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O DINHEIRO É O LOBO DO HOMEM: UM ESTUDO DESTA MOLA MESTRA DA ECONOMIA LIBIDINAL

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PUC – PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

Flávia Simões De Oliveira

O DINHEIRO É O LOBO DO HOMEM: UM ESTUDO DESTA MOLA

MESTRA DA ECONOMIA LIBIDINAL

MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

SÃO PAULO

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Flávia Simões De Oliveira

O DINHEIRO É O LOBO DO HOMEM: UM ESTUDO DESTA MOLA

MESTRA DA ECONOMIA LIBIDINAL

MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Comunicação e Semiótica, área de concentração: signo e significação nas mídias, sob a orientação do Prof. Dr. Oscar Angel Cesarotto.

SÃO PAULO

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economia libidinal

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Comunicação e Semiótica, área de concentração: signo e significação nas mídias.

Aprovado em:

Banca Examinadora

_______________________________________________________

_______________________________________________________

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Aos meus pais, pelo amor e apoio em todas os momentos desta trajetória. A ele, o exemplo de simplicidade e a ela, a generosidade. Ao meu irmão Vitor, por compartilhar o ônus e o bônus do lugar do qual viemos.

A todos os meus familiares, pela família linda e alegre que me proporcionam. Em especial, à Juliane Souto por estar presente tão amorosamente em todos os dias da minha vida.

Aos meus queridos goianos que compartilham dessa pauliceia comigo, agradeço à cada experiência vivida aqui. Carinhosamente, ao Claudio Santos, Monyke Procopio, Marina Borges, Ana Barbara Canedo e Leandro Aguiar por todo o suporte e companheirismo necessários durante esses anos.

Aos meus paulistas preferidos, Cy Romão e Fabricio Franco por serem companhias tão agradáveis e tornarem os dias paulistanos/psicanalíticos mais gostosos.

Ao querido Eduardo Leite, por ter sido sempre tão solícito e se tornado uma importante referência intelectual.

Ao meu orientador Oscar Cesarotto, por ter sua parcela de responsabilidade pela minha mudança geográfica e primeiro acolhimento em São Paulo, e, sobretudo, por ser um pensador incrível. Foi um prazer e honra poder conviver com você.

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DE OLIVEIRA, Flávia Simões. O dinheiro é o lobo do homem: um estudo desta mola mestra da economia libidinal. 2015. 99 f. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica De São Paulo, São Paulo, 2015.

O presente trabalho disserta sobre as articulações do dinheiro no século XXI, suas significações subjetivas e consequências culturais: a moeda, pensada como a mola mestra que determina os rumos da vida contemporânea e define as relações humanas. É traçada uma breve história do elemento monetário, procurando abordar seu percurso desde o escambo até o período atual, em que ocupa a hegemonia no sistema capitalista dominante. Busca-se uma explicação social, semiótica e psicanalítica sobre o fenômeno global que o elemento se tornou. Pensando o dinheiro às vezes como signo e às vezes como significante, recorre-se, em princípio, à perspectiva semiótica na teorização do elemento enquanto mediador universal e signo cultural por excelência; posteriormente, a psicanálise é utilizada no esclarecimento do seu valor como significante e nas equivalências fálicas que imaginariamente traça diante dele. Objetiva-se, por fim, discutir a relação entre a economia libidinal do desejo e a do gozo envolvidas na interação com o dinheiro, analisando, para tanto, o filme e o livro autobiográfico de Jordan Belfort, mais conhecido como OLobo de Wall Street, um americano corretor de ações que traz um relato detalhado sobre a sua rotina milionária, seu rápido enriquecimento e as consequências da sua cobiça desenfreada. Na conclusão do percurso intersemiótico, desenvolvido nesse trabalho, confirma-se a aproximação do dinheiro com o falo imaginário e por consequência a colocação lacaniana do dinheiro ser o objeto mais mortífero que existe.

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This study discourses on money articulation in 21th century, as well as its subjective significations and cultural consequences: the coinage concerned as the master spring which determines contemporary life directions and defines the human relationships. On this account, it is presented a brief history of the monetary element in order to track its route from exchanging times to the present, once it occupies the hegemony place in the ruling capitalist system. Additionally, the investigation pursues a social, semiotic and psychoanalytic explanation for the global money phenomenon. Thus, as the basis for this research, the pecuniary unit is regarded sometimes as a sign and sometimes as a signifier, and semiotic perspective is considered for its theorization, since it is the universal mediator and cultural sign par excellence. Moreover, psychoanalysis is employed to elucidate the signifier value of money and its phallic correspondence. At last, it is presented a discussion on the relation between both libidinal desire and pleasure economies involved in the interaction with money, by analyzing the biographical Jordan Belfort’s book and its cinematographic adaptation, The Wolf of Wall Street. The biography tells the story of a stockbroker who reports in detail his millionaire routine, his rapid enrichment and consequences of his unrestrained greed. In conclusion, through the semiotic analysis developed in this study, it is confirmed that money approaches to imaginary phallus and consequently it is proved Lacanian´s assertion that money is the most deadly existing object.

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INTRODUÇÃO... 10

CAPÍTULO 1 - PERCURSO DIACRÔNICO DO DINHEIRO... 16

1.1OS PRIMÓRDIOS... 16

1.2OS JUDEUS... 18

1.3 A PRIMEIRA MOEDA CUNHADA... 18

1.4 IMPÉRIO ROMANO... 19

1.5 IDADE MÉDIA ... 20

1.6 A VOLTA DO DINHEIRO... 21

1.7 A IGREJA CATÓLICA... 23

1.8 O SURGIMENTO DO CAPITALISMO ... 24

1.9 PAPEL MOEDA... 25

1.10 PADRÃO OURO... 27

1.11 A CRISE DE 29... 28

1.12 NO BRASIL... 30

1.13 OS DIAS ATUAIS... 34

CAPÍTULO 2 - O LOBO DEWALL STRETT... 36

2.1 AUTOBIOGRAFIA O LOBO DE WALL STREET... 36

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2.1.4 O COMEÇO DO FIM... 54

2.1.5 O FIM... 59

2.2 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA... 62

2.3 O FILME O LOBO DE WALL STREET... 64

CAPÍTULO 3 - ARTICULAÇÕES DO DINHEIRO COMO UMA MOLA MESTRA... 67

3.1 PERSPECTIVAS PARA A COMPREENSÃO DO DINHEIRO... 68

3.1.1 PERSPECTIVA SOCIAL... 68

3.1.2 PERSPECTIVA SEMIÓTICA... 72

3.1.3 PERSPECTIVA PSICANALÍTICA... 74

3.2 FUNCIONAMENTO DO DINHEIRO... 78

3.2.1 ENQUANTO SIGNO... 79

3.2.2 ENQUANTO SIGNIFICANTE... 81

3.3 O PLANO SIMBÓLICO... 84

3.3.1 ECONOMIA LIBIDINAL... 86

3.4 O LOBO DE WALL STREET... 88

3.4.1 GOZA!... 91

CONCLUSÃO... 93

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INTRODUÇÃO

Aventurar-se a falar sobre o dinheiro não se apresenta como um empreendimento fácil. A complexidade que envolve esse tema dificulta a limitação e apreensão do que se pretende pensar e escrever. Cogitar compreender um elemento que se configura como uma das molas mestras daquilo que impera requer que se percorra um difícil trajeto.

A inserção global em um sistema capitalista necessita que muito investimento seja feito sobre esse tema que edifica todo o sistema. O dinheiro é o responsável pela construção e organização daquilo que muitas vezes não se consegue assimilar e que, sobretudo, determina os rumos que se toma.

Na história da cultura, o dinheiro sempre esteve presente: nos contos de fadas, nas histórias em quadrinhos, nos tesouros desenterrados, na alquimia, nas histórias orientais, em Ali Baba, em algumas passagens bíblicas, nas fabulações orais; entre outras coisas, a moeda se tornou ao longo do tempo necessária para mediar o contato do homem com o mundo.

O desenvolvimento deste artigo inscreve-se num contexto de produção teórica, mas não tem a pretensão de recobrir a bibliografia histórica e teórica existente ou possível; trata-se de uma tentativa de compreensão de um tema com tal magnitude. Não se ignora os limites dessa reflexão, principalmente levando em conta a quantidade de campos que abrange o tema do dinheiro e suas teorizações, tais como a economia, a ciência política e a social, etc. Entretanto, pensar o dinheiro relacionado ao psiquismo e à cultura apresenta-se relevante à medida que contribui para a compreensão do elemento, principalmente em sua temporalidade.

