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Os sentidos do suicídio por fogo : um estudo com mulheres através do método de Rorscharch

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Academic year: 2017

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Dissertação apresentada ao Programa de pós graduação em Psicologia da Universidade Católica de Brasília como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Psicologia.

Orientador: Prof. Dr. Roberto Menezes de Oliveira

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Agradecimentos

Agradeço ao Prof Doutor Roberto Menezes por acolher a idéia do travbalho que, à primeira vista, era bem “maluca”.

Agradeço aos membros da banca pela disponibilidade e pela oportunidade de compartilhar suas idéias em relação ao trabalho.

À prof Marta Helena, muito obrigado pelo apóio e pelas poesias na reta final do trabalho.

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Este trabalho teve por objetivo investigar os fatores psicossociais, familiares e afetivos existente no contexto de indivíduos que tentaram o suicídio utilizando se do fogo, por meio do Teste de Rorschach (para avaliação dos aspectos da personalidade das participantes), bem como de entrevista para compreender e investigar os sentidos da tentativa de suicídio e da sobrevivência a ela. Participaram do estudo duas mulheres com idades entre 25 e 40 anos que foram internadas e receberam alta da Unidade de Queimados do Hospital Regional da Asa Norte. O motivo da internação foi o de tentativa de suicídio usando o fogo como meio par alcançar a morte. O fenômeno do suicídio é paradoxal, pois de um lado surge como a mais pessoal das ações e por outro lado é algo amplamente universal: ocorre em todos os lugares do mundo e em algumas situações são encontradas muitas similaridades sendo plausível concluir que realmente existam fatores sociais interferindo direta e indiretamente no fenômeno de forma decisiva. O registro de suicídio em todo mundo é dificultado pela subnotificação (registro das mortes por um motivo diferente, mesmo que esteja claro que a causa da morte tenha sido provocada pela própria pessoa), mas de acordo com Oliveira e Lotufo (2003), mais de um milhão de pessoas se suicidaram em 1990. No Brasil, acredita se que a maior parte dos casos de suicídio ocorram na região sul do país e que as mulheres o tentam com mais freqüência que os homens. Diekstra (1993), afirma que para cada suicídio exitoso, existiram ao menos 10 tentativas anteriores. Acredita se que o suicídio seja a resultante de uma série de fatores (sociais, biológicos e psíquicos) e que, ainda, existam componentes psicopatógicos envolvidos. Psicanaliticamente, Freud (1996), para explicar o fenômeno do suicídio, utiliza os conceitos de luto, da melancolia e da identificação. Por conta dos processos de identificação com o objeto perdido, o melancólico estaria mais propenso a tentar o suicídio. Pelo fato da escolha do fogo como meio para alcançar o objetivo, um aspecto considerado para a compreensão da tentativa nos casos apresentados, foram os simbolismos do fogo. Os resultados encontrados sugerem que as participantes do estudo têm dificuldades em aceitar a realidade e possuem dificuldades nos relacionamentos interpessoais. O diagnóstico aponta, ainda, para uma neurose histérica com o uso de defesas obsessivas.

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This research aimed to investigate the psychological, family and affective factors that exists in the context of the individuals whom once tried to commit suicide using fire, by the means of the Rorschach Test (for evaluation of the aspects of the participants’s personalities), as well like the interview to understand and investigate the meaning of the suicide attempt and survival. The research participants were two women aged between 25 and 40 years who were hospitalized and were discharged from the Unidade de Queimados do Hospital Regional da Asa Norte. The motive of the hospitalization was the suicide attempt using fire in order to achieve death. The phenomenon of the suicide is paradoxical, because on one side emerges as the most personal of the actions and moreover it is something widely universal: it occurs occurs everywhere in the world and in some cases are being found many similarities there are indeed plausible to conclude that social factors directly and indirectly interfere in the phenomenon decisively. The record of suicide worldwide is complicated by underreporting (register of deaths for a different reason, even if it is clear that the cause of death has been caused by that person), but according to Oliveira and Lotufo (2003), more than one million people committed suicide in 1990. In Brazil, it is believed that the most of the suicide cases occurs in the south region of the country and that women try it more often than men. Diekstra (1993), affirms that for every successful suicide, there were at least 10 attempts before. It is believed that suicide is the result of a number of factors (social, biological and psychological) and, yet, there are psychopatological components involved. Psychoanalytically, Freud (1996), to explain the phenomenon of the suicide, use the concepts of the mourning, melancholy and identification. Because of the processes of identification with a lost object, the melancholic would be more likely to attempt suicide. Because of the fire as a mean to achieve the goal, an aspect considerate to comprehend the attempt of the presented cases, were the symbolism of fire. The results suggest that the research participants have difficulty to accept the reality and have difficulties in interpersonal relationships. The diagnosis also points to a hysterical neurosis with the use of the obsessional defenses.

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A experiência de participar da equipe multidisciplinar da Unidade de Queimados do Hospital Regional da Asa Norte (a partir de agora representada pela sigla UQ HRAN) foi marcante desde o seu início: primeiro porque não estava lá como paciente e sim como profissional à disposição dos pacientes. Em segundo lugar porque a todo o momento éramos lançados nas mais diferentes situações (algumas agradáveis, outras nem tanto). Em terceiro pelo fato de que tínhamos sempre que esbarrar com limitações de espaço físico (em determinadas épocas as enfermarias ficavam superlotadas) e com as limitações do ser humano (questões como o preconceito e a falta de respeito). Apesar das dificuldades a equipe desenvolveu um ótimo trabalho, trabalho este que é referência no Brasil no que diz respeito aos cuidados com a pessoa queimada.

A rotina de trabalho da equipe de Psicologia, formada pela psicóloga supervisora e dois estagiários, se iniciava com as rondas pelas enfermarias. Depois de lidos os prontuários e de colhidas informações adicionais sobre os pacientes com os médicos responsáveis, a equipe de psicólogos ia ao quarto para conhecer o histórico do internado. Caso fosse o primeiro encontro, passávamos as informações gerais relacionadas ao tratamento (os médicos eram responsáveis pelo repasse de tais informações de forma mais completa) e em seguida iniciávamos a anamnese. Se o paciente já houvesse passado pelo processo, checávamos como estava a rotina do tratamento e ouvíamos dele relatos sobre as dificuldades e conquistas (sobre o tratamento e sobre questões relativas à família, ao trabalho, entre outros) justamente para acolher o paciente e tentar, através de uma pequena sessão terapêutica, diminuir a ansiedade e o sofrimento (além de avaliar o progresso do paciente).

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Como éramos estagiários, os casos mais graves eram sempre atendidos pela psicóloga supervisora, pois ainda estávamos em treinamento. Os casos graves compreendiam os grandes queimados (pessoas que tiveram mais de 70% do corpo queimado), as vítimas de tentativa de homicídio e as tentativas de suicídio. Nos primeiros casos porque, devido à extensão das feridas e à exposição do corpo ao meio ambiente, o número de pessoas na enfermaria era restringido para diminuir o risco de infecção. Nos casos de tentativa de homicídio e de suicídio, ainda não estávamos treinados para lidar com os pacientes.

Semanalmente era realizada uma reunião com a equipe multidisciplinar da unidade: médicos, enfermeiros, psicólogos, assistente social, nutricionista, fisioterapeutas e terapeuta ocupacional. A reunião tinha como finalidade a troca de informações entre os diversos profissionais e a partir delas analisar as melhores opções de tratamento para os pacientes.

À medida que o tempo passava, começamos a acompanhar a supervisora nos atendimentos aos casos graves e entendemos o porquê de não participarmos logo de início das sessões. Tais casos eram bastante mobilizadores, tanto para o paciente, quanto para os familiares e até mesmo para nós, psicólogos. Sentimentos de revolta, questões sobre a morte, sobre o fim de relacionamentos, sobre as razões que levaram ou à tentativa de homicídio ou à de suicídio.

