótipos e

preconceitos. Desta forma o negro desde os primeiros anos de vida é falsamente reconhecido.

Esta situação tem sido observada em pesquisas e estudos que evidenciam experiências

vividas no seio de relações raciais e discriminatórias, em escolas (GONÇALVES, 1985;

OLIVEIRA, 1992; LOPES, 1994; SILVA, 1995).

O presente estudo surge da constatação que faço ano a ano. Enquanto professor de

escola de periferia da cidade de São Paulo, eu observo que já não são poucos os estudantes

(23)

médio, mesmo assim ainda é grande o número de alunos negros excluídos da Educação

Básica, meio de acesso ao Ensino Superior. Conversando com eles noto que acreditam ser o

estudo um meio para melhoria financeira, para busca de empregos de maior prestígio. Mas se

vêem desanimados, de um lado pelo custo de estudar em instituições particulares, já que há

pouca oferta nas públicas à noite, de outro lado por razões que não me ficaram muito claras. É

isto que gostaria de entender ao propor a pesquisa que aqui relato.

Para melhor esclarecer as decisões que tomei para realizar este trabalho, valho-me do

estudo da literatura, assim como da minha experiência pessoal enquanto homem negro,

professor do Ensino Fundamental e Médio em escolas públicas da periferia na Zona Norte da

cidade de São Paulo, em cuja problemática se situa a pesquisa.

Antes de continuar, relato a situação de preconceito racial por mim sofrido ainda

criança, como uma forma de ajudar a entender a problemática em que se situa esta pesquisa.

Como qualquer criança, fazia as peripécias próprias da idade, no entanto era dedicado

ao estudo, incentivado intensamente por meu pai, que estudara até a 3ª série do então ensino

primário, e minha mãe, analfabeta. Queriam eles que os filhos ultrapassassem todas as

barreiras sociais as quais punham os negros à margem. Com este objetivo dialogavam

conosco, doavam-nos carinho, repreendendo quando necessário, incentivando-nos a estudar,

dizendo que somente através do estudo teríamos mudança na situação econômica familiar.

Na verdade meus pais, bastante humildes tudo faziam para que o material escolar

básico não nos faltasse. É bom lembrar que nos anos 60, havia a Caixa Escolar2, para ajudar

as crianças necessitadas, mas esta ajuda sempre me foi negada, com a justificativa de que o

meu pai era pedreiro, morava na zona urbana, tinha trabalho e salário, no entanto, outras

crianças brancas, de melhor condição econômica que a minha, recebiam o auxílio: lápis,

caderno etc.

Também existia a merenda escolar que não era para todas as crianças, escolhiam quem

haveria de recebê-la, não é necessário dizer quem estava excluído.

Essa experiência vivida por mim é um fato constante na vida das crianças negras, conforme relata Gomes (2002) nas entrevistas de sua pesquisa:

Em alguns momentos, o cuidado dessas mães3 não consegue evitar que, mesmo se apresentando bem penteada e arrumada, a criança negra deixe de ser alvo das piadas e apelidos pejorativos no ambiente escolar. Alguns se referem ao cabelo: “ninho de guacho”,

2

Caixa escolar era um instrumento de ajuda material existente nas escolas públicas primárias em Minas Gerais, oferecendo gratuitamente material escolar aos alunos carentes.

3

(24)

“cabelo de bombril”, “nega do cabelo duro”, “cabelo de picumã”! Apelidos que expressam que o tipo de cabelo do negro é visto como símbolo de inferioridade, sempre associado à artificialidade [esponja de bombril] ou com elementos da natureza [ninho de passarinhos, teia de aranha enegrecida pela fuligem] (p. 45).

Como a autora aponta, essas são as primeiras experiências públicas de rejeição do corpo vividas na infância e na adolescência pelas crianças negras. Maior instabilidade instaura-se quando se aproxima a adolescência, período em que as transformações e construção da subjetividade são sentidas por qualquer ser humano, e se fazem sentir com maior intensidade entre os adolescentes negros. Gomes (1994) argumenta ainda que os sinais diacríticos4 são essenciais para demarcarem a diferença, principalmente na adolescência, quando se opera a transição do círculo restrito familiar para as relações sociais mais amplas. Na minha história vivi o reforço de estereótipos e representações negativas sobre os negros e seu padrão estético.

Porém, como já afirmei, fazia como todas as crianças brincava, conversava, mas

percebia que era mais repreendido que as outras crianças, num tempo em que castigos

corporais ainda faziam parte do cotidiano da escola, como questão disciplinar. Fui sim,

bastante maltratado com várias reguadas, obrigado a ficar de joelho por alguns minutos, ou de

pé, às vezes, tinha que me retirar da sala. Quando meu pai começou a trabalhar de servente

escolar isto passou a ocorrer com maior intensidade.

Logicamente, quando chegava em casa, era por ele repreendido. Assim, ainda era uma

criança, perguntava-me, queria entender a razão de todas aquelas situações. Em uma tarde,

após fazer as lições, lembro-me claramente que minha mãe amamentava uma das minhas

irmãs, quando demos início a uma conversa. Ela, mesmo não possuindo domínio da leitura e

da escrita, olhava diariamente os meus cadernos, fazendo comentários sobre a organização e

limpeza dos mesmos.