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Inevitável em qualquer organização social, principalmente na ocidental capitalista, o dinheiro se consolida rapidamente no decorrer da história. Durante muito tempo, ele serviu como valor simbólico utilizado nas trocas comerciais e ainda o é; no entanto, com a evolução histórica e principalmente o capitalismo industrial, a evolução subjetiva dos hábitos consumistas e o papel cada vez mais decisivo da mídia passou a representar a ferramenta cultural mediadora de toda ação, e mais, determinadora dos rumos econômicos, políticos e sociais. A antiga moeda de cobre utilizada nas primeiras trocas deu lugar ao dinheiro papel, ao cheque e ao cartão de crédito, e atualmente tem sua maior

incidência apenas virtualmente, com a possibilidade de um futuro próximo em que chips intradérmicos carregarão em si toda a informação necessária para as possibilidades de trocas.

A padronização cambial serviu para que a globalização da economia dominasse o mundo, determinando preços, juros e inflações. A população mundial vive a mercê dos interesses midiáticos comandados pelos poucos que emitem e imperam. O advento da internet promoveu a junção da utilização do dinheiro virtual com a oferta facilmente alcançada. Reforçada pelos hábitos consumistas cada vez mais comuns e pela proposta do sistema capitalista, a moeda se tornou a mola mestra da atualidade.

Vive-se uma crise de ‘valores’ atualmente. E isso se mostra ter muito a ver com o dinheiro, pois ao longo do tempo ele adquire um valor com contornos bem mais amplos do que inicialmente se foi traçado; existe uma nova significação sobre o que o representa. Perpassando pelos registros históricos, sociais, culturas e psíquicos, evidenciam-se os efeitos simbólicos e reais do dinheiro sobre a mentalidade do sujeito na época atual.

O dinheiro, como a moeda absoluta que mediatiza todas as relações, está inserido no contexto dos estudos que a semiótica realiza. Cabe estudá-lo de uma forma mais aprofundada, considerando sua relevância na contemporaneidade e a determinação social que promove no sistema midiático capitalista. Por meio da psicanálise, analisa-se o elemento monetário na sua representação e significação psíquica e, consequentemente, cultural.

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contemporâneo. Eles evidenciam generalizações que dizem respeito a uma certa moral social e ideológica, àquilo que faz sentido coletivamente. São produtos culturais que carregam consigo características históricas e sintomáticas de determinado povo em determinada época. A questão do dinheiro será pensada a partir de um fenômeno cultural muito comum, buscando-se nas manifestações da vida cotidiana o sentido do desejo oculto e inconsciente do sujeito.

Afinal, o dinheiro é o personagem central de todas as querelas, fonte de inspiração ou irritação, o espectro que paira sobre todos os momentos de dúvida que perpassam os debates quanto ao mérito artístico de obras exóticas [...]. Nada poderia ser mais revelador das ambiguidades desse debate do que o modo como os próprios artistas expressam seus sentimentos e conceitos em relação ao dinheiro e temas econômicos no seu trabalho (FRANCO apud SIEGEL; MATTIK, 2010, p. 12).

Para dar corpo ao que se propôs, foi selecionada mediante breve pesquisa histórica a autobiografia de Jordan Belfort, intitulada O Lobo de Wall Street, assim como o

filme homônimo baseado na obra biográfica, dirigido pelo norte americano Martin Scorsese e protagonizado por Leonardo DiCaprio no papel de Belfort.

Em termos semióticos, buscou-se explicar o dinheiro dentro da relação triádica formulada por Charles Pierce e, posteriormente, costurar o elemento levando em conta seu funcionamento enquanto um signo de caráter essencial na construção do mundo atual e seu efeito na mente do interpretante, efeito esse que, baseado no fato de estarmos inseridos em um mundo capitalista global e hipermidiatizado, explica alguns porquês culturais e define claramente os rumos do que está por vir.

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No primeiro capítulo, é feito um breve resgate histórico da trajetória do elemento em questão, escavando suas primeiras aparições antes mesmo de seu caráter monetário ser consolidado. A importância de um instrumento de mediação sempre se fez evidente, mostrando que sua incidência se deu antes de qualquer institucionalização de lastro, ainda enquanto instrumento de troca, sem valor padronizado. A principal característica do dinheiro é a sua capacidade de mediação universal e o que intriga é a abstração que o rodeia, sendo ele capaz de ser um conversor absoluto.

No segundo capítulo, uma síntese do livro e filme O Lobo de Wall Street é traçada. Apesar de parecer extensa, os detalhes pontuados são de extrema utilidade para a aproximação em relação ao efeito que o dinheiro trouxe à vida do respectivo autor. Partindo de uma escuta apurada, as supostas verdades evidenciadas por meio do relato

autobiográfico tornam possível a investigação das determinações psíquicas que levaram a estas manifestações.

A ideia de articular a história do Lobo de Wall Street levantou questões e

possibilidades que enriqueceram toda a reflexão do estudo. O relato detalhado que o autor da autobiografia, Jordan Belfort, traz sobre as consequências que a entrada e a abundância do dinheiro tiveram em sua vida é uma rica descrição que muito acrescenta à compreensão do assunto, além de trazer um exemplo vivo daquilo que é tematizado nesse estudo.

Em um terceiro momento, contextualiza-se o dinheiro sob as perspectivas social, semiótica e psicanalítica, utilizando para tanto o percurso diacrônico do dinheiro até o advento do capitalismo. Em seguida, articula-se as teorias semióticas e psicanalíticas a respeito do tema intencionando a aproximação do funcionamento do elemento enquanto signo e significante. Recorta-se a discussão, por consequência, dentro de um pano simbólico, em que se traça um paradoxo sobre o efeito da concepção do dinheiro na economia libidinal para, em seguida, finalmente analisar o que o Lobo de Wall Street tem a acrescentar sobre tudo o que foi costurado.

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tornou-o um. Não apenas mais um mas o líder da alcateia, pois “a onipotência do dinheiro em relação a outros valores desperta sentimentos psicologicamente análogos ao da veneração a Deus” (DODD, 1997, p. 20). Belfort se portava como um “Mestre do Universo”, liderando jovens lobos que partilhavam da sua sede pelo o que o dinheiro possibilitava.

Atualmente, o dinheiro de papel ou até mesmo o de plástico já fazem parte da história, sendo que a realidade monetária é agora eletrônica e existe todo um mundo sem o dinheiro físico. A princípio, o cartão de crédito mudou a configuração moral mundial, enquanto o dinheiro de plástico está a caminho de se tornar obsoleto. O dinheiro eletrônico não é apenas o dinheiro real transferido eletronicamente, ele consiste no dinheiro virtual, inexistente enquanto matéria palpável. É um dinheiro ilusório que distancia o detentor da sua materialidade, do trabalho, do suor ou do sacrifício que foi realizado para consegui-lo.

Atualmente preza-se o sacrifício, não no sentido marxista, de exaustivo trabalho e consequente remuneração viva, mas como um investimento a posteriori que não se vê, mas se preza.

O dinheiro tornou-se uma instituição necessária que ocupa um lugar incomparável na história do homem. O dinheiro em si não representa nada, mas, dentro do sistema, representa tudo.

O dinheiro em sua forma psicológica possui importante relação com a noção de Deus, uma relação que apenas a psicologia, que tem o privilégio de ser incapaz de cometer blasfêmia, pode revelar (SIMMEL apud PILAGALLO, 2009, p.20).

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CAPÍTULO 1 - PERCURSO DIACRÔNICO DO DINHEIRO

1.1 OS PRIMÓRDIOS

As muitas formas de representação do dinheiro - moeda, cédula, cheque, ouro, saldo no banco, nota promissória, título, cartão de crédito - não exprimem aquilo que de fato o contorna. O dinheiro é uma vasta metáfora social, como afirma o canadense McLuhan (1974), importante teórico da comunicação. A concepção de dinheiro existe muito antes das primeiras moedas serem cunhadas ou ainda de elementos como o sal, o fumo e o gado serem utilizados como valor de troca em intercâmbios comerciais. A

trajetória que permeia este instrumento social se inicia há milênios atrás e a busca por um percurso diacrônico do mesmo requer que se retroceda bastante na história. Objetivando precisão quanto às primeiras incidências da noção de dinheiro, tal recuo histórico será feito até as épocas mais primitivas dais quais se tem conhecimento.