Depois de acompanharmos diversos casos, começamos a atender sem a presença da supervisora e apesar das dificuldades, os casos envolvendo as tentativas de suicídio eram os que mais chamavam a minha atenção. A experiência que adquiri com eles fez com que eu desenvolvesse uma atitude de respeito pelas pessoas que estavam internadas porque atentaram contra a própria vida. Existiam algumas coisas em comum no histórico das tentativas de suicídio dos pacientes: a impressão que eles tinham de que não havia mais nada a ser feito. Eles haviam chegado ao limite e a morte parecia ser a única saída para a situação na qual se encontravam quando tentaram se matar. A finalidade do suicídio para os pacientes (de acordo com os relatos) era a de justamente acabar com todo o sofrimento, tristeza, decepção e culpa. Muitos não sabem o que os levou a escolha do fogo, apenas recordam que o combustível era, no momento, o que estava mais próximo deles.

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1) A tentativa de suicídio de pacientes que são alcoolistas ou drogadictos ocorriam, na maior parte das vezes, depois do uso das substâncias. Motivados pelos efeitos do álcool e/ou das drogas, os pacientes resolviam concretizar o objetivo de tirar a própria vida. Em geral, os pacientes alcoolistas e drogadictos se encontravam em um nível intermediário/avançado de dependência. Alguns pacientes relatavam que tentaram parar de usar as drogas/álcool algumas vezes, mas não obtiveram êxito: as recaídas os deixavam desestimulados para dar continuidade à desintoxicação. Sentimentos de menos valia, início de depressão favoreceram o uso de grandes quantidades de drogas e, geralmente, era sob o efeito destas que os pacientes tentavam o suicídio;

2) Os relatos de casos de tentativa de suicídio após algum tipo de surto psicótico ou maníaco cuja psicopatologia, geralmente, estava diagnosticada pelos laudos psiquiátricos. Alucinações visuais e auditivas eram comuns: as vozes diziam para o paciente que ele era parte de um ritual que tinha a finalidade de salvar toda a humanidade, mas para que isso acontecesse era necessário que ele oferecesse seu próprio corpo em sacrifício. Outro tipo de conteúdo que surgia nos relatos era o de vozes que acusavam o paciente de ser uma pessoa suja e que precisava encontrar um meio de purificar seu corpo, de modo que sua alma ficasse limpa também;

3) Finalmente, as tentativas de suicídio por conta de relações amorosas. Estas queixas eram mais freqüentes entre as mulheres (as mulheres formavam o maior grupo entre os pacientes internados que haviam tentado o suicídio). Os relatos mais comuns estavam relacionados às dificuldades existentes na relação entre os cônjuges como brigas, a existências de amantes, flagrantes de traição e até mesmo o término dessas relações.

A experiência vivenciada na UQ HRAN motivou a produção de dois trabalhos: uma monografia de conclusão de curso e a exposição oral de um trabalho no XIII

, que aconteceu em Fortaleza, no ano de 2006. A monografia foi uma reflexão sobre as rotinas da equipe de Psicologia atuante na UQ HRAN, e teve como objetivo traçar um paralelo entre as tentativas de suicídio e os simbolismos do fogo, tudo isso sob uma perspectiva analítica.

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de relatos colhidos nos atendimentos na enfermaria, local de acolhimento do sofrimento psíquico que ultrapassa a dor corporal, no ambulatório, onde o ato de tentar matar se era incluído na vida dos pacientes com o propósito de ser significado e assim devolver ao paciente a condição de “sujeito do seu destino” e, finalmente, no grupo de convívio, onde o paciente era incluído social e afetivamente ao mundo, agora marcado pelas diferenças visíveis em seus corpos. No trabalho, supomos que a tentativa de suicídio talvez fosse uma tentativa de aplacar as paixões inerentes ao ser humano: o amor, o ódio e a ignorância de si mesmo.

Pretende se com o presente trabalho, investigar os fatores psicossociais envolvidos nas tentativas de suicídio através do uso do fogo e os possíveis sentidos que podem estar relacionados à sobrevivência em pacientes que receberam alta da UQ HRAN.

O fenômeno que pretendemos estudar é o da tentativa de suicídio através do uso do fogo. Através do uso de anamnese em pacientes internados na UQ HRAN Santana (2005) pôde estabelecer dois fatores que distinguiam as internações: o involuntário e o voluntário. O fator involuntário de queimadura é constatado quando a mesma foi causada por um acontecimento acidental. Nessa categoria incluem se os acidentes com substâncias corrosivas, os acidentes com líquidos combustíveis (como o álcool e a gasolina), os escaldamentos com algum tipo de óleo usado em frituras ou com líquidos ferventes (como água ou café), choques elétricos e as tentativas de homicídio. O fator voluntário é aquele que envolve a queimadura que foi resultante de uma tentativa de suicídio. Os motivos mais freqüentes para a tentativa de suicídio são: desespero; culpa; drogadição ou alcoolismo; surtos psicóticos e maníacos; decepções no amor, principalmente traições.

Os transtornos causados não se limitam às lesões produzidas pela queimadura no momento do trauma. Para Carlucci . (2005), “um trauma térmico, independentemente de sua extensão, é uma agressão que pode causar danos físicos e psicológicos ao paciente.” (p.22). Portanto, o acompanhamento psicológico, tanto em sua internação quanto em sua posterior alta do hospital, é de fundamental importância.

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Assim que o paciente chega ao hospital é internado na enfermaria. Após os exames de rotina que avaliam as condições físicas do paciente no momento (além de avaliarem a gravidade e a extensão da queimadura) são realizados os procedimentos emergenciais relacionados aos ferimentos. Depois de feita a observação do quadro de saúde do paciente (se ocorreu estabilização de suas funções vitais), alguns outros procedimentos podem ser inseridos na rotina do internado. Estes procedimentos são os seguintes: banhos, curativos, enxertos, desbridamentos e, posteriormente, a fisioterapia.

O banho consiste na limpeza dos ferimentos e retirada dos tecidos necrosados. Como a queimadura destrói a pele, que, segundo Serra (1999) “constitui um dos mais importantes elementos de proteção do organismo humano no que se refere aos agentes de agressão ambiental”. (p.225), o paciente fica completamente desprotegido contra a ação das bactérias causadoras de infecções. Por conta disso, o banho é quase diário. Os curativos são feitos imediatamente após o banho, com a finalidade de proteger as feridas que foram limpas.

O desbridamento é o procedimento cirúrgico que remove os tecidos necrosados que não conseguiram ser retirados através do banho. O enxerto é o procedimento que transplanta um pedaço de pele saudável para a área afetada pela queimadura. Dependendo da gravidade dos ferimentos, podem ocorrer até mesmo amputações de membros. Todos os procedimentos citados causam enorme dor e sofrimento: sofrimento este que se apresenta na esfera física e psíquica dos pacientes.

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Nas entrevistas de acompanhamento feitas posteriormente, surgem itens que necessitam ser investigados, tais como os relatos sobre as observações feitas pelos próprios pacientes sobre o que acontece ao corpo deles (sensações, sentimentos, associações) quando relembram a tentativa de suicídio. Grande parte deles apresenta o que é clinicamente chamado de síndrome do estresse pós traumático.

Muitos pacientes apresentam dificuldades para dormir, pois, além das dores dos ferimentos, ficam receosos de voltar a sonhar com fogo ou com a situação de tentativa de suicídio. Costumam sonhar com cômodos fechados, que pouco a pouco vão sendo tomados por fumaça, até que surge o fogo e destrói esses cômodos (que são, em geral, quartos que os pacientes têm em suas casas).