Certa vez eu comecei a falar sobre o tratamento que recebia em sala de aula, achava

que era maltratado sem motivo. Eu era o segundo aluno da sala (a classificação fazia-se

através das notas obtidas nas avaliações mensais).

Lembro-me que ela fitou-me, acariciou-me e sem pestanejar disse lacrimejando e com

voz embargada: “Filho, você faz o que as outras crianças da sua idade fazem, tem boas notas

que poderiam ainda ser melhor, era importante que você fosse o primeiro da sala, mas isso

acontece porque você é preto, além do mais nós somos pobres, seu pai é pedreiro, na escola é

servente e eu sou lavadeira”.

4

(25)

Imaginei que estas não poderiam ser as causas, e nunca pensara que o fato de ser preto

pudesse influenciar tanto na relação aluno-professora. A partir daquele dia, a criança em mim

cresceu, passei a observar e também a dialogar com meu pai sobre as conversas que havia tido

com a minha mãe, e ele admitiu e forneceu várias informações sobre a questão preconceito e

discriminação sofrida pelos negros na nossa cidade.

Aprendia cotidianamente, analisando fatos que comigo ocorriam e também com outros

negros no ambiente escolar, percebendo que nós negros éramos tratados pejorativamente,

diziam que os negros não precisavam freqüentar a escola. Para eles o estudo era

desnecessário. Então concluí que eles temiam ascensão da população negra local,

conseqüentemente desestimulavam e achavam tempo perdido a freqüência do negro no

ambiente escolar.

Meus pais eram criticados por bancarem nossos estudos. Por vontade dos

preconceituosos, deveríamos fazer qualquer trabalho braçal, para auxiliar a renda familiar, no

entanto, com muita honratez os meus pais diziam “que seus filhos haveriam de estudar até o

grau máximo de ensino existente na cidade”, que possuía o antigo 2º Grau.

Confesso que não foi fácil, e hoje percebo quão maléfico são o preconceito e a

discriminação que destróem corações, mentes e projetos de vida. Felizmente tive amparo

familiar. Hoje analiso e acredito que a minha professora não tinha consciência do mal que

estava causando.

A continuidade dos estudos na minha cidade não foi coisa fácil, os preconceitos

raciais, sociais foram constantes sobre mim e meus irmãos, sou o terceiro de dez filhos.

Terminado o segundo grau, precisei migrar para São Paulo e em pouco tempo comecei

a trabalhar numa grande empresa de construção civil, no departamento pessoal, exercendo a

função de auxiliar de arquivo. Era o único negro naquele departamento, um dos poucos no

setor administrativo da construtora.

Numa reunião, o gerente do departamento disse aos demais ser eu o mais instruído de

todos, e também capacitado. Este fato causou inveja declarada por parte dos outros

funcionários, dificultando o meu trabalho, prejudicando a minha ascensão profissional. Porém

o gerente trocou-me de setor, elevando o salário e priorizando os diálogos, uma vez que

percebera a discriminação contra mim que aumentara após o seu elogio a respeito a minha

(26)

estudos de Nível Superior, os colegas de trabalho foram totalmente radicais isolando-me,

deixando-me sem ambiente naquele recinto.

Em um dado momento, o gerente me chamou, comigo conversou, desligou-me do

departamento pessoal, enviando-me para uma obra que deveria coordenar. Eu antevia o que

haveria de encontrar pela frente, nesta trabalhei por três anos.

O profissional que me apoiou, pois percebeu o preconceito racial existente na empresa,

é uma exceção na sociedade brasileira. Descendente de alemães, dedica-se às questões sociais

como o combate ao preconceito e a discriminação. Chama-se Jaime Miller e foi uma raridade

na década de 1970.

Nos estudos superiores optei pela área educacional, pela licenciatura em História, com

preocupação de resgatar tantos e tantas, que se não tivessem amparo moral e intelectual,

afetivo, que desistiriam de estudar, perderiam a esperança. Desta forma, em sala de aula

procurava, e ainda procuro ter uma conversa franca com os alunos negros principalmente os

negros, levando-os à conscientização racial, alertando-os para o fracasso social que elimina

grande parte da população negra e pobre, incentivando-os a vencer obstáculos, a partir de

conhecimento criados sobre preconceito e discriminação, que precisam ser desmontados.

Acredito que o processo de conscientização racial pelo qual passei, apoiado por meus

pais e por pessoas como o sr. Jaime, levou-me à luta contra o preconceito e a discriminação

que me fez militante do movimento negro.

Guiado por minhas preocupações no sentido de promover meus alunos negros, passei

a identificar e observar as profissões em cujos quadros existem poucos negros.

Assim, verifiquei que professores negros são pouquíssimos. Nas áreas de medicina,

engenharia, odontologia, dificilmente se encontra um profissional deste pertencimento

étnico-racial. Em particular perguntava-me o que fazer para reverter este quadro.

Na década de 1980, partindo da experiência da empresa privada, comecei a refletir,

questionar, tracei um projeto o qual compartilhei com alguns amigos. Depois de muita

conversa, vários questionamentos, reflexão, concluímos que nada aconteceria enquanto nós

negros não tomássemos a iniciativa. Percebemos a necessidade de levar em frente um projeto

para resgatar a nossa cidadania. Na ocasião já morava em São Paulo e observava que o

movimento dos negros sobre conscientização não era abrangente, estavam neles inseridos em

(27)

aqueles que moravam na periferia não tinham acesso aos direitos que são proclamados serem

para todos e pareciam meio tolhidos, sem saber por onde começar para exigi-los.

