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20 de fevereiro de 2020

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Processo

13349/18.7T8LSB.L1.S1

Data do documento

20 de fevereiro de 2020

Relator

Rosa Tching

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA | CÍVEL

Acórdão

DESCRITORES

Direito de preferência > Notificação para preferência > Formalidades essenciais > Boa-fé > Escritura pública > Data

SUMÁRIO

I. O dever de comunicação imposto pelo artigo 416º do Código Civil ao obrigado à preferência, de transmitir ao titular do direito de preferência «o projeto de venda e as cláusulas do respetivo contrato» tem por objetivo colocar o preferente, antes da realização do contrato de compra e venda, em condições de poder decidir se lhe convém, ou não, fazer valer o seu direito.

II. A comunicação levada ao conhecimento do titular da preferência deve conter todos os elementos essenciais do contrato, ou seja, todos os elementos suscetíveis de influir decisivamente na formação da vontade do titular do direito de preferência, permitindo-lhe uma consciente escolha entre preferir ou abdicar do seu direito de opção.

III. A essencialidade dos elementos que têm de ser comunicados, deve ser apreciada, caso a caso, em função com a específica posição quer do titular do direito de preferência, quer do obrigado à preferência, quer ainda da própria especificidade da venda a fazer, devendo a valoração do interesse dos

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intervenientes ser feita segundo critérios de boa fé.

IV. Ainda que se não possa negar a importância que pode ter para o preferente a data em que a escritura da venda haja de ser lavrada, por virtude da disponibilidade do dinheiro necessário para pagar o preço do imóvel e as despesas acessórias, satisfaz o requisito da essencialidade deste elemento do contrato a indicação de um prazo em que será celebrada a escritura.

TEXTO INTEGRAL ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2ª SECÇÃO CÍVEL

I. Relatório

1. Trindade, Costa & Esteves, Ldª, propôs a presente ação conta AA e “ Gloriousclock Comércio International, Ldª”, pedindo que seja:

a) declarada a preferência da autora, na qualidade de arrendatária, no contrato de compra e venda da fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente ao rés-do-chão com entrada pela Rua …, do prédio urbano sito na Rua …, nº 2, e Rua das …, nº 28, freguesia da …, concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº 168 da referida freguesia e inscrito na matriz predial urbana da freguesia da … sob o art. 347, celebrado entre os réus e, consequentemente,

b) seja determinada a aquisição desse imóvel pela autora, em substituição da

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aquisição por parte da 2ª ré, cancelando-se o registo da aquisição por parte da 2ª ré.

Alegou, para tanto e em síntese, ser, desde 1 de fevereiro de 1989, arrendatária comercial da fração autónoma designada pela letra A do prédio urbano sito na Rua …, nº 2, e Rua das …, nº 28, freguesia da …, concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº 168 da referida freguesia e inscrito na matriz predial urbana da freguesia da … sob o artigo 347.

Em 5 de dezembro de 2017, recebeu do réu, AA, proprietário da referida fração autónoma e senhorio da autora, a “Comunicação do exercício do direito de preferência”, junta aos autos.

Por carta registada com AR, remetida a 13 de dezembro de 2017, a autora informou este réu que a referida comunicação não preenchia os requisitos impostos pelo artigo 416º do Código Civil, pois não continha a data da escritura de compra e venda ou, pelo menos, a respetiva forma de agendamento, sendo que a mera indicação do prazo para realização da mesma – “até 31 de Janeiro de 2018” – não permitia à autora formar a sua vontade de exercer ou não o seu direito de preferência, na medida em que, desconhecendo se a marcação ficava a cargo da promitente vendedora ou promitente compradora, não era possível à autora perceber se conseguiria obter o necessário financiamento para pagamento do preço.

Não obstante ter solicitado ao réu AA as supra referidas informações adicionais, o mesmo nada comunicou à autora, que, em 13 de Abril de 2018, teve conhecimento, mediante obtenção da respetiva certidão junto da Conservatória do Registo Predial de …, de que, em 31 de janeiro de 2018, os réus celebraram escritura pública de compra e venda da fração da qual a autora é arrendatária.

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2. A ré, “ Gloriousclock Comércio International, Ldª”, contestou, impugnando os factos alegados pela autora e sustentando, em síntese, que a autora propõe a presente ação com má-fé e abuso de direito, pois a mesma tem a perfeita consciência de que, não só se encontra caducado o direito de preferência que pretende exercer, como lhe foram transmitidas todas as condições essenciais do projeto de venda.

Concluiu pela improcedência da ação.

3. O réu, AA, contestou, impugnando os factos alegados pela autora e alegando, em síntese, que deu conhecimento à autora das condições essenciais do negócio, nomeadamente identidade do comprador, preço, forma de pagamento e data da escritura e a autora até à data legalmente permitida – 13.12.2017, nunca afirmou que queria exercer o seu direito de preferência, pelo que se encontra caducado o direito que a autora pretendia fazer valer na presente ação.

Mais sustenta que a autora atua em abuso de direito, pois, apesar de confessar que não teria recursos financeiros para fazer face ao preço comunicado nas datas comunicadas, propõe a presente ação.

4. A autora respondeu, pugnando pela improcedência das invocadas exceções, sustentando que o prazo para o exercício do direito de preferência só começa a correr quando o seu titular tem conhecimento de todos os elementos essenciais da alienação, o que não aconteceu no presente caso e concluindo como na petição inicial.

5. Efetuado julgamento foi proferida sentença que julgou improcedente a ação,

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absolvendo os réus dos pedidos formulados pela autora.

6. Inconformada com esta decisão dela apelou a autora para o Tribunal da Relação de Lisboa.

7. O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão proferido 11.07. 2019, com um voto de vencimento, julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.

8. Inconformada com esta decisão, a autora dela interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

A) De acordo com o disposto no artigo 416º, nº 1, do CC, o obrigado deve comunicar ao preferente todas as informações que possam influir na sua vontade de exercer o respectivo direito e contratar, entre as quais a data de outorga da respectiva escritura.