Passada a fase de internação, o acompanhamento psicológico tem continuidade no atendimento ambulatorial. Como é imprescindível a continuidade dos cuidados, os pacientes regressam ao hospital para fazerem curativos. Nestas oportunidades, aproveitam para receber o atendimento da equipe de psicologia.

Nos atendimentos psicológicos ambulatoriais são realizadas consultas individuais, nas quais o paciente pode relatar como tem lidado com as novas questões que surgiram após a sua alta. Questões referentes à família, à vida afetiva, aos preconceitos, ao trabalho e aos medos são discutidas.

Com a finalidade de aumentar o alcance do atendimento, estendendo o mesmo às famílias dos pacientes e também de proporcionar o convívio e a troca de experiências entre todos os envolvidos no contexto da tentativa de suicídio, foi criado o Grupo de Convivência, composto pela equipe de psicologia, pela área de assistência social que atua na UQ HRAN, pelos pacientes que receberam alta e pelos familiares e amigos dos mesmos.

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A queimadura com fogo e a estada no hospital é um processo longo e doloroso. Todos os procedimentos envolvidos nas etapas de reconstrução corporal são traumáticos. É possível que não só o físico dos pacientes apresente seqüelas decorrentes deste processo, mas também a sua psique.

Em sua passagem pela enfermaria os pacientes vivenciam situações que exigem, a todo tempo, uma estrutura emocional e psicológica bastante organizada, pois perdem a sua individualidade (têm que dividir seus quartos com outros pacientes) e a sua independência (precisam sempre de alguém, um enfermeiro ou acompanhante, para a realização de qualquer atividade). Mas como já se encontram muito fragilizados por conta da própria queimadura, acabam sucumbindo. E neste momento, problemáticas até mesmo anteriores à queimadura, emergem (questões envolvendo relacionamentos familiares, por exemplo).

Podemos categorizar as preocupações dos pacientes hospitalizados em três grupos: físicas, sociais e psíquicas. É importante ressaltar que estas esferas são dependentes umas das outras e não podem ser analisadas separadamente.

Geralmente, os pacientes indagam constantemente sobre como será o tratamento: sobre a possibilidade de infecções, se haverá necessidade da realização de procedimentos mais invasivos (como desbridamentos e enxertias), se a cicatrização das feridas ocorrerá de forma positiva (sem seqüelas), e sobre a necessidade de cirurgias plásticas e fisioterapia.

Considerando que as ansiedades mencionadas acima giram em torno da parte física do tratamento que ocorrerá em sua internação, os pacientes se mostram inseguros sobre como será a vida a partir do momento que deixarem o hospital, e pode se dizer que as preocupações de ordem social estão mais relacionadas com as possíveis reações que o regresso a casa trarão aos familiares, amigos e vizinhos. A mudança na aparência (dependendo de como se dá a cicatrização), a curiosidade da comunidade em saber como e o que ocorreu ao paciente que o deixou deformado, etc. O trabalho também aparece aqui como uma grande preocupação, pois, dependendo da seqüela o paciente é compulsoriamente aposentado.

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Esta seção tem como meta a apresentação de algumas características do fenômeno suicídio, tais como as estatísticas, a prevalência, as definições, os fatores constitutivos, a visão psicanalítica sobre o tema e com isto busca se clarificar a compreensão do tema, bem como associá la às impressões da experiência anterior na UQ HRAN.

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Segundo Oliveira e Lotufo (2003), em 1990, aproximadamente, mais de um milhão de pessoas no planeta, se suicidaram. À época, tal número equivalia a 1,6% da população mundial (daí o motivo do suicídio ser um caso de emergência na saúde pública). No que diz respeito à taxa de mortalidade, o suicídio figura entre as dez principais causas de morte. Se as tentativas de suicídio também forem computadas (através dos registros de entrada de pacientes em hospitais), teríamos números de dez a vinte vezes maiores.

É necessário ressaltar que os dados obtidos nas pesquisas sobre o assunto não são absolutos, e sim relativos, uma vez que ocorre atribuição das mortes a outro fator, mesmo que existam provas de que a morte tenha sido causada pela própria vítima nos registros de mortes causadas por suicídio (subnotificação). Isto pode ocorrer devido ao fato de que o suicídio ainda é visto com bastante preconceito pelas sociedades. Cassorla e Smeke (1994) reforçam o argumento do estigma social que a morte por suicídio traz sendo uma das causas (senão a causa) mais importante para a dificuldade do registro e das análises dos dados que são obtidos pelos estudos relacionados ao tema. Um exemplo disso, nos Estados Unidos, onde a coleta de dados e o tratamento dos mesmos possuem confiabilidade maior, sabe se que os registros de óbito por suicídio são de duas a três vezes menores que os reais.

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(aqueles nos quais os indivíduos se comportam de maneira autodestrutiva e se envolvem em situações de risco) são exemplos. Para Toolan (1975), 50% dos suicídios são rotulados como acidentes. As mortes por suicídio certamente não englobam o conjuntos dos óbitos que decorrem de processos autodestrutivos, tais como certas mortes por acidentes e homicídios, e os processos autodestrutivos crônicos que poderiam finalizar em mortes por causas “naturais”.

Uma proporção não sabida de atos suicidas passa por acidentes. Segundo Cassorla (1998), estudos americanos indicam que isso ocorre em aproximadamente 50% dos casos de suicídios exitosos e um quarto dos acidentes automobilísticos teriam algum componente suicida inconsciente, que não pode ser avaliado epidemiologicamente (e que está sempre presente em todo ato autodestrutivo), relacionando se com os suicídios inconscientes.

Certamente, a subnotificação é mais intensa quando se trata de crianças e adolescentes, pois os atos autodestrutivos são negados e até escondidos pela família, talvez por sentimentos de culpa e/ou vergonha trazidos pela situação.

Cassorla (1998) cita um estudo realizado por americanos em uma clínica especializada no atendimento emergencial de casos de envenenamento que mostrou que 42% dos casos foram considerados acidentais e 58%, tentativas de suicídio. Ao se refazer a coleta de dados e a análise das estatísticas obtidas (desta vez de forma mais acurada), os números se alteraram para 72% de tentativas de suicídio, 2% para tentativas de homicídio e os 26% restantes eram intoxicações acidentais.

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Observa se em países onde a coleta dos dados é elaborada periodicamente que a distribuição das taxas tem sofrido alterações durante os anos, mas constata se que há aumento acelerado delas nas idades mais jovens.

Para Barros (1998), o impacto e a relevância das taxas de mortalidade pelo suicídio devem ser relacionados a cada contexto social e político no qual se estuda o fenômeno, e mais: é necessário analisar o índice de desenvolvimento do lugar em relação à saúde ou à estatística da qualidade de vida da sua população. A autora ainda discute estudos elaborados por Lester, nos quais há evidências de que os homicídios e os suicídios comportam se de maneira antagônica. Isto quer dizer que, quanto maior o desenvolvimento da região ou país, maior a quantidade de suicídios e menor a quantidade de homicídios. Obviamente, como ressalta a autora, “essa observação precisa, entretanto, ser modulada pelas diferenças culturais e étnicas” (BARROS, 1998, p.46). Como exemplo, ela cita os dados sobre a população norte americana: a população negra tem maiores taxas de mortalidade por homicídio e taxas inferiores de suicídio. Ao contrário da população branca, com taxas altas de mortalidade por suicídio e taxas baixas de homicídio. A mesma situação pode ser observada na África do Sul.

No Brasil, devido à falta de cobertura e qualidade dos dados, não é possível avaliar com segurança as tendências dos riscos de mortalidade como um todo. Se as coletas e as análises dos dados fossem efetuadas periodicamente (cobrindo os aspectos da idade, grupo sócio econômico, sexo, região, entre outros) facilitaria o trabalho interdisciplinar no que diz respeito à prevenção e às intervenções, bem como no acolhimento adequado àqueles que sobreviveram ao ato.

