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A CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA DOS RESGATISTAS DO CORPO DE BOMBEIROS DE SÃO PAULO

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PUC-SP

EDNA BARBOSA DA SILVA

A CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA DOS RESGATISTAS DO CORPO DE BOMBEIROS DE SÃO PAULO

MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

EDNA BARBOSA DA SILVA

A CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA DOS RESGATISTAS DO CORPO DE BOMBEIROS DE SÃO PAULO

MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

Dissertação apresentada ao Programa de Estudos Pós Graduados em Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, como requisito para obtenção do título de Mestre em Psicologia Social, sob a orientação do Profº Dr. Antonio da Costa Ciampa.

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TERMO DE APROVAÇÃO

EDNA BARBOSA DA SILVA

A CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA DOS RESGATISTAS DO CORPO DE BOMBEIROS DE SÃO PAULO

Dissertação apresentada como requisito para obtenção do título de Mestre em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP, pela

seguinte banca examinadora:

Profº Dr. Antonio da Costa Ciampa Orientador - PUCSP

Profº Dr. Odair Furtado - PUCSP

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Aos meus queridos filhos Lucas e Matheus,

Por encherem a minha vida de sentido, levando-me à busca incessante do meu “eu”.

Ao meu querido sobrinho Beto,

Pelo excelente exemplo que tem sido na vida dos meus filhos, desempenhando o perfeito papel do irmão mais velho.

A todos os bombeiros militares,

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A Deus, pela sua intensa presença na minha vida.

Aos meus pais, que, apesar de terem fisicamente se ausentado tão cedo da minha vida, estiveram espiritualmente sempre ao meu lado me iluminando.

Ao Prof. Dr. Antonio da Costa Ciampa, que ao me aceitar como orientanda, contribuindo para a realização desta pesquisa e principalmente, para a metamorfose ocorrida na minha vida.

Ao Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Identidade Metamorfose (NEPIM) do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo que, através dos estudos e discussões, contribuiu para a construção deste estudo.

Ao Ten. Coronel Wagner Bertolini Junior, por permitir que essa pesquisa fosse realizada em área sob o seu comando e, principalmente, por trazer na sua identidade o seu maior e melhor personagem, “o bombeiro”, tornando-se fonte inspiradora na construção dessa pesquisa.

Aos professores doutores presentes na Banca de Qualificação e de Defesa pela imensa contribuição na metamorfose vivida por mim no desenvolvimento desta pesquisa.

Ao meu querido Jeferson, por ter estado ao meu lado mesmo sabendo quão ausente eu estava da sua vida durante a construção dessa pesquisa, e, ainda assim, continuar me amando.

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À querida Marlene, que assumiu os cuidados com os meus filhos, com a minha casa, com os meus cachorros e até mesmo com a minha vida, para que eu pudesse me dedicar à finalização desta pesquisa. A você, “Má”, a minha eterna gratidão.

À diretora da Faculdade de Enfermagem do Hospital Israelita Albert Einstein (FEHIAE), Dra. Olga Guilhermina Dias Farah, e à vice-diretora Dra. Andrea Gomes C. Mohallem, por me incentivar na busca por esse título.

Aos professores da FEHIAE, pelo apoio e incentivo durante essa trajetória.

Às minhas queridas parceiras de disciplinas na FEHIAE, Maria de Fátima e Rita de Cássia, pelo incentivo, apoio e por serem exemplos de perseverança.

À Sra. Denise de Moura e a todos os funcionários da bibliotecária da FEHIAE, por ajudar no levantamento de diversas referências usadas nesta pesquisa.

À querida amiga Rosana, pela presença e incentivo.

A querida amiga Norildes que, através da sua sabedoria e bondade, ajudou-me em momentos extremamente difíceis dessa jornada.

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“Se é mais quando se vive entre os bons e, a cada

bom que parte, se é menos. Cada um reflete a

virtude de todos. Cada qual padece dos pecados

de todos.”

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RESUMO

SILVA, E. B. A construção identitária dos resgatistas do Corpo de Bombeiros de São Paulo. 2013. 94 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social)-Programa de Estudos Pós Graduados em Psicologia Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2013.

Trata-se de uma pesquisa envolvendo indivíduos enseridos no universo militar da Corporação de Bombeiros de São Paulo que apresentam como atividade principal “salvar vidas”. Conhecer os processos que envolvem a escolha profissional dos bombeiros militares e compreender como ocorre a construção do personagem “bombeiro” considerando a contínua exposição ao sofrimento humano, foram os objetivos criados para a realização dessa pesquisa, que teve como palco principal o 17º Grupamento de Bombeiros do Município de Mogi das Cruzes do Estado de São Paulo. Através de uma abordagem qualitativa om a análise de conteúdo das entrevistas realizadas foi possível compreender quais elementos estão presentes no momento da escolha profissional e os recursos utilizados por esses indivíduos na construção do personagem bombeiro. A formação recebida e a socialização ocorrida entre eles foi o principal fator identificado no processo de construção dessa identidade profissional.

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ABSTRACT

SILVA, E. B. The Construction of the Firefighter’s Corp Rescuers Identity from São Paulo. 2013. 94 f. Essay (Master’s degree in Social Psychology)-Post Graduation Studies in Social Psychology, São Paulo’s Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2013.

It is a research that involves individuals immersed in the Firefighters Corp’s military environment who demonstrate ‘’saving lives” as the main task. Knowing the processes involving the professional choice of the military firefighters and understanding how the firefighter character is built considering the continuous exposure to human suffering were the goals established for the development of this research which had as a main stage the 17th Mogi das Cruzes City Firefighter’s Brigade of the São Paulo State. Through the qualitative approach with the analysis of the data obtained from the interviews made, it was possible to understand which elements are present in the moment of the professional choice and the resources used by these individuals in the construction of the firefighter character. The training undertaken and the socialization that takes place among them were the main factor identified in the process of the professional identity construction.

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Lista de Abreviaturas e Siglas

Sigla Significado por extenso

APH Atendimento Pré-Hospitalar

AB Auto Bomba

AE Auto Escada

ASE Auto Salvamento Especial

AT Auto Tanque

BREC Busca e Resgate em Estruturas Colapsadas Cat. E Categoria E

CB Corpo de Bombeiros

CM Cavalo Mecânico

CO Comando de Operações

COBOM Centro de Operações de Bombeiros CSM Centro de Suprimento e Manutenção

DEPAVE-3 Divisão de Medicina Veterinária e Manejo a Fauna Silvestre

ESB Escola Superior de Bombeiros EUA Estados Unidos da América FATEC Faculdade de Tecnologia GB Grupamento de Bombeiros

MOpB Manutenção de Material Operacional de Bombeiro

MOPP Movimentação Operacional de Produtos Perigosos

PM Polícia Militar

PMESP Policia Militar do Estado de São Paulo

PP Produtos Perigosos

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SecComSoc Secretária de Comércio Social

SENAI Service Nacional de Apredizagem Indústrial SICOE Sistema de Comando de Operações em

Emergências

SK Snorkel, termo tradicional do Corpo de Bombeiros do Estado de São Paulo para designação de viaturas do tipo Plataforma aérea

SS/SSP Secretaria da Saúde e à Secretaria de Segurança Pública

TCLE Termo de Consentimento Livre Esclarecido Ten. Cel. Tenente Coronel de Polícia Militar

USA Unidade de Suporte Avançado

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 19

2 TRAJETÓRIA PROFISSIONAL... 26

3 HISTÓRIA DO CORPO DE BOMBEIROS DO ESTADO DE SÃO PAULO... 38

3.1. A contribuição da história na formação identitária dos bombeiros. 48 4 SOCIALIZAÇÃO DENTRO DA ORGANIZAÇÃO EM BUSCA DA IDENTIDADE PROFISSIONAL... 51

5 TRAJETÓRIA METODOLÓGICA... 56

6 ANÁLISE DAS ENTREVISTRAS... 59

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 79

8 REFERÊNCIAS... 84

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA... 89

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1 INTRODUÇÃO

Na infância, escolhemos ser, no futuro, tudo aquilo que a nossa imaginação possa criar e aonde ela possa nos levar, como, ser a professora que ensina, a enfermeira que cuida, o médico que cura, a atriz que interpreta, o bombeiro que salva e daí por diante. Nesse momento, as escolhas estão baseadas nos diferentes comportamentos que observamos e admiramos. Quando atingimos a adolescência, percebemo-nos independentes, passando, a partir daí, a buscar aquilo que nos desperta interesse, associando as nossas habilidades até então desenvolvidas à possibilidade de ser útil para a sociedade. Quando nos tornamos adultos, amadurecemos as opções feitas no passado, tornando possível aquela que mais se aproxima da nossa realidade. Para alguns, a escolha da profissão está relacionada à convivência e à influência familiar; para outros, a escolha está embasada na admiração por determinados personagens, ou, simplesmente, naquelas que ofereçam estabilidade e garantia de trabalho, como é o caso dos concursos públicos.