B) Não constando dessa comunicação - enviada pelo senhorio ao arrendatário preferente nos termos do artigo 1091º, nº 1, al. a) do CC - a data de outorga da escritura de compra e venda do imóvel arrendado, mas apenas a informação de

“escritura pública de compra e venda a outorgar até 31 de Janeiro de 2018”, sem junção do conteúdo do clausulado do contrato-promessa de compra e venda e sem indicação expressa de quem procederá à marcação da escritura, não é possível ao preferente saber qual a data de outorga da escritura, porquanto esse elemento não lhe foi expressamente comunicado e não ficará dependente de acto seu.

C) Tendo a Recorrida recebido a comunicação para exercício do respectivo

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direito de preferência em 5 de Dezembro de 2017 com a indicação “escritura pública de compra e venda a outorgar até 31 de Janeiro de 2018”, o que lhe foi comunicado pelo Recorrido foi que o negócio poderia realizar-se em qualquer dia, após o término do prazo para resposta, ou seja, em qualquer data entre 14 de Dezembro de 2017 e 31 de Janeiro de 2018.

D) Não dispondo a Recorrente de fundos financeiros suficientes para pagamento imediato do preço da compra (€ 240.000,00) aquando da recepção da comunicação de preferência, como aliás não disporia qualquer microempresa em Portugal, mas tendo a possibilidade de os obter em prazo razoável – isto é, não no prazo extremamente curto de 9 dias que correria até 14 de Dezembro de 2017, mas sim no prazo seis vezes mais alargado de 57 dias que correria até 31 de Janeiro de 2018 - era imperativo para a formação de vontade da Recorrente o conhecimento da data de outorga da escritura ou, pelo menos, o conhecimento de que a respectiva marcação dependeria de acto seu, na qualidade de promitente compradora, imprescindibilidade que não pode ser afastada, até porque foi expressamente comunicada pela Recorrente ao Recorrido.

E) Tendo em conta que a aceitação, por parte do preferente, vincula o obrigado, e, igualmente, o próprio, à realização do contrato, nos termos transmitidos, a Recorrente teria que dispor de toda a informação necessária a poder formar a sua vontade, assente na certeza de poder cumprir, certeza que se verificaria para escritura a outorgar em 31 de Janeiro de 2018 mas não em 17 de Dezembro de 2017 – vontade que não se formou por falta de elementos essenciais.

F) “Não pode ser censurada a autora por não ter sido logo clara na vontade de preferir, porque ainda não tinha condições para poder formar logo essa

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intenção” (cf. voto vencido do acórdão recorrido).

G) Se, recebida a comunicação para exercício de preferência, o preferente transmite, dentro do prazo legal previsto no nº 2 do artigo 416º do CC, ao obrigado, a insuficiência da comunicação recebida e solicita nova comunicação da qual conste toda a informação necessária para cumprimento das exigências legais e formação da sua vontade de contratar, não se verifica a caducidade do direito de exercer a preferência legal que lhe é conferida pelo artigo 1091º do CC, porquanto o respectivo prazo não começou a correr – o que só acontece quando o seu titular tem conhecimento de todos os elementos essenciais da alienação - e a comunicação enviada pelo obrigado não vale para os efeitos previstos no nº 1 do artigo 416º do CC, já que o Recorrido não a completou e realizou a escritura de venda ao terceiro adquirente da totalidade do prédio, no qual se encontra a fracção arrendada à Recorrente, um mês e meio após ter recebido o pedido de informação adicional da Recorrente.

H) “Tendo o proprietário enviado apenas algumas cláusulas do contrato a celebrar e recusado satisfazer o pedido da autora de lhe dar conhecimento de todas as cláusulas do contrato, principalmente daquela que respeitava à forma como a data do contrato seria alcançada, revela desde logo má-fé no cumprimento da obrigação de comunicar o projecto de venda e das cláusulas do contrato. Sem que haja qualquer justificação para o não envio dessa informação, o facto de ele não a ter enviado é, só por si, suficiente para confissão de que está a actuar de modo a não fornecer todos os dados necessários para o exercício do direito de preferência” (cf. voto vencido do acórdão recorrido).

I) O direito legal de preferência do arrendatário comercial na alienação do imóvel no qual exerça a respectiva actividade é reconhecido no nosso

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ordenamento jurídico desde 1924 (Lei nº 1662, de 4 de Setembro de 1924) e funda-se em razões de interesse e ordem pública, para proteger o arrendatário e conferir um carácter duradouro à prática da sua actividade e seus direitos, reconhecendo-se legalmente que, antes de qualquer terceiro interessado, terá, quem no imóvel em causa vem exercendo a sua actividade, o direito a adquiri- lo, desde que nas condições que o proprietário previamente considerou para si satisfatórias, para que assim seja dada a oportunidade ao preferente de consolidar a sua actividade, sem qualquer conflito com os direitos do senhorio.

J) Com a aprovação da Lei nº 64/2018, de 29/10, o legislador veio reconhecer a fragilidade da posição do arrendatário no exercício deste seu direito e reforçar a protecção que o mesmo lhe visa conferir e, entre outras alterações, alargou o prazo de resposta do arrendatário à comunicação para exercício do direito de preferência para 30 dias, uma vez que o anterior prazo de 8 dias se afigurava excessivamente curto para o exercício deste direito e, durante anos, foi o motivo pelo qual uma significativa parte dos arrendatários não pôde exercer o seu direito, uma vez que tal prazo se mostrava insuficiente para realizarem as operações necessárias a reunir os fundos necessários para pagamento da totalidade do preço, tal como seria para a Recorrente se a escritura se realizasse imediatamente após o decurso dos 8 dias, já não o sendo o actual prazo de 30 dias.