Existe um fator, que segundo Cassorla e Smeke (1994), dificulta a quantificação dos dados relacionados às tentativas de suicídio que é o de, justamente, determinar a intencionalidade autodestrutiva de alguns comportamentos.

Outro dado bastante interessante é a existência de uma maior tendência a ocorrer repetição de tentativas (com maior freqüência entre os jovens) nos dois anos posteriores a primeira tentativa. Segundo Cassorla e Smeke (1994), “a chance de suicídio aumenta quando há tentativa anterior” (p. 62).

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tal ato é o enforcamento, método utilizado tanto por homens quanto por mulheres. Em seguida, aparecem as armas de fogo e o envenenamento para os homens, e o envenenamento e as armas de fogo para as mulheres.

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Hesketh e Castro (1978) encontraram que a maior freqüência de tentativas de suicídio ocorre em jovens de até 25 anos e, principalmente, no sexo feminino. O estudo realizado pelos autores em um pronto socorro de um hospital no Distrito Federal pareceu confirmar ainda que, apesar de o número de tentativas de suicídio ser maior entre as mulheres, a mortalidade é bem maior no grupo masculino porque neste grupo os meios utilizados para dar fim a própria vida são mais letais. O estudo pareceu confirmar que o ato do suicídio possui caráter mais definitivo para o homem do que para a mulher: enquanto o homem busca no ato a solução drástica para o seu fracasso pessoal, a mulher tenta remediar condições adversas relacionadas aos vínculos afetivos. Resultado semelhante foi encontrado por Vansan (1978) e Andrade (1979).

Cassorla (1987) constatou que, na população jovem e especificamente no grupo feminino, o ato suicida ocorre, geralmente, após uma decepção ou perda de pessoa significativa (no que tange às relações afetivas). Parece, para o autor, que os vínculos amorosos constituídos por estas jovens se aproximam muito do conceito de fusão, pois não se sabe onde terminam os desejos e sentimentos delas e onde começam os do outro.

Na UQ HRAN, ao encontro da constatação de Cassorla, a maior parte das pessoas que eram internadas por conta de tentativa de suicídio (dado relativo somente à esta Unidade) era do sexo feminino e a causa era justamente as dificuldades ligadas aos relacionamentos amorosos.

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Hillman (1993) faz uma organização e tenta classificar as formas de suicídio de acordo com suas características e contextos. São elas: suicídios coletivos, suicídios simbólicos e os suicídios emocionais.

O suicídio é um fenômeno bastante controverso, sendo estudado por diversas disciplinas científicas que o enxergam de forma ora antagônica, ora de forma complementar. Uma das definições para o fenômeno refere se “ao ato humano de cessar a própria vida” (MENEGHEL E COLS, 2004). Os mesmos autores reforçam que o termo suicídio só pode ser

usado em situações onde a intencionalidade do sujeito em tirar a própria vida fique explícita. O comportamento suicida é classificado, comumente, em três categorias ou domínios: ideação suicida; tentativa de suicídio; e o suicídio. Segundo Turecki (1999), em um extremo existe a ideação suicida que envolve todas as idéias, pensamentos e desejos de estar morto – e no outro extremo o suicídio propriamente dito. As tentativas de suicídio se localizam exatamente entre os extremos, fechando, assim, a tríade do comportamento suicida. Para Beck (1976) fatores como a letalidade (gravidade do ato suicida) e o grau de intencionalidade da tentativa são muito importantes para o estudo dos comportamentos suicidas.

Diekstra (1993) afirma que, para cada suicídio exitoso, existiram pelo menos dez tentativas com gravidade elevada a ponto de serem necessários cuidados médicos e internação. O autor ainda reforça que, a cada morte registrada por suicídio existem outras quatro não registradas.

Para Cassorla e Smeke (1994), o suicídio remete diretamente à idéia de violência máxima, de assassinato de si mesmo, auto aniquilamento. Os autores ainda lançam algumas idéias a respeito de certo componente suicida que já existe nas sociedades:

(...) podemos considerar estas várias categorias como diferentes formas de violência,

mas todas elas resultando em maneiras de destruição de seres humanos, facilitadas

ou provocadas diretamente por si mesmos, ou indiretamente pelo próprio ambiente

humano em que vivem, levando nos a indagar sobre um componente suicida das

sociedades (CASSORLAE SMEKE, 1994, p. 62 63).

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A comoção social provocada pelo fenômeno do suicídio está diretamente ligada a

seu caráter revelador de complexas relações sociais e pessoais e envolvendo também

o sentido da vida em sociedade e as razões da ‘opção’ pela interferência humana no

evento inexorável da morte, que no imaginário de muitas sociedades é interpretado

como vontade de Deus, dos deuses, ou como um ciclo natural da vida. (MINAYO,

1988, p. 423).

Por outro lado, é conveniente salientar que apesar de todo o desconforto que possa causar em todas as culturas, o suicídio é um fenômeno observável universalmente. Desde as mais antigas sociedades primitivas ele foi criticado por algumas religiões (como sendo um ato de rebelião contra o criador) e em contrapartida, foi considerado por alguns filósofos como ato de liberdade (e de libertação) total repleto de humanidade.

A abordagem utilizada por Durkheim em seu livro intitulado “ ”, estuda o fenômeno através do prisma social, trazendo o à esfera do cotidiano (normal), no sentido de que é parte constituinte de toda e qualquer sociedade, assim como as leis e os crimes. Não é necessário dizer que a visão de Durkheim causou alvoroço, pois, para muitos acadêmicos e médicos da época, o suicídio era reconhecidamente visto como um fruto de desvios e de doença mental.

Atualmente, o assunto é abordado pela união de várias frentes: a individual, com os fatores psicológicos e orgânicos, e a social, com os aspectos econômicos, do trabalho, familiares, interagindo mutuamente e influenciando diretamente a constituição do indivíduo. Minayo (1998), diz que a autodestruição humana resulta de uma intrincada combinação destes aspectos.

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Oliveira e Lotufo (2003) elencam alguns fatores relacionados às tentativas de suicídio e os dividem em fatores de natureza social, econômicos, políticos, religiosos e culturais. Importante que também sejam considerados os fatores genéticos e biológicos bem como os psicológicos e psicopatológicos.

Exemplificando estes fatores, Werneck e cols (2006) mostram como o desemprego, a pobreza, as perdas familiares, as discussões com a família e/ou amigos, as rupturas de relacionamentos afetivos, os problemas legais ou no trabalho são considerados, pela Organização Mundial de Saúde como os eventos produtores de estresse que, por sua vez, podem estar relacionados ao suicídio (e as suas tentativas). Um forte estressor associado ao suicídio é o econômico e Meneghel e cols (2004) afirmam que “em relação aos fatores socioeconômicos, foi observado que o suicídio ocorre nos extremos: entre os menos favorecidos socialmente e os mais privilegiados. (...) quedas no status econômico mostram se relacionados ao evento”.

Apesar dos diversos fatores, interessa nos, para o nosso trabalho, determo nos nas dificuldades de ordem emocional que os fatores anteriormente citados causam na população como um todo. Teixeira e Luis (1997) alegam que as conseqüências na população jovem podem ser ainda mais graves, pois eles têm de buscar maneiras de se sustentarem (seja através de estudo ou do próprio trabalho), enfrentando as dificuldades típicas de sua idade acrescida das dificuldades de ordem sócio cultural.