Na sociedade moderna, a maioria dos indivíduos faz a escolha profissional após o término do ensino médio, por volta dos 16 e 17 anos. Nesta idade, poucos se encontram preparados para fazer tal opção, levando-os a fazer essa escolha baseados em alguns fatores como, por exemplo, a opinião familiar. Em alguns casos, esta interferência pode influenciar a percepção que eles têm sobre determinada profissão, valorizando ou desvalorizando, mudando totalmente o destino de seus filhos (ANDRADE, 1997).

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Para Bohoslavsky (1998), ao fazer a escolha profissional, o indivíduo busca por motivos que fortaleçam e justifiquem a decisão tomada. Na verdade, amadurecem superando o medo e a indecisão, buscando por profissões que estejam relacionadas com seu gosto, aspirações e interesse, afirmando, ainda, que essa escolha só é possível a partir do momento em que ele consegue elaborar os seus conflitos.

Alguns elementos relacionados a vida social estão presentes na escolha profissional e são usados pelos indivíduos com o objetivo de melhorar de vida fazendo algo que lhes dão prazer, ao mesmo tempo em que ajudam o mundo, ajudam as pessoas ao seu redor (Bock 2010). Esse autor nos remete a reflexão de como as escolhas profissionais se processam afirmando que:

O sujeito escolhe, e essa escolha é um momento de seu processo pessoal de construção de sentidos. Mas essa construção utiliza como recurso ou materia-prima não só a irredutível existência singular dos sujeitos, suas experiências e os afetos que dedica a cada momento vivido, mas o conjunto de significações e de formas de relacionamentos e produção social em que acontecem e que circunscrevem as experiências por ele vividas (BOCK, 2010, p. 140).

O processo de escolha da profissão faz parte da identidade do indivíduo por relacionar-se com a sua história pessoal e envolver elementos presentes do seu mundo psíquico (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2001).

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muitas enfermeiras chorando como se estivessem perdendo um ente querido e foi com essa percepção que fiz a minha escolha.

Ao término da graduação fui trabalhar na emergência de um pronto socorro público municipal; o envolvimento com o sofrimento dos pacientes ou de seus entes queridos foi inevitável; sofria pelas mortes ou pelas histórias associadas a elas, e foi nesse universo de dor e sofrimento que conheci a atuação dos bombeiros1 e a relação de confiança e proteção estabelecida entre eles e a vítima durante o atendimento pré-hospitalar (APH)2, percebendo que havia outros profissionais que sofriam, e que, em algumas circunstâncias, arriscavam-se para salvar a vítima. Essa percepção veio a se confirmar anos depois quando me tornei enfermeira do APH na unidade de suporte avançado (USA) do Corpo de Bombeiros do Estado de São Paulo.

Aquartelada em plantões de 24 horas, participando da rotina militar e conhecendo as regras que permeiam o cotidiano desses indivíduos e dos recursos utilizados por eles na construção da identidade profissional, compreendi que o primeiro e mais importante compromisso com a vítima, obedece à primeira e mais importante missão desta instituição: “a proteção da vida, se preciso for, protegendo-a com protegendo-a própriprotegendo-a vidprotegendo-a”, segundo o Estprotegendo-ado Mprotegendo-aior dprotegendo-as Forçprotegendo-as Armprotegendo-adprotegendo-as (BRASIL, 1995).

Até o final da década de 80 as ocorrências eram atendidas de forma precária. Não havia sistematização para o atendimento envolvendo vitimas, diferentemente do serviço de APH nos países desenvolvidos; com a proposta de criar um serviço estruturado, uma equipe formada por oficiais do Corpo de Bombeiros e médicos foi enviada a Chicago com a missão de conhecer o serviço de APH, e implantá-lo em São Paulo (CARDOSO, 2004).

1 Bombeiro militar pertencente à Corporação do Corpo de Bombeiros da Policia Militar do

Estado de São Paulo

2Decreto nº 38432/94, atribui exclusivamente à Policia Militar do Estado de São Paulo, por

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O Corpo de Bombeiros da Policia Militar do Estado de São Paulo (PMESP) foi criado em 1880, inicialmente com o objetivo de combater incêndios; entretanto, no decorrer dos anos a atividade realizada por esses profissionais foi se diversificando abrangendo desde ações de prevenção como fiscalização em praias, orientação em escolas, vistorias em edificações, até o atendimento propriamente dito envolvendo vítimas de salvamento aquático, terrestre, em altura, APH nas emergências médicas, traumáticas e psiquiátricas, incluindo ainda, o gerenciamento e atendimento de catástrofes (CARDOSO, 2004).

Dados recentes citados por Bertolini (2012) em seu doutorado apresentam um efetivo de 10.008 profissionais no Corpo de Bombeiros da Polícia Militar do Estado de São Paulo, alocados em diversas unidades, distribuídas pelos municípios do Estado. São 241 unidades de atendimento operacional, fisicamente instaladas em 141 municípios, onde residem mais de 33 milhões de habitantes e que correspondem a mais de 80% da população do Estado.

A partir desta iniciativa, do investimento feito na compra de viaturas específicas para resgate devidamente equipadas e na formação oferecida para os bombeiros, qualificando-os para o atendimento, foi possível perceber mudanças significativas no APH realizado pela corporação, contribuindo para o reconhecimento social, que elege e coloca a profissão de bombeiro em primeiro lugar no ranking da pesquisa intitulada: marcas de confiança realizada pela Revista Seleções, validando dessa maneira a atividade desenvolvida por eles, principalmente pelas ocorrências envolvendo salvamento de vítimas, ou ainda, quando esse salvamento implica risco para a segurança deles, mostrada diariamente pela mídia e citada por CARDOSO (2004), ao falar do quanto eles expõem a própria vida para garantir a de outras.

Segundo Goffman, a percepção que a sociedade tem em relação a profissionais como os bombeiros refere-se ao comportamento coletivo de indivíduos.

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esfera social que abrange o exercício de sua competência profissional preocupar-se-á muito em dar uma demonstração de eficiência (GOFFMAN, 2011, p. 39).

Ao atender à sociedade nos momentos de dor e sofrimento, esses profissionais acabam sendo vistos no imaginário social como heróis, pessoas diferentes do restante da humanidade, isentas de qualquer sofrimento, seja ele físico ou emocional, levando-os a manter a figura do salvador, profissional competente, que arrisca a própria vida para garantir a de outras (CARDOSO, 2004; NATIVIDADE; BRASIL, 2006).

Não raro, o bombeiro é considerado protagonista da história de vida de suas vítimas quando essas sobrevivem, de seus familiares e, até mesmo, da população em geral, quando são os primeiros a se deparar com corpos sem vida evolvendo cenas grotescas e morte violenta gerando sofrimento para os profissionais resgatistas, expondo-os à dimensão do trágico. Essa situação é retratada por Bouyer ao abordar o sofrimento no trabalho dos profissionais do Corpo de Bombeiros de duas grandes metrópoles nacionais, onde, de acordo com esse autor,

a construção de sentido para o sofrimento é um meio consciente de viabilizar a própria atividade. Para continuar trabalhando no contexto pautado pela dimensão do trágico, com toda angústia, ansiedade, dor e sofrimento que ela agrega, a “saída” encontrada pelo trabalhador para se adaptar e continuar “trabalhando normalmente” é construir sentido para o que se situa no campo do imprevisto, do trágico, do irracional. Constrói-se sentido e dessensibiliza-se para ser eficaz, servir com qualidade, garantir o trabalho num serviço de vida ou morte (BOUYER; SZNELWAR; COSTA, 2006, p. 56).

