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A formação do pedagogo

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Academic year: 2018

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A FORMAÇÃO DO PEDAGOGO

(*)

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MARIA IGNEZ SAAD BEORAN TAMBINI (**)

Ao longo de seus quarenta e poucos anos de existência. o curso de Pedagogia passou por várias reformas que demons-tram a persistência de uma educação cartorial, pois não há pes-quisa nem elaboração científica a orientá-Ias. A própria fixação de currículos pelo órgão competente é meramente formal. apoi-ando-se, quando muito, em estudos realizados no exterior ou em levantamentos dos currículos existentes. Essa tarefa não costuma ser precedida por uma avaliação sistemática de desen-volvimento dos currículos, por um exame de sua adequação às condições atuais ou por uma consulta aos principais interes-sados.

Até meados da década de sessenta, o curso de Pedagogia ainda atendendo a uma clientela relativamente reduzida e vol-tada para a formação do licenciado e do bacharel (técnico de educação). propiciava uma razoável fundamentação teórica. permitindo, assim, o ajustamento dos profissionais às possibi-lidades oferecidas pelo mercado de trabalho.

Em função das modificações ocorridas no contexto sócio-econômico do país e da política educacional decorrente, surgiu

(* ) - Trabalho apresentado em Simpõsio sobre a Formação de Hecurscs Humanos para a Educação, realizado durante a reunião da ANPED

no Rio de Janeiro, em março de 1982. '

(* *) - Mestre em Educação; Professor Assistente do Departamento de Ad-ministração Escolar da Faculdade de Educação da UFMG.

108 Educação em Debate, Fortaleza. 4 (1): 108-115, jan./jun. 1982

a necessidade de reformular o curso, ajustando-o às novas di-retrizes e à ampliação de sua clientela.

Todos sabemos que a política educacional do final dos anos sessenta baseava-se em dois princípios: a racionaliza-ção das estruturas e dos recursos e a democratização do en-sino. O curso de Pedagogia participou ativamente dessa polí-tica, contribuindo para a consecução desses princípios.

Condizente com a idéia de racionalização, difundiu-se a crença de que o sistema de ensino era inoperante, por ser mal e arcaicamente administrado; portanto, reformando e moder-nizando suas estruturas, seria possível administrá-Io segundo moldes .empresariais, o que permitiria a aplicação e o aprovei-tamento mais racional dos recursos. De acordo com essa visão da escola, coube ao curso de Pedagogia a formação dos di-versos especialistas encarregados do planejamento e da ad-ministração das instituições educativas. Para melhor justificar a diversidade de habilitações a serem oferecidas no curso, ape-lou-se para uma "suposta" demanda do mercado de traba-lho.

Com referência

à

democratização do ensino superior, o curso de Pedagogia também desempenhou papel relevante: mantido em grande parte pela iniciativa particular, passou a atender parcela ainda mais significativa de uma clientela ba-sicamente do sexo feminino, oriunda do curso normal e de baixo poder aquisitivo. (9) A nova estruturação do curso em habilitações curtas e plenas, destituídas de qualquer lógica, enquadrava-se nos mecanismos de seleção e expulsão dos alunos de dentro das faculdades.

O resultado dessa política foi um total esvaziamento do conteúdo do curso. Se anteriormente a formação do pedagogo já era deficiente, a partir do Parecer n9

252/69

"deixou de ser tomada de consciência dos problemas educacionais, para ser treinamento, domesticação" (4).

O conteúdo do curso voltado, sobretudo, para os aspectos internos do sistema de ensino, para uma visão reduzida de processo educacional, fechado em si mesmo, cristalizado, ca-racteriza-se por obsoletismo e marginalização permitindo,

(2)

nas, ao profissional um fazer técnico, instrumental, pois não oferece condições para uma atuação pensada, refletida e crí-tica.

Pelo fato de o pedagogo ser paciente e agente da ideo-logia escolar, o papel ideológico e mistificador do currículo torna-se ainda mais importante. Daí a especialização precoce, a visão fragmentada e parcial da realidade educacional, o des-conhecimento da situação brasileira, a ausência de criticida-de, a tentativa de oferecer uma educação "neutra", a neces-sidade de desenvolver atitudes de não participação, docilida-de, passividadocilida-de, subserviência de camuflar as relações exis-tentes entre educação e sociedade, entre educação e poder e de formar os profissionais segundo os princípios dominan-tes.

Trabalhos realizados pela Faculdade de Educação da UFMG mostraram que os profissionais (8) e os alunos (3) não estão satisfeitos com o curso de Pedagogia, que consideram acadêmico, desatualizado e inadequado à realidade sócio-econômica. Quanto às sugestões apresentadas para melhoria do curso, a maioria referiu-se à alteração curricular, criação de novas áreas, mas, em nenhum momento, observou-se uma percepção dos problemas reais do curso. Pelo contrário, as informações desses estudos demonstraram como profissionais e alunos estão imbuídos e agem de acordo com a ideologia vigente.

Veja-se, por exemplo, a relação das disciplinas conside-· radas mais importantes para o desempenho profissional: ais-persão de respostas, valorização de Psicologia e Didática, pouca representatividade dos conteúdos de maior potencial crítico como Filosofia Educacional e Sociologia Educacional.