Um eventual encontro entre uma personalidade fragilizada ou com problemas

pessoais e/ou familiares, com um momento social e cultural sem grandes

perspectivas, pode se encontrar nesse contexto o clima propício para o aparecimento

de modos destrutivos de lidar com a realidade e inclusive de distúrbios psiquiátricos

diversos no jovem (TEIXEIRAE LUIS, 1997 p. 518).

Questões menos comuns, mas ainda relacionadas às tentativas de suicídio são as que se encontram no campo religioso. As dúvidas existenciais causadas pelos conflitos entre a personalidade humana e os dogmas religiosos se constituem em razões para tentar se o suicídio.

(23)

um quadro depressivo agravado, a pessoa pode ser levada a tentar o suicídio. Segundo Morris (1971), as questões que mais causam este tipo de estresse são as interpessoais, principalmente as que envolvem o relacionamento conjugal.

É certo que esses fatores ocorrem com relativa freqüência na vida cotidiana, mas em determinados indivíduos a magnitude dos eventos desencadeia tentativas de suicídio. Isso nos faz questionar: quais seriam as diferenças entre uma pessoa que não atenta contra a própria vida e uma que atenta?

De acordo com o que estamos descrevendo até agora, para se estudar as contingências de uma tentativa de suicídio, é necessário analisar o cenário biopsicossocial do indivíduo. Neste sentido, vasculhar o histórico do sujeito a fim de encontrar informações sobre a relação existente entre o indivíduo e a sua família, os amigos, o trabalho, bem como investigar a presença de alguma condição patológica (seja ela mental ou orgânica) se faz necessário.

Nesse sentido, são pontos que merecem a atenção do profissional que se depara com uma situação de tentativa de suicídio, verificar o uso abusivo de drogas lícitas e ilícitas, a disponibilidade de meios para a execução do ato suicida, histórico de violência física, sexual e psicológica, isolamento e dificuldade de relacionamento com outras pessoas, fora a existência de distúrbios psíquicos (depressão, esquizofrenia, entre outros).

De acordo com Mello (2000), o suicídio também está relacionado a algumas doenças de ordem física, como a AIDS, à esclerose múltipla, bem como após acidentes vasculares cerebrais, constatações de doenças crônicas e cardíacas.

No que concerne aos fatores mais psicológicos, cinco foram descritos como os mais relevantes no comportamento suicida atual (MENEGHEL E COLS, 2004):

1) aumento da prevalência de distúrbios psicológicos e psiquiátricos, principalmente nos quadros depressivos;

2) aumento do uso abusivo de substâncias legais e ilegais (álcool e drogas); 3) mudanças psicobiológicas;

(24)

5) mudanças significativas em relação aos padrões de aceitação de comportamentos autodestrutivos, (tais como uso de drogas).

Aqui, gostaríamos de acrescentar mais uma característica à lista, característica que já citada por Cassorla (1987): o ato suicida após uma decepção amorosa. De acordo com a experiência na UQ HRAN a queixa das mulheres que eram internadas pela tentativa do suicídio era justamente a de não ter conseguido manter um relacionamento afetivo que não tivesse sido destruído por uma traição.

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De acordo com Durkheim (1982), existem classificações para os suicídios. São elas: 1) Suicídio egoísta: resultante de uma individuação excessiva, com ênfase na autonomia das consciências individuais e na ausência de laços familiares ou interações sociais significativas;

2) suicídio anômico: associado ao desregramento, crises e mudanças a partir do enfraquecimento da malha social;

3) suicídio altruísta: devido à subordinação dos indivíduos aos fins sociais. É um ato percebido como um dever, um gesto impessoal.

De acordo com Hillman (1993), o suicídio não é visto como uma síndrome e nem como um sintoma: é sim um fato que pode ocorrer no curso de uma vida. A investigação nas áreas da Psicologia difere das outras por não pretender nem condenar e nem perdoar o suicídio em si, nem mesmo julgá lo de alguma forma, mas tem como objetivo simplesmente entendê lo como um fato na realidade psicológica do ser humano.

O suicídio é um evento motivado por múltiplos fatores. Hillman (1993) apresenta algumas classificações morfológicas para o suicídio, mas deixa claro que para o estudo analítico do fenômeno é necessário esquecer quaisquer tipos de classificação:

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Suicídios Simbólicos: martírio religioso, auto imolação, ingestão de vidro, banhos com substâncias combustíveis e imediatamente a isso o contato com o fogo, acender pavio de artefato pirotécnico previamente engolido;

Suicídios Emocionais: aqueles realizados sob o domínio de uma paixão avassaladora. Nessa classe estão as vinganças contra inimigos, a imposição de angústia sobre outros, humilhação por ruína financeira, vergonha da exposição pública, suicídios por culpa e desespero, melancolia por envelhecimento, fracasso (especialmente no amor);

Suicídios Intelectuais: o suicídio de Sócrates, a lealdade a um grupo, uma causa ou um princípio é a motivação. São exemplos a greve de fome e o suicídio ascético que conduz ao Nirvana e as mortes através do martírio intenso que eram encorajadas pela Igreja Católica Medieval.

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Vários estudos encontraram relação entre algumas patologias mentais e o suicídio. Os resultados são bastante discrepantes e entre os mais freqüentes encontramos a depressão, a ansiedade, os delírios, os transtornos de personalidade e o uso abusivo de substâncias psicoativas.

Segundo Mello (2000), a freqüência da relação entre as patologias e as tentativas de suicídio também é bastante variável. Como exemplo, o autor cita a depressão e a possibilidade de que ela seja responsável por 45% a 70% das tentativas de suicídio e dos suicídios exitosos.

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No intuito de investigar a existência de algum tipo de psicopatologia entre pacientes internados por tentativa de suicídio na enfermaria de psiquiatria do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo, não foi possível estabelecer tal relação.

Os resultados mostraram que nos casos estudados não foram encontrados sintomas nem antes e nem durante as tentativas de suicídio. A tentativa de suicídio, para os participantes do estudo, foi considerada como uma escolha livre e premeditada. Para Mello (2000) o suicídio nem sempre é uma resultante de psicopatologia, pois a “doença mental acontece quando a pessoa perde a capacidade de escolher e agir de acordo com a sua vontade, pois ela limita a liberdade da pessoa para escolher” p.167. Ainda assim, é importante ter em mente que a psicopatologia é um dos fatores que aumentam as possibilidades do suicídio ocorrer (juntamente com outro fator preditivo, que são as tentativas anteriores).

De acordo com as vivências na UQ HRAN existiam ocorrências de internação de pacientes queimados de ambos os sexos que apresentavam comprometimento psiquiátrico e, geralmente, já existiam internações anteriores em outros estabelecimentos de saúde. Mas o discurso apresentado por estes pacientes possuía sempre um conteúdo religioso ou de salvação, diferentemente das mulheres por nós atendidas, que tentavam o suicídio por conta de decepções amorosas e, aparentemente, não apresentavam diagnóstico psiquiátrico comprovado.

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Mello (2000) afirma que os riscos de ocorrência de atos suicidas podem ser avaliados independentemente de estarem relacionados às psicopatologias através dos significados que o morrer e o viver possuem:

(...) quem encara a morte como um grande e total silêncio, um repouso, não hesitará

diante de um ato que coloca fim a seus sofrimentos. Mas se a morte é um sono com

sonhos impõe se pelo menos uma reflexão, a qual inibe um ser sadio a jogar se no

desconhecido. Se por crença religiosa, os indivíduos acreditam que o suicídio

conduz a glória de Deus, ou que leva ao inferno, é de supor que diversa será a

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Para uma pessoa que, está segundo suas próprias percepções, sem recursos ou ferramentas para enfrentar o sofrimento que lhe minou toda e qualquer possibilidade de resolução de conflitos, o suicídio é considerado como um ato imediato que trará o fim de todo o sofrimento.

