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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção) 7 de Janeiro de 2004 *

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção) 7 de Janeiro de 2004 *

No processo C-60/02,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE, pelo Landesgericht Eisenstadt (Áustria), destinado a obter, no processo penal pendente neste órgão jurisdicional contra

X,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do Regulamento (CE) n.° 3295/94 do Conselho, de 22 de Dezembro de 1994, que estabelece determinadas medidas relativas à introdução na Comunidade e à exportação e reexportação da Comunidade de mercadorias que violem certos direitos de propriedade intelectual (JO L 341, p. 8), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 241/1999 do Conselho, de 25 de Janeiro de 1999 (JO L 27, p. 1),

* Língua do processo: alemão.

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O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: P. Jann, exercendo funções de presidente da Quinta Secção, D. A. O. Edward (relator) e A. La Pergola, juízes,

advogado-geral: D. Ruiz-Jarabo Colomer, secretário: R. Grass,

vistas as observações escritas apresentadas:

— em representação da Montres Rolex SA, por G. Kucsko, Rechtsanwalt,

— em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer, na qualidade de agente,

— em representação do Governo finlandês, por E. Bygglin, na qualidade de agente,

— em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por J. C.

Schieferer, na qualidade de agente,

visto o relatório do juiz-relator,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 5 de Junho de 2003,

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profere o presente

Acórdão

1 Por despacho de 17 de Janeiro de 2002, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 25 de Fevereiro do mesmo ano, o Landesgericht Eisenstadt submeteu, em aplicação do artigo 234.° CE, uma questão prejudicial sobre a interpretação do Regulamento (CE) n.° 3295/94 do Conselho, de 22 de Dezembro de 1994, que estabelece determinadas medidas relativas à introdução na Comunidade e à exportação e reexportação da Comunidade de mercadorias que violem certos direitos de propriedade intelectual (JO L 341, p. 8), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 241/1999 do Conselho, de 25 de Janeiro de 1999 (JO L 27, p. 1, a seguir «Regulamento n.° 3295/94»).

2 Esta questão foi suscitada no âmbito de vários processos de inquérito judicial, desencadeados a pedido das sociedades Montres Rolex SA (a seguir «Rolex»), Tommy Hilfinger Licensing Inc., La Chemise Lacoste SA, Guccio Gucci SpA e The GAP Inc., que são titulares de direitos de marca, na sequência da apreensão, pelas autoridades aduaneiras de Kittsee (Áustria), de lotes de mercadorias pretensa- mente de contrafacção de marcas das referidas sociedades.

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Enquadramento jurídico

Regulamentação comunitária

3 Nos termos do artigo 1.° do Regulamento n.° 3295/94, este determina:

«a) As condições de intervenção das autoridades aduaneiras, quando mercadorias suspeitas de se contarem entre as visadas na alínea a) do n.° 2 forem:

— declaradas para introdução em livre prática, exportação ou reexportação, nos termos do artigo 61.° do Regulamento (CEE) n.° 2913/92 do Conselho, de 12 de Outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário,

— detectadas aquando de um controlo efectuado sobre mercadorias, sob fiscalização aduaneira nos termos do artigo 37.° do Regulamento (CEE) n.° 2913/92, sujeitas a um regime suspensivo nos termos do n.° 1, alínea a), do artigo 84.° do referido regulamento, reexportadas mediante notificação ou colocadas em zona franca ou entreposto franco nos termos do artigo 166.° do mesmo regulamento;

e

b) as medidas a tomar pelas autoridades competentes em relação a essas mesmas mercadorias, quando se prove tratar-se efectivamente de mercadorias abrangidas pela alínea a) do n.° 2.»

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4 O artigo 1.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 3295/94 tem por objecto, designadamente, através da expressão «[m]ercadorias que violam um direito de propriedade intelectual», as mercadorias de contrafacção.

5 Nos termos da referida disposição, as mercadorias de contrafacção incluem:

«— as mercadorias, incluindo o seu acondicionamento, nas quais tenha sido aposta, sem autorização, uma marca de fabrico ou de comércio idêntica à marca de fabrico ou de comércio devidamente registada para os mesmos tipos de mercadorias ou que não possa ser distinguida, nos seus aspectos essenciais, dessa marca de fabrico ou de comércio e que, por esse motivo, viole os direitos do titular da marca em questão nos termos da legislação comunitária ou da legislação do Estado-Membro onde o pedido de intervenção das autoridades aduaneiras for apresentado,

— qualquer sinal de marca (logótipo, rótulo, autocolante, prospecto, folheto de instruções, documento de garantia), mesmo apresentado separadamente, nas mesmas condições que as mercadorias referidas no primeiro ponto,

— as embalagens que ostentem marcas de mercadorias de contrafacção, apresentadas separadamente, nas mesmas condições que as mercadorias referidas no primeiro ponto.»