Sabe-se que, em períodos históricos em que prevaleciam hábitos nômades entre os homens, a apropriação de bens e a prestação de serviços eram conseguidas mediante o uso da violência ou estes eram transferidos uns aos outros como forma de presente ou dádiva. Este período, chamado Paleolítico, caracterizava-se pela sobrevivência mediante a caça e a pesca, e não apresenta registro de troca de mercadorias entre os membros das comunidades. A utilização das trocas parece estar relacionada ao período Neolítico que se caracterizava pela produção de alimentos. A combinação do cultivo de plantas e da criação de animais possibilitou a permanência em determinado lugar e consequentemente o advir de hábitos sedentários e a produção de excedentes, efeito que resultou na permuta entre produções.

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As comunidades, portanto, não conseguindo consumir tudo o que produziam, permutavam seu excedente com os frutos do trabalho de outras comunidades, principalmente com aqueles que eram de natureza diferente da dos seus produtos. A troca de mercadoria por mercadoria originou o que se denomina comércio. A princípio, a troca era determinada pela necessidade de algo que não se tinha, o que fez com que algumas mercadorias mais procuradas passassem a ser encaradas como medidas de valor. Com o tempo, algumas mercadorias específicas passam a ser consideradas mercadorias moedas, pois detinham um valor em si, não apenas de uso mas também simbólico.

Entre os estudiosos da Numismática, ciência que estuda moedas, não há consenso quanto à nomenclatura monetária ou à data específica das primeiras moedas. O dinheiro de metal passa a existir, segundo historiadores, em aproximadamente 2500 a.C., porém

ainda sem as características da moeda moderna, a cunhada. Antes dessa data aproximada, ou concomitante a ela, eram usadas moedas mercadorias como valor de troca - o gado, o sal, o fumo, o açúcar, o cacau, os tecidos, os utensílios de adorno, ou ainda algumas moedas primitivas, que foram amplamente utilizadas por ser de valor simbólico e/ou sagrado; o

cauri, por exemplo, uma espécie de concha que teve ampla circulação e aceitação entre os

povos africanos, árabes, judeus e até europeus na idade média, é considerado a moeda primitiva de maior importância.

O escambo - a troca de mercadoria por mercadoria - torna-se incompatível com a sofisticação da vida urbana e limita muito a possibilidade do comércio. Passa a existir a demanda de se ter um objeto específico dotado de valor, o qual substituiria grandes volumes de mercadorias ou minimizaria esforços para as trocas.

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1.2 OS JUDEUS

Antes de prosseguir no desenvolvimento da história do dinheiro, cabe ressaltar brevemente o papel desse povo no campo das finanças, sobretudo porque a ilustração que é feita nas páginas que se seguem traz Jordan Belfort, um judeu americano.

O apego dos judeus ao dinheiro é historicamente conhecido. Attali (2003) afirma que isso se deu não por uma opção do povo judeu, mas por uma imposição das circunstâncias. Continua afirmando que “o judaísmo começa por uma viagem. E, como o

sentido de todas as coisas frequentemente se esconde no das palavras, a identidade do povo hebreu se dissimula em seu nome, que remete justamente à viagem” (ATTALI, 2003, p. 19). Um povo destinado a viajar, permutar, comunicar, comerciar. O autor conclui que por ser um povo sempre viajante, o dinheiro era o único bem portátil dos judeus.

Sendo visto como culpado pela morte de Cristo, o povo judeu era proibido de exercer profissões respeitáveis e obrigado a se submeter a posições subestimadas socialmente. Foram os primeiros mercadores, usurários (emprestavam dinheiro a juros), banqueiros, corretores e importantíssimos na fundação do capitalismo.

1.3 A PRIMEIRA MOEDA CUNHADA

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Em 575 a.C., as primeiras moedas passam a ser cunhadas em Atenas, a cidade Estado mais importante da Grécia. A base desse sistema monetário é o dracma, reconhecido pela efígie de uma coruja, ave associada à deusa protetora da cidade, Atena. É em Atenas que, pela primeira vez, deve-se pagar uma taxa ao governo pelo direito de cunhagem e pela diferença entre o valor real e o nominal da moeda. Anteriormente, as cunhagens eram feitas em sua maioria pelos grandes comerciantes ou nobres. Após a conquista de Alexandre, o Grande, Atenas se torna o maior polo econômico do mundo helenístico e o dracma passa a desconhecer fronteiras.

A primeira moeda cunhada em Roma só acontece quase quatro séculos depois da sua invenção, em 268 a.C. (PILAGALLO, 2009). Após lingotes de bronze serem usados nas transações comerciais, a moeda chega a Roma sob influência das cidades gregas do sul da

Itália. A produção monetária romana ficou conhecida por denario, palavra latina que originará dinheiro e, posteriormente, moneta, que dá origem ao nome moeda. O denario,

uma moeda de prata que valia dez asses de cobre, deu lugar ao dracma grego que rodava

por Roma e constituiu a base pela qual o império romano se estruturou. Já moneta é um

dos nomes dados à deusa da mitologia romana Juno, esposa de Júpiter. A deusa recebeu este nome pois ficou conhecida por ser aquela que avisa, e portanto moneta veio do verbo monere (avisar, aconselhar). Em sua homenagem, foi construído um templo em Capitólio e

neste foi instaurada uma casa de cunhagem de metal, que, consequentemente, passou a ter seu produto designado moneta.

1.4 IMPÉRIO ROMANO

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da história. O americano Galbraith (1983) explica que não se pode atribuir a queda do império romano exclusivamente a questões monetárias, mas que a redução dos metais preciosos em até 90% das moedas cunhadas e a excessiva produção de moedas contribuiu para a sua ruína.

Com a queda do império romano a moeda cai em desuso. Não havia mais um Estado forte que garantisse as emissões das moedas e, como o comércio internacional estava enfraquecido, o interesse pela cunhagem tornou-se quase inexistente.

A idade média, quando se trata de dinheiro, representa na longa duração da história uma fase de regressão. O dinheiro, nela, é menos importante, está menos presente do que no império romano, e sobretudo muito menos importante do que viria a ser a partir do século XVI, e particularmente do XVIII (LEGOFF, 1942/2014, p.10).

1.5IDADE MÉDIA

O antigo império romano dividiu-se em dois: o ocidente cristianizado e o oriente bizantino. Na parte ocidental, a atividade econômica passou a restringir-se ao interior de cada feudo, que era autossuficiente. Se algo faltasse, dirigia-se ao feudo mais próximo e recorria-se ao velho hábito do escambo. A moeda, portanto, não era necessária. Os ricos da idade média não o eram por dinheiro monetizado, mas sim por terras, homens e poder. Para Leo Huberman (1973, p. 10), “... a terra e apenas a terra era a chave da fortuna de um homem. A medida de riqueza era determinada por um único fator –a quantidade de terra”.

A igreja, e especialmente os mosteiros, por meio de recolhimentos de dízimos ou pagamentos por exploração de seus domínios, constituíam uma reserva monetária transformada em objetos de ourivesaria. A única circulação em ouro sob forma de moeda que restou no ocidente durante a idade média veio do comércio com o oriente, pois o império bizantino fornecia pagamento monetário em troca de matéria prima ocidental.

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mandato, iniciou-se a cunhagem do besante, a moeda bizantina de ouro que teve seu valor inalterado durante todo o império bizantino - mais de um século - ficando conhecida mais tarde como o dólar da idade média.

A Inglaterra era a única região da Europa medieval a dispor de um sistema de cunhagem própria, com ambição de produzir moedas para além de suas fronteiras. O penny

teve alta circulação na Europa – 12 penny equivaliam a 1 xelim, e 20 xelins formavam 1 libra - mas não se comparava com a moeda bizantina, o penny de prata era sempre ofuscado pelo besante de ouro.