Comecei, então, a desenvolver um trabalho voluntário na periferia, onde realizava

também o trabalho profissional. Daí os primeiros questionamentos sobre as razões que levam

tantos que concluem o ensino médio a não se dirigirem ao nível superior. A grande maioria da

população negra está abaixo da linha da pobreza e precisa trabalhar desde cedo, mesmo assim

há aqueles que conseguem pagar uma escola e concluir o curso superior, mas dizem eles não

receber o reconhecimento da sociedade.

Em conversas com jovens negros, percebo que o preconceito e discriminações sofridas

estão muito presentes no seu dia a dia e que a grande maioria não conta com apoio, para

vencer e combater o preconceito e a discriminação racial.

Minhas observações me levaram a perceber a existência de desvantagem instrucional

entre os jovens brancos e negros, confirmada pelos dados do IPEA5. “A taxa de analfabetismo

entre os brancos com mais de quinze anos em 1999 é de 8,3%, enquanto para os negros é de

19,8%” afirma Henriques (2001, p. 55). Além disso, continua o autor, a porcentagem de

negros no sistema educacional se manteve o mesmo durante todo o século XX e no início

deste século XXI permanece inalterada.

Nesta mesma linha, Hasenbalg & Silva (1990) já haviam fornecido dados preciosos,

demonstrando a exclusão dos negros dos bancos escolares:

Os dados oficiais disponíveis sobre os níveis de instrução atingidos pela população brasileira segundo a cor são mais do que eloqüentes para caracterizar a desigual apropriação das oportunidades educacionais por parte de brancos e não brancos, e os efeitos acumulados da discriminação racial no âmbito da educação formal (p. 135).

Segundo estes mesmos autores,

Em 1980 a taxa de analfabetismo das pessoas de 15 a 64 anos de idade era de 14,5% entre os brancos e 36,5% para pretos e pardos. No extremo oposto da pirâmide

5

(28)

educacional 4,2% de brancos e apenas 0,6% de não brancos tinham obtido um diploma de nível superior (ibidem, p.6).

No mesmo sentido, Rosemberg (1996) argumenta que

A compreensão de que a dinâmica social resulta de um entre jogo complexo de contradições de classe, gênero e raça nas diferentes esferas; a concepção de um sujeito histórico ativo, acomodando-se e resistindo as barreiras que a sociedade interpõem a realização de suas necessidades, de seus projetos e desejos, o que envolve o enfrentamento de contradições nas três esferas (econômica, política e cultural) e nas diferentes dinâmicas de classe, gênero e raça (p. 59).

A discriminação racial contra negros é uma questão histórica. Todos que estamos

envolvidos com a situação e preocupados com o futuro das próximas gerações, não podemos

deixar de focalizar que durante o período escravista, aos escravizados, era vedado o direito à

aprendizagem da leitura e da escrita, conforme destaca Fonseca (2000). A Lei do Ventre

Livre, no papel, ressaltou o valor da educação, da instrução como fator de consciência.

Afirmava-se que somente por meio da educação, haveria melhoria das condições de vida dos

filhos livres das escravas. Pretendia-se que dessa forma ocorreria naturalmente a inclusão

social dos nascidos de escravas.

Entretanto, o que predominou na sociedade brasileira mesmo com a interferência

legislativa (1871 a 1888) para a abolição do escravismo foi a não inclusão dos negros livres,

filhos de escravos no sistema escolar. Eles não podiam, ou melhor, eram impedidos de colher

os benefícios institucionais oferecidos pelo estado, ou por outras instituições educacionais

(ibidem).

A Lei do Ventre Livre de 1871 determinava que “toda criança nascida de mulher

escrava passava a ser considerada livre”. Foi preocupante para a elite aceitar, e procurou

maneiras para não cumprir a lei. Até hoje os negros pagam um preço alto, é a herança do

período escravista como descreve Fonseca (ibidem):

(29)

manter a hierarquia social e racial que ao longo da escravidão caracterizou a sociedade brasileira.

A educação, da forma como foi pensada, reivindicada e praticada durante o processo da abolição da escravidão no Brasil, manifestava essa tentativa de continuidade. No centro das práticas educativas foram colocados elementos que ao longo da escravidão, haviam sido permanentemente acionados como estratégias de dominação sobre os negros: o trabalho e a religiosidade (...) Ao contrario do que se possa pensar em relação à educação, enquanto mecanismo de uma possível promoção social dos negros em uma sociedade livre e de um discurso transformador, o que encontramos foi à construção de sofisticadas estratégias de dominação, cujo aspecto mais relevante foi a tentativa de estabelecer uma linha de continuidade com a sociedade escravista (ibidem, pp. 183-184).