K) Face ao exposto, a data de outorga da escritura, ou pelo menos a forma de marcação da mesma, era uma informação obrigatória a transmitir pelo Recorrido e necessária para a Requerente formar a sua vontade de contratar, porquanto, não dispondo de € 240.000,00 em caixa - como provavelmente nenhuma microempresa em Portugal - o facto de não saber se a escritura se realizaria daí a 9 dias ou daí a 57 dias impossibilitou-a de formar a vontade para poder exercer o seu direito, fundada na certeza de poder cumprir.

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L) Não tendo sido dado conhecimento à Recorrente dos elementos do contrato de compra a venda a celebrar, essenciais à sua formação de vontade, tem a mesma o direito de haver para si o imóvel alienado de que é arrendatária desde 1989, conforme peticionado.

M) A notificação do Recorrido enferma ainda de ineficácia por impor à Recorrente o pagamento de 40% do valor total do preço, a título de sinal, antes da celebração da escritura de compra e venda, não sendo o preferente legal obrigado a efectuar qualquer pagamento antes da celebração do contrato de compra e venda.

N) Termos em que, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em conformidade, ser a decisão recorrida revogada, julgando-se procedentes os pedidos formulados pela Recorrente em sede de petição inicial, declarando-se a preferência da Recorrente e determinando-se, em substituição da aquisição da fracção dos autos pela Recorrida, a aquisição da mesma pela Recorrente, pois só assim se fará JUSTIÇA!

9. O réu AA, respondeu, concluindo as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

« a) Entende a Recorrente, estar comprometida a comunicação por parte do Recorrido, e consequentemente o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, ao considerar como suficiente a comunicação efectuada ao abrigo do nº 1 do artigo 416º do código Civil, em virtude da sua posição de arrendatária, o que novamente se impugna.

b) O nº1 do artigo 416º do Código Civil aponta para a obrigatoriedade da

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comunicação da intenção de alienação de um imóvel dado de arrendamento e que essa deve conter dois elementos, a saber: projecto de venda e clausulado do respectivo contrato.

c) Conforme se afirma anteriormente, no caso em apreço não existiu um contrato promessa de compra e venda entre o ora Recorrido e a Gloriousclock.

Não que tal facto tenha importância uma vez que entre estas duas partes estavam acertadas as condições do negócio sem necessidade de redução a escrito das mesmas.

d) Ao não ter existido contrato promessa de compra e venda que obrigasse o ora Recorrido e a Gloriousclock fácil seria compreender a impossibilidade de remeter à Recorrente qualquer tipo de clausulado, por inexistência do mesmo.

e) Para exercer o direito de preferência que advém do nº1 artigo 416º do Código Civil estava a Recorrente em posse dos elementos que obrigavam as partes por anterior acordo e tinha o prazo de 8 dias para o fazer, mediante comunicação dirigida ao proprietário.

f) A data da limite para a marcação da escritura foi um dos elementos que foi transmitido de forma directa, clara e inequívoca à Recorrente, conforme se pode observar ao longo de todo este processo e que a Recorrente nunca impugnou.

g) Pelo que na comunicação dirigida ao Recorrido, dentro do prazo legal para exercer o direito de preferência podia e devia a Recorrente ter manifestado a sua vontade em contratar, adquirindo assim o imóvel, aproveitando para marcar a escritura fixando a data em altura em que supostamente se conseguisse financiar.

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h) Nesse momento a Recorrente, enquanto titular do direito de preferência apenas pode aderir a um negócio cujas condições são previamente estabelecidas entre vendedor e comprador, ou seja, em nada as pode alterar, pelo que se essas condições que lhe foram transmitidas à data não serviam à Recorrente, de nada lhe serve a presente acção judicial, tendo sido esse o sentido do Tribunal da Comarca de … e também do Tribunal da Relação de Lisboa.

i) Essa suposta dita omissão, que apenas se aceita para o presente exercício jurídico-dedutivo e sem conceder, na medida em que se considera transmitida de forma perfeita e ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 416º do Código Civil, a comunicação para o exercício do direito de preferência, consistiria então numa vantagem para a Recorrente, no sentido em que ficaria a seu cargo no momento da resposta à comunicação do Recorrido, a marcação do local, data e hora da escritura, respeitado que fosse o limite do dia 31 de Janeiro de 2018.

j) Na realidade é fácil perceber que o único elemento essencial que faltava à Recorrente era a liquidez ou solvabilidade suficiente para se financiar junto das instituições bancárias e assim poder exercer o direito de preferência na alienação deste imóvel por parte do Recorrido, quer para o pagamento do sinal na data aprazada para tal, quer para a data limite da escritura, o que objectivamente não pode ser oposto ao Recorrido, ou ao comprador.

k) A recorrente deixou caducar o seu direito de preferência para aquisição do, já melhor identificado, imóvel e veio, já fora do prazo legal para o fazer, tentar, através do financiamento por parte de amigas das sócias, com a força da presente acção judicial, a aquisição do mesmo».

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10. A ré Gloriusclock- Comércio Internacional Ldª, respondeu, concluindo as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

« A) Dispõe o artigo 416º nº 1 do Código Civil que: “Querendo vender a coisa que é objecto do pacto, o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato”.

B) Tendo em consideração o referido preceito legal, a n/ doutrina e jurisprudência tem sido praticamente unânimes no sentido de considerar que, a comunicação para a preferência deve conter os elementos necessários à decisão do preferente, mais concretamente, deverá mencionar o projecto de venda, o preço concreto da alienação, as condições de pagamento, o prazo previsto para a realização do contrato e o nome da pessoa interessada em comprar.

C) No caso sub judice, por carta registada com aviso de recepção, datada de 1 de Dezembro de 2017, o primitivo proprietário, ora Co-Réu, AA, veio expressamente transmitir à ora Recorrente as seguintes condições do negócio:

(i) A identificação do terceiro interessado na aquisição do bem imóvel; (ii) O preço acordado para a venda; (iii) A data até à qual deveria ser celebrado o contrato promessa de compra e venda e o valor a liquidar a título de sinal e princípio de pagamento; (iv) A data até à qual deveria ser realizada a escritura de compra e venda – 31 de Janeiro de 2018; (v) A menção de que o remanescente do preço deveria ser liquidado no acto da escritura de compra e venda e (vi) A comunicação de que, no prazo máximo de 8 (oito) dias a contar da recepção da referida comunicação, a ora Recorrente deveria manifestar por escrito e de forma expressa, clara e inequívoca a sua intenção em exercer o seu direito de preferência.