A imagem de um pedagogo competente, apresentada nes-ses trabalhos, reflete uma concepção romântica do educador e todos os estereótipos difundidos a respeito dos profissionais da área educacional. O bom profissional não precisa de co-nhecimentos específicos e de preparação técnica, desde que tenha idealismo, vocação, aptidão, humanismo e seja respon-sável, paciente, altruísta, dinâmico, perseverante, justo,

abne-110

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gado etc., será um profissional competente. Tal concepção não

é

nova, pois, desde a reforma Francisco Campos, o básico para essa atividade era ser pessoa de confiança, com uma conduta moral irrepreensível. Em

1962,

o Parecer n9

93,

do Conselho Federal de Educação, ao definir diretor qualificado (pode ser estendido ao pedagogo em geral), deixava bem claro que seus traços essenciais eram atributos de caráter e conformidade, antes de serem atributos de cultura e preparação técnica.

O Conselho Federal de Educação propôs, pelas Indicações n9 67/75 e 70/76, nova reformulação do curso de Pedagogia. Nessa proposta, concebeu-se o preparo dos profissionais sob a forma de acréscimo proporcionado a candidatos detentores de formação e experiência profissional de magistério, isto é, só poderá ser especialista quem for professor.

Permaneceu a concepção limitada do especialista em educação, visto como aquele indivíduo capaz de exercer de-terminadas funções no sistema de ensino, na medida em que a redução da carga horária e a inexpressividade do tronco comum esvaziaram o curso de Pedagogia do especificamente pedagógico em seu conteúdo. Dessa forma, o estudo da pro-blemática educacional continuou .ern segundo plano, em de-corrência da ênfase dada ao treinamento profissional.

A proposta do Conselho encontrou resistências e não foi homologada. Educadores, proprietários de escolas superiores, estudantes se pronunciaram contra o próprio Ministério da Educação e apresentaram restrições. O repúdio centrou-se em dois aspectos: a exigência da experiência profissional de ma-gistério e a definição do campo dos estudos superiores de educação.

No final de

1978,

a partir da realização em Campinas do I Seminário de Educação Brasileira, pode-se afirmar que co-meçou a ocorrer um envolvimento maior dos educadores, de-sejosos de participar da fixação das diretrizes futuras do curso de Pedagogia.

O surgimento de diversas associações e entidades de classe, o ressurgimento da Conferência Brasileira de Educa-ção, a criação de comitês regionais e nacional e a realização

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de inúmeros encontros, congressos e sem manos têm aumen-tado a participação dos educadores e evidenciado seu inte-resse crescente em se envolverem mais efetivamente na ela-boração da política educacional brasileira.

O Ministério da Educação, talvez sensível a essa situação, propôs um amplo debate a nível nacional e regional com pro-fessores, alunos e administradores sobre o aperfeiçoamento das instituições de ensino superior no seu encargo de forma-dores de recursos humanos. Para tanto, foram organizados sete seminários regionais no segundo semestre de 1981, na "ten-tativa de provocar proposições autênticas que respondam à urgente busca do real significado do curso de Pedagogia" (2).

A análise dos relatórios desses seminários mostra que esse significado ainda não está claro para os educadores, em-bora todos estejam empenhados em encontrá-I o e desejosos de continuar as discussões em nível cada vez mais amplo.

Todos esses documentos apresentam uma espécie de declaração de princípios em que ficam evidentes: a necessi-dade de tratar a educação a partir de uma perspectiva global e de entendê-Ia em sua dimensão histórica; o reconhecimento de que a simples reformulação dos cursos não resolve os problemas de educação no país; a preocupação com a função política do educador e com o atendimento das reais necessi-dades sociais e educacionais da população brasileira.

Quanto ao tipo de formação do pedagogo, o país está di-vidido entre duas propostas: graduação sem habilitações e graduação com habilitações. Os que defendem uma gradua-ção compacta em pedagogia argumentam ser ela suficiente para garantir o exercício profissional e atender às condições brasileiras. As especializações seriam feitas no decorrer da prática profissional e não em função de demandas do mercado de trabalho. Uma subcorrente dessa posição defende uma for-mação única, mas com estágios habilitando para o exercício de diferentes funções.

Aqueles que apóiam o desdobramento do curso em ha-bilitações parecem ver nisso uma forma de valorização e de

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fortalecimento da área educacional, na medida em que cor-responde a atividades claramente definidas. As habilitações su-geridas poderiam ser reunidas em dois grupos: ligadas ao ma-gistério e ligadas a atividades correlatas. Com referência às habilitações de magistério, propõem que o curso de Pedago-gia deveria formar professores para: pré-escola, séries ini-ciais do ensino de 19 grau, curso normal, educação especial, educação rural, educação supletiva, educação de massa etc .. Em relação às habilitações voltadas para atividades correlatas ao magistério, sugerem o preparo de profissionais para o sis-tema de ensino (atividades de direção, coordenação, planeja-mento curricular etc.) e para atividades diversas fora do sis-tema de ensino (educação popular, desenvolvimento comuni-tário, empresas, meios de comunicação de massa etc.).