Mello (2000) usou a terminologia tentativa de suicídio racional para classificar as tentativas de suicídio nas quais os sintomas psicopatológicos não estão presentes, ou ainda, para os casos onde há psicopatologia, mas a mesma não se relaciona com a(s) tentativa(s).

Ao analisar o discurso dos participantes do seu estudo, Mello (2000) encontrou motivações variadas para a tentativa de suicídio: fuga ao sofrimento causado por doença, modo romântico de declarar o amor, incapacidade para resolver situação financeira desfavorável e a possibilidade de um segredo familiar ser revelado.

As motivações anteriormente citadas (motivações para tentativas de suicídio racional) diferem se das motivações de pessoas acometidas por algum tipo de patologia. Elas se diferenciam das dos suicidas patológicos pelos temas que, de certa forma, são homogeneizados pela própria doença mental: perseguições, niilismos, desespero que impede o raciocínio e confusão mental.

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Para pensar em termos psicanalíticos a questão do suicídio, antes se faz necessária uma pequena explanação sobre os conceitos que segundo Freud se relacionam com o fenômeno e a partir deles, traçar um paralelo entre a tentativa de suicídio e a realidade das pacientes internadas na UQ HRAN.

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conta disso abordou o tema a partir do ponto de vista psicológico. Na medida em que ia desenvolvendo suas opiniões a respeito da melancolia e do luto, Freud inicia a relação do conceito de complexo de Édipo com os estados melancólicos.

O luto, de acordo com Freud (1996), seria uma reação a alguma perda (de algum ente querido, de liberdade, ou de ideal) e é considerado como normal. As mesmas situações de perda que ativam as reações de luto causam, em algumas pessoas, a melancolia (depressão). O que diferenciaria uma pessoa que passa por um momento de luto de uma que desenvolve um estado depressivo seria a predisposição para a patologia. Falar em predisposição (ou disposição ou possibilidade) para a patologia (ou mesmo para outro aspecto humano como a ansiedade) significa falar da soma resultante da interação do patrimônio genético (aspectos biológicos), das experiências vividas durante a infância e das relações familiares (aspectos sociais) dos indivíduos. É justamente a inter relação dos aspectos que determina se algum evento atual serviria como gatilho para o início da produção de sintomas.

Os processos de luto e de melancolia apresentam características semelhantes (com exceção da baixa auto estima, ausente no processo de luto). Freud (1996) as descreve como

(...) desânimo profundamente penoso, a cessação de interesse pelo mundo exterior, a

perda da capacidade de amar, a inibição de toda e qualquer atividade, e uma

diminuição dos sentimentos de auto estima a ponto de encontrar expressão em auto

recriminação e auto envilecimento. (FREUD, 1996,p. 250).

Freud, com a finalidade de clarificar a diferença entre o luto e a melancolia, afirma que o primeiro é um processo demorado e doloroso, no qual a energia libidinal antes dirigida a determinado objeto, exige ser redirecionada a outro porque o objeto anterior não existe mais. O ego, ante tal demanda, provoca oposição e através do que Freud denominou de “psicose alucinatória carregada de desejo”, prolonga a existência do objeto perdido: cada lembrança e cada expectativa nas quais existam ligações de cunho libidinal são evocadas e hipercatexizadas. Com o passar do tempo, e de maneira gradual, toda a libido relacionada ao objeto que deixou de existir vai se desligando concluindo, assim, o penoso processo de luto.

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perdeu nesse alguém. De acordo com o autor, “isso sugeriria que a melancolia está de alguma forma relacionada a uma perda objetal retirada da consciência em contraposição ao luto, no qual nada existe de inconsciente a respeito da perda”. (FREUD, 1996, p. 251).

O melancólico exibe mais uma característica ausente em uma pessoa que passa por um processo de luto: a diminuição da auto estima e o empobrecimento egóico, em larga escala. O que caracteriza, marcadamente, o quadro clínico da condição melancólica é a grande insatisfação moral que o ego mostra em relação a si mesmo. O melancólico se apresenta como “sendo desprovido de valor, incapaz de qualquer realização e moralmente desprezível; [...], esperando ser expulso e punido”. (FREUD, 1996, p. 251 252).

Analisando atenciosamente as verbalizações dos melancólicos, Freud distinguiu, entre tantas auto acusações, que algumas não se referiam à pessoa do melancólico e sim a outrem, “a alguém que o paciente ama, amou ou deveria amar. [...] É assim que encontramos a chave do quadro clínico: percebemos que as auto recriminações são recriminações feitas a um objeto amado, que foram deslocadas desse objeto para o ego do próprio paciente” (Freud, 1996, 254). Estas auto recriminações são originárias do conflito amoroso que teve como conseqüência o fim do relacionamento. Obviamente, algumas das auto recriminações são válidas, mas elas estão diluídas entre as que são dirigidas ao objeto perdido.

Reconstruindo o processo do final da relação, temos que no início, foi feita uma escolha objetal (ligação da libido a uma pessoa em particular) e, devido a um desapontamento ou decepção real por parte da pessoa amada, a relação foi acabada. Normalmente, ocorre a retirada da energia libidinal investida no objeto amado e o deslocamento da energia para outro objeto, mas no caso da melancolia algo acontece e o deslocamento não ocorre assim: a libido volta se para o ego e continua sendo empregada para estabelecer uma relação de identificação do ego com o objeto amado. Freud explica esta complicada relação no trecho seguinte:

(...) assim, a sombra do objeto caiu sobre o ego, e este pôde, daí por diante, ser

julgado por um agente especial, como se fosse um objeto, o objeto abandonado.

Dessa forma, uma perda objetal se transformou numa perda do ego, e o conflito

entre o ego e a pessoa amada, numa separação entre a atividade crítica do ego e o

ego enquanto alterado pela identificação. (FREUD, 1996, p. 254 255).

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mesmas) e o vínculo amoroso existente entre eles era o que as faziam viver. Com o término ou o abalo das relações, já não existiam motivos para continuarem vivas e então, por estarem completamente identificadas com seus parceiros tentavam, com o intuito de destruir dentro delas o outro, o suicídio.

Retomando a discussão acerca da melancolia, Freud explicita a existência de pré requisitos para o desenvolvimento da condição melancólica. O primeiro é a disposição para a patologia. O segundo é uma forte fixação pelo objeto e, o terceiro, contraditoriamente, fala sobre a pouca resistência das catexias objetais. Isso significa que a pessoa melancólica tem dificuldades de estabelecer vínculos que sejam fortes o suficiente para resistir às dificuldades que o próprio relacionamento apresenta.

Freud deixa em aberto a questão sobre as escolhas objetais dos melancólicos serem de cunho narcísico, mas declara que nos casos observados constatou que em alguns, toda vez que a catexia se defrontava com alguma espécie de empecilho, ela retrocedia ao narcisismo. “A identificação narcisista com o objeto se torna, então, um substituto da catexia erótica, e, em conseqüência, apesar do conflito com a pessoa amada, não é preciso renunciar à relação amorosa”. (FREUD, 1996, p. 255).

A melancolia compartilha com o luto alguns de seus traços e do processo de regressão, outros (isto inclui desde a escolha objetal narcisista até o narcisismo). A melancolia, por assim dizer, é como um luto (reação à perda real de um objeto amado), mas marcada por um aspecto determinante que não existe no luto (e que se estiver, o transforma em luto patológico): a ambivalência. Freud destaca a ambivalência como mais uma pré condição para o desenvolvimento da melancolia em um indivíduo. Ele nos explica que a ambivalência pode ser descrita como a existência de sentimentos opostos de amor e ódio por um mesmo objeto, e encontra oportunidade perfeita para se manifestar em ocasiões de perda de objetos amorosos.