1.6 A VOLTA DO DINHEIRO

O dinheiro volta à tona com o evento histórico das cruzadas no fim do século XI. Antevendo longas rotas em meio hostil e não sabendo que ganhos teriam na Terra Santa, LeGoff (1942/2014) explica que os cruzados se preocupavam em conseguir dinheiro fácil de transportar e o máximo possível. Alguns acontecimentos históricos foram fundamentais para as modificações do uso do dinheiro que se sucederam a partir de então. O desenvolvimento do comércio, que resultou principalmente nas famosas grandes feiras da idade média, impulsionou a movimentação do dinheiro, desenvolveu o intercâmbio comercial e fez surgir novas demandas monetárias. Outra causa da expansão da moeda foi o impulso das cidades. Existia sim uso monetário no meio rural, no entanto a cidade era o lugar de grande dinamismo de todo tipo (LEGOFF, 1942/2014).

A economia monetária na Europa estava de volta,

Depois do século XII, a economia de ausência de mercados se modificou para uma economia de muitos mercados; e com o crescimento do comércio, a economia natural do feudo autossuficiente do início da Idade Média se transformou em economia de dinheiro, de um mundo de comércio em expansão (HUBERMAN, 1973, p. 34).

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O século XIII é considerado o século do apogeu do dinheiro; a revolução comercial que se deu durante as décadas que o constituem foi decisiva para a consolidação do elemento monetário. As novas cidades precisavam de dinheiro. Além de investimentos como construir muralhas, praças, hospitais ou leprosários, existiam agora novas configurações administrativas e despesas comunitárias. A igreja, apesar de condenar a usura e constituir um primeiro empecilho ao desenvolvimento comercial, precisava também de dinheiro para a construção das suas onerosas catedrais. A solução para atender a essa crescente demanda foi a cobrança de novos e variados impostos, principalmente

sobre os mais pobres, acentuando a desigualdade social e fazendo surgir uma nova classe social: a burguesia. Além da arrecadação de impostos, iniciou-se uma estimulação da exploração de novas minas de prata e de cunhagens de moedas. O ocidental urbano medieval começa a ter um desejo de enriquecer e de viver luxuosamente; o consumo se multiplica nesse período, assim como a segregação social. A riqueza agora não deriva mais de possuir terras e homens, mas é expressa em valores monetários.

A cunhagem de dinheiro se intensificou bastante na Europa, sendo grandes somas de moedas colocadas em circulação nesse período. No entanto, moedas de ouro eram raramente vistas, unicamente em pontos de limites ou de relações bizantinas ou muçulmanas. As primeiras moedas de ouro cunhadas na Europa foram o genoveses,

produzido em Genova, e o florins em Florença, ambas em 1252 (LEGOFF, 1942/2014).

Pequenas moedas de baixo valor também começaram a ser fabricadas visando facilitar algumas trocas comerciais ou pequenos pagamentos domésticos; essas moedinhas inauguraram um hábito bastante conhecido até os tempos atuais, a esmola.

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1.7A IGREJA CATÓLICA

Diante das novas circunstâncias, a posição da igreja torna-se um empecilho ao crescimento. A necessidade de dinheiro atinge todos os homens da Europa, os empréstimos tornaram-se inevitáveis, novos intelectuais surgem em diferentes ambientes, há uma valorização do trabalho e um desejo imenso de enriquecer. A igreja já não consegue fugir do debate, tanto que “na segunda metade do século, o empréstimo a juros, em particular aos olhos da igreja, foi posto na balança entre o desejo tradicional de condená-lo e de proscrevê-condená-lo e a tendência nova de justificá-lo em certos limites” (LEGOFF, 1942/2014, p. 125). O empréstimo tornou-se um dos grandes assuntos da idade média.

O dinheiro passa a ter um caráter ambíguo neste momento histórico. O elemento monetário é essencial ao crescimento do comércio, da cidade, do reinado e da manutenção do luxo que se tornou tão condenável e tão desejável, inclusive pela própria cristandade. No entanto, ele gerou novos conflitos, fez advir revoltas e desigualdades que desembocaram nas reformas contra a igreja católica e nas ideias protestantes fundamentais ao fortalecimento dos ideais capitalistas.

No fim da idade média, a partir do século XIV, algumas mudanças modificam o contexto monetário europeu. Os antigos usurários - ainda mal vistos pela igreja - fundam companhias de empréstimos e trocas de dinheiro, tornando-se os primeiros banqueiros da história. Além disso, a moeda ainda passa a sofrer algumas mutações, surgindo assim falsa moedagem e a consequente desvalorização do dinheiro circulante. A instabilidade monetária é agravada quando o ouro, até então muito comum na África e no Oriente, passa a ser explorado na Hungria e se torna não apenas mais acessível, mas muito mais valorizado que a prata – metal mais utilizado na cunhagem das moedas europeias. Conforme conclui Spufford (1988), importante historiador inglês, todas as moedas europeias se enfraqueceram entre 1300 e 1500.

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guerra dos cem anos, que além de promoverem um rombo nos cofres dos reis também mataram milhares de pessoas.

O endividamento generalizado das cidades e a cobrança desenfreada e irregular de impostos marcaram esse momento histórico. Existiam três tipos de moedas em meados dos séculos XIV e XV: a moeda que predominava o ouro, e que só era acessível a uma pequena parte da população; a que predominava a prata, e que era comum em trocas comerciais, impostos e salários; e uma inferior chamada billon ou moeda negra de cobre, que era utilizada como troco, esmola ou pagamento de prostitutas.

O grande cisma da igreja ocidental se deu no final do século XIV e começo do XV, exatamente no momento em que sentiam-se as consequências do desenvolvimento monetário do século XIII. Entretanto, para o Estado pontifício, as vicissitudes não foram negativas: “o dinheiro foi, para o papado, motivo de manutenção de uma imagem enganadora da realidade religiosa no mundo e do papel da igreja ‘romana’” (LEGOFF, 1942/ 2014, p. 188). Cruzadas, heresias e dízimos eram impostos pela igreja e sobreviviam no imaginário dos cristãos para satisfazer os desejos financeiros da entidade religiosa. A avidez fiscal do papado era importante causa de revoltas e o contraste que se evidenciava entre o cristianismo fundamental e o desenvolvimento das questões monetárias perdurou por toda a idade média. O dinheiro no ocidente medieval não se apresentava, portanto, como uma entidade econômica, era completamente vinculado à religião e à igreja.

1.8O SURGIMENTO DO CAPITALISMO

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Bolsa de Valores se estabeleceu em Amsterdã, configurando a nova organização monetária europeia.

Uma boa síntese do que ocorreu no fim da idade média e marcou as novas configurações foi feita por Pilagallo (2009). Segundo o próprio, com o surgimento do dinheiro bancário e a revitalização da cunhagem propiciada pela prata e o ouro vindos da América, a Europa deixa definitivamente para trás a limitada economia da idade média. Novos horizontes começaram a ser edificados naquele momento por uma classe média urbana formada principalmente por comerciantes, que trabalhavam em um ambiente já totalmente monetizado. O tempo passou a representar dinheiro, e eles não tinham tempo a perder.

A mentalidade do momento histórico vivido afeta e altera a concepção de dinheiro que predomina, não apenas neste período específico, mas em todos os outros que detém o dinheiro ou sua ideia inserida na sua organização. Naquele momento, a ideologia dominante se dava a partir dos fatos que se notavam, como a unificação monetária, a presença de fronteiras delimitadas, um Estado Nacional centralizado e liderado por um rei, uma visão de mundo mais antropocêntrica e individualista e a economia controlado pelo Estado.

1.9 PAPEL MOEDA

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e Inglaterra no século XVII. Muito embora tenha sido um feito bem-sucedido a princípio, logo se mostrou ineficiente pela quantidade de papel lançada no mercado.

O papel moeda surge pela primeira vez em sua versão moderna na América e quem leva o crédito por tal feito, mesmo tendo governado tempos depois, é Benjamin Franklin, o herói da independência americana. A metrópole inglesa, imperada pelo pensamento mercantilista de que era melhor vender para o exterior do que importar e sempre acumular riqueza (sendo seu conceito de riqueza a quantidade de ouro e prata que possuísse), enviava cada vez menos moedas para sua colônia que se via sem recursos para suas trocas comerciais. A colônia americana precisava de um dinheiro circulante que não dependesse nem de metal, pois não havia na colônia, nem da metrópole que não queria perder seu domínio. No início do século XVIII, motivados pelos ideais da ética protestante, por algumas

experiências menores com a emissão de papel moeda, pelo apoio intelectual de Adam Smith e do liberalismo econômico e de movimentos iluministas, o congresso americano autorizou a emissão de papel moeda chamado continentais para financiar a guerra da independência. Nos quatro anos seguintes à proclamação, o continental foi emitido aos montes, sem nenhuma preocupação com lastro, consequentemente havendo uma hiperinflação e a desvalorização do mesmo.