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sociedades, quando “os membros se acham tão identificados aos olhos das outras pessoas, a boa reputação de um profissional depende da boa conduta dos outros”.

Para Baptista (2005), há também o envolvimento deles com os problemas psicológicos, físicos e sociais das vítimas, principalmente nas ocorrências de incêndios, enchentes e desabamentos. Na maioria desses eventos, a população atingida encontra-se abaixo da linha da pobreza e o salvamento expõe os bombeiros a um universo social de vítimas abandonadas e desamparadas socialmente, tornando-se mais um fator preditor de sofrimento para esses indivíduos.

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2 TRAJETÓRIA PROFISSIONAL

A construção da identidade dos bombeiros se dá a partir da sua admissão na Policia Militar e posteriormente no Corpo de Bombeiros, como descreveremos a seguir.

No Brasil, as questões relacionadas à segurança pública são de responsabilidade das policias civis e militares com funções distintas. A Polícia Militar com a função exclusiva de preservar a ordem pública através do policiamento ostensivo, e a Polícia Civil com a função judiciária e investigatória, ambas subordinadas ao Governo Estadual3. Em São Paulo, os bombeiros militares fazem parte do efetivo da Policia Militar dividido em duas categorias: a primeira, formada pelos praças, composta por soldado, cabo, 3º sargento, 2º sargento, 1º sargento e subtenente, e a segunda, formada pelos oficiais, composta por 1º tenente, 2º tenente, capitão, major, tenente-coronel e coronel. O aluno oficial e o aspirante a oficial encontram-se entre essas duas categorias.

O ingresso ocorre de forma distinta para cada categoria. Para se tornar oficial da Academia de Polícia do Barro Branco, o candidato presta o vestibular da VUNESP cursando quatro anos. O ingresso dos praças na Escola de Soldados acontece mediante classificação em concurso público, recebendo formação por aproximadamente 9 meses. Após esse período, ambas categorias passam a compor o efetivo nas diferentes unidades da Polícia Militar, independente da área de interesse do candidato. Logo, o ser bombeiro o obriga a ser militar, e a inserção na Corporação de Bombeiros para as duas categorias está sujeita à aprovação em outro processo para ingresso na Escola Superior de Bombeiros (ESB).

3 Art. 144 da Constituição Federal determina que a segurança pública, dever do Estado,

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Para a seleção desses indivíduos no Corpo de Bombeiros foram estabelecidos alguns critérios relacionados ao perfil psicológico, físico e intelectual dos candidatos. Essa decisão foi tomada no Seminário de Profissionalização no Corpo de Bombeiros ocorrido em 1995. Para a aprovação de aptidão física, o candidato deveria atingir 300 pontos e ter altura mínima de 1.65 cm; em relação à formação básica, ter cursado o Ensino Médio completo; não apresentar fobias em relação à altura, água, escuro e fumaça; saber nadar, possuir habilitação na categoria C e apresentar os traços conforme mostrados no Quadro 1.

Quadro 1 - Perfil psicológico

Responsabilidade caracterológico Aspecto Caráter Intelecto Físico

Estabilidade e

controle emocional capacidade de lutar Tenacidade – até a consecução do

objetivo

Honestidade Inteligência Trabalho

Coerência

intra-psíquica Perseverança-constância em trabalhar construtivamente sem oscilações Pontualidade Raciocínio dedutivo e intuitivo Interação Nível ideomotor

normal compreensão natural Organização-da hierarquia dos valores, sentido de

finalidade e importância, compreensão prática do que é essencial e do que é secundário,

senso de oportunidade

Lealdade Memória

auditiva Autoridade Poder /

Tônus psicomotor

normal Método – ordenação e esquematização Tenacidade Memória visual Controle nervoso

Equilíbrio tensional

normal Paciência Resistência fadiga psico física a agilidade Argúcia- intelectual combinada

com sensibilidade

humana e certa dose de

intuição

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Agressividade controlada e

levemente aumentada

Autoconfiança Amabilidade Imaginação criadora,

capacidade de gerar ideias novas, fugir de

rotina e busca de soluções Vigor Ansiedade controlada Prudência Agressividade controlada Curiosidade mental

Boa visão e audição

Determinação, orientação e decisão para com

os objetivos

Iniciativa Elação levemente

controlada Resistência fadiga a

Normal tensão no contato com certa

facilidade de estabelecimento

Equilíbrio emocional Impulsividade

Ausência de traços esquisotímicos e

disritímicos

Energia

Alto grau de constância de

reações

Acentuada noção de responsabilidade

Fonte: BRITO, F. R., 1997

Como podemos perceber no perfil exigido citado anteriormente, a identidade profissional desses indivíduos começa a se desenvolver no momento da aprovação na corporação. Atingindo os critérios estabelecidos para inserção na ESB, os militares das duas categorias passam a receber a formação específica com conteúdo teórico e com aulas práticas. Nas aulas práticas são criados cenários com situações envolvendo as diferentes ocorrências como: combate a incêndios, salvamento aquático, terrestre e em altura, retirada de vítimas presas nas ferragens, entre outras de igual importância para essa profissão, onde eles passam a partir destas simulações a vivenciar o atendimento (BRITO, 1997).

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indispensável, representa uma economia de recursos na preparação do pessoal técnico. Permite suporte à formação e implantação dos Corpos de Bombeiros municipais e voluntários em pequenas cidades que, pelo reduzido número de sinistros, não exigem a existência de profissionais específicos. Possibilita ainda o estabelecimento de organizações comunitárias com alta capacidade de mobilização, imprescindíveis ao desenvolvimento das atividades de Defesa Civil. Finalmente, a Escola possibilita treinamento especializado ao bombeiro, na preservação à vida e ao meio ambiente em todas as emergências (BRITO, 1997. p.44)

De acordo com Cardoso (2004), a precisão técnica necessária para o exercício das atividades desempenhadas pelo bombeiro é garantida após a realização de treinamentos e dos diferentes cursos de especializações oferecidos a eles pela instituição. Ainda segundo esse autor,

o Corpo de Bombeiros configura uma organização do trabalho que direciona todas as suas atividades para a preservação da vida de pessoas, exigindo dos seus integrantes uma qualificação profissional que prioriza a coragem, a rapidez nas ações e a precisão técnica. (CARDOSO, 2004, p. 56)

Para prepará-los, a corporação oferece diferentes cursos de acordo com as áreas de atuação e a especificidade do trabalho na ESB, como descrito por Brito (1997) em seu estudo, como mostra o Quadro 2.

Quadro 2 - Áreas de atuação com seus respectivos cursos

Área de Prevenção e combate a incêndios

Área de Atendimento a Emergências com Produtos Perigosos

Área de Salvamento e

Resgate Cursos de Formação e Especialização

Curso de Especialização em

incêndio florestal

Curso de atendimento em emergências com

produtos visando proteção de mananciais

e florestas

Curso de guarda vidas

Curso de formação de instrutores para treinamento

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Curso de multiplicadores para prevenção de incêndios

no lar

Curso de descontaminação de

produtos perigosos

Curso técnico em emergências médicas (190

horas)

Curso de formação de multiplicadores de bombeiros:

industrial, voluntário e municipal

Curso de ventilação em incêndios

Curso de contenção e controle de produtos

perigosos

Curso de salvamento com cabos

Curso de formação de soldado feminino

Curso de treinamento de atendimento emergencial em espaços confinados

Curso de identificação e análise de risco com

produtos perigosos

Curso de especialização

em mergulho Curso de formação de cabos

Curso de equipamentos portáteis para utilização no combate a incêndios

Curso de especialização em oficinas em atendimento em emergências com produtos perigosos