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D) Salvo o devido respeito, não restam dúvidas de que, a comunicação enviada pelo 1º Réu preenchia claramente os requisitos legais, de forma a que a Recorrente pudesse exercer de forma esclarecida o seu direito de preferência, na medida em que, lhe foi expressamente comunicado os elementos essenciais do negócio;

D) Salvo o devido respeito, não restam dúvidas de que, a comunicação enviada pelo 1º Réu preenchia claramente os requisitos legais, de forma a que a Recorrente pudesse exercer de forma esclarecida o seu direito de preferência, na medida em que, lhe foi expressamente comunicado os elementos essenciais do negócio;

E) Por outro lado, só poderá ter existido uma errónea análise e interpretação da referida comunicação por parte da Recorrente, ao referir nas suas alegações que o primitivo proprietário, ora 1º Réu, AA poderia, caso assim o entendesse, proceder ao agendamento da escritura de compra e venda em qualquer momento, a partir do dia 14 de Dezembro de 2017,

F) Isto porque, a referida missiva era extremamente clara e precisa, ao mencionar expressamente que, o contrato que seria celebrado no prazo de 8 (oito) dias após a recepção da referida carta por parte da Recorrente, ou seja, até ao dia 21 de Dezembro de 2017, era o contrato promessa de compra e venda, e, posteriormente, o contrato definitivo seria celebrado até ao 31 de Janeiro de 2018, em data a definir entre as partes.

G) Pelo que as questões que se colocam à apreciação de V. Exªs, são as seguintes: ) Se a identificação da entidade que iria proceder à marcação da escritura de compra e venda deve ser considerada como um elemento essencial

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a transmitir na comunicação para o exercício do direito de preferência ou não;

ii) Se era estritamente necessário que fosse indicado o dia exacto em que seria outorgada a escritura de compra e venda e, ainda; iii) Se a Recorrente na sua comunicação datada de 13 de Dezembro de 2017 comunicou ou não ao 1º Réu a sua decisão em preferir no referido negócio;

H) Relativamente à entidade que deveria proceder à marcação da escritura, salvo o devido respeito, tal questão é perfeitamente inócua e indiferente para o exercício do direito de preferência, dado que, o que está em causa, consiste em saber se o preferente está interessado em exercer a preferência na aquisição de um determinado bem imóvel, perante um determinado preço a liquidar em determinadas condições e, ainda, se se encontra disponível ou não para exercer tal direito nos prazos indicados;

I) Efectivamente, independentemente da escritura vir a ser marcada pela ora Recorrente ou pelo promitente vendedor, a mesma poderia ser realizada até ao dia 31 de Janeiro de 2018 e, nessa data, teria de ser liquidado o remanescente do preço;

J) E, no que concerne, à indicação do dia exacta para a celebração da escritura de compra e venda, considera-se que, a data limite indicada para a realização da escritura de compra e venda, era manifestamente suficiente para que a Recorrente pudesse tomar a sua decisão de contratar,

K) Isto porque, tendo o anterior proprietário transmitido que o cotrato definitivo seria celebrado até ao dia 31 de Janeiro de 2018, não só, a Recorrente ficou a saber e tinha plena consciência de que a escritura seria impreterivelmente celebrada até esse dia, como também, o 1ª Réu não podia deixar de aceitar que a escritura fosse realizada até ao último dia – 31 de Janeiro - sob pena de, violar

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o direito de preferência da Recorrente e de agir de manifesta má-fé e abuso de direito,

L) De facto, a indicação do prazo ad quem traduz-se numa faculdade para o promitente comprador (a Recorrente poderia decidir celebrar o contrato definitivo em qualquer dia no período compreendido entre 22 de Dezembro de 2017 e 31 de Janeiro de 2018), e numa imposição/ónus para o promitente vendedor, o qual se encontra adstrito a celebrar a referida escritura até á data limite por si indicada;

M) Acresce que, a ora Recorrente ao vir invocar que se viu impossibilitada em formar a sua vontade em exercer ou não o direito de preferência dentro do prazo legal, pelo facto de não lhe ter sido transmitida a identificação da entidade que iria proceder ao agendamento da escritura e o dia exacta da outorga da mesma está a agir em manifesta abuso de direito.

N) Isto porque, a verdade é que, a ora Recorrente ao ser confrontada com o teor da referida missiva, constatou que, não possuía as condições financeiras necessárias quer para proceder ao pagamento do sinal no montante de € 96.000,00 (noventa e seis mil euros) na data designada para a outorga do contrato promessa de compra e venda – 21 de Dezembro de 2017 – quer para proceder ao pagamento do remanescente do preço no valor de € 144.000,00 (cento e quarenta e quatro mil euros) até à data prevista para a celebração da escritura pública de compra e venda - 31 de Janeiro de 2018;

O) Consubstanciando a comunicação enviada pela Recorrente datada de 13 de Dezembro de 2017, uma verdadeira manobra dilatória com vista a protelar a realização do negócio, até que lhe fosse possível recorrer a “interpostas pessoas”, que estivessem dispostas a financiar a referida aquisição,

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P) Efectivamente, a ora Recorrente agiu em manifesto abuso de direito, na medida em que: (i) tinha plena consciência de que lhe foram transmitidas todas as condições essenciais do projecto de venda; (ii) a fim de protelar a concretização do negócio e, posteriormente, poder vir a invocar que não se encontrava caducado o direito que pretendia exercer, por carta datada de 13 de Dezembro de 2017, veio invocar determinados fundamentos que sabia carecerem de todo e qualquer fundamento ou credibilidade; (iii) não obstante, ter perfeita consciência de que, se encontra caducado tal direito, veio interpor a presente acção execedendo manifestamente os limites impostos pela boa-fé e pelo fim social económico desse direito”.