O papel moeda também financiou a revolução francesa. Revoltados com a monarquia que dominava a França, com os privilégios detidos por alguns poucos, com quantidade de dívidas que sobrava para a população menos privilegiada pagar, e incentivados pelo ideal liberté, egalité, fraternité, a revolução explode. Pilagallo (2009,

p.102) explica que “para enfrentar essa situação que, uma vez deflagrada a revolução, a assembleia nacional decide cobrir os gastos com a emissão de papel”. No entanto, os papeis emitidos se diferenciavam dos americanos, eram títulos com valor garantido pela eventual venda das terras confiscadas pelo novo governo e chamavam assignats. Os títulos

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Ambos os movimentos, tanto a independência americana como a revolução francesa, tiveram como financiador o papel moeda e como consequência inevitável a inflação. Tal repercussão vai causar uma posterior dinâmica monetária conservadora e um retorno à prática de que só se poderia emitir o equivalente armazenado.

1.10 O PADRÃO OURO

A introdução do padrão ouro no século XIX se deu de forma pioneira na Inglaterra, e posteriormente nas principais potências econômicas da época: França, Estados Unidos e Alemanha. A história do ouro, no entanto, é muito mais antiga que a do próprio dinheiro, acompanhando desde a antiguidade a própria história do homem. Os primeiros metais que

se têm datados foram encontrados no Egito e na Mesopotâmia em 4000 a.C. O metal amarelo acompanha a história do sagrado e a história da magia, simbolizando o sol e representando desde os primórdios aquilo que de mais valioso se há (PILAGALLO, 2009).

A política monetária baseada no padrão ouro visava a estabilidade econômica uma vez perdida com a emissão desenfreada de papel moeda no período anterior. O governo não mais poderia autorizar a fabricação e distribuição do quanto quisesse em dinheiro; a partir da adoção do padrão ouro só era permitido emitir até o equivalente à quantidade do metal em reserva nos respectivos governos.

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A utilização do padrão ouro evidentemente estimulou o comércio internacional. Como as taxas de câmbio eram determinadas pela quantidade de ouro existente em cada país, as transações entre países se tornaram mais viáveis e seguras, no entanto a limitação do crescimento da economia à oferta de ouro disponível não era bem vista.

A padronização monetária com base no metal dourado foi eficiente enquanto estabilizadora da economia, controladora de gastos abusivos dos governantes e estimuladora das relações comerciais internacionais - no entanto sua duração foi curta. O início do século XX trouxe consigo a eclosão da Primeira Guerra Mundial em 1914, se tornando necessário emitir dinheiro sem lastro para custear os gastos militares que o conflito impunha. Os Estados Unidos foram os principais produtores e exportadores de armamentos e com isso as reservas de ouro que eram usadas como base monetária foram

deslocadas para o território americano como troca pelas munições, exterminando assim a política de base no padrão ouro.

A partir de 1914, o dinheiro se torna mais abstrato à medida que o padrão ouro, ou o lastro que sustenta a moeda, passa a ser ignorado e a verdadeira identidade do dinheiro passa a ser questionada: é uma convenção social ou um material extraído da natureza?

1.11 A CRISE DE 29

Durante a primeira guerra mundial e os anos que se seguiram, a economia norte americana estava em plena ascensão. Os países europeus importavam dos Estados Unidos tudo aquilo que necessitavam para o financiamento da guerra e a posterior reconstrução dos seus territórios devastados, movimentando as indústrias importadoras que por sua vez movimentavam a Bolsa de Valores de Nova York.

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desvalorizar e milhões de pessoas que tinham investimento nas mesmas sentiram as repercussões.

Em outubro de 1929, em uma quinta-feira conhecida posteriormente como a quinta-feira negra, as ações começaram a despencar na bolsa de valores de Nova York, e o gráfico da descida dessas ações não teve caminho de volta. A crise resultou no que ficou conhecida como a Grande Depressão, e teve como saldo a quebra da maioria das empresas norte americanas, um desemprego que atingiu 30% da população, o fechamento de diversos bancos e uma elevada taxa de suicídios. Não por acaso, o jogo Monopoly,

conhecido no Brasil como o Banco Imobiliário, foi inventado nessa época. Os americanos brincavam de fazer em casa o que não podiam fazer na prática.

A extensão da crise atingiu âmbitos internacionais. Como muitos países mantinham negócios com os Estados Unidos, a grande depressão se alastrou. A crise de 29 se constitui até os dia de hoje como a maior crise já vivida pelo capitalismo, fracassando naquela época com o sonho americano, o divulgado American Way of Life.

As vicissitudes da crise foram graves também na Alemanha e acabaram por influenciar a adesão de milhares de pessoas ao partido nazista. A nação ficou muito endividada depois de ser responsabilizada pela primeira guerra e ter que pagar uma indenização acertada no Tratado de Versalhes. Para se livrar da hiperinflação que a acometeu, pediu dinheiro emprestado aos Estados Unidos em meados de 1923 e a possibilidade de estabilização da economia foi então logo interrompida pelo advir da crise.

Com o país sem perspectiva, os alemães se deixaram envolver pelo discurso totalitário de Adolf Hitler, o que resultou na ascensão do partido nazista e no endereçamento do ódio radical ao público que ainda continuava a se dar bem com o dinheiro mesmo diante de tal crise, os judeus. Estava em pauta a Segunda Guerra Mundial.

Um dado importante a se ressaltar é que os primeiros órgãos econômicos de escala internacional foram criados durante a segunda guerra, o FMI (fundo monetário internacional) e o Banco Mundial, ambos nos Estados Unidos.

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internet promovendo uma maior competição entre as empresas e uma intensificação dos hábitos consumistas.

Antes de se adentrar aos novos rumos que permeiam o dinheiro no novo século que se impôs, faz-se mister esclarecer e contextualizar no Brasil a influência desse elemento monetário e suas consequências.

1.12 NO BRASIL

O percurso do dinheiro no Brasil só começa após a colonização por parte de Portugal, a partir de 1500. Antes deste período, as trocas que se tem notícia se davam pelo hábito do escambo. Mesmo após a colonização, era raro se ver moedas nas terras brasileiras pois não era do interesse da metrópole gastá-las levando-as à colônia, com isso era necessário que se aceitassem mercadorias como meios de trocas (PELÁEZ; SUZIGAN, 1976).

Muitos eram as mercadorias que serviam como dinheiro no Brasil colônia. No século XVI por exemplo, os principais produtos utilizados no escambo eram a mandioca e a cachaça, mas o tabaco e o cacau eram também costumeiramente usados. A partir do início do século XVII o governador do Rio de Janeiro determinou que o açúcar seria a moeda legal aceita como qualquer pagamento, e este passou então a ser o produto de maior destaque nas trocas comerciais.

Não obstante o Brasil ser colônia de Portugal, a moeda mais encontrada por aqui no século XVII era a espanhola, o reales. Isso se dava devido à tomada do trono português pelos

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Mesmo com a enorme quantidade de tipos de moedas na colônia, as mesmas ainda eram insuficientes para impulsionar a economia brasileira. A solução “proposta pelo padre Antônio Vieira, seria emitir moedas na província, mas com valor de face superior ao do metal pesado, de maneira que não fosse vantajoso mandá-las para a metrópole” (PILAGALLO, 2009, p. 142). Com isso abriu-se, com o consentimento da metrópole, a primeira Casa da Moeda, na Bahia.

No século XVIII, a produção de ouro no Brasil era de aproximadamente 15 toneladas por ano, montante que era encaminhado e utilizado para custear os gastos da metrópole portuguesa. A quantidade de impostos cobrados pelos representantes em solo brasileiro da metrópole geravam uma enorme insatisfação aos colonos, descontentamento que acentuado ao decreto eventual da derrama (tributo extra decretado quando não se atingia

o volume arrecadado esperado), levou ao movimento Inconfidência Mineira em meados do anos 70.

