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Indústria têxtil: um século de infância

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O Estado de São Paulo

Quinta-feira, 2 de maio de 1996

Indústria têxtil: um século de infância

MARCELO DE PAIVA ABREU*

A teoria econômica não recomenda a proteção à produção competitiva com importações, pois o impacto líquido de tarifas de importação sobre a renda é negativo. É a assimetria da capacidade de mobilização dos grupos beneficiados e onerados pela proteção que explica a sua existência e não qualquer virtude intrínseca das tarifas. Instrumentos de restrição quantitativa, tais como cotas, têm impacto ainda pior sobre a renda líquida. Em apenas uma situação faz sentido, sem grandes qualificações, adotar tarifas de importação: é quando são identificadas dificuldades competitivas transitórias enfrentadas pelos produtores internos de bens que competem com importações. Essas são as raízes do argumento da indústria nascente. A ideia é que, gradualmente, os custos de produção interna convergirão para os custos internacionais, de tal forma que seja possível reduzir a proteção inicial.

Há longa experiência protecionista no Brasil. No início do século, a tarifa sobre tecidos de algodão era superior a 300%, justificada pelo argumento da indústria nascente. Desde então, a indústria atravessou períodos de vacas gordas e médias, raramente de vacas magras, protegida, ora por tarifa alta, ora por tarifa infinita, pois durante muito tempo a importação de têxteis foi proibida.

Já que alguns produtos têxteis e correlatos foram excluídos da lista Dallari, e as tarifas relevantes seriam reduzidas de 70% para 20%, o governo estuda a introdução de cotas de importação, utilizando salvaguardas permitidas pelo acordo têxtil que resultou da Rodada Uruguai na Organização Mundial de Comércio (OMC), Friedrich List e Alexander Hamilton, sempre citados por protecionistas como os pais do argumento da indústria nascente, envergonhar-se-iam da duração da infância do setor têxtil no Brasil, mesmo levando em conta o progresso técnico na direção dos sintéticos. Será que um século de proteção foi insuficiente para que esse segmento industrial tenha condições de competir com importações? Tudo indica que se trata de mais um caso em que muitos dos empresários demandantes de proteção são melhores de ordenha dos cofres públicos do que de gerência empresarial e de decisões quanto a investimento em equipamento competitivo.

Não há respaldo técnico para a medida. Não há justificativa para demanda por proteção, sequer um esboço dos custos e benefícios da proteção pleiteada. Só um genérico desejo de continuar recebendo favores do Estado. Todos os gêneros industriais enfrentam dificuldades referentes ao custo Brasil e à política de juros altos que necessariamente decorre da inadequação das disciplinas fiscais do governo. Algumas das empresas têxteis, mesmo nos subsetores demandantes de proteção, vão muito bem obrigado. A imposição de cotas gera aumento de preços dos têxteis no mercado interno e alimenta a retomada da inflação. É claro que salvaguardas preservariam emprego no setor, mas a que custo para a sociedade como um todo?

O aumento de preços de têxteis afeta negativamente o salário real de todos os trabalhadores.

Para o Brasil, invocar salvaguardas têxteis na OMC, depois de pretender que sofra prejuízos com o Acordo Multifibras, que limita o acesso de importações têxteis nos mercados

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desenvolvidos, é desgastante. Será que o governo quer mesmo que a atuação brasileira na OMC seja marcada fundamentalmente pela demanda por proteção ao setor automotivo e agora ao têxtil? Será que é bom uso de seus recursos diplomáticos a realização de gestões bilaterais para convencer os países membros da OMC a não torpedearem o peculiar regime automotivo, versão revista, apresentado pelo Brasil?

A imposição de salvaguardas exige experiência técnica dos órgãos de defesa comercial para que a OMC considere legal o seu uso. Ora, o maior argumento para que o Brasil não use os remédios convencionais de defesa comercial, tais como direitos compensatórios de dumping e subsídios, é que, em experiências no passado, a posição brasileira não prevaleceu na OMC, porque o governo tem dificuldade em seguir as normas processuais estabelecidas pelos acordos internacionais relevantes. Não há indicações de que tais dificuldades relativas a salvaguardas possam ser facilmente contornadas. Além disso, parte significativa da pressão das importações decorre da competição dos produtos de países, como a China e Taiwan, que não são membros da OMC, e, portanto, mais propensos a entendimentos bilaterais.

A política comercial adotada pelo governo, desde o início de 1995, tem sido bastante sensível ao pleito dos setores que demandam proteção mais estridentemente. É de se esperar que não seja relevante, quanto à política futura a ser adotada pelo Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo, uma historinha predileta de Mário Henrique Simonsen sobre o tenor que, ao ser vaiado estrondosamente pelo público, após desempenho considerado lamentável, se limitou a gritar, “esperem a vez do barítono”. É necessário que o governo use adequadamente os instrumentos de que já dispõe na esfera da política comercial e não se embrenhe ainda mais no caminho da distribuição de favores setoriais. As salvaguardas têxteis, se aprovadas, configuram um retrocesso adicional da política comercial.

* Marcelo de Paiva Abreu é Professor do Departamento de Economia da PUC-Rio.

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