A exclusão do negro do sistema de ensino é real. Evidentemente junto ao preconceito

está a desigualdade econômica entre negros e brancos, conforme sublinha Henriques.(op.cit.):

A intensidade na desigualdade de renda entre brancos e negros no interior de cada raça também é significativa. A desigualdade deriva de forma principal, da forte concentração de renda no segmento mais rico da sociedade e, em particular, da heterogeneidade no interior desse grupo de renda. Os negros freqüentam a riqueza do país, mas são participantes minoritários. Os brancos são mais ricos e mais desiguais. Os negros, mais iguais e mais pobres (p. 46).

Tabela 1: Incidência da Pobreza e Indigência: Brasil e Populações por Cor – 1999

Pobres Indigentes

Indicadores Percentual de

pobres Hiato médio da renda Número de pobres (em milhares) Percentual de indigentes Hiato médio da renda Número de indigentes (em milhares)

Brasil/Cor 34,0 15,2 54.450 14,3 5,9 22.997

Amarela 11,0 5,7 76 5,3 2,5 37

Branca 22,6 9,3 19.008 8,1 3,4 6.862

Indígena 56,0 25,8 140 22,3 9,2 56

Parda 48,4 22,7 30.041 22,3 9,2 13.841

Preta 42,9 19,2 3.597 18,3 7,3 1.533

(30)

A maior incidência de pobreza e indigência se encontra entre a população negra,

constituída por pretos e pardos, 91,3% dos quais são pobres e 40,6% são indigentes (Tabela

1).

Entre os povos indígenas a pobreza atinge 56% e a indigência 22,3%. Já entre os

amarelos, 11% estão entre os pobres e 5,3% entre os indigentes. E entre os brancos 34% são

classificados como pobres e 14,3% indigentes (Tabela 1).

Os dados apresentados acima são suficientes para mostrar todo o processo

discriminatório pelo qual os negros passam, a exclusão do sistema econômico e educacional é

notória e evidente. Comparando estes dados com os de 2001, percebe-se que não houve

avanços (HENRIQUES, 2001):

Quando se analisa do ponto de vista racial, dos 54 milhões de indivíduos pobres que

não conseguem nem ao menos satisfazer suas necessidades básicas (alimentação, vestuário,

habitação, etc.), aproximadamente 19 milhões são brancos (o que equivale a 22,60% dos

brancos serem pobres), 30,1 milhões pardos (48,40%), 3,6 milhões pretos (42,90%) e 76 mil

amarelos (11% dos amarelos) (HENRIQUES, 2001).

Assim, a probabilidade de um indivíduo negro ser pobre é mais do que o dobro da

probabilidade de um indivíduo branco ser pobre, enquanto que para os amarelos essa

probabilidade é apenas metade da dos brancos. Com isso, é possível perceber a existência, no

Brasil, de uma relação entre a péssima distribuição dos recursos disponíveis, o elevado grau

de pobreza da população e a discriminação racial, visto que a pobreza está diferentemente

distribuída entre os indivíduos de cores diferentes.

A redução da pobreza pode decorrer do crescimento da renda per capita e/ou da

distribuição mais igualitária da renda (Barros et al, 2001), estimando a resposta do grau da

pobreza ao crescimento econômico e às variações na desigualdade de renda, reportaram que

os níveis de pobreza são mais sensíveis às alterações no grau de desigualdade do que às

alterações no crescimento econômico. Isso não significa que o crescimento econômico não

conduz a uma redução da pobreza, porém necessita durar um longo período de tempo para

produzir uma transformação relevante na magnitude da pobreza.

Portanto, a melhoria distributiva assume papel fundamental no desenvolvimento do

país, exigindo ações específicas do poder público e do privado. Essas ações deverão visar aos

(31)

principalmente, os pretos e os pardos que constituem a sua maioria, representando 62% do

total de pobres do Brasil.

Observando ao redor, nas escolas, vê-se a repercussão da dualidade mostrada pelos

dados acima, nos resultados finais dos alunos. Na escola em que trabalho tem aumentado

consideravelmente o número de concluintes negros do ensino médio, mas na mesma

proporção não há aumento de ingressantes nas universidades oriundos dessa escola e de outras

da zona norte da cidade de São Paulo. Isto provavelmente se deve ao fato, segundo Andrews

(1991), de que estabelecimentos de ensino público destinados ao ensino médio funcionam no

diurno e noturno, já o ensino público superior majoritariamente no diurno e estes alunos

trabalharem durante o dia. Assim sendo, o ingresso nas universidades privadas é mais

acessível aos estudantes das classes populares, entre eles os negros, pelo fato de as vagas

existirem também no período noturno. Mas o fato de precisar pagar para estudar impossibilita,

ao negro, de ingressar na universidade privada. Ou se ingressa, pouco tempo permanece, em

virtude da questão financeira.

Com a recente implantação do programa do Governo Federal, PROUNI, que garante

bolsas para estudantes de baixa renda em instituições privadas de ensino superior, esta

situação talvez tenda a se modificar.

Este quadro que acabei de apresentar e as indagações dele decorrentes, deram-me

elementos para formular a questão orientadora da pesquisa aqui a seguir relatada:

Que expectativa o jovem negro pobre, concluinte do Ensino Médio, vê em prosseguir

os estudos no Ensino Superior?