O cenário monetário brasileiro sofreu uma modificação apenas quando a corte portuguesa se transferiu para as terras colonizadas fugindo da ameaça das tropas napoleônicas, em 1808. A quantidade de dinheiro que veio junto às 36 embarcações que trouxeram a corte portuguesa refletiu sobre os preços no Brasil. Além disso, a manutenção da corte no Rio de Janeiro demandava mais gastos do que havia em dinheiro em circulação. Como solução, Dom João fundou o primeiro Banco do Brasil, possibilitando a emissão de notas bancárias que serviriam para impulsionar a economia principalmente na capital carioca.

Em 1821, Dom João volta para Portugal levando consigo grande parte das riquezas que funcionavam como lastro ao Banco do Brasil. As notas emitidas a partir de então já não tinham mais valor e tiveram sua situação agravada quando, em 1822, o país teve que pedir um empréstimo externo à Inglaterra para pagar a independência. O primeiro empréstimo externo na história do Brasil foi então para compensar Portugal pelo reconhecimento da independência; o Brasil comprou a independência por 2 milhões de libras (PILAGALLO, 2009; PELÁEZ; SUZIGAN, 1976).

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e levando na bagagem, como seu pai anos antes, a maioria do tesouro brasileiro. O Banco do Brasil não resistiu e acabou fechando suas portas. Os anos que se seguiram foram de desvalorização monetária e alternâncias entre políticas liberais de estímulo à emissão de papel moeda e conservadoras de defesa do padrão ouro.

O período de Regência trouxe consigo o surgimento dos bancos comerciais. No final da década de 30, emerge o Banco Comercial do Rio de Janeiro, considerado a primeira instituição privada do país, tal advento resultando em um primeiro impulso ao crédito no Brasil. Alguns anos mais tarde, um importante empreendedor capitalista conhecido como Barão de Mauá integra o Banco Comercial do Rio de Janeiro a uma nova versão do Banco do Brasil, e a instituição que surge passa a monopolizar a economia monetária da época e a emissão de papeis moedas, modernizando o sistema financeiro.

Os anos que constituem a República foram caracterizados pelo que ficou conhecido como o encilhamento, uma crise financeira resultante do excesso de especulação na bolsa de valores e uma alta inflacionária. Para piorar, o presidente Deodoro da Fonseca aprova um plano de rápida industrialização em 1890, em que se facilitou a emissão de mais dinheiro e o acesso ao crédito principalmente aos novos assalariados recém libertos da escravidão. No entanto, não obstante a medida ser considerada um episódio importante no processo de industrialização do país, ela acabou por acentuar a dívida externa e a concentração de renda.

Os anos que se seguiram até o fim da República em 1930 foram marcados também por um estímulo à produção do café. O produto era o principal artigo de exportação brasileiro. A crise de 29 atinge o Brasil em cheio, os Estados Unidos que eram então o principal comprador do café pararam de importar o grão, e diante da política de incentivo que foi cultivada nos anos anteriores, uma enorme quantidade de produto começou a ser estocada.

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média urbana. A popularização do dinheiro em circulação fez com que houvesse uma confusão de notas em voga e a necessidade de uma nova organização monetária.

Em 1942, em substituição ao réis, é adotado um novo padrão monetário, o cruzeiro. As novas cédulas eram emitidas no exterior, e muitas tinham dificuldade de chegar ao seu destino devido aos percalços da segunda guerra mundial. No governo de Juscelino Kubitschek, o país viveu um acelerado desenvolvimento econômico com seu plano de metas 50 anos em 5, e o resultado foi, além da cidade de Brasília, uma forte inflação.

O Cruzeiro perdura até 1964, quando os militares tomam o poder. A primeira medida foi a retirada dos centavos e a criação do Banco Central do Brasil que seria responsável pela emissão das moedas pela Casa da Moeda do Brasil. Em 1967, entra em vigor o Cruzeiro Novo com o corte dos últimos três dígitos e o retorno dos centavos, no entanto a novidade tem vida curta e em pouco menos de três anos o Cruzeiro volta à ativa. O início do governo militar é caracterizado por um investimento na reorganização financeira do Brasil e na estabilidade da moeda.

Nos anos que se sucederam, o país viveu o chamado Milagre Econômico, intenso crescimento econômico que aconteceu concomitante aos anos de chumbo da ditadura militar. O desenvolvimento financeiro milagroso trouxe consigo uma enorme dívida externa e a acentuação da má distribuição da renda. Acentuada pelo quadro internacional da crise do petróleo nos anos 70, a situação se agrava e desemboca na pior inflação já vivida pelo país (PELÁEZ; SUZIGAN, 1976).

Com a fim da ditadura e a crescente inflação, mais moedas são colocadas em circulação, resultando na desvalorização do cruzeiro. Em 1986, cria-se o Plano Cruzado com o intuito de conter a inflação e entra em vigor a nova moeda, o Cruzado, o qual logo dá lugar ao Cruzado Novo, e depois volta como Cruzeiro novamente. Sabe-se que ao todo o país passou por nove padrões monetários desde o Cruzeiro até o Real. O presidente Fernando Collor, em uma tentativa desesperada e frustrada de conter a inflação, bloqueia a poupança nacional gerando uma revolta na população brasileira.

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atividade e na imediata resposta à temida inflação. Desse plano veio, a princípio, o Cruzeiro Real, que logo passaria a se chamar Real, moeda nacional que se encontra em vigor até os dias atuais.

1.13 OS DIAS ATUAIS

O advento do cartão de crédito é um divisor de águas no que concerne a discussão do tema dinheiro. A concepção do elemento monetário que traçamos até aqui não é suficiente para abarcar o que se tornaram a economia e as relações de mediações com os objetos depois do surgimento desse aparato de plástico que possibilita comprar sem necessariamente se ter o dinheiro em mãos, além de pagar quando quiser e da forma que

quiser. O paradoxo que o envolve é evidente pois, apesar de se ter tal ilusão de possibilidades infinitas em que se pode atender na hora um desejo de consumo fora do alcance das finanças do consumidor naquele momento, ele castra quanto ao limite do crédito e à chegada da fatura. O adiamento da sensação de perda gera a popularidade do instrumento de plástico.

A ideia do primeiro cartão de crédito apareceu nos Estados Unidos nos anos 20 pela prática de se dar crédito a alguns clientes específicos por alguns estabelecimentos comerciais. No entanto, o primeiro cartão aceito em vários estabelecimentos só veio em 1950, quando o executivo americano Frank MacNamara ao sair sem dinheiro para jantar com amigos percebeu a facilidade que se teria mediante a invenção de um cartão de crédito, e assim o fez. O primeiro cartão foi o Dinners Club International, aceito em cerca

de 27 estabelecimentos e utilizado por apenas pessoas importantes na época e amigas de Frank. Inicialmente o cartão era feito de papel e apenas cinco anos depois começou a ser feito de plástico.

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americana do Dinners Club. Atualmente, segundo pesquisas da rede Credicard, o país é o oitavo emissor de cartões de crédito no mundo e o maior da América Latina.

O instrumento de plástico se tornou um marco econômico no desenvolvimento do capitalismo pois possibilitou o acesso à compra, a banalização do consumo e o endividamento generalizado. Com a expansão da tecnologia, a materialização do dinheiro e seu referente em lastro se tornaram obsoletos. O advento dos cartões de crédito e débito e as transações virtuais por smartphones e os smart cards fizeram com que a concepção de dinheiro tomasse uma nova via: a virtual. As consequências dessa nova configuração econômica advinda do dinheiro virtual ainda está sendo vivida, a perspectiva de futuro é que toda transação monetária seja feita por meio do bitcoin, a moeda virtual. As fraudes

não se dão mais nas moedas, mas sim nas transações, daí a consequência em chips com senhas ou possivelmente chips intradérmicos.

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CAPÍTULO 2 -

O LOBO DE

WALL STRETT

Os poderes de uma obra literária e/ou cinematográfica são decididos a partir do imaginário do leitor ou expectador. A dificuldade reside, conforme explica Metz (1980), em discernir com alguns pormenores a articulação intimamente ramificada desse imaginário com as feições do significante nos códigos utilizados, que marca do mesmo modo o inconsciente e, logo, as produções do homem.