Q) Mais, conforme é expressamente reconhecido pela Recorrente, a sua única alternativa era recorrer a uma terceira entidade, a um investidor, porém, desde logo, o real interessado e beneficiário da suposta preferência nunca seria a Recorrente, mas sim, uma terceira entidade, entidade esta que, posteriormente, viria a adquirir as quotas da sociedade ora Recorrente.

R) Os factos supra referenciados são de molde a qualificar a situação sub judice como de interposição fictícia de pessoas, pelo que, o exercício do direito por parte da Recorrente sempre seria contrário à lei e, por conseguinte nulo (art.

280º e 294º do CC) isto porque, não só, estamos perante um exercício simulado de preferência com recurso a interposição fictícia de pessoas, como também, verifica-se um exercício do direito de preferência em fraude á lei, dado que, esta terceira entidade procura conseguir por outra via, o mesmo resultado que a lei quis impedir, ao conferir a preferência legal apenas no interesse e no benefício do arrendatário e não a qualquer terceiro alheio ao locado.

S) Sendo assim, contrariamente ao invocado pela Recorrente nas suas

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alegações, é perfeitamente evidente que, se encontra caducado o direito em exercer a preferência, isto porque, na comunicação enviada ao ora 1º Réu, AA, datada de 13 de Dezembro de 2017, a ora Recorrente deveria ter manifestado de forma inequívoca e expressa a sua vontade em exercer ou não o direito de preferência na aquisição da referida fracção autónoma, pelo que, não o tendo feito, encontra-se caducado o direito que pretende exercer.

T) Sendo assim, em face do exposto, a Acórdão ora proferido, não poderia ter decidido noutro sentido, senão a de julgar totalmente improcedente a acção, mediante o reconhecimento da caducidade do direito da Recorrente em exercer a preferência».

Termos em que requer seja confirmado o acórdão recorrido.

11. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

***

II. Delimitação do objeto do recurso

Como é sabido, o objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do C. P. Civil, só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa[1].

Assim, a esta luz, as questões a decidir, consistem em saber se:

1ª- a comunicação do projeto de venda feita pelo réu vendedor do imóvel à

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autora, na qualidade de preferente, satisfaz os requisitos exigidos pelo art.

416º do C. Civil;

2ª- houve caducidade do direito de preferir e se ao propor a presente ação atuou a autora com abuso de direito.

***

III. Fundamentação

3.1. Fundamentação de facto

Foram dados como provados os seguintes factos:

1) A autora é uma sociedade comercial que tem como objecto a Indústria hoteleira.

2) A actividade comercial da autora consiste exclusivamente na exploração do estabelecimento comercial de bebidas “Purex Clube” sito na Rua …, 28, …, em

…, conforme alvará nº 15…8 emitido pela Câmara Municipal de … em 11 de Agosto de 1989 e alvará nº 2…6/1989 emitido pelo Governo Civil do Distrito de

… .

3) O imóvel no qual a autora desenvolve a sua actividade corresponde à fracção autónoma designada pela letra “A” do prédio urbano sito na Rua …, nº 2, e Rua das …, nº 28, freguesia da …, concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº 168 da referida freguesia e inscrito na matriz predial urbana da freguesia da … sob o artigo 347.

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4) A autora é arrendatária da fracção autónoma identificada em 3) desde 1 de Fevereiro de 1989, conforme consta da escritura cuja cópia consta a fls. 15/17 dos autos.

5) Em 5 de Dezembro de 2017, era proprietário da referida fracção autónoma e senhorio da autora, no âmbito do contrato de arrendamento referido em 4), o ora 1.º réu.

6) Com data de 01.12.2017, o 1.º réu enviou à autora, e esta recebeu em 05.12.2017, a carta cuja cópia consta a fls. 17v./18 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, onde consta, para além do mais, “(…). Assunto: Comunicação do exercício do direito de preferência. Na qualidade de proprietário da fração autónoma designada pela letra “A” que corresponde ao rés-do-chão para comércio, com acesso na Rua das … n.º 28 que faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua …, nº 2, e Rua das …, nº 28, em

…, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº 168 da freguesia da … e inscrito na matriz predial urbana da freguesia da … sob o artigo 347, do qual é arrendatária venho, pela presente comunicar que pretendo vender a referida fração de que sou proprietário. Nestes termos os elementos essenciais do negócio acordado são os seguintes: Terceiro Interessado: Gloriousclock Comércio Internacional, S.A., sociedade comercial por quotas com o NIPC (…);

Preço Acordado: € 240.000,00 (….); Contrato promessa de compra e venda, com a entrega da quantia de 40%do preço acordado, ou seja, € 96.000,00 a título de sinal e princípio de pagamento a celebrar no prazo de 8 dias a contar da data do termo para o exercício do direito de preferência; Escritura pública de compra e venda a outorgar até 31 de Janeiro de 2018, com pagamento do remanescente do preço referido. Assim, a partir da recepção da presente carta, tem V.Exªs na qualidade de comproprietários a faculdade de, querendo, manifestar a intenção de exercer o direito de preferência, em igualdade de

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condições de venda acima referidas, no prazo legal de 8 dias. Tal intenção deverá ser manifestada por escrito. Decorrido aquele prazo sem que se tenha verificado a manifestação de intenção nos termos supra indicados, considero- me, livre e desonerado para vender a fracção de que sou proprietário no referido prédio, sob as condições contratuais acima descritas. (…)”.