Prosseguindo este relato de pesquisa, com base na literatura, procura-se precisar o

contexto social que circunscreve a situação de exclusão em que os negros são mantidos e seu

(32)

CAPÍTULO II

(33)

Tentar precisar conceitos que auxiliem abordar a situação apresentada anteriormente é

como traçar o mapa que serve para orientar os passos da realização desta dissertação, bem

como guiar o olhar dos que se acercarem deste trabalho, lendo-o.

Atualmente existem vários pesquisadores influenciados pelo “pensamento negro em

educação”, desenvolvendo estudos e, levando em consideração as relações econômico-sociais

e étnico-sociais, para pensar as especificidades da população negra brasileira. Segundo

Romão (2003):

A expressão Pensamento Negro em Educação foi cunhada pela professora Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva e adotada por outros grupos de militância e/ou pesquisa, originando uma série de produções que têm por objetivo a expressão do pensar negro sobre educação e educação de negros no Brasil (p. 90).

São estudos ou práticas que, ao abandonarem as perspectivas biológica, cultural e

economicista, perpetuam a denúncia ao racismo ideológico, rompendo com visões

universalizadoras e delineiam, de maneira não excludente, duas vertentes: na primeira

define-se temáticas étnico-raciais em contextos de currículos universais. Discutem por exemplo, as

bases de uma parceria entre africanidades e educação formal. Cunha Jr (2001), sugere

mecanismos para democratizar o currículo na perspectiva de, se não superar, ao menos

minimizar as seqüelas do racismo percebido no cotidiano escolar. São reflexões que primam

pela inclusão desta temática das africanidades nas relações de ensino e de aprendizagem. E,

para que haja tal inclusão, são necessárias intervenções em diversos campos da educação.

As africanidades, de acordo com Cunha Jr. (ibidem, pp. 11-12), são produzidas num

diálogo com as culturas de outras etnias indígenas, descendentes de europeus e de asiáticos

presentes no Brasil. Nesta linha, refere-se às africanidades como sendo as raízes da cultura

brasileira que têm origem africana. Modos de ser, de viver, de organizar lutas, próprios dos

negros brasileiros de um lado, e de outro, marcas da cultura africana que, independentemente

da origem étnico-racial de cada brasileiro, fazem parte do seu dia-a-dia. Segundo a autora,

“ultrapassam o dado ou o evento material (um prato de feijoada, de sarapatel, uma congada) e

se constituem nos processos que geraram tais dados e eventos, assim como os valores que

motivaram tais processos e os que deles resultaram” (2001, pp. 151-153).

São africanidades reivindicações e propostas do Movimento Negro no campo

educacional, as propostas e estratégias do Movimento Negro brasileiro que foram

(34)

introduz uma revisão de valores e dos padrões considerados aceitáveis por todos dentro da

instituição escolar, a qual ainda prima por um modelo branco, masculino, heterossexual e

jovem. Um segundo caminho que o Movimento Negro abre no campo educacional foi a

superação do medo e/ou desprezo à diversidade ao argumentar e considerar que ser diverso

não é um problema, e assim afirma positivamente a identidade étnico-racial dos negros e de

todos os outros segmentos das populações brasileiras.

Gomes (2001b) destaca também que as ações de grupos do Movimento Negro junto às

escolas têm conduzido a um rompimento com a hipocrisia da nossa sociedade, diante da

situação da população negra, o que tem exigido um posicionamento dos educadores e

desmascaramento da ambigüidade do racismo brasileiro. Gomes argumenta a favor de uma

prática pedagógica pautada na ética, a qual demandará professores autônomos. A autonomia,

neste caso, tem de ser compreendida como possibilidade de rompimento com a conivência

entre professores e entre eles e seus alunos, que tende a práticas racistas, preconceituosas e

discriminatórias cometidas com naturalidade.

As africanidades são também práticas pedagógicas percebidas ou desenvolvidas em

espaços de reelaboração de culturas africanas no Brasil, trazendo uma colaboração sobre

pensamentos negros em educação. É o que mostra o estudo de Machado (2002), que

sistematizou o processo de ensino-aprendizagem vivenciado por crianças negras a partir de

referências da cultura nagô presentes no interior de um terreiro de candomblé.

Machado (ibidem) fez pesquisa sobre a maneira como a comunidade aprende e

apreende a sabedoria milenar da ancestralidade africana, tendo como visão de futuro a

perspectiva de que a escola seja uma fonte de referência no estado e no país pela inclusão da

cultura afro-brasileira como ponto de partida para a construção da identidade do cidadão

afrodescendente protagonista da sua história de vida.

Na mesma perspectiva foram os estudos de Siqueira (1996), e Santos (1997), nos quais

se destacam experiências escolares que optaram pela ênfase nas diferenças, construindo

processos educacionais assentados em valores, práticas e conhecimentos ligados às

africanidades. Tais experiências alcançaram resultados muito positivos.

Este capítulo não pretende traçar um quadro cronológico e teórico sobre o

“pensamento negro em educação”, mas apenas traçar um pano de fundo para contextualizar os

objetivos da pesquisa, realizada numa unidade de ensino público localizado em bairro da

(35)

Em vista disso, trabalhei com os conceitos: educação, cidadania, exclusão, racismo,

discriminação e ensino médio, que considero chave para a presente pesquisa.