Analisar uma produção artística corre o risco de coagular e empobrecer a significação na medida em que há a ameaça de recair na crença de um significado único, estático. No entanto, “esses estudos têm como primeiro efeito o de transformar o argumento num significante e de revelar, a partir dele, significações menos imediatamente visíveis” (METZ, 1980, p. 35). O teórico ainda completa que estudar um trabalho artístico “a partir de um ponto de vista psicanalítico (ou mais largamente semiótico), é constituí-lo em significante” (METZ, 1980, p. 37).

2.1 AUTOBIOGRAFIA O LOBO DE WALL STREET

Jordan Belfort escreveu uma autobiografia no ano de 2007, publicada primeiramente nos Estados Unidos sob o título The Wolf of Wall Street e traduzida para o português pela editora Planeta como o Lobo de Wall Street (BELFORT, 2014). A biografia é composta por 504 páginas e traz um relato detalhado sobre o percurso de Belfort nos bastidores e altares do mundo milionário mundial, mas não obstante, ele também nos presenteia com um relato pessoal das consequências do ascender e descender monetário no seu sentido mais extremo.

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pessoas que cruzaram seu caminho (BELFORT, 2014, p. 18). Justifica-se na paternidade na tentativa de demonstrar que não é mais o Lobo que sua história retrata, sendo um dos objetivos do seu livro servir como um exemplo a não ser seguido, e mostrar aos seus dois filhos e aos demais leitores que se redimiu.

A autobiografia se inicia com seu primeiro dia como corretor de imóveis na empresa LF Rothschild situada na rua Wall Street, em Nova York. Era 4 de Maio de 1987 e Jordan tinha 24 anos. A primeira frase do livro foi a fala de boas vindas de seu novo chefe: “você é pior que um balde de merda” (BELFORT, 2014, p. 9), e a primeira impressão desse jovem iniciante era a de que todos aqueles que o rodeavam eram “Mestres do Universo” (BELFORT, 2014, p. 9). Essa primeira impressão se acentuou ao conhecer seu segundo chefe Mark Hanna, o qual segundo o autor cheirava a sucesso. Esse mestre do sucesso lhe deu,

ainda em seu primeiro dia, dois conselhos durante um inusitado almoço no topo do prédio em que ficava a empresa de corretagem: para se ter sucesso em Wall Street, Mark

aconselhava, acima de todas as coisas, duas essenciais: bater várias punhetas durante o dia e o uso constante de drogas; para ele, a cocaína e as putas eram o verdadeiro registro de

Wall Street (BELFORT, 2014).

Esse inicial abalo marcou fortemente a trajetória de Belfort, desejando já naquele primeiro instante ser um daqueles “Mestres do Universo” e, inclusive, repetindo essa expressão incessantes vezes no decorrer da autobiografia. Naquele primeiro dia de trabalho, Jordan tinha apenas sete dólares no bolso, muitas dívidas para pagar de um negócio fracassado, não bebia, havia experimentado cocaína nos dias de faculdade mas não lhe caía bem, era noivo e fiel à sua futura esposa que trabalhava como cabelereira e usava terno e relógio comprados por uma pechincha na promoção de uma loja de departamento. Mark Hanna havia faturado mais de um milhão de dólares no ano anterior e, segundo Belfort, seus cabelos eram da cor do azeviche e ele transbordava carisma. Para o autor, Hanna era a personificação de um verdadeiro “Mestre do Universo”.

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conhecida como Charging Bull. A peça foi colocada na frente da Bolsa de Valores de Nova York em 1989 logo após a sua histórica quebra, a quinta-feira negra de 1987, a mesma que desempregou nosso protagonista como veremos a seguir. O italiano naturalizado americano, Arturo di Modica, foi o responsável por sua manufatura, gastando aproximadamente 360.000 dólares e resultando na escultura que pesa mais de 3 toneladas. A polícia retirou o touro no dia posterior e decidiu colocá-lo um pouco mais distante, mas ainda sim na rua. Atualmente, ele simboliza a agressividade financeira cultuada pelos que circulam por lá e se tornou o grande símbolo de Wall Street, levando milhares de turistas a

esfregarem suas mãos no chifre, focinho ou testículos do touro, confiantes na lenda de que o ato lhes trará sorte e, claro, prosperidade (HISTÓRIA [...], 2012).

O touro símbolo de Wall Street em nada se difere do nosso Lobo. A agressividade

que os caracteriza identifica-os como animais fortes, líderes em sua cadeia, assemelhando-se com o papel repreassemelhando-sentado por Jordan Belfort nos altares das vendas. O filósofo inglês do século XVIII Thomas Hobbes já nos esclarecia, repetindo a sentença latina criada por Plauto muito anteriormente, que “o homem é o lobo do homem” (HOBBES, 1651/ 1983), já adiantando sobre a destruição inata da natureza humana, em que em uma terra sem leis prevalecerá a lei do mais forte. Conforme o próprio Belfort, “Wall Street era o centro de

um mercado de touros indomáveis” (BELFORT, 2014, p. 10), onde não havia normas que os regessem ou os limitassem. Aquele bando estava ali agindo como se fossem animais selvagens, destruindo uns aos outros e a si mesmos se fosse necessário, derrubando o que estivesse à frente impedindo sua prosperidade. O líder do bando desenfreado era o Lobo, mas que se mascarava em pele de cordeiro.

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Mateus 10:16), “Ide; eis que vos mando como cordeiros ao meio de lobos” (BÍBLIA, Lucas 10:3). A partir de então, a expressão ficou mundialmente conhecida por se referir àqueles que, dissimuladamente, se apresentam como cordeiros do bem, mas, na verdade, são lobos esperando para dar o bote.

2.1.1 LOBO EM PELE DE CORDEIRO

Jordan é um judeu americano criado numa família de classe média em Bayside, Nova York. Cresceu em um apartamento minúsculo de dois quartos no Queens, onde dividia um quarto com um irmão que deixou de conviver após o advir do seu sucesso. Sua vida profissional se iniciou quando nos verões escolares ia até a praia e vendia sorvete de

esteira em esteira. Ele conta que gritava suas ofertas com uma geladeira de isopor nos ombros e corria dos eventuais tiras que apareciam. Enquanto seus amigos vagabundeavam ou realizavam serviços domésticos por 3,50 dólares a hora, ele ganhava 400 dólares por dia e juntava 20 mil dólares durante todo o verão. Sempre se sentiu frustrado por ter nascido pobre. E talvez esta foi a maior motivação por ter rapidamente se tornado um dos homens mais ricos dos Estados Unidos, país em que reina a competição (BELFORT, 2014).

Jordan sempre teve uma habilidade excepcional de oratória e uma inteligência considerada acima da média. Ele rapidamente se tornou um exímio vendedor. Adequou-se com maestria ao mercado financeiro, mesmo porque enganar o outro visando seu próprio enriquecimento nunca foi um grande problema para o Lobo.

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Era como se eu fosse à prova de balas ou algo assim. Era impossível contar quantas vezes havia desafiado a morte. Mas será que eu realmente queria morrer? Seriam a minha culpa e meu remorso me destruindo com tamanha voracidade? Será que na verdade eu estava tentando tirar minha própria vida? (BELFORT, 2014, p. 28).

No decorrer desses seis anos, Jordan havia ganhado mais dinheiro do que jamais imaginara. Morava em uma mansão de seis acres em Long Island, trocara de esposa se casando com uma loira sensual conhecida como a duquesa de Bay Ridge, consumia uma

quantidade exorbitante de drogas diárias suficiente para manter, como ele nos esclarece, a população da Guatemala inteira chapada, possuía um iate, um helicóptero e tudo aquilo que o dinheiro pudesse comprar. Na descrição que faz do que adquiriu, ele coisifica pessoas como “a esposa número dois”, ou “Rocco dia e Rocco noite, os dois guarda costas”, e detalha em pormenores tudo que envolve o que ele obteve com o dinheiro, como “o carpete feito à mão de 120 mil dólares” ou “uma toalha de banho adornada com monogramas Pratesi de 500 dólares” (BELFORT, 2014, p.28-38). Na descrição de um sonho com uma prostituta chamada Venice, que havia tentado enfiar uma vela em seu ânus para lhe provocar uma ereção, nota-se o quanto o dinheiro é indissociável aos demais assuntos, principalmente o sexo:

Venice move-se na minha direção, engatinhando. Sua pele é lisa e branca e treme sob a seda... a seda... há seda por todo lado. Um enorme véu de seda chinesa pendurado no teto. Ondas de seda chinesa branca nos quatro cantos da cama... estou afundando na porra da seda branca. Nesse mesmo instante, números ridículos começam a surgir em minha mente: a seda custa 250 dólares o metro, e deve haver 200 metros dela. Isso dá 50 mil dólares de seda chinesa branca. Porra, é muita seda branca (BELFORT, 2014, p. 30).