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desconsideração, desprezo e semelhantes, podem trazer à relação sentimentos ambivalentes ou reforçar a ambivalência já existente.

De alguma forma, a catexia erótica do melancólico relacionada ao seu objeto de amor passa por uma dupla necessidade: parte dela retrocede à identificação e a outra parte, marcada pela ambivalência, é cristalizada na etapa de sadismo que mais se aproxima da época do conflito com o objeto.

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O amor e a necessidade de bem estar que temos para com nós mesmos são imensos e podem ser verificados em ocasiões onde existam ameaças (reais ou imaginárias) à nossa integridade física, tornando complicado o entendimento da questão do suicídio.

Psicanaliticamente falando, sabe se que nenhum indivíduo que possua um modo de funcionamento neurótico de personalidade abriga, em seus pensamentos, impulsos assassinos direcionados a outras pessoas, que ele volta contra si mesmo. A análise de tais impulsos que estão presentes no processo da melancolia trouxe luz a essa questão: o ego só pode concordar em tirar a própria vida apenas se se enxergar como o objeto internalizado com o qual se identificou. Mais uma vez, a questão da escolha narcísica surge como modalidade habitual de escolhas objetais de um indivíduo melancólico. Ao receber de volta a energia da libido investida em um objeto (processo de regressão), parece que há a impressão de que o ego se livrou de tal objeto, mas na verdade ele (o objeto) se revelou mais poderoso do que o ego dada a intensidade da identificação deste com aquele: “nas duas situações opostas, de paixão e de suicídio, o ego é dominado pelo objeto, embora de maneiras totalmente diferentes” (FREUD, 1996, p.257).

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Corpo Patrimônio

Genético

D i s p o s i ç ã o

Infância, família e cultura (0 a 7

anos) Patrimônio

Cultural

Causas Atuais Sintoma

O esquema de causalidade psíquica desenvolvido por Kusnetzoff (1982) a partir das idéias de Freud sobre a mesma, apresentado aqui de maneira adaptada, mostra quais variáveis podem estar envolvidas no desenvolvimento e manifestação de sintomas (no caso em questão, o suicídio) e de como elas estão intrinsecamente interligadas.

Figura 1 – Adaptação do modelo de causalidade de Kusnetzoff, 1982.

Como explicado anteriormente, a disposição é a resultante da interação entre o patrimônio genético (aspectos biológicos) e as experiências vividas durante a infância, bem como as relações familiares (aspectos sociais) dos indivíduos. É esta inter relação dos aspectos que determina se algum evento atual serviria como gatilho para o início da produção de sintomas. Contextualizando nosso objeto de pesquisa, o suicídio, podemos pensar que o corpo em interação com determinado tipo de aspectos familiares e culturais na infância desenvolveria a disposição para a melancolia. Como causas atuais, podemos pensar no rompimento amoroso ou nas crises que ocorrem nos relacionamentos amorosos, estes interagindo com a disposição melancólica, conduzindo à tentativa de suicídio.

Do que estamos discorrendo até o momento, ficam algumas questões que pretendemos investigar no decurso de nossa pesquisa:

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2) O que caracterizaria esta disposição, além da melancolia, proposta por Freud, e como o componente narcísico (agressividade retornada para si mesmo) estaria representado nas escolhas objetais em tal disposição? Poderíamos estar diante de uma disposição distante da melancólica?

3) Por que a escolha do fogo como ferramenta meio para alcançar a morte?

Alguns aspectos do que estamos discutindo, como por exemplo, a disposição melancólico depressiva, pode ser investigada através da técnica de Rorscharch, uma vez que o uso do método consagrou alguns índices relacionados à melancolia/depressão. Tais índices se deixam agrupar da seguinte forma:

1) Respostas do tipo Forma (principalmente quando ocorre diminuição de F+% com correspondente aumento de F %);

2) Poucas respostas do tipo Movimento Humano (M) e Movimento Animal (FM), 3) As respostas de Cor Acromática (FC’, C’F e C’. Vaz (2008) argumenta, a partir de dados de pesquisa, que tais respostas apontam a depressão já como um traço da personalidade, não mais uma reação depressiva transitória a algum acontecimento.

Sob outra perspectiva, poderíamos verificar se ao responder ao método de Rorschach, o indivíduo apresentaria conteúdos relativos ao suicídio e ao fogo. Neste último, vale lembrar que respostas de conteúdo Fogo igualam se aos de conteúdo Sangue e ao indicador de choque ao vermelho, sugerindo perturbação emocional violenta e falta de controle emocional, em especial sobre a agressividade. Há ainda que se considerar o indicador de angústia, composto por respostas do tipo Hd+Anat+Sexo+Sang (perfazendo um resultado positivo acima de 12%).

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sujeito está até mesmo prestes a paga lo com a própria vida. Ocorre sempre no momento de um grande embaraço e de uma grande emoção.

De acordo com Chemama (1995) o ato sempre inaugura um corte estruturante, corte este que permite a um sujeito se encontrar, posteriormente, radicalmente transformado e diferente do que tinha sido antes desse ato. Está situada do lado do irreversível, do irrecuperável. É uma ação impulsiva que se constitui como única possibilidade, pontual. É repulsa a escolha consciente e aceita entre a castração e a morte.

A partir da passagem ao ato, quando o sujeito é confrontado radicalmente com aquilo que ele é como objeto para o outro, reage a isso de um modo impulsivo, mobilizado por uma angústia incontrolada e incontrolável, identificando se com esse objeto que ele é para o outro. É demanda de amor, de reconhecimento simbólico sobre um fundo de desespero, demanda feita por um sujeito que só consegue se vivenciar como um dejeto a ser eliminado.

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É um comportamento ou processo psíquico de defesa e possui um valor de sintoma que é mobilizado pelo sujeito em reação a determinados conteúdos ou desejos inconscientes. Exprime de forma manifesta o componente defensivo do conflito. De acordo com Chemama (1995), a formação reativa tem como origem o superego.

A formação reativa é um contra investimento de um elemento consciente, de força igual e de direção oposta ao investimento consciente. Segundo Laplanche e Pontalis (2000), essa força se traduz por uma luta direta contra a representação penosa, que é substituída por um “contra sintoma”. O “contra sintoma” seria composto por traços de personalidade – escrúpulo, pudor, falta de autoconfiança.

Para Freud (2004), a formação reativa ocorre pelo reforço de uma atitude oposta à tendência instintual que deve ser reprimida. Estas atitudes são, via de regra, exageros dos traços normais de caráter.

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Com a sua propensão para criar símbolos, o homem transforma de forma inconsciente objetos ou formas e lhes dá expressão simbólica, tanto na religião quanto na arte. Segundo Jaffé (1999), tudo pode assumir uma significação simbólica, desde objetos naturais (pedras, plantas, lua, sol, vento e fogo) até os que foram fabricados pelo próprio homem (barcos, casas, carros). Mesmo as formas abstratas (números, quadrado, triângulo) são também transformadas em símbolos. “De fato, todo o cosmos é um símbolo em potencial” (JAFFÉ,

1999).

O fogo constitui um elemento masculino que simboliza a energia que cria, mas que também destrói. Possui uma vasta amplidão simbólica. Tresidder (2000) menciona: “Encontra se o fogo significando a purificação, a revelação, a transformação, a regeneração e o ardor espiritual ou sexual” (p.106). Em um ambiente doméstico, por exemplo, o fogo de uma lareira, a sua imagem é protetora, aconchegante, mas, como força da natureza é ameaçador.

Jung (1986) coloca que a preparação ritual do fogo é exercida há muito tempo em todo o mundo. Gradualmente, ela foi perdendo a sua aura de mistério, entretanto, a tendência de preparar o fogo de modo cerimonial e misterioso, segundo regras exatas e precisas, não desapareceu. Este rito remete ao sagrado existente originalmente na preparação do fogo.