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6 O artigo 2.° do Regulamento n.° 3295/94 dispõe:

«São proibidas na Comunidade, a introdução, a colocação em livre prática, a exportação, a reexportação, a sujeição a um regime suspensivo, bem como a colocação em zona franca ou em entreposto franco de mercadorias reconhecidas como mercadorias abrangidas pelo n.° 2, alínea a), do artigo 1.°, nos termos do artigo 6.°»

7 O artigo 3.° do referido regulamento prevê, designadamente, que o titular de um direito de marca pode apresentar ao serviço da autoridade aduaneira um pedido escrito no sentido de obter a intervenção das autoridades aduaneiras relativa- mente a mercadorias que se suspeite serem de contrafacção.

8 Nos termos do artigo 6.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do mesmo regulamento, quando uma estância aduaneira, à qual tenha sido comunicada a decisão de deferimento de um pedido do titular de um direito de marca verifique que as mercadorias correspondem à descrição das mercadorias de contrafacção mencionadas na referida decisão, suspenderá a autorização de desalfandegamento ou procederá à detenção (apreensão) dessas mercadorias.

9 Nos termos do artigo 8.° do Regulamento n.° 3295/94:

«1. Sem prejuízo das outras possibilidades de recurso à disposição do titular do direito, os Estados-Membros tomarão as medidas necessárias para permitir às autoridades competentes:

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a) Regra geral e nos termos das disposições aplicáveis da legislação nacional, destruir as mercadorias reconhecidas como mercadorias abrangidas pelo n.° 2, alínea a), do artigo 1.° ou colocá-las fora dos circuitos comerciais de modo a não prejudicar o titular do direito, sem pagamento de qualquer tipo de indemnização e sem encargos para a fazenda pública;

b) Tomar, em relação a essas mercadorias, quaisquer outras medidas destinadas a privar efectivamente as pessoas em causa dos benefícios económicos da operação.

Salvo em casos excepcionais, não é considerada como produzindo esse efeito a simples eliminação das marcas indevidamente ostentadas pelas mercadorias de contrafacção.

[...]

3. Para além das informações prestadas por força do n.° 1, segundo parágrafo, do artigo 6.° e nas condições nele previstas, a estância aduaneira ou o serviço competente informarão o titular do direito, a pedido deste, dos nomes e endereços do expedidor, do importador ou do exportador e do fabricante das mercadorias reconhecidas como mercadorias abrangidas pelo n.° 2, alínea a), do artigo 1 .°, bem como da quantidade de mercadorias em causa.»

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10 O artigo 11.° do Regulamento n.° 3295/94 prevê:

«Cada Estado-Membro decidirá das sanções a aplicar em caso de infracção ao disposto no artigo 2.° Essas sanções devem ter um carácter eficaz, proporcionado e dissuasivo.»

Regulamentação nacional

11 O § 1 do Strafgesetzbuch (Código Penal austríaco) dispõe:

«Só pode ser aplicada uma pena ou uma medida preventiva a um facto expressamente declarado passível de pena por lei anterior ao momento da sua prática.»

12 Nos termos do § 84, n.° 1, do Strafprozessordnung (Código de Processo Penal austríaco):

«Quando uma autoridade ou uma entidade pública suspeitar da prática de um acto passível oficiosamente de procedimento criminal e que diga respeito ao seu âmbito de acção, é obrigada a comunicá-lo ao ministério público ou a uma autoridade de fiscalização.»

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13 O § 10, n.° 1, da Markenschutzgesetz (lei de protecção das marcas, a seguir

«MSchG») prevê:

«Sem prejuízo de direitos anteriores, a marca registada confere ao seu titular o direito exclusivo de proibir a terceiros, na falta do seu consentimento, o uso na vida comercial:

1) de qualquer sinal idêntico à marca para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a marca foi registada;

2) de um sinal relativamente ao qual, devido à sua identidade ou semelhança com a marca e devido à identidade ou semelhança dos produtos ou serviços abrangidos pela marca e o sinal, exista, no espírito do público, um risco de confusão que compreenda o risco de associação entre o sinal e a marca.»