Apareceram também sugestões concordando com as li-nhas da Indicação n9

70/76

e propondo a formação do espe-cialista em nível de pós-graduação.

Houve ainda uma proposta radicalmente contra o especia-lista, enquanto oriundo de uma formação acadêmica especí-fica. Sugere-se que o professor, indicado por seus pares e em sist-ema de rodízio, assuma as funções exercidas pelos atuais especialistas (5).

A proposta de São Paulo, de certa forma, extingue o cur-so de Pedagogia, ao trabalhar com a categoria mais ampla de "cursos de formação de educadores", englobando o preparo de docentes e não-docentes. Tais cursos seriam desenvolvi-dos a nível de graduação, especialização e mestrado. A pro-posta do Rio Grande do Sul parece seguir a mesma orienta-ção.

Embora não exista consenso quanto ao tipo de formação, existe concordância quanto a dois aspectos dessa formação. O primeiro afirma a possibilidade de uma formação comum para o educador (pedagogo e professor). Essa formação de-verá propiciar uma sólida fundamentação teórica, desenvolvi-da a partir e em função das exigências da ação educativa nas condições brasileiras, que permitirá ao educador atuar como

(4)

um ag.ente transformador, crítico, inovador e comprometido com a realidade (6).

O outro aspecto advoga uma estreita vinculação entre teoria e prática. A relação teoria-prática se faz em um pro-cesso concreto no qual se passa da prática à teoria e vice-versa. Essa relação "deve ser trabalhada ao longo de todo o processo formativo, não reduzindo a "prática" apenas a um estágio supervisionado e/ou prática de ensino, agregados muitas vezes de forma artificial ao final do curso" (7).

Os relatórios finais dos seminários trazem, também, diver-sas reivindicações. Os educadores solicitam o aumento de verbas para a educação, a real autonomia da Universidade, a continuidade dos debates e sua ampliação (extrapolar o âm-bito do ensino superior), a divulgação dos resultados dos se-minários regionais e a promoção de um encontro nacional. Em alguns documentos reivindicam-se, ainda, alteração da política salarial, regulamentação da carreira do magistério e supressão da exigência de experiência de magistério.

Após discutir e analisar com os coordenadores dos se-minários regionais os resultados obtidos, o Ministério da Educação definiu as seguintes estratégias para 1982: "publi-cação integral dos anais dos seminários; realização de aná-lise aprofundada da documentação coletada nos seminários por uma comissão de especialistas, a ser definida pelos coor-denadores junto com a Secretaria de Ensino Superior; criação de pólos de debate envolvendo a comunidade interessada com uma sistemática e sede diferentes em relação as dos seminá-rios já realizados e continuidade do debate sobre o tema, vi-sando à probabilldade de realização de um encontro nacio-nal" (1).

Assim, 1982 promete ser um ano rico em desafios para os educadores. Cabe-nos retomar os debates e aprofundá-Ios. As linhas gerais já estão definidas: queremos formar um pe-dagogo capaz de uma atuação pensada e crítica, atento ao modelo de homem a ser educado e às relações entre educação e sociedade e consciente do papel político que lhe compete desempenhar.

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REFERt=NCIAS BIBLlOGRAFICAS

1 - BRASIL. MEC/SESU. Ofício n.o 0003. Brasília, 11 de janeiro de 1982.

2 - . Seminários regionais sobre reformulação dos cursos de

preparaçãc de recursos humanos para a educação. Brasília,

1981.

3 - CALDEIRA, Anna Maria Salgueiro et alii. Imagem da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Hori-zonte, Faculdade de Educação da UFMG, 1976.

4 - GADOTTI, Moacir. Revisão crítica do papel do pedagogo na atual sociedade brasileira. Educação & Sociedade. Campinas, (1): 7,

set. 1978.

5 - SEMINÁRIO REGIONAL SOBRE REFORMULAÇÃO DOS CURSOS DE

PREPARACÃO DE RECURSOS HUMANOS PARA A

EDUCA-çÃO, 1, Brasilia, 1981. Anais ... ; documento final. Brasília, 1981.

(mimeo.)

6 - SEMINÁRIO REGIONAL SOBRE REFORMULAÇÃO DOS CURSOS DE

PREPARAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS PARA A EDUCAÇÃO,

2, Manaus, 1981. Anais ... ; documento final. Manaus, 1981. (rnl-meo.).

7 - SEMINARIO REGIONAL SOBRE REFORMULAÇÃO DOS CURSOS DE

PREPARAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS PARA A EDUCAÇÃO, 4,

Rio de Janeiro, 1981. Anais ... ; documento final. Rio de Janeiro,

1981.

8 - TAMBINI, Marta Ignez Saad Beoran. Caracterização do mercado de trabalho do pedagogo na grande Belo Hortzonte. Belo Horizonte, Faculdade de Educação da UFMG, 1976.

9 - . O Profissional chamado pedagogo; uma tentativa de caracte-rizar sua profissão na grande Belo Horizonte. Belo Horizonte, 1979.

D. 55-100. (D.M.)

Referências

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