7) Com data de 13 de Dezembro de 2017, a autora enviou ao 1.º réu, e este recebeu, a carta cuja cópia consta a fls. 13v. dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, onde consta, para além

do mais, “(…). Assunto: V/ comunicação do exercício do direito de preferência recebido a 05.12.2017. (…), acusando a recepção da vossa carta em referência, cumpre-nos informar, em resposta, que não sendo a mesma acompanhada do respectivo projecto de venda e cláusulas do contrato a celebrar, não poderá considerar-se cumprido o dever legal de comunicação nos termos previstos no n.º 1 do artigo 416.º, do Cód. Civil. Encontram-se em falta, designadamente e sem limitar, as informações referentes à data exacta de outorga da escritura ou, em alternativa, o modo exacto de marcação da mesma. Assim, de forma a podermos formar a n/vontade de exercer ou não o direito de preferência que nos cabe – o que não nos é ainda possível por insuficiência de elementos comunicados por V.Exª – vimos solicitar envio de nova comunicação em cumprimento da citada disposição legal, isto é, acompanhada do respectivo clausulado contratual previamente acordado com o interesse em questão.

(…).”.

8) Com data de 22 de Janeiro de 2018, a autora enviou à 2.ª ré, e esta recebeu, a carta cuja cópia consta a fls. 19 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, onde conta, para além do mais, “(…). Encarrega-me a n/constituinte em referência, sociedade arrendatária da fracção autónoma designada pela letra A

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correspondente ao rés-do-chão do prédio em referência, de informar V.Exªs do seguinte: Em 05 de Dezembro de 2017, a n/ cliente foi notificada pelo senhorio para exercer o respectivo direito legal de preferência na compra da fracção de que é arrendatária. A tal comunicação respondeu a Trindade, Costa e Esteves, Ld.ª no prazo legal, informando que a mesma não cumpria os requisitos mínimos legais aptos a consubstanciar comunicação de preferência nos termos do art.º 416.º, n.º 1, do Código Civil, (…). Mais informamos que a n/ constituinte não obteve, até à data, resposta à comunicação supra referida. Não obstante, cumpre-nos transmitir a V.Exªs – na qualidade de sociedade interessada no negócio de compra e venda da fracção de que somos arrendatários – a intenção da Trindade, Costa e Esteves, Ldª de exercer o direito de preferência da compra da mesma nos termos legais. (…)”.

9) No dia 31.01.2018, em Cartório Notarial, foi celebrada escritura pública de compra e venda, cuja cópia consta a fls. 21/23 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, onde consta, para além do mais, “(…) Pelo primeiro outorgante [AA] foi dito: Que pelo preço global de oitocentos e oitenta mil euros, já recebido, vende à sociedade representada do segundo outorgante [Gloriousclock Comércio Internacional, Ld.ª], livre de ónus ou encargos, os seguintes bens imóveis: UM) Pelo preço de duzentos e quarenta mil euros, a fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente ao rés-do-chão, com entrada pelo número 28 da Rua das …, destinada a comércio, com o registo de aquisição a seu favor nos termos da inscrição correspondente à AP. 2577, de 05.12.2016, com o valor patrimonial correspondente à fracção de € 43.079,60 (…). Pelo segundo outorgante, na invocada qualidade, foi dito: Que, para a sua representada, aceita a venda nos termos exarados e destina os imóveis ora adquiridos a revenda. (…).”

10) A 2.ª ré enviou à autora a carta datada de 20.02.2018, cuja cópia consta a

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fls. 47 dos autos, e cujo teor se dá por reproduzido, onde consta, para além do mais, “(…). O exercício do direito de preferência, dentro do prazo legal conferido, de 8 dias, conforme carta enviada pelo anterior proprietário (AA), em 01.01.2017, encontra-se caducado. (…)”.

***

3.2. Fundamentação de direito

Conforme já se deixou dito, o objeto do presente recurso prende-se com as questões de saber se:

1ª- a comunicação do projeto de venda feita pelo réu vendedor do imóvel à autora, na qualidade de preferente, satisfaz os requisitos exigidos pelo art.

416º do C. Civil;

2ª- houve caducidade do direito de preferir e se ao propor a presente ação atuou a autora com abuso de direito.

*

3.2.1. Começando por contextualizar a primeira das questões supra enunciadas, impõe-se referir que, de harmonia com o disposto no art. 1091º, nº1, al. a) do C.

Civil ( na redação, que aqui releva, da Lei nº 6/2006, de 27 de fevereiro), o arrendatário comercial tem direito de preferência, designadamente na compra e venda do local arrendado há mais de três anos, sendo aplicável a este direito, nos termos do nº 4, deste mesmo artigo, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 416º a 418º e 1410º, do Código Civil.

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Por sua vez, resulta do estabelecido no nº 1 do citado art. 416º que, querendo vender a coisa, o obrigado à preferência deve comunicar ao titular do direito de preferência «o projeto de venda e as cláusulas do respetivo contrato» e, uma vez recebida a comunicação, deve o preferente, nos termos do nº 2 deste mesmo artigo, «exercer o seu direito dentro do prazo de oito dias, sob pena de caducidade, salvo se estiver vinculado a prazo mais curto ou o obrigado lhe assinar prazo mas longo».

O objetivo deste preceito, como refere Henrique Mesquita[2], « é colocar o preferente, antes da realização do contrato de compra e venda, em condições de poder decidir se lhe convém, ou não, fazer valer o seu direito ».

Assim, «para que o preferente possa exercer o direito de opção, é indispensável que conheça os exactos termos em que o vinculado à preleção se propõe negociar com um terceiro».

Daí ter-se firmado pacificamente, na doutrina e na jurisprudência, o entendimento de que ao preferente «devem ser comunicados, sem ambiguidades ou lacunas, todos os elementos do negócio a realizar que possam ter influência na sua decisão de preferir ou de abdicar do direito de opção» [3].

Dito de outro modo e na expressão dos Acórdãos do STJ, de 19.11.2002 [4] e de 18.05.2004 (processo nº 1418/06) [5], a comunicação levada ao conhecimento do titular da preferência deve conter todos os elementos essenciais do contrato, ou seja, todos os elementos suscetíveis de influir decisivamente na formação da vontade do titular do direito de preferência, permitindo-lhe uma consciente escolha entre preferir ou abdicar do seu direito de opção.