Curso de atendimento a emergências em

enchentes Curso de especialização para oficiais bombeiros

Curso de equipamentos fixos e semi-fixos para utilização no combate a

incêndios

Curso de especialização de praças em atendimento de emergências com

produtos

Curso de especialização em medicina hiperbárica

aplicada ao mergulho Curso de formação de praças bombeiros

Curso de pesquisa de incêndios

Curso de atendimento a emergências envolvendo material

radioativo

Curso de atendimento a emergências em navios

Curso de treinamento de operações de viaturas de auto salvamento especial e

auto escada

Curso de proteção em salvados em incêndios

Atendimento a

emergências em instalações ferroviárias e

metroviárias

Curso de direção defensiva

Curso de espuma de combate ao fogo

Curso de especialização em salvamento terrestre

Curso de administração e comunicações em grandes

emergências

Curso de combate em edifícios elevados

Curso de treinamento de plano de contingência em

desastres

Curso de ensaio de equipamentos fixos, semi fixos e portáteis utilizados no combate a

chamas

Curso de treinamento de equipamentos de proteção

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Curso de atendimento a emergências envolvendo risco

elétrico

Curso de ensaios de materiais de construção civil

quando submetidos à ação do calor

Curso de atendimento de emergência de colapsos estrutural

Curso de bomba hidráulica

Curso de sistema fixo de CO2

Curso de mecânica aplicada a serviços de bombeiros

Curso de sistema fixo de espuma

Curso de sistema fixo de chuveiros

automáticos

Curso de sistema fixo de nebulizadores

Curso de análise de risco de incêndio

Curso sobre ação do fogo em estruturas de

construção civil Curso de combate a

incêndios em aeroportos Curso de prevenção e

combate a incêndios em veículos

Curso de prevenção e combate a incêndios

com líquidos inflamáveis

Curso de prevenção e atendimento de emergências em

explosivos

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Essas atividades aparecem didaticamente descritas em manuais produzidos pelos oficiais da corporação. Esse tipo de iniciativa vem ao encontro com dos objetivos instituídos em relação à prestação de serviço para a sociedade; para isso, contamos com especialistas nas diferentes ocorrências, em que a habilidade, destreza e rapidez, corroboram com resultados dos serviços prestados à sociedade. Dessa forma, os procedimentos padronizados são reproduzidos em cada atendimento, sendo copiado e, em algumas vezes, aperfeiçoados pelos próprios bombeiros. Logo, o ser bombeiro implica aprender e treinar, aprender com quem sabe e treinar com quem exerce o ofício, ficando explícita a importância da socialização entre eles.

Com essa formação, o Corpo de Bombeiros da Polícia Militar do Estado de São Paulo confirma a sua vocação de bem servir, por meio da busca incessante do conhecimento e das técnicas mais modernas e atualizadas, empregadas nos serviços de bombeiros nos vários países do mundo (CORPO DE BOMBEIROS, 2006).

Figura 1 - Escola Superior de Bombeiros localizada em Franco da Rocha

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O atendimento das diferentes ocorrências é realizado através do envio de viaturas especializadas; cada viatura é tripulada por uma guarnição4 específica,

designada para uma determinada função, conforme o Quadro 3. Dessa forma, entendemos que durante a sua formação na ESB, o bombeiro é preparado de uma forma básica e generalizado para esse ofício. A especificidade da profissão é adquirida ao longo da carreira com a realização dos cursos citados anteriormente, associados aos treinamentos intensivos e, principalmente, na convência com os demais profissionais.

Quadro 3 – Descrição das viaturas e perfíl necessário para a composição das respectivas guarnições.

Equipamento

(viatura) Conhecimentos necessários Habilidades necessárias Atitudes desejadas e utilização

Produtos Perigosos (PP)

Curso de Atendimento a Emergências com Produtos Perigosos pelo Corpo de Bombeiros do Estado de São Paulo; Curso de Condução de Viaturas em Situação de Emergência;

Curso de movimentação Operacional de Produtos Perigosos (MOPP); Curso de Salvamento Terrestre;

Motorista Cat. E.

Bom desempenho em atividades em espaços confinados;

Contar com, no mínimo, 02 anos de serviço na atividade operacional;

Habilidade no uso de ferramentas de informática. Conhecimentos de

manobras de retirada rápida de vítimas de ambiente contaminado.

Pró-atividade e

Trabalho em equipe para atendimento de todo tipo de chamado envolvendo substâncias químicas ou que necessitem de monitoramento ambiental

CO - SICOE

Estágio no COBOM do Corpo de Bombeiros do Estado de São Paulo; Curso de Condução de Viaturas em Situação de Emergência;

Curso de operador de

Bom desempenho em manuseio e operação com sistemas de

telecomunicações;

Contar com, no mínimo, 05 anos de serviço na atividade operacional/Administrativa;

Pró-atividade; Liderança;

Trabalho em equipe. Utilizada para

centralização de comando em ocorrências que

4 Guarnição é o nome denominado as equipes que compõem as diferentes viaturas da

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telecomunicações; Curso de Relações Públicas pela SecComSoc; Motorista Cat. E.

Capacidade de se expressar de forma clara, precisa e objetiva;

Conhecimentos aprimorados em Informática (Word, Excel e PowerPoint).

envolvam pessoas ou entidades estranhas ao Corpo de Bombeiros de São Paulo.

AE/SK

Curso de Operador de viaturas aéreas pelo Corpo de Bombeiros do Estado de São Paulo; Curso de Condução de Viaturas em Situação de Emergência;

Curso de Salvamento em Alturas;

Motorista Cat. E.

Conhecimentos aprimorados em Sistemas Hidráulicos e elétricos;

Contar com, no mínimo, 02 anos de serviço na atividade operacional;

Noções de Mecânica Semi- Pesada e Pesada.

Pró-atividade; Trabalho em equipe. Utilizada em ocorrências que necessitem de trabalhos em alturas superiores a 25 metros.

Auto Bomba

AB

Curso de Salvamento Terrestre;

Curso de Salvamento em Altura

Curso de Condução de Viaturas em Situação de Emergência;

Curso de Incêndio; Motorista Cat. E.

Conhecimentos aprimorados em Sistemas Hidráulicos e elétricos;

Contar com, no mínimo, 02 anos de serviço na atividade operacional;

.

Pró-atividade; Trabalho em equipe. Utilizada para Combate a Incêndios e operações de salvamento de

complexidade média.

Auto Salvamento Especial

ASE

Curso de Atendimento a Emergências com Produtos Perigosos pelo Corpo de Bombeiros do Estado de São Paulo; Curso de Condução de Viaturas em Situação de Emergência;

Curso de Operador de Guindastes pelo SENAI; BREC;

Curso de Salvamento Terrestre;

Motorista Cat. E.

Conhecimentos aprimorados em Sistemas Hidráulicos e elétricos;

Noções de Mecânica Semi- Pesada e Pesada;

Contar com, no mínimo, 02 anos de serviço na atividade operacional;

(36)

Auto Tanque

AT

Estágio no CSM/MOpB – Mecânica Geral;

Curso de Condução de Viaturas em Situação de Emergência;

Curso de Salvamento Terrestre;

Motorista Cat. E.

Conhecimentos aprimorados em Sistemas Hidráulicos e elétricos;

Noções de Mecânica leve e Semi- Pesada;

Contar com, no mínimo, 02 anos de serviço na atividade operacional;

Pró-atividade; Trabalho em equipe. Viatura Utilizada para combate a incêndios com a função precípua de fornecimento de água. Trabalha em conjunto com AB

Em grandes incêndios é responsável pelo fornecimento de água contínuo (se desloca até hidrantes várias vezes)

Cavalo Mecânico e reboque

CM + RE

Estágio no CSM/MOpB – Mecânica Geral;

Curso de Condução de Viaturas em Situação de Emergência;

Curso de Salvamento Terrestre;

Motorista Cat. E.

Conhecimentos aprimorados em Sistemas Hidráulicos e elétricos;

Noções de Mecânica leve e Semi- Pesada;

Contar com, no mínimo, 02 anos de serviço na atividade operacional;

Pró-atividade; Trabalho em equipe. Viatura Utilizada para combate a incêndios com a função precípua de fornecimento de água. Trabalha em conjunto com AT e AB

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Guindaste

Curso de Operador de Guindastes pelo SENAI; Curso de Salvamento Terrestre;

Curso de Condução de Viaturas em Situação de Emergência;

BREC;

Motorista Cat. E.

Conhecimentos aprimorados em Sistemas Hidráulicos e elétricos;

Noções de Mecânica Semi- Pesada e Pesada;

Contar com, no mínimo, 02 anos de serviço na atividade operacional;

Pró-atividade; Trabalho em equipe.

Fonte: Elaborado pelo comandante do 17º GB Ten. Coronel Wagner Bertolini Junior.