NEGRO E EDUCAÇÃO

A maior diferença entre a passagem de um campus universitário brasileiro e um americano não está nos prédios ou jardins, está na falta de estudantes negros. Há muito mais deles nos Estados Unidos do que no Brasil.

Cristovam Buarque - ex-ministro da educação (O Globo, 10/09/2001).

Parte das desvantagens dos negros no mercado de trabalho (inserção, informalidade,

desemprego, mobilidade ascendente, etc.) refletem diferenças de atributos pessoais, e de

oportunidades de educação, pois os negros obtêm níveis de escolaridade consistentemente

inferiores aos brancos de mesma origem social.

O nível de escolaridade é um dos principais determinantes da renda do indivíduo,

conforme analisa Anjos (2001):

Não podemos perder de vista que entre os principais entraves para o desempenho do negro na sociedade destaca-se a inferiorização deste na escola.

A raiz da desigualdade educacional estaria localizada na pré-escola. O sistema escolar tem sido estruturado para perpetuação de uma ideologia sócio-político-econômica que junto com os meios de comunicação social, mantêm uma estrutura classista, transmissora de valores distorcidos e individualistas. Primeiro são os livros didáticos que ignoram o negro brasileiro e o povo africano como agente ativo da formação geográfica e histórica. Em segundo, a ideologia subjacente a essa prática de ocultação e distorção das comunidades de afrodescendentes e seus valores tem como objetivo não oferecer modelos relevantes que ajudem a construir uma auto-imagem positiva, nem dar referência a sua verdadeira territorialidade e sua história” (pp. 173-174).

Historicamente no Brasil pouco se pensou a estruturação de sistema de ensino

inclusivo dirigido às minorias. O processo educacional foi imposto e há mais de 500 anos

ocorre a reprodução de um sistema que valoriza os descendentes de europeus, deixando na

marginalidade os negros e os povos indígenas (LOPES, 2000). Há que, entretanto, registrar

que aos imigrantes europeus e asiáticos, que se dirigiam as tarefas agrícolas, no século XIX e

(36)

Em toda extensão territorial do Brasil, sabemos que há locais aonde a influência negra

é marcante, os dados culturais, as manifestações próprias deste povo nem sempre se fazem

presentes nas festividades locais, nas comemorações, tampouco nas escolas. Por isso, Alves

(2002) pondera que urge ampliar a realidade educacional, por meio de debates e ações que

considerem modos de ser/fazer dos negros, assim como de todos os segmentos que compõem

a população brasileira, sem privilégio de uns sobre outros.

A valorização do negro, seu corpo e rituais são descaracterizados mesmo nas regiões

onde prevalecem dados importantíssimos da sua presença, como em alguns estados da

federação: Rio de Janeiro, Bahia, Minas Gerais e Maranhão. Nas escolas desses estados o

processo educacional é uniforme, não condiz com a situação social, nem com as raízes

étnico-raciais dos contingentes populacionais que atendem (SANTANA, 2001; VERAS &

JUNQUEIRA, 2001; QUEIROZ, 2003).

Vivemos num mundo que se quer globalizado e o Brasil, nesta lógica de uma cultura

universal, territorialmente imenso, não valoriza a cultura dos descendentes daqueles que

viveram como escravos e cujos descendentes continuam ajudando a construir esta nação. Ao

contrário, os marginaliza em todos os aspectos da vida social. Os negros formam um quadro

significativo na estrutura social e cultural, tendo sido usado, e muito, como a principal

engrenagem instrumental do sistema econômico no período oficial da escravidão.

A partir de minha experiência, faço uma análise desta situação, tendo em vista a

convivência que tenho com população negra de Minas Gerais e São Paulo. Eu percebo que os

negros, no decorrer século XX e início do XXI, tem procurado resistir ao processo de

marginalização imposto, rompendo o ritmo ditado pela sociedade, praticando a ação rebelde e

consciente que se mostram em vestes, falas e danças, em iniciativa e propostas políticas, em

atitudes de resistência à opressão, à discriminação.

Ao observar a dinâmica da sociedade e das relações que nela ocorrem, chama-me a

atenção que o mundo globalizado é nocivo aos países em desenvolvimento e também aos

mais pobres: é nocivo particularmente à educação, pois trata igualmente os diferentes não

para valorizar e atender especificidades, mas para apagá-las. Tal igualdade busca

uniformizá-los. Desta forma se apaga a diversidade da composição da sociedade, principalmente a

memória dos escravizados que para cá foram trazidos provindos de várias regiões do

Continente Africano oriundos de nações com tradições, costumes, e organizações sociais e

(37)

Tais diferenças não são reconhecidas pela sociedade, e a mídia, assim como as escolas,

se encarregam de passar a imagem de uma cultura superior àquelas que são marginalizadas.

Dessa forma procura-se justificar nos processos educativos escolares, que não atingem toda a

população, principalmente os negros colocados à margem até mesmo nos textos e materiais

didáticos (LOPES, 1994).

Assim sendo, aflora o preconceito e a marginalização contra os descendentes de

africanos, fortalecendo a falsa “democracia racial”, conforme mostram, entre outros, os

seguintes autores, Rosemberg (1984); Oliveira, (1992); Silva (1995).