Como o Sol e seus raios, o fogo simboliza, com suas chamas, a ação fecundante, purificadora e iluminadora. Chevalier e Gheerbrant (2000) apresentam um aspecto negativo do elemento ao dizer que o mesmo também obscurece e causa sufocamento (através de sua fumaça). É um elemento que queima, devora e destrói representando o fogo das paixões, do castigo e das guerras.

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Em culturas antigas ou primitivas, o fogo era venerado e adorado como um deus real, um símbolo do poder divino, pois é um elemento aparentemente vivo, no sentido de que cresce a partir do material que consome, morrendo e reaparecendo. A partir dessas observações feitas pelos povos antigos, o fogo foi interpretado como a forma terrestre do Sol, com o qual partilha muito de seu simbolismo.

Na literatura, principalmente na mitologia grega, existem várias histórias onde o fogo é considerado um elemento possuidor de várias características sagradas. No mito de Prometeu, narra se como o fogo sagrado (que representa a sabedoria) dos deuses é roubado e dado ao homem. Como castigo, Prometeu é acorrentado ao Monte Cáucaso e todos os dias, uma águia gigante come lhe o fígado que se regenera a noite, aprisionando o humano da lenda a um eterno sofrimento. Mais próximo de nós, a mitologia indígena também traz algumas lendas semelhantes. Mindlin (2002) afirma que podemos encontrar nas lendas indígenas várias histórias sobre a criação do mundo e em sua grande maioria, o fogo surge como um elemento sagrado, que ora é dado aos homens pelos deuses, ora é roubado dos deuses pelo homem.

Segundo o , o fogo é um elemento relacionado ao coração. Esta relação, aliás, é constante, quer o fogo simbolize as paixões (principalmente o amor e a cólera), quer ele simbolize o espírito (o ). Ao prolongar o símbolo nesta direção o fogo seria o deus vigente e pensante que nas religiões já teve o nome de , de e, entre os cristãos, de Cristo. A significação sobrenatural do fogo estende se das almas errantes (fogos fátuos, lanternas do Extremo Oriente usadas para representar a alma de um morto), até o Espírito Santo.

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O fogo é o símbolo divino essencial do Masdeísmo. O termo masdeísmo significa onisciente e designa a religião de Zaratustra, existente aproximadamente em 551 a.C., que pretendia fundar um monoteísmo mitigado: frente ao deus bom, " , existe o princípio do mal, . O ser humano deve participar nessa luta com a verdadefrente à mentira e o erro, até que seja destruído.

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O fogo era o principal método de sacrifício aos deuses. Concebia se o fogo como um vínculo conector entre os reinos divino e humano. “O que era sacrificado pela combustão tornava se, de modo bastante literal, sagrado” (Santana, 2005). Aquilo que queima transforma se quase totalmente em fumaça, subindo para as regiões superiores. É transferido para os deuses por um processo de sublimação. Esta é a base da concepção do sacrifício queimado dos gregos, a , bem como das oferendas queimadas dos judeus.

O fogo era homenageado em diversos cultos. O culto de adoração à Moloch é um exemplo disso: Moloch, conhecido também como "Príncipe do Vale das Lágrimas” e “Semeador de Pragas” é o nome dado a uma divindade malévola adorada por diversas culturas antigas. É um símbolo pagão associado a sacrifícios humanos por meio da imolação (sendo que a maioria dos sacrificados eram crianças). Os amonitas (descendentes de Amon) membros de tribo a leste do Jordão, também costumavam adorá lo, sacrificando crianças em seu louvor para obterem boas colheitas e vitória nas guerras.

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Alguns ritos crematórios têm como origem a aceitação do fogo como uma espécie de veículo ou mensageiro entre o mundo dos vivos e dos mortos. De acordo com Chevalier e Gheerbrant (2000):

(...) na ocasião de certas festividades comemorativas de um falecimento, os teleutas

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cabeceira do ataúde e outra junto à base do mesmo. Na primeira dessas fogueiras,

destinada ao morto, deposita se a quantidade de alimentos que lhe serão reservados:

o fogo encarregar se á de transmitir lhe essa oferenda (p.442).

Na Índia, é o deus hindu do fogo, aquele a quem se oferece o sacrifício. No pensamento hindu, através do fogo o homem pode comunicar se com estados superiores do ser, com os deuses e com as esferas celestes. Por meio do fogo pode participar da vida cósmica e cooperar com os deuses. Tresidder (2000) acredita que no pensamento místico, “o fogo simboliza freqüentemente a união com a divindade, a transcendência da condição humana, o objetivo de todas as coisas” (p.106). Daí a noção do fogo espiritual que queima sem consumir.

A imortalidade é algo que pode ser alcançado através do banho de fogo. A imortalidade é uma qualidade dos deuses, logo, o significado psicológico do “banho de fogo” será o de um vínculo entre o humano e o divino, tornando aquele consciente do seu aspecto eterno ou imortal.

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O fogo, na qualidade de elemento que queima e consome, é também símbolo de purificação e regeneração. Reencontra se, pois, o aspecto positivo da destruição. De acordo com Bachelard (1972), aquilo “que se modifica lentamente se explica através da vida, o que se modifica depressa é explicado pelo fogo” (p. 21).

A noção de expurgar o mal pelo fogo iria causar as mais cruéis atrocidades através da Santa Inquisição e sua caça às bruxas, que levou às fogueiras milhares de pessoas que eram suspeitas de praticarem bruxaria na Europa. Já na América do Norte, entre as tradições dos índios, a fogueira era uma imagem de felicidade e prosperidade, representando o próprio Sol, que era chamado de O Grande Fogo. No Budismo, um pilar de fogo constitui um símbolo de Buda, e o fogo como iluminação pode ser uma metáfora a respeito da sabedoria.

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penitência. Lurker (2003), diz: “Através da queima são eliminadas todas as impurezas da oferenda de sacrifício” (p.275).

Na Bíblia também são encontradas várias passagens (as Epístolas de Pedro, Mateus e Paulo são exemplos) que relacionam o elemento fogo a vários significados: purificação, ira, destruição, renovação e até mesmo simbolizando o próprio Deus. Particularmente, sobre Deus, as significações ora aparecem como benignas (salvação), ora surgem como maléficas (a ira de Deus destruindo os infiéis e os demônios através do fogo).

De acordo com o que diz Chevalier e Gheerbrant (2000), nas tradições celtas, tem se o fogo como elemento ritual e simbólico. Na Irlanda, alguns textos antigos fazem menção unicamente à festividade denominada de Beltane, que se realizava a primeiro de maio, data que marca o início do verão. Nestes festejos, era comum acender fogueiras, tomar banho em rios e realizar a fumegação das casas com ervas aromáticas. Nessa ocasião, os druidas acendiam grandes fogueiras – o fogo de Bel – e faziam passar o gado por entre elas, a fim de preservá los das epidemias. Já Bachelard (1972) afirma que o ritual era para fazer com que esses animais deixassem de ser estéreis. Os inúmeros ritos de purificação pelo fogo – em geral, ritos de passagem – são muito característicos das culturas agrárias.

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O simbolismo da ressurreição que o fogo possui é personificado pela Fênix e pela Salamandra. O simbolismo da regeneração também está subjacente nos rituais pascais (no Círio Pascal) tanto da Igreja católica romana como da Igreja ortodoxa oriental. Tal simbologia originou se no ocidente e estendeu se até o Japão. A liturgia católica do fogo novo é celebrada na noite de Páscoa. A do Xintó coincide com a renovação do ano.

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Figura 1 – Adaptação do modelo de causalidade de Kusnetzoff, 1982.

Referências

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