14 Segundo o § 10 a da MSchG, o uso de um sinal para designar um produto ou um serviço inclui, designadamente:

«1. a aposição do sinal nos produtos ou na respectiva embalagem ou nos objectos para os quais o serviço é ou deve ser prestado;

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2. a oferta dos produtos para venda ou a sua colocação no mercado ou armazenagem para esse fim, ou a oferta ou fornecimento de serviços com o sinal;

3. a importação ou exportação de produtos com esse sinal;

4. a utilização do sinal nos documentos comerciais, nas comunicações ou na publicidade.»

15 O § 60 da MSchG enuncia as sanções aplicáveis em caso de contrafacção de um direito de marca.

Litígio no processo principal e questão prejudicial

16 A Rolex, uma das empresas que apresentaram queixa no processo principal, é titular de várias marcas protegidas. Desconhecidos terão violado os seus direitos de marca ao tentarem fazer transitar de Itália para a Polônia, passando pela Áustria, 19 relógios de contrafacção providos da marca Rolex. Segundo a referida sociedade, trata-se de uma violação do seu direito de marca, punida criminalmente pelos §§ 10 e 60, n.os 1 e 2, da MSchG. Por essa razão, requereu ao Landesgericht Eisenstadt a abertura de um inquérito judicial contra X por alegadas infracções a estas disposições.

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17 A Tommy Hilfinger Licensing Inc. e La Chemise Lacoste SA, titulares de varias marcas protegidas, solicitaram também a abertura de um inquérito judicial contra X por alegadas infracções às mesmas disposições da MSchG. Contudo, em 8 de Março de 2003, o órgão jurisdicional de reenvio informou o Tribunal de Justiça de que a segunda sociedade referida supra tinha desistido da queixa.

18 A Guccio Gucci SpA e The Gap Inc., titulares de varias marcas protegidas, solicitaram também a abertura de um inquérito judicial contra X, que, contudo, identificaram como sendo, provavelmente, ou o director ou o proprietário responsável pela sociedade Beijing Carpet Import, com sede em Pequim (China), ou o director ou o proprietário responsável pela sociedade H. SW Spol SRO, com sede em Bratislava (Eslováquia).

19 Segundo o Landesgericht, a abertura de um inquérito judicial, com base no § 84, n.° 1, do Strafprozessordnung, implica que o comportamento objecto de queixa seja uma infracção. O órgão jurisdicional de reenvio sublinha também que o artigo 7.°, n.° 1, da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, que tem estatuto constitucional no direito austríaco, proíbe que sejam punidos actos que, no momento da sua prática, não eram ilícitos segundo o direito nacional ou internacional.

20 Nos termos da MSchG, só a importação e a exportação de um produto de contrafacção constituem uma utilização ilícita da marca, não sendo esse o caso do simples trânsito pelo território nacional de tal produto. Por outro lado, o direito penal austríaco estabelece uma distinção clara entre os conceitos de importação e de exportação, por um lado, e o de trânsito, por outro.

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21 O órgão jurisdicional de reenvio refere-se ao acórdão de 6 de Abril de 2000, Polo/

/Lauren (C-383/98, Colect., p. I-2519), em que o Tribunal de Justiça declarou que o Regulamento n.° 3295/94 se aplica também a situações em que as mercadorias importadas de u m Estado terceiro são exportadas para outro Estado terceiro, o que significa que o âmbito de aplicação deste regulamento abrange também o simples trânsito. Todavia, uma vez que foi proferido este acórdão n u m processo cível, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se a mesma solução é transponível para o direito penal, quando n ã o há infracção penal nos termos do direito nacional.

22 Foi nestas condições que, através do seu despacho de reenvio, conforme rectificado pelo despacho de 4 de Março de 2002, o Landesgericht Eisenstadt decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Uma disposição nacional, em concreto o § 60, n.° s 1 e 2 , da MSchG, conjugado com o § 10 a da mesma, que pode ser interpretada no sentido de que o mero trânsito de mercadorias fabricadas/distribuídas com violação das disposições legais em matéria de marca n ã o é possível, é contrária ao artigo 2.° do Regulamento (CE) n.° 3295/94 do Conselho, de 2 2 de Dezembro de 1994, que estabelece medidas destinadas a proibir a introdução em livre prática, a exportação, a reexportação e a colocação sob u m regime suspensivo das mercadorias de contrafacção e das mercadorias-pirata, na redacção que lhe foi dada pelo Regulamento (CE) n.° 241/1999 do Conselho, de 2 5 de Janeiro de 1999 […]?»

Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

Observações apresentadas ao Tribunal de Justiça

23 Segundo a Rolex, os órgãos jurisdicionais nacionais só podem recorrer ao Tribunal de Justiça se perante eles se encontrar pendente u m litígio e se forem I - 676

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chamados a pronunciar-se no âmbito de um processo que deva conduzir a uma decisão de caracter jurisdicional (v., neste sentido, despachos de 18 de Junho de 1980, Borker, 138/80, Recueil, p. 1975, n.° 4, e de 5 de Março de 1986, Greis Unterweger, 318/85, Colect., p. 955, n.° 4, bem como acórdão de 19 de Outubro de 1995, Job Centre, C-111/94, Colect., p. I-3361, n.° 9).

24 Ora, no direito austríaco, o objectivo do inquérito preliminar é sujeitar as acusações de infracção a um primeiro exame e esclarecer os factos na medida do necessário, a fim de destacar os elementos que possam conduzir ao abandono do processo penal ou ao seu prosseguimento. Consequentemente, a decisão relativa à abertura de um inquérito preliminar não tem um carácter jurisdicional. Por conseguinte, segundo a Rolex, o presente pedido de decisão prejudicial é inadmissível.

Apreciação do Tribunal de Justiça

25 O Tribunal de Justiça já teve oportunidade de decidir que era admissível um reenvio prejudicial submetido no âmbito da instrução de um processo penal susceptível de conduzir a um despacho de arquivamento, de pronúncia ou de não pronúncia (v., neste sentido, acórdão de 11 de Junho de 1987, Pretore di Salò, 14/86, Colect., p. 2545, n.°s 10 e 11).

26 Além disso, no acórdão de 21 de Abril de 1988, Pardini (338/85, Colect., p. 2041), o Tribunal de Justiça aceitou responder a questões colocadas no âmbito de um processo de medidas provisórias, susceptíveis de ser confirmadas, alteradas ou revogadas.

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27 Por outro lado, no processo pendente n o órgão jurisdicional de reenvio, este adoptará, de qualquer forma, como observa correctamente o advogado-geral no n.° 2 2 das suas conclusões, uma decisão de natureza jurisdicional, seja ela relativa à aplicação eventual de sanções penais, à apreensão e à destruição de mercadorias suspeitas de serem de contrafacção, ou conduza à não pronúncia ou ao arquivamento.

28 Por fim, a escolha do momento processual mais oportuno para interrogar o Tribunal por via prejudicial é da competência exclusiva do juiz nacional (v., designadamente, acórdãos de 10 de Março de 1 9 8 1 , Irish Creamery Milk Suppliers Association e o., 36/80 e 71/80, Recueil, p . 735, n.° s 5 a 8; de 10 de Julho de 1984, Campus Oil e o., 72/83, Recueil, p . 2727, n.° 10; de 19 de Novembro de 1998, Høj Pedersen e o., C-66/96, Colect., p. I-7327, n.° s 4 5 e 46;

bem como de 30 de Março de 2000, J ä m O , C-236/98, Colect., p . I-2189, n.° s 30 e 31).

29 O pedido de decisão prejudicial é, consequentemente, admissível.

Quanto à questão prejudicial

Observações apresentadas ao Tribunal de Justiça

30 Segundo a Rolex e o Governo austríaco, o Regulamento n.° 3295/94 aplica-se também às mercadorias em trânsito, provenientes de um Estado terceiro e destinadas a outro Estado terceiro, passando pelo território comunitário (acórdão Polo/Lauren, já referido, n.° 27). A adopção do Regulamento n.° 241/1999 em nada mudou esta interpretação (acórdão Polo/Lauren, já referido, n.° 28).

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31 O Governo austríaco deduz dos artigos 6.°, n.° 2, alínea b), e 11.° do Regulamento n.° 3295/94 que os Estados-Membros são competentes para fixar, com base no seu direito nacional, as sanções aplicáveis em caso de infracção, mas que os factos puníveis são estabelecidos pelas disposições do referido regulamento em especial pelo seu artigo 2.° Assim, as autoridades austríacas são obrigadas a aplicar sanções ao simples trânsito de mercadorias de contrafacção através da Áustria.