E, segundo o Acórdão do STJ, de 05.07.2011 ( processo nº 1765/01) [6], entre

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os elementos essenciais, cujo conhecimento é imprescindível para o titular do direito de preferência decidir se há-de, ou não, exercer este seu direito e que, por isso, devem constar da comunicação a que alude o art. 416º, do C. Civil, contam-se, o preço da coisa a alienar, as condições de pagamento, o prazo em que será celebrada a escritura, se haverá contrato promessa, dentro de que prazo e qual o valor do sinal, e quais os possíveis compradores que se apresentam.

De sublinhar, como refere o Acórdão do STJ, de 11.01.2011[7], na esteira de Carlos Lima[8], que «a comunicação deve conter todos os elementos essenciais do contrato projetado e tudo o mais que integra o respetivo conteúdo, e não apenas como se tem entendido, aquilo que se julgue poder influenciar a decisão do titular do direito de preferência no sentido de exercer ou não», pois que,

«mesmo em relação a elementos que objectivamente pareçam marginais, pode acontecer que, em concreto, em relação ao titular do direito de preferência, tenham significativa relevância na perspetiva da posição a tomar ».

Daí termos por certo que a essencialidade dos elementos que têm de ser comunicados, deve ser apreciada, caso a caso, em função com a específica posição quer do titular do direito de preferência, quer do obrigado à preferência, quer ainda da própria especificidade da venda a fazer, devendo, como refere Oliveira Ascensão[9], a valoração do interesse dos intervenientes ser feita segundo critérios de boa fé.

É, assim, neste contexto, que se impõe apreciar a pretensão da autora, tendo em conta, por um lado, que, no que respeita ao incumprimento do dever de comunicação que o art. 416º, nº1 do C. Civil impõe ao vendedor do imóvel, obrigado à preferência, a mesma sustenta apenas a falta de comunicação das informações referentes à data exata de outorga da escritura ou, em alternativa,

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do modo exato de marcação da mesma.

E, por outro lado, que, sobre esta questão, estão em confronto, no acórdão recorrido, duas teses.

Uma delas, defendida por Oliveira Ascensão[10], segundo o qual o projeto de venda não necessita de ser um projeto concreto, podendo o direito do preferente exercer-se à mesma, perante termos abstratos ou perante cláusulas concretas de um contrato historicamente previsto. E também não há nenhuma ligação necessária entre o modo de pagamento do preço e a data da realização da escritura, pois considerar a data da celebração do contrato definitivo elemento essencial, seria de novo reduzir a liberdade negocial do proprietário, que nem sempre pode estar seguro da data em que irá celebrar o contrato definitivo.

Assim, na esteira destes ensinamentos, considerou a maioria do Coletivo de Juízes Desembargadores, que «a indicação do termo ad quem para a realização da escritura satisfaz o requisito da comunicação desse elemento essencial do contrato com o terceiro, e não se evidencia que na promessa entre o 1º Réu e o terceiro tenha sido fixado um dia certo para a outorga, nem tal é habitual nos contratos-promessa. Concorda-se que é necessário que o preferente conheça todos os elementos susceptíveis de influir na sua decisão em contratar, devendo ser colocado em posição igual à do possível adquirente. Da escritura de compra e venda o que resulta é que houve uma promessa com o adquirente em que este terá pago um valor correspondente a 40% do preço final, valor que foi pago em 1/12/2017, muito embora se desconheça a data precisa da promessa e do seu clausulado integral comprovando-se que o valor restante foi pago na data da escritura, elementos aqueles que foram transmitidos à Autora, não se justificando a transmissão de todo o clausulado da promessa que foi

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feita com o adquirente que se desconhece qual seja e que também não se sabe se era ou não mais extensa, tudo isto independentemente de se considerar que a comunicação do senhorio do art.º 416/1 do CCiv constitui ou não uma proposta contratual, o que é discutido na doutrina e na jurisprudência. ».

E com base nesta fundamentação, concluiu que, não tendo a autora

«expressamente dito que pretendia preferir naquelas condições contratuais, dentro daquele prazo (nem posteriormente), caducou » o seu direito de preferência.

Uma outra tese, defendida por Manuel Henrique Mesquita[11], entende que a indicação da data da celebração da escritura de venda é «uma informação fundamental, pois o preferente necessita de saber quando deve estar preparado para proceder ao pagamento do preço ».

Assim, subscrevendo esta tese, escreveu o Senhor Juiz Desembargador no seu voto de vencido, no essencial, que «tendo o proprietário enviado apenas algumas cláusulas do contrato a celebrar e recusado satisfazer o pedido da autora de lhe dar conhecimento de todas s cláusulas do contrato, principalmente daquela que respeitava à forma como a data do contrato seria alcançada, revela desde logo má fé no cumprimento da obrigação de comunicar o projecto de venda e das cláusulas do contrato. Sem que haja qualquer justificação para o não envio dessa informação, facto de ele não a ter enviado é, por si só, suficiente para a confissão de que está a actuar de modo a não fornecer todos os dados necessários para o exercício do direito de preferência.

A decisão recorrida e o projecto de acórdão tratam a data comunicada “até ao dia 31/01/2018 como a data da celebração do contrato, mas não é assim, mas antes como diz a autora, ou seja, o contrato poderia ser celebrado num

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qualquer dia entre 21/12/2017 e 31/01/2018. Ora, arranjar 240.000€ não é alo irrelevante para o efeito. E, por outro lado, é inaceitável que se obrigue a autora a arriscar o pagamento de um “sinal” de 40% de 240.000€ na incerteza de ter ou não condições para arranjar os outros 60%.

(…)

Para além do que antecede, a notificação da preferência enferma de outros vícios, pois que está a impor ao notificado (para uma preferência legal) o pagamento de “um sinal” de 40% antes da venda (senão mesmo a preferência no contrato-promessa, o que seria ainda mais eficaz como se explica na anotação em causa), quando, como diz Henrique Mesquita “o preferente não é obrigado a efectuar o pagamento antes da realização do contrato de compra e venda, mesmo que no projecto de alienação ajustado com o terceiro se tenha convencionado a entrega antecipada de uma parte ou mesmo a totalidade do preço”.».