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HISTÓRIA DO CORPO DE BOMBEIROS DO ESTADO

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3 HISTÓRIA DO CORPO DE BOMBEIROS DO ESTADO DE SÃO PAULO

Para o desenvolvimento de uma pesquisa em que a historiografia é significativa para a sua construção, revisões históricas são muito importantes, principalmente por justificar “os fatores determinantes e as implicações das mudanças” (LUNA, 2009, p. 92), exatamente como será mostrado na instituição do Corpo de Bombeiros.

Esta é uma história que começou há dois séculos O espírito de sacrifício, a coragem, a vontade de ajudar o próximo e o heroísmo são os principais ingredientes. Hoje, a moderna tecnologia somada àquelas virtudes, ao trabalho muitas vezes anônimo, porém, simplesmente imprescindível do bombeiro, continua a escrever páginas recheadas de belos exemplos de dedicação, eficiência e profissionalismo do Corpo de Bombeiros da Policia Militar do Estado de São Paulo (BOMBEIROS, [200-]).

Figura 2 -Manual Noções Práticas do Serviço de Bombeiros, 1915.

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Segundo a historiografia retratada por Brito (1997), no dia 2 de Julho de 1856, no Rio de Janeiro, foi criado o Corpo de Bombeiros da Corte e no ano de 1874, em São Paulo, foi feita a primeira tentativa de estabelecimento de um serviço de bombeiros agregados à Companhia de Urbanos (Guardas-civis), tendo no efetivo 10 homens que foram treinados para a função. Na época foram comprados baldes de couro, machadinhas e um saco salva-vidas, e o efetivo foi contratado junto à Corte. Como a lei não estabelecia qual era a prioridade dos Urbanos, se policiamento ou combate a incêndios, esta função acabou sendo abandonada, e os bombeiros designados para policiamento das ruas. As autoridades da época não se conscientizaram da necessidade do serviço e a cidade continuou sob o risco de uma tragédia.

Figura 3 - Faculdade de Direito do Convento São Francisco

Fonte:Imagem cedida pelo Ten. Cel. Wagner Bertolini Junior

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em caso de necessidade; não havia equipamento próprio para o combate a incêndio, sendo que as duas bombas manuais usadas eram emprestadas de terceiros (BRITO, 1997).

A tragédia ocorrida no Convento São Francisco chocou toda a sociedade da época. No dia seguinte, o Deputado Ferreira Braga, estarrecido com o fato, apresentou duas propostas, uma criando a Seção de Bombeiros da Capital e outra destinando verba para a reconstrução do edifício, sensibilizando a todos com o seguinte discurso:

É admirável, Sr. Presidente, vergonhoso mesmo, permita-me a franqueza, que numa cidade tão importante como São Paulo, tão rica, quanto populosa, não exista um Corpo de Bombeiros perfeitamente organizado. Não há cidade ou vila nos Estados Unidos da América, que não tenha montado sempre pronto a voar para onde quer que o incêndio se anuncie um Corpo de Bombeiros. Ou tem sido muita confiança na boa estrela desta Província ou indesculpável descuido. Entretanto, tem se gasto grossas somas com aformoseamento da cidade e não se cura de dar organização regular ao Corpo de Bombeiros, munindo-se a capital do material preciso para a extinção de incêndios [...] (BRAGA, 1880 Apud BERTOLINI, 2012, p. 21)

Figura 4 - Bomba manual de tração animal

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Após o incêndio na Faculdade São Francisco, a seção de bombeiros foi criada de forma obrigatória levando os legisladores da época a criar uma lei que foi votada, aprovada e publicada em 10 de Março de 1880; a partir daí, o serviço de bombeiros recomeçava, porém, de modo incipiente, e de acordo com os historiadores a única diferença da tentativa anterior, era que, agora os bombeiros tinham existência oficial. Do efetivo ao equipamento, tudo ainda era insuficiente e inadequado para uma cidade que já dava ares de metrópole. Em 1881, com a inauguração do sistema de águas da capital, foram implantadas diversas válvulas para auxiliar o serviço dos bombeiros, fazendo com que eles passassem a se dedicar exclusivamente ao treinamento e à função de bombeiro.

A instituição começou a se consolidar em 1882, quando o decreto n. 42, que dispunha sobre a composição e efetivos das forças policiais, estabeleceu que fossem formadas pelos: Corpo Policial Permanente, Companhia de Urbanos e Seção de Bombeiros; embora ainda fizesse parte dos urbanos, foram citados de forma independente. Em 1886, ocorreram dois fatos importantes para a Seção de Bombeiros:

O primeiro referia-se à publicação do Código de Posturas: Previa-se, dentre outras coisas, que os encarregados dos sinos das igrejas dessem o alarme quando soubessem de um incêndio; avisos falsos seriam punidos com pesadas multas e prisão; os aguadeiros (transportadores de pipas) tinham, por força da lei, de comparecer ao local do sinistro, e os poços ficariam franqueados aos bombeiros. O código também premiava em dinheiro aqueles que, em caso de incêndio, não sendo bombeiros, tivessem o melhor desempenho no combate ao fogo. O segundo estava relacionado à visita do Imperador Dom Pedro II, que após assistir a uma demonstração da seção, desaprovou-a levando-os a tomar providências em relação ao efetivo, equipamentos e formação dos profissionais envolvidos nesse ofício.

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na primeira Revolta Armada; obviamente, esses homens não estavam acostumados, tendo as suas funções completamente desviadas (BOMBEIROS, [200-]).

A Força Policial do Estado é reorganizada em três corporações, sendo que o Corpo de Bombeiros passa a fazer parte da Brigada Policial, juntamente com a Infantaria e a Cavalaria. Em 1906, chega ao Brasil a Missão Francesa com a incumbência de instruir e militarizar a Força Pública, que aglutinava a Força Policial, a Companhia de Cívicos da Capital e o Corpo de Bombeiros. Logo, esse treinamento os tornaria bons combatentes na Revolução de 24. Apesar dos resultados mostrados na guerra, a qualidade do serviço prestado pelos bombeiros deteriorava a olhos vistos, e esse fato era devido à quantidade de tempo gasto com a manipulação de armas.

O nome Corpo de Bombeiros voltaria em 1932, e até 1936 esteve sob a tutela estadual, “parado no tempo”, como toda a Força Policial (ex-Força Pública), devido ao crescimento da Guarda Civil e da Polícia Civil. Em 1936, o serviço é transferido para a municipalidade, por três motivos: as leis de proteção só podem ser editadas pelo município; um incêndio não é algo que exija ações de âmbito estadual; e, por fim, não era justo o estado arcar com as despesas de um serviço prestado apenas a algumas cidades. Não foi uma boa mudança, pois o próprio prefeito Prestes Maia dizia que preferia pagar os prejuízos dos incêndios a sustentar o Corpo de Bombeiros. Entre os poucos progressos da época consta um novo manual, intitulado “Regulamento de Instruções sobre os Serviços de Bombeiros”.

Figura 5 - Guindaste construído na fabrica da Metz, Alemanha - 1968.

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Apesar de todos esses problemas, o Corpo de Bombeiros foi definitivamente incorporado à Força Policial do Estado em 1942, e a prefeitura deveria pagar uma quantia para custear a despesa com pessoal, material e outros serviços. Ficou acertado que o Estado cobriria o que ultrapassasse em gastos.

Com o objetivo de reorganizar o Corpo de Bombeiros é nomeada, em Agosto de 1946, uma comissão da qual fazia parte o coronel Índio do Brasil. Dentro desse mesmo propósito, mas já com um forte sentimento separatista, iniciou-se um movimento entre oficiais de todo o estado, a fim de criar uma corporação de bombeiros sem ligação com a polícia, aliás, um desejo de autonomia que vinha crescendo entre os bombeiros desde 1942, trazendo com esse pensamento separatista a melhoria na formação e garantindo mais profissionalismo na tropa para as suas funções.

A possibilidade da guerra que consumia o mundo chegar ao país era enorme e o tipo de instrução da Força Pública (que voltara a se chamar assim) alterou-se, visando mais às operações militares que policiais; isso desagradava aos bombeiros, cujos propósitos se já eram diferentes da função policial, quanto mais da militar. De qualquer modo, esses planos, que eram traçados em segredo, acabaram sendo descobertos. Era o final da década de 40, e terminado o conflito mundial, a Força Pública não tinha mais objetivos militares. Os bombeiros eram então um grande trunfo para quem procurava destinações públicas, dispondo de meios e infraestrutura pronta para apoiar o serviço policial e também servia para justificar despesas. Em determinado momento, parecia que a continuidade da Força Pública dependia do seu domínio sobre o Corpo de Bombeiros.