32 A este respeito, a Rolex explica que, à data dos factos na base do reenvio no processo que deu lugar ao acórdão Polo/Lauren, já referido, que são anteriores à reforma efectuada pela MSchG, não se encontrava, nas disposições legais austríacas relativas à contrafacção, uma descrição detalhada do que constituía a utilização de uma marca para designar uma mercadoria ou serviço. Assim, no seu acórdão de 29 de Setembro de 1986, Baygon, o Oberster Gerichtshof (Áustria) tinha considerado que não havia violação do direito de marca se o produto com a marca estrangeira fosse exportado para outro país terceiro no qual seria, então, colocado no mercado.

33 Em 23 de Julho de 1999, entrou em vigor na Áustria uma grande reforma do direito das marcas com a adopção da Markenrechts-Novelle 1999 (BGBl. I, 1999/111), designadamente para a tornar conforme à Primeira Directiva 89/104/

/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 40, p. 1). O artigo 5.°, n.° 3, desta directiva foi assim transposto para direito austríaco, mais precisamente através do novo § 10 a da MSchG.

34 Nos trabalhos preparatórios da referida lei, há uma referência expressa à recusa da jurisprudência Baygon, já referida, do Oberster Gerichtshof. O legislador austríaco previu assim, claramente, que a reexportação, e portanto também o simples trânsito, pode constituir uma violação do direito de marca em direito austríaco.

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35 Consequentemente, a interpretação do órgão jurisdicional de reenvio, segundo a qual o simples trânsito de mercadorias fabricadas em violação das disposições do direito das marcas não é punido criminalmente, está, segundo a Rolex, errada.

36 A Rolex acrescenta que os §§ 10 e seguintes da MSchG prevêem ao mesmo tempo sanções civis e penais em caso de violação do direito das marcas. Por razões de segurança jurídica e de previsibilidade das decisões jurisdicionais, exclui-se que uma mesma e única norma possa ser interpretada diferentemente consoante as sanções que lhe estão associadas tenham carácter civil ou penal.

37 O Governo finlandês recorda, por sua vez, que o Regulamento n.° 3295/94 foi adoptado com base no artigo 113.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 133.° CE), cujo objectivo é proteger, através da política comercial comum, o comércio na Comunidade, designadamente nas suas fronteiras, através de medidas adequadas. O referido regulamento protege assim, por um lado, o mercado interno das mercadorias de contrafacção e das mercadorias-pirata e, por outro, o titular de um direito de propriedade intelectual de qualquer violação deste direito.

38 O artigo 11.° do Regulamento n.° 3295/94 prevê a obrigação de os Estados- -Membros preverem a adopção de sanções em caso de infracção ao disposto no seu artigo 2.° Essas sanções devem ser eficazes, proporcionais e dissuasivas.

39 Por outro lado, por força do princípio da equivalência, a sanção das violações do direito comunitário deve, quer ao nível das condições de fundo quer das condições de forma, ser semelhante à prevista para as violações das disposições nacionais correspondentes. Assim, os Estados-Membros podem ser indirectamente sujeitos à obrigação de estabelecer sanções penais.

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40 O Governo finlandês considera que, caso o direito austríaco não preveja sanções eficazes para o trânsito de mercadorias de contrafacção e de mercadorias-pirata, o direito comunitário é violado.

41 Segundo o referido governo, a fim de garantir a aplicação eficaz do direito comunitário, é essencial que as disposições do direito derivado sejam aplicadas de maneira uniforme em todos os Estados-Membros. Se se pudessem transportar mercadorias de contrafacção no território da Comunidade sem sanções eficazes, ao abrigo de uma simples declaração segundo a qual o destino final dessas mercadorias se encontra num Estado terceiro, o risco de que os lotes declarados em trânsito terminassem, na realidade, no mercado da Comunidade graças à exploração das fraquezas do regime de trânsito comunitário, seria grande. Trata- -se de um procedimento clássico para as infracções ligadas ao transporte de álcool e de tabaco.

42 A Comissão lamenta que o despacho de reenvio não contenha informações suficientes sobre os pormenores relativos ao regime aduaneiro aplicável às mercadorias de contrafacção ou ao seu estatuto aduaneiro para determinar