E, com base nesta argumentação, concluiu que «a notificação para a preferência foi ineficaz e o autor devia ter obtido procedência na acção e no recurso, dando-se-lhe a preferência na venda que o senhorio fez ».

Que dizer ?

Desde logo que, é inegável a importância decisiva que tem na sorte do presente litígio a questão de saber se houve, ou não, uma comunicação efetiva nos termos do art. 416º do C. Civil, não obstante a omissão da data exata da celebração da escritura.

Mas, mais do que centrarmos a nossa atenção em torno da distinção entre os

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elementos que devem ser considerados essenciais e aqueles que assim não devem ser considerados, julgamos, na esteira do entendimento seguido no já citado Acórdão do STJ, de 11.01.2011, que o que verdadeiramente importa é que o preferente disponha de todos os elementos que se consideram necessários para o exercício da preferência, por forma a poder decidir esclarecidamente. «Assim não sucedendo, a comunicação não produz efeitos e não tem qualquer relevância a atitude que o preferente venha a assumir, ressalvando-se sempre situações que possam configurar um abuso de direito».

Ora, ainda que, tal como refere Antunes Varela[12] , se não possa negar a importância que pode ter para o preferente a data em que a escritura da venda haja de ser lavrada, por virtude da disponibilidade do dinheiro necessário para pagar o preço do imóvel e as despesas acessórias, a verdade é que, no caso dos autos, está provado que o réu AA (obrigado à preferência), mencionou, expressamente, na comunicação levada ao conhecimento da autora (titular da preferência), através de carta expedida em 01.12.2017 e por ela recebida em 05.12.2017, que o prazo para a celebração da escritura de compra e venda seria “ até 31 de janeiro de 2018”, pelo que, tal como considerou maioritariamente o Coletivo de Juízes que subscreveu o acórdão recorrido, julgamos que “a indicação do termo ad quem para a realização da escritura”

satisfaz o requisito da essencialidade deste elemento do contrato.

Isto porque, como observa Antunes Varela[13], «não se pode exigir do notificante a menção da data marcada para a escritura de venda com o terceiro interessado (na hipótese de ele já se encontrar identificado), porque querendo o dono do móvel saber se o preferente quer ou não exercer o seu direito, e não se sabendo qual vai ser a (derradeira) resposta deste, não é nada natural nem exigível que o dono do imóvel e o interessado na sua aquisição tenham aprazado já dia no cartório notarial (…). Tal como se não pode exigir a indicação

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da data prevista para a celebração da escritura com o preferente notificado, precisamente porque também se não sabe qual vai ser a resposta dele e porque o mais natural é que apenas se cuide da marcação da escritura depois de se ter a resposta afirmativa dele».

Essencial é ainda, no dizer deste mesmo Professor, que «de harmonia com o princípio da boa fé que pontifica toda a área das obrigações, em geral, e dos contratos em especial, não medeie entre a data da notificação prevista no art.

416 do Código Civil e o dia da realização da escritura um intervalo excessivo, um período de tal modo largo que permita ao preferente, que só não exerceu o seu direito por falta de disponibilidade de dinheiro ou do crédito necessário, alegar e provar que entretanto teria superado a faculdade e mantido a vontade de adquirir a coisa nas condições indicadas » .

Ora, a verdade é que nada disto ocorreu no caso sub judice, pois a autora, arrendatária, foi notificada para preferir em 05.12.2017; o prazo para exercer o seu direito de preferência findou em 13.12.2017, sem que ela tivesse manifestado qualquer intenção de comprar o imóvel e a escritura de compra e venda foi realizada no dia 31.01.2018 ( cfr. factos dados como provados e supra descritos nos pontos 6 e 9), prazo que nenhumas razões há para, em face das circunstâncias concretas do caso, considerar excessivo.

Daí nenhuma censura merecer o acórdão recorrido ao julgar caducado o direito de preferência da autora.

Termos em que também improcede, neste segmento, o recurso interposto pela autora, ficando prejudicado o conhecimento da questão do abuso de direito suscitada pelos réus.

(30)

***

IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

As custas da revista ficam a cargo da recorrente.

***

Supremo Tribunal de Justiça, 20 de fevereiro de 2020

Maria Rosa Oliveira Tching (Relatora)

Catarina Serra

José Manuel Bernardo Domingos

_______ [1] Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respetivamente.

[2] In RLJ, Ano 126º, nº 3827, pág. 59.

[3] Neste sentido Henrique Mesquita, in RLJ, Ano 126º, nº 3827, pág. 59.

[4] Publicado in CJ/STJ, Ano X, Tomo III, pág. 133.

[5] Não publicado.

(31)

[6] Não publicado.

[7] Acessível in wwwdgsi.pt/stj.

[8] “Direitos Legais de Preferência. Estrutura” in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Inocêncio Galvão Telles, IV Volume, Novos estudos de Direito Privado, pág. 501.

[9] “Preferência Do Arrendatário Habitacional: Notificação, Caducidade, Renúncia”, in, ROA, Ano 1993, Ano 53, Vol. III. Dezembro 1993, pág. 687.

[10] In “Preferência Do Arrendatário Habitacional: Notificação, Caducidade, Renúncia”, in, ROA, Ano 1993, Ano 53, Vol. III. Dezembro 1993, págs. 690, 691 e 694.

[11] In RLJ, Ano 126º, nº 3827, pág. 61.

[12] n RLJ, 120, Ano 1987-1988, nº 3754, pág. 31.

[13] n RLJ, 120, Ano 1987-1988, nº 3754, pág. 31.

Direito de preferência; Notificação para preferência; Formalidades essenciais;

Boa-fé; Escritura pública; Data; Descritores: Imprimir

Fonte: https://jurisprudencia.csm.org.pt

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