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Força Pública a montagem do seu Serviço de Material Bélico. Era para lá que os carros do Corpo de Bombeiros se dirigiam quando precisavam de reparos, impedindo a manutenção imediata. As oficinas foram restabelecidas apenas em meados da década de 50.

Graças também às visitas dos oficiais comprometidos com a autonomia, acordos foram fechados com várias cidades, começando a se consolidar os destacamentos no interior, absorvendo alguns bombeiros municipais. Como um todo, no entanto, havia muito que fazer, especialmente na capital. Não existia um sistema de ligação direta com o Departamento de Irrigação da Prefeitura, nem um centro técnico-estatístico-educacional que fornecesse base tanto para aprimorar a instrução profissional quanto para melhorar a organização, ou um curso para formar oficiais de bombeiros. Efetivo e equipamentos continuavam inadequados e operavam apenas as três Estações, localizadas sem nenhum planejamento para uma cidade que chegava a dois milhões de habitantes.

Convivendo com essas dificuldades, o Corpo de Bombeiros procura um melhor caminho e promove a primeira viagem de um oficial da unidade ao exterior, em 1949. Geraldo Teodoro da Silva foi aos Estados Unidos em busca de novos conhecimentos e técnicas. Em 1952, outros países são visitados. Dessas experiências e mais a capacitação de vários oficiais, ressurgem, em 1954, os manuais para instrução, inclusive os específicos (escadas, mangueiras, acessórios, arrombamentos, salvamento, etc.). O último manual datava de 1936 e encontrava-se ultrapassado. Os cursos para a formação de bombeiros passam a ser regulares e uma companhia operacional passou a acumular a função de Companhia Escola de Bombeiros, aumentando com isso o número de postos, inclusive um dentro do aeroporto de Congonhas, sendo o primeiro aeroporto civil brasileiro a contar com esse serviço.

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importação de viaturas e equipamentos, pois a existência de normas e padrões impedia a sua fabricação no Brasil.

Com o incêndio no Clube Elite em 28 de setembro, com aproximadamente 50 mortes, novos equipamentos foram comprados na Alemanha e na Holanda. A década de 50 representou uma fase excelente no que diz respeito à instrução e especialização do pessoal. Excluindo os oficiais que aprendiam de acordo com seus interesses, existiam as especialidades de motoristas de bombeiros, telegrafistas, válvulas, salvação e até um curso de bombeiros auxiliares para civis; mesmo com toda esta evolução, no final de 1960 o serviço ainda precisava de melhorias.

A crise ocorrida na instituição devido aos baixos salários levou os tenentes dos bombeiros a promover uma greve que paralisou os serviços por quase 24 horas. A existência de uma caixa de reclamações em um dos comandos incentivou a quebra da disciplina; causando a transferência dos oficiais líderes desse movimento para o interior, interrompendo o fluxo de conhecimento transmitido. Em 1964, já com a melhoria da formação com a volta dos oficiais antigos é inaugurada a Companhia Escola.

Figura 6 - Incêndio do edifício Joelma em 1974

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Apesar da criação da Companhia Escola e da compra de equipamentos, os bombeiros ainda não se encontravam em condições para atender São Paulo nas dimensões em que a cidade se encontrava na década de 70, e isso ficaria provado com alguns catastróficos incêndios, como os dos edifícios Andraus (1972) e Joelma (1974). Além das deficiências da Corporação em si, a legislação preventiva continuava falha, com um Código de Obras dos anos 30.

Com o incêndio ocorrido no Andraus, foi elaborado um plano trienal de melhorias, entretanto, tudo ficou mais uma vez nas intenções. As autoridades só seriam sensibilizadas com a demonstração de coragem sobrenatural dos bombeiros, tentando desesperadamente superar a falta de tecnologia, numa pavorosa manhã de Fevereiro de 1974; todo aquele desprendimento não impediu que quase duas centenas de vidas fossem ceifadas pelo incêndio do edifício Joelma.

A cidade não poderia ficar mais à mercê das tragédias, contando somente com a dedicação dos seus bombeiros; a comoção provocada pelo incêndio levou o Governo Federal a interferir, determinando a reorganização da Corporação; foi instituída uma comissão para estudar a situação, aproveitando-se os apontamentos feitos em 1972. O resultado desse trabalho foi intitulado “Anteprojeto para Organização do Corpo de Bombeiros do Estado de São Paulo”; neste documento estava pleiteada a criação de um só Bombeiro para todo o Estado, a regulamentação dos serviços, o surgimento de quadros profissionalizantes e meios que garantissem a implantação do sistema. Estava inserida ali a autonomia na sua área de atuação, um treinamento diferenciado para o pessoal, recursos próprios e uma rígida política de prevenção, reafirmando a finalidade máxima dos bombeiros.

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passam a contar com rádio. Em 1979 ressurgem os manuais divididos por assuntos específicos. No mesmo ano foi lavrado um convênio entre o Estado e a Prefeitura de São Paulo, mais consciente de sua responsabilidade, após o acontecido no Joelma; até então, ela limitara-se a pagar ao Estado a irrisória quantia anual firmada em 1942.

Ser Humano significa ser Histórico. Compreender o ser humano implica em partir do pressuposto de que cada gesto, cada palavra está imediatamente inserido num contexto muito maior, que transcende a ele e a sua existência. Escrevendo a história de toda a humanidade, todo o passado determina, constrói, reconstrói, explica, significa e re-significa o presente; todo presente engendra, contém e constrói o futuro (CODO; VASQUEZ-MENEZES, 2000, p. 7).

3.1. A contribuição da história na formação identitária dos bombeiros

Como a própria historiografia retratou, a falta de efetivo para combater os incêndios, levou muitos voluntários a exercer a função de combatente nas frequentes ocorrências de incêndios; a iniciativa e bravura desses voluntários foram reproduzidas ao longo dos anos sendo refletida no comportamento dos bombeiros, confirmando a importância da história para a construção identitária desses profissionais, segundo Ansara (2008). Essa autora afirma ainda, que a identificação do indivíduo com o grupo ao qual ele pertence é fundamental para a reconstituição da memória, determinando o seu comportamento (ANSARA, 2008). Sendo importante também, considerarmos a história de cada indivíduo nos diferentes papeis desempenhados por ele, afirma Lane (1989).

De acordo com Berger e Luckmann (2009), o significado de determinados comportamentos para uma população específica nas diferentes gerações só pode ser transmitido através das ações individuais, denominadas por esses autores de universo simbólico.

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entra em contato com essa história a partir da relação estabelecida com o outro, usando-a na construção da sua identidade (CIAMPA, 2005).

Compreendemos a identidade como a constituição dos diferentes personagens encarnados pelo indivíduo, e para que a representação desses personagens possa acontecer é necessário que o ambiente favoreça essa socialização. No entendimento de Habermas (2010, p. 10),

o indivíduo apropria-se do passado histórico, efetivamente encontrado e concretamente rememorado, tendo em vista as possibilidades de ações futuras. Somente assim ele faz de si uma pessoa insubstituível e um indivíduo inconfundível.

Na obra de Ciampa (2005), percebemos que para descobrirmos a identidade de uma determinada pessoa precisamos não apenas conhecer todos os dados em relação a ela, como também nos aproximarmos da sua familia, do seu trabalho, ou seja, da sua história.

Ao relacionarmos esses conceitos com o sujeito desta pesquisa, percebemos, dentre outras coisas, que a constituição do personagem bombeiro se dá, também, pela assimilação do conhecimento acumulado, seja no mesmo momento, ou em épocas diferentes, comprovando a importância da história (LANE, 1989).

Dificilmente as relações pessoais são descritas apenas como pessoais; elas são tecidas numa tapeçaria histórica. Segundo suas próprias palavras: ele está escrevendo sobre seus antepassados e sobre “pessoas que morreram antes que ele nascesse, mas que ainda exercem influência sobre mim, talvez de maneiras que não percebo e de maneiras que preciso identificar” (STRAUSS, 1999, p. 164).