Jordan refere-se à sua casa como um bizarro zoológico lotado de funcionários estrangeiros, requintes excêntricos e mobílias megalomaníacas. Seu relacionamento com sua esposa Nadine, a duquesa de Bay Ridge, não difere da dinâmica da casa: tinham brigas

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tratando-o como um bebê que necessita que lhe limpem as merdas que faz, o que ele achava justo devido ao enorme salário que lhe pagava no fim do mês.

O Lobo afirma que a sua vida poderia ser resumida em uma palavra: excesso. Não apenas excessos de drogas ou mulheres, mas ultrapassar todos os limites proibidos, abusando até mesmo da dose recomendada de colírio ou aspirinas. Ele gostava de fazer coisas impensáveis e se associar a pessoas ainda mais loucas que ele, para assim considerar sua vida normal. Para se ter uma ideia, ele havia comprado um carro de luxo da marca Aston Martin e pago uma fortuna para que o carro fosse transformado em um verdadeiro carro de James Bond, incluindo “vazamento de óleo, bloqueador de radar, placa que deslizava para revelar uma luz estroboscópica cegante para atrapalhar perseguidores, além de uma caixa de pregos que, com um simples botão, encheria a estrada de pregos”

(BELFORT, 2014, p. 244). Por fim o carro sempre o deixava na mão pois a bateria não suportava tanto gasto e passou a ficar na garagem apenas para ser admirado.

O Lobo - vale o adendo - a utilização desse significante é feita pois o próprio autor

do livro assim o faz, identificando-se com a nomeação que lhe foi dada pela revista Forbes,

Lobo de Wall Street, e utilizando-a diversas vezes no livro em terceira pessoa, como na

passagem: “o Lobo realmente mentia para viver” (BELFORT, 2014, p. 35). A propósito, em sua autobiografia, Jordan relata que foi um artigo específico da revista americana Forbes

que o apelidou o Lobo de Wall Street. No entanto, é possível encontrar registros da

respectiva matéria na internet e a denominação à qual ele se refere não existe (MORENO; UMPIERES, 2014). É sabido que esse apelido existia durante o seu auge, mas não se sabe ao certo sua procedência.

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2.1.2 STRATTON OAKMONT

O rápido enriquecimento e a ascendência do Lobo de Wall Street se deram quando ele abriu sua própria firma de corretagem, a Stratton Oakmont. Após o grande crash de outubro de 1987, Belfort descobriu que faria muito dinheiro se vendesse ações de 5 dólares para o 1% mais rico dos americanos. Sendo ele próprio um exímio vendedor, juntou uma pequena equipe de jovens corretores e os embarcou em um programa de intenso treinamento, segundo o próprio: “das cinzas ardentes do Grande Crash, o banco de investimentos da Stratton Oakmont nasceu” (BELFORT, 2014, p. 78). A primeira sede foi nos fundos de uma loja de carros usados, e os primeiros corretores contratados eram os jovens judeus mais selvagens de Long Island. Não demorou para a empresa prosperar e

passar a se situar, não no centro de Manhattan, mas sim em um pequeno vilarejo em Long Island chamado Lake Success.

O vilarejo logo se adequou às necessidades, vontades e desejos daqueles malucos jovens corretores, que ansiavam por ganhar dinheiro para torrar dinheiro. Rapidamente foram criados bordeis, salões de apostas ilegais, clube de strip-tease e qualquer outro tipo

de diversão que lhes agradavam, “havia até uma pequena equipe de prostituição fazendo turnos no andar mais baixo do estacionamento, por 200 dólares a gozada” (BELFORT, 2014, p. 52).

Os strattonitas, como eram chamados os jovens corretores que trabalhavam na empresa de Jordan, dificilmente tinham mais de 30 anos e muitos nem tinham curso superior. Os únicos requisitos necessários eram serem dotados de muita ambição, jurarem lealdade incondicional ao Lobo de Wall Street e estarem dispostos a pagar qualquer preço

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As coisas tinham saído tão fora de controle que jovens strattonitas estavam trepando embaixo das mesas, em cabines de banheiro, em armários, na garagem subterrânea e, lógico, no elevador panorâmico do prédio. Eventualmente, para manter algum tipo de ordem, passávamos um memorando declarando o prédio como uma Zona Sem Fodas entre as oito da manhã e as sete da noite. No topo do memorando havia essas exatas palavras Zona Sem Fodas, e sob eles o contorno de pessoas trepando estilo cachorrinho. Ao redor dos desenhos havia um círculo vermelho grande atravessando-o (BELFORT, 2014, p. 58).

A fórmula secreta que a Stratton descobrira para render tanto dinheiro, conforme explica Belfort, estava pautada em duas verdades que ele descobriu nos seus primeiros anos em Wall Street: a minoria milionária americana era composta por apostadores

enrustidos, totalmente viciados, que com uma boa lábia caiam facilmente e, segundo, que “jovens com a sociabilidade de uma manada de búfalos no cio e QI de Forrest Gump, com

três gotas de ácido na cuca, podiam ser ensinados a soar como magos de Wall Street, desde

que anotasse tudo para eles e se continuasse a lavagem cerebral” (BELFORT, 2014, p. 60). A partir daí, muito dinheiro podia ser ganho.

A mídia não deixava passar barato tudo que se passava na Stratton. Segundo o autor, os jornais da época reportavam que os strattonitas eram renegados selvagens, liderados por Jordan, um jovem banqueiro precoce que criara seu próprio universo independente em Long Island, onde não mais existia comportamento normal. A revista Forbes o associou à Robin Hood, aquele que rouba dos ricos e dá para si mesmo e para seu bando alegre de corretores. Os alvos não se importavam segundo o autor - pelo contrário, cantavam e dançavam orgulhosos por serem o bando feliz de Belfort.

No final, tudo se resumia a lavagem cerebral, que tinha dois aspectos distintos. O primeiro era continuar falando a mesma coisa infinitamente para uma plateia cativa. O segundo aspecto era ter certeza de ser a única pessoa falando alguma coisa. Não haveria pontos de vista conflitantes. [...] duas vezes por dia, todos os dias, eu ficava diante da sala de corretagem e dizia-lhes que se me escutassem e fizessem exatamente como eu mandasse, teriam mais dinheiro do que jamais sonharam ser possível (BELFORT, 2014, p. 242).

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organização mafiosa, inclusive comparando sua própria vida ao do próprio Don Corleone, do filme O poderoso Chefão. Nunca falava ao telefone, mantinha um círculo de confiança bastante restrito, subordinava políticos e policiais, e algumas empresas lhe pagavam tributos mensais, além disso utilizavam cumprimentos e gírias culturalmente usadas por mafiosos.

A autor da biografia, no entanto, sabe que mesmo com tais exigências e rituais, quando envolve dinheiro a lealdade fica questionável. Em uma passagem, ele descreve uma conversa com seu pai em que explica que há um método em toda a sua loucura em relação a gastos e a estimulação dos strattonitas a gastar descontroladamente, afirmando que precisa mantê-los quebrados pois assim são mais fáceis de serem controlados pois ainda precisarão dele.

É como ter algemas de ouro. Quer dizer, a verdade é que eu poderia pagar-lhes mais do que pago. Mas, então, não precisariam tanto de mim. Porém, se eu lhes pagasse pouco, eles me odiariam. Assim, pago a eles o suficiente para que me amem, mas ainda precisem de mim. E, enquanto precisarem de mim, sempre me temerão (BELFORT, 2014, p. 91).

O instrumento que mediava e possibilitava todo aquele ganho absurdo de dinheiro era o telefone. Por meio do telefone, os strattonitas vendiam suas ações e podiam extravasar toda sua fúria com xingamentos e gritarias. Belfort afirma que seu maior vício era no barulho que fazia a sala de corretagem, com todos seus fiéis escudeiros gritando descontroladamente com seus potenciais clientes. Antes de qualquer lançamento de uma nova ação, o Lobo de Wall Street subia ao palanque frente a todos aqueles jovens e

disparava um belo discurso motivacional:

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