Recentemente o Estado Brasileiro mostrou sua vontade de combater o racismo e a

exclusão social na educação, promulgando a Lei 10639/2003, regulamentada pelo Parecer

CNE/CN 3/2004 e Resolução CNE/CP 1/2004 (BRASIL, 2004).

Tais determinações legais são fruto da força do Movimento Negro, ao longo do século

XX e de maneira muito incisiva a partir da década de 1980, que colocou a educação no centro

das discussões. O Movimento Negro tem trazido propostas para o sistema educacional, que

contemplam o respeito à identidade, por meio do conhecimento da verdadeira história dos

povos negros que deve ser divulgada entre todos os cidadãos. Tais ensinamentos, na minha

opinião de professor de história e negro, deve compreender a situação de violência, pobreza,

indigência na qual vive grande parte da população negra, denunciando com propriedade os

produtos do racismo.

Quando se estuda a resistência do povo negro, vêem-se os fatos mascarados,

escondidos do nosso conhecimento que precisam ser revelados e estudados. Daí a importância

da formação dos educadores brasileiros, conforme postula o Conselho Nacional de Educação:

Nos cursos de formação de professores e de outros profissionais da educação (...) de práticas pedagógicas, de materiais e de textos didáticos, na perspectiva da reeducação das relações étnico-raciais e do ensino e aprendizagem da História e cultura dos Afro-brasileiros e dos Africanos. (...) Estudo da filosofia tradicional africana e de contribuições de filósofos africanos e afrodescendentes da atualidade (BRASIL, op. cit., p. 22).

É preciso que a comunidade escolar, tome consciência, e não somente os professores e

compreendam a necessidade de aprendizagem e do ensino da cultura e da história de todos os

povos que constituem a nação brasileira, notadamente as mais desconsideradas, os

(38)

que interage, oferecendo informações e materiais a seus integrantes, a professores

interessados, aos sistemas de ensino.

As ações afirmativas e as cotas, na atualidade, estão no centro das discussões

acadêmicas, questionando o processo educacional e social que sempre foi e ainda o é ditado

pela minoria branca (DOMINGUES, 2002). Chegou o tempo, e este é agora, em que os

negros sabedores dos seus direitos, cobrando-os, deixarão a nu as desigualdades produzidas

pela propalada “democracia racial”.

Estudos e pesquisas demonstram um tratamento desigual como descreve Cavalleiro

(op. cit., p. 213), relativamente a uma classe de Educação Infantil, após um dia de aula: “...foi

possível contabilizar um número três vezes maior de crianças brancas, sendo beijadas pelas

professoras em comparação às crianças negras”. A partir deste fato relatado percebemos que o

processo discriminatório é criado ainda nos primeiros anos de banco escolar, da educação

básica, introjetando no branco a superioridade, e no negro o processo da exclusão.

É necessário vigilância e além do mais, conscientizar as professoras, os professores,

quão tamanha é a responsabilidade de educar e ensinar, fazendo conhecer a história e a cultura

dos afro-descendentes, instruindo-se, a fim de levar a todas as crianças o mesmo propósito de

aprendizagem, instrução e solidariedade.

Pesquisas sobre criança negra na escola mostram as situações por elas enfrentadas

(LOPES, op. cit.; SILVA, op. cit.; OLIVEIRA, op. cit.; CAVALLEIRO, 2001). Embora

tenhamos uma idéia preconcebida de que não há discriminação racial nas escolas, estudos dos

autores citados acima, entre outros autores, demonstraram o contrário. Ao realizar a sua

pesquisa de mestrado em uma escola de Educação Infantil pública municipal na região central

de São Paulo que atende a uma população de baixa renda, Cavalleiro (ibidem) concluiu, após

várias observações do cotidiano escolar, que a origem racial condiciona um tratamento

diferenciado na escola, ou seja, que o cotidiano da Educação Infantil é marcado por

preconceitos e discriminações raciais de professoras(es) contra os(as) alunos(as) negros(as).

Segundo a autora, em um de seus exemplos,

(39)

beijadas pelas professoras em comparação às crianças negras: dez crianças brancas para três negras. Também durante as atividades, é possível constatar a existência de um tratamento mais afetivo em prol da criança branca. Desse modo, na relação com o aluno branco as professoras aceitam o contato físico através de abraço, beijo ou olhar, evidenciando um maior grau de afeto. O contato físico demonstrou ser mais escasso na relação professor/aluno negro. As professoras, ao se aproximarem das crianças negras, mantêm, geralmente, uma distância que inviabiliza o contato físico. É visível a discrepância de tratamento que a professora dispensa à criança negra, quando comparamos com a criança branca (idem, ibidem, pp. 213-214).

Podemos intuir daqui, que durante vários anos, os educadores foram formados através

de uma visão homogeneizadora e linear. Aparente neutralidade imposta ao longo de sua

formação fez com que valores básicos da composição pluriétnica da sociedade brasileira

fossem ignorados. A valorização de um currículo eurocêntrico, que privilegia a cultura

branca, masculina e cristã, tem menosprezado as demais culturas, na composição dos

currículos e das atividades do cotidiano escolar. Segundo Oliveira (2003) “o pensamento que

dá base às nossas pedagogias é marcado pelo imaginário ocidental. Nele, a imagem do negro é

assimilada ao mal, ao perigoso. Não é raro expressões como ‘denegrir’ utilizadas de forma

estereotipadas”. Pensamentos e posturas reforçados nos livros didáticos, conforme

demonstrou Silva (2001a). Nos textos e imagens, as culturas não brancas são relegadas a uma

imagem de inferioridade; concomitantemente, a esses povos são associadas imagens das

classes sociais inferiores da sociedade.

Desde os primeiros anos de estudo os estudantes negros são marcados pela

discriminação na escola, pois ocorre no cotidiano das escolas um racismo que acarreta

conseqüências graves na vida das crianças negras. Esta situação mostra a necessidade de

políticas de reparações. Tais políticas conhecidas também como de ações afirmativas, de

implementação recente, no Brasil, é recente, de acordo com Munanga (2003):

são muito recentes na história da ideologia anti-racista. Nos países onde já foram implantadas (Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, Índia, Alemanha, Austrália, Nova Zelândia e Malásia, entre outros), elas visam oferecer aos grupos discriminados e excluídos um tratamento diferenciado para compensar as desvantagens devidas à sua situação de vítimas do racismo e de outras formas de discriminação (p. 117).

Tomei conhecimento, principalmente através da imprensa escrita que muitas pessoas

em todo o Brasil, são contrárias à introdução das ações afirmativas designadas quase sempre

(40)

As cotas, entretanto, são vistas por cidadãos que lutam por uma sociedade equânime, como

outras políticas de ações afirmativas como fundamentais na construção de uma sociedade

mais justa (SILVA; SILVÉRIO; GOMES, 2003).

Quando fazemos menção às cotas um dos dispositivos da ação afirmativa a não

aceitação dos professores, entidades educacionais públicas e privadas, a imprensa, são ainda

maiores, pois sabem que grande parte da massa populacional, quase 50%, é negra. Se tiverem

acesso a educação de qualidade, em todos os níveis de ensino, haverão de assumir seu

verdadeiro papel e lugar na sociedade, ocuparão cargos de decisão com competência. Para

desqualificar os beneficiários de cotas para negros, alguns afirmam que aqueles que entrarem

através das cotas haverão de receber uma formação inferior, por serem incompetentes. Outros

dizem que é uma medida inconstitucional, que fere o artigo quinto da constituição. Outros

ainda afirmam que as cotas não solucionarão a questão racial. Sabemos de antemão que a

solução da questão racial é um processo político cujos efeitos começarão a se fazer sentir, não

antes de uns 10 anos.

A Problemática da Escolaridade dos Negros

A taxa de escolarização de negros é inferior a dos brancos; os brancos apresentam uma porcentagem maior de crianças sem atraso escolar, e maior proporção de alunos negros freqüenta escolas que oferecem cursos com menor número de horas de aula (Rosemberg,1986).

Infelizmente os resultados desta análise feita por Rosemberg, em 1986, ainda

persistem. É perceptível que a escola pública de ensino fundamental e médio a partir dos anos

1970, sofreu um grande abalo, quando tiveram acesso, aos bancos escolares, as classes

populares, formadas em grande parte por população negra. É claro que este abalo, que alguns

qualificam como declínio, não se deveu ao fato da presença das classes populares, embora

julgamentos preconceituosos assim o avaliem. O que aconteceu de fato foi que se ampliaram

vagas, mas não se equiparam devidamente as escolas para receber a população até então

excluída, em muitos casos, ao contrário, deixou-se de cuidar da manutenção das escolas por

eles freqüentadas. De outro lado, não se prepararam os professores para receber grupos sociais

até então ausentes das escolas. Os então chamados cursos de formação continuada para

Imagem

Tabela 1: Incidência da Pobreza e Indigência: Brasil e Populações por Cor – 1999
Tabela 2 – Divisão dos alunos(as) por Etnia e Gênero
Tabela 3 – Perfil dos Pais dos(as) alunos(as) quanto à ocupação
Tabela 4 – Perfil das Mães dos(as) alunos(as) quanto à ocupação
+7

Referências

Documentos relacionados

Dessa forma, a partir da perspectiva teórica do sociólogo francês Pierre Bourdieu, o presente trabalho busca compreender como a lógica produtivista introduzida no campo

Preenchimento, por parte dos professores, do quadro com os índices de aproveitamento (conforme disponibilizado a seguir). Tabulação dos dados obtidos a partir do

O presente trabalho objetiva investigar como uma escola da Rede Pública Municipal de Ensino de Limeira – SP apropriou-se e utilizou o tempo da Hora de

De acordo com o Consed (2011), o cursista deve ter em mente os pressupostos básicos que sustentam a formulação do Progestão, tanto do ponto de vista do gerenciamento

Na apropriação do PROEB em três anos consecutivos na Escola Estadual JF, foi possível notar que o trabalho ora realizado naquele local foi mais voltado à

Esta ação consistirá em duas etapas. Este grupo deverá ser composto pela gestora, pelo pedagogo e ou coordenador pedagógico e um professor por disciplina

O pesquisador, licenciado em Estudos Sociais com Habilitação Plena em História, pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (CES/JF), concluiu, ainda, o curso de

5 “A Teoria Pura do Direito é uma teoria do Direito positivo – do Direito positivo em geral, não de uma ordem jurídica especial” (KELSEN, Teoria pura do direito, p..