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compreensão, “o conjunto completo de fatos conhecidos sobre uma pessoa íntima não se encontra combinado em nenhuma outra pessoa no mundo, sendo esse um recurso adicional para diferenciá-lo positivamente de qualquer outra pessoa” (GOFFMAN, 2012, p. 66)

Todas as mudanças ocorridas na corporação citadas na historiografia do Corpo de Bombeiros devem ser compreendidas como necessárias, tanto para a instituição, quanto para os indivíduos. Nesse contexto, Bauman compara a construção da identidade com a montagem de um quebra-cabeça.

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SOCIALIZAÇÃO DENTRO DA ORGANIZAÇÃO EM

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4 SOCIALIZAÇÃO DENTRO DA ORGANIZAÇÃO EM BUSCA DA IDENTIDADE PROFISSIONAL

Ao pensarmos nos recursos utilizados por esses indivíduos na construção da identidade, busquei por referenciais que dessem sustentação a essa pesquisa e encontrei, na teoria de Ciampa respostas que fundamentassem a construção identitária do bombeiro, assim como: Berger e Luckmann, Erving Goffman, Anselm Strauss, entre outros autores de igual importância para a compreensão desta temática e consequentemente, no desenvolvimento desta pesquisa.

De acordo com Ciampa, ao pensarmos em um determinado personagem, buscamos os predicados que a ele estão associados, como por exemplo: o bombeiro, profissional bom, solidário, protetor e salvador; ao lhe atribuirmos esses adjetivos, contribuímos para que ele reproduza socialmente a identidade do profissional bombeiro, levando-o a agir de acordo com essas predicações (CIAMPA, 2005).

Para esse autor, o meio social no qual o indivíduo está inserido é responsável pela criação do personagem que ele representa, No caso especial do sujeito dessa pesquisa, ao ser identificado com os adjetivos específicos atribuídos a ele, o bombeiro interioriza, identificando-se como tal (CIAMPA, 2005).

Ainda neste contexto, podemos pensar na instituição Corpo de Bombeiros como um dos fatores responsáveis pela construção da identidade coletiva dos profissionais inseridos socialmente nas atividades de resgate e salvamento. Por se tratar de um ambiente militar, podemos concordar com Goffman (2011), quando ele se refere à interação e ao alinhamento entre os indivíduos pertencentes a grandes intituições sociais.

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a vida coletiva, como a vida mental do indivíduo, é feita de representações; é portanto presumível que representações individuais e representações sociais são, de alguma maneira, comparáveis.

Na concepção de Lima (2010), a identidade do indivíduo só pode ser identificada através dos diferentes personagens que ele representa, sendo necessária a representação desses personagens para que ela possa ser reconhecida.

Entretanto, a constituição dos diferentes personagens do indivíduo socializado depende do entendimento linguístico com outros e com entendimento intra-subjectivo e biográfico com ele mesmo, em um processo simultâneo, segundo Habermas (2004).

Esse autor conclui, ainda, que a identidade do indivíduo forma-se a partir do processo de socialização, dentro do sistema social, e através da apropriação de “generalizações simbólicas” (idioma, visões do mundo, regras de comportamento, etc.), e também, das imagens do mundo que estão na base da sociedade (MENTE, [200-], p. 37). Para os profissionais inseridos no Corpo de Bombeiros, alguns símbolos institucionais militares como, por exemplo, o hino do bombeiro, é incorporado na identidade desses indivíduos.

Para Bock, Furtado e Teixeira (2001), a identidade é construída a partir da relação estabelecida entre o indivíduo e as pessoas significativas do seu meio, levando-o a apropriar-se de determinadas características desses modelos, com isso, ele se destaca e se diferencia.

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Segundo Natividade e Brasil (2009), o meio social institucional em que esses profissionais estão inseridos contribui para a construção das suas identidades, levando-os a se reconhecerem no papel de bombeiro, precisando que os outros também o reconheçam nesse mesmo papel. Esses autores concluem que, ao representar esse papel, ele ultrapassa os limites organizacionais permitindo dessa forma a invasão da própria vida.

Para Berger e Luckmann (2009), a estrutura social é responsável pela formação e conservação da identidade; logo, o ser bombeiro depende obrigatoriamente, da permanência e convivência do indivíduo nesta instituição. Ainda de acordo com esses autores, os tipos de identidade são decorrentes dos produtos sociais; dessa forma, para conhecermos a identidade do indivíduo precisamos adentrar no universo social ao qual ele pertence.

Em relação ao personagem bombeiro, ao entrar no universo institucional identificamos características próprias da identidade desses profissionais, mostrando-nos que a socialização na instituição é necessária, pois, de outra forma, não teriam como reproduzir determinados comportamentos ao longo dos anos. Nesse contexto, Mead (1992 apud LIMA, 2010, p. 170), discorre sobre o fato de que ”o indivíduo é uma personalidade porque pertence a uma comunidade, e incorpora as instituições dessa comunidade em sua conduta”.

Ainda sob essa perspectiva, aprendemos com Ciampa (2005) que ao identificarmos o personagem bombeiro atribuímos-lhes alguns predicados, levando-os de uma forma subjetiva a interiorizá-llevando-os.

A socialização que promove a formação permite que eles adotem as mesmas condutas dos colegas, ao mesmo tempo em que garantem a individualidade. Essa reprodução é confirmada por Berger e Luckmann (2009, p. 77), ao afirmar que

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Em relação à socialização dos indivíduos pertencentes à organização militar, Natividade (2009) acredita que a reprodução do comportamento pode estar relacionada também à necessidade do cumprimento das regras instituídas no ambiente militar, tendo como resposta a obediência absoluta; e que esses indivíduos podem ainda ampliar esse comportamento para o ambiente extra-corporação. Para esses autores, a identidade dos indivíduos é construída e reconstruída ao longo da vida, acompanhando as alterações ocorridas tanto nas relações interpessoais quanto no próprio meio social. Essas mudanças são denominadas por Ciampa de metamorfose.

Ao construir a imagem do bombeiro, os profissionais da corporação utilizam todos os elementos usados pela própria sociedade em relação a eles, porém, com liberdade para elaborar, segundo Goffman (2012).

Em relação ao cotidiano dos indivíduos pertencentes ao Corpo de Bombeiros, a socialização é contínua pela própria estrutura organizacional da instituição. Essa atividade é realizada em escala de serviço de 24 horas entercaladas com 48 horas de descanso, dessa forma, a socialização vai além dos componentes relacionados ao trabalho, a relação de amizade estabelecida entre o grupo permite uma invasão da vida pessoal levando-os a criar fortes vínculos de amizade.

Para Durkheim (2008, p. 20), o indivíduo procura relacionar-se com pessoas com as quais ele mantém afinidade, e completa “é por isso que procuramos em nossos amigos as qualidades que nos faltam, porque unindo-nos a eles participamos de uma certa forma da sua natureza e nos sentimos, então, menos incompletos”. Essa teoria pode ser aplicada na relação social estabelecida entre os bombeiros.

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5 TRAJETÓRIA METODOLÓGICA

Trata-se de uma pesquisa qualitativa com os objetivos de conhecer os processos que envolvem a escolha profissional dos bombeiros militares e compreender como ocorre a construção do personagem bombeiro considerando a contínua exposição ao sofrimento humano, através da técnica da análise de conteúdo das entrevistas realizadas com os sujeitos pertencentes ao 17º Grupamento de Bombeiros do Município de Mogi das Cruzes do Estado de São Paulo, após autorização do Comandante desta instituição e submissão do projeto ao Comitê de Ética da PUC.

Minayo (2008, p. 262) refere-se à entrevista como um instrumento útil para a pesquisa social por trazer informações subjetivas do próprio sujeito,

constituindo a representação das idéias, crenças, maneiras de pensar, opiniões, sentimentos, maneiras de sentir, maneiras de atuar, condutas, projeções para o futuro; razões conscientes ou inconscientes de determinadas atitudes e comportamentos.

Bardin (1977, p. 45) discorre sobre a técnica de análise de conteúdo como uma forma de se buscar conhecer o que está além das palavras sobre as quais se debruça concluindo que “essa técnica se desenvolve a partir de mecanismos de dedução, com base em indicadores reconstituídos a partir de uma amostra de mensagens particulares”.

O nome dos sujeitos foi sugerido pelo comandante após ler o projeto e perceber a relevância desse estudo na construção da identidade profissional dos bombeiros e, também, para a própria corporação.

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atender ocorrências, inviabilizando a realização da pesquisa nas datas agendadas, o que felizmente não ocorreu.

Os bombeiros escolhidos encontravam-se de serviço nos dias agendados e já haviam sido informados sobre a minha presença e dos motivos que me levavam a esta instituição. Após apresentação, eles eram informados sobre a pesquisa e a necessidade das entrevistas serem gravadas. Não havendo nenhuma objeção por parte dos participantes, eu entregava o termo de consentimento livre esclarecido (TCLE), o qual, após leitura, eles assinavam.

No total, foram realizadas cinco entrevistas. Inicialmente os sujeitos se mostravam encabulados na minha presença, ou melhor, no fato de terem as suas falas gravadas. Percebendo isso, tentei iniciar um diálogo em que a pergunta aparecia entrelinhas e, a partir daí, o discurso emergiu naturalmente e todo material necessário para responder aos objetivos dessa pesquisa chegavam a mim através das palavras, das expressões ou, até mesmo, das pausas. Tudo isso era devidamente registrado por um gravador e um celular.

Para responder aos objetivos desta pesquisa eu elaborei a seguinte pergunta: fale-me sobre a sua profissão. Através do diálogo estabelecido as respostas chegavam trazendo todos os significados necessários. Cada entrevista durou aproximadamente 1 hora e 30 minutos.

O conteúdo das gravações foi lido e transcrito na íntegra Ao término desse processo, procurei desenvolver um olhar crítico sobre todo o material registrado e fazer um recorte das falas relevantes para o objetivo dessa pesquisa. As palavras e frases com maior destaque e que se referiam ao mesmo conteúdo foram separadas e agrupadas, propiciando a criação de categorias para posterior interpretação dos seus significados (OLIVEIRA, 2005).

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6 ANÁLISE DAS ENTREVISTRAS

Ao buscar por sujeitos que respondessem aos questionamentos dessa pesquisa, acabei por selecionar três entrevistas, todas pertencentes à categoria de praça e operacionalmente envolvidos no atendimento. Para me referir a esses sujeitos utilizei um código representado pela profissão, seguido de um adjetivo atribuído a eles por mim em decorrência da própria entrevista.

Foram criadas três unidades temáticas com as respectivas categorias que emergiram a partir dos significados interpretados nas entrevistas.

 Núcleo Temático I: Ser Bombeiro. Esse núcleo refere-se à escolha profissional desses sujeitos permitindo a criação das seguintes categorias:

 Missão

No discurso desses sujeitos a escolha da profissão não esteve relacionada a nenhum tipo de influência, entretanto, ao depararem com a possibilidade de se tornarem bombeiros, não hesitaram; é como se eles tivessem passado a vida toda esperando por esse momento. Percebemos nos dicursos a necessidade unânime de ajudar o próximo, não necessariamente só a vida humana, mas simplesmente a vida5.

5 Frequentemente guarnições são acionadas para prestar salvamento para animais em

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Bombeiro de Fé

Ao escolher a profissão ele acreditava que se tratava de um resgate, um chamamento, embora ele não entendesse dessa forma naquela época. De acordo com ele, a escolha se deu a partir de um anúncio sobre vagas para bombeiro; até aquela data, nunca tinha lhe ocorrido a ideia de trabalhar como bombeiro, ou pensado em ser bombeiro. Ele tinha uma atividade profissional promissora e bem remunerada; segundo ele, a diferença de salário era muito grande, ele quase precisaria pagar para trabalhar como bombeiro. Estava feliz com a escolha, e completamente determinado em ser bombeiro. Durante a formação, ele buscava a perfeição com dedicação, mas foi no primeiro dia de estágio que ele teve a certeza.

“Foi amor à primeira vista! Eu me encontrei fazendo alguma coisa que ajuda na minha sobrevivência e me dá satisfação”.

Bombeiro Amigo

Foi durante a sua formação na Escola de Soldados que ele conheceu o trabalho do bombeiro e se interessou pela atividade que, segundo ele, “ajudava as pessoas”. Ao término do curso os alunos tinham que optar por uma das áreas de atuação da PM e ele não pensou duas vezes: “quero ser bombeiro”. No início, ele trabalhava acreditando que com o conhecimento adquirido na escola e com o seu esforço ele se tornaria um bom profissional, porém, a complexidade exigida no cotidiano da sua profissão, mostrou- lhe que, por tratar-se de uma vida, fosse ela humana ou animal, ele não podia falhar, obrigando-o a especializar-se nas diferentes atividades executadas pelo bombeiro. A partir desse entendimento, ele foi fazer diversos cursos: salvamento terrestre, em altura, aquático; nesse último ele se tornou mergulhador. Vangloriou-se durante a entrevista em falar da sua capacitação em dirigir todas as viaturas da corporação. Para ele, nessa profissão, até quando você comete falhas, dá tudo certo no final; conclui:

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Bombeiro Radical

Para ele, o esporte sempre teve prioridade em sua vida; segundo ele, fazia bicos para bancar as atividades esportivas. Foi através de um amigo de infância que trabalhava como bombeiro, que vislumbrou a possíbilidade de ter uma profissão em que pudesse associar o conhecimento e habilidade adquirida nas diferentes atividades esportivas, com o trabalho, ou melhor ainda, com a profissão, pois, a partir do momento em que decidira ser bombeiro, não faria mais bicos. De acordo com ele, estava feliz com a decisão tomada, faria algo em que tivesse prazer e também poderia ajudar as pessoas. Outro fator que ajudou na decisão foi ter servido as Forças Armadas; conhecer um pouco do universo militar, das regras institucionais e da rigidez exigida, o ajudaria, completando:

“Eu nasci para fazer isso” “A minha carreira é bem bonita, cheia de glória, porque eu ajudei

muitas pessoas”

Percebemos nos discursos acima a satisfação dos sujeitos em relação à escolha profissional, exatamente como é colocado por Christophe Dejours (2007, p.89), ao se referir ao “engajamento fundado sobre o prazer oriundo da relação como conteúdo significativo da tarefa”, motivando o trabalhador.

De acordo com Bock, Furtado e Teixeira (2001), quando o indivíduo escolhe uma profissão ele está considerando o mercado de trabalho, a remuneração, habilidade necessária para exercer a profissão e a importância social; esse último, sendo considerado o fator decisivo na escolha dos sujeitos desta pesquisa. Para esses autores, não se trata de vocação e nem de dom, mas, sobretudo, considerar os fatores biológicos, sociais, e psicológicos na escolha da profissão.

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o objetivo e em decorrência disso, sentirem-se realizados. Essa compreensão é mencionada por Strauss, ao citar Kenneth Burke, “a ação não é apenas um meio de fazer, mas também um modo de ser” (1999, p. 57).

 Valorização

A existência dessa categoria surgiu a partir do sentido que esses sujeitos dão ao outro, da necessidade de se manter a vida e de poder participar de momentos de extremo sofrimento do ser humano. Fica claro nos discursos o sentimento de realização com a profissão; para eles, o grande sentido da escolha profissional está baseado no respeito pela vida. Segundo eles, ao fazer a escolha, o bombeiro assume o risco de lidar com o sofrimento, com a miséria e com tudo aquilo que envolve o trabalho. A partir daí, a única coisa que o profissional pode fazer além de ajudar, obviamente, é fazer-se presente para esse outro, diminuindo dessa forma o seu sofrimento.

“Eu respeito a minha profissão, eu respeito aquelas pessoas que estão precisando de socorro” e conclui: “ Para ser bombeiro, você precisa respeitar a vida”.

Bombeiro de Fé.

“Essa não é uma profissão que envolve resultados como alegria, porque quem liga para o bombeiro, liga porque está precisando, liga porque tem algum problema, então você precisa respeitar o ser humano”.

Bombeiro Amigo.

“Eu tenho respeito pelo corpo, eu tenho que entregar ele para a familia”.

Bombeiro Radical.

Imagem

Figura 1 - Escola Superior de Bombeiros localizada em Franco da Rocha
Figura 2 -Manual Noções Práticas do Serviço de Bombeiros, 1915.
Figura 3 - Faculdade de Direito do Convento São Francisco
Figura 4 - Bomba manual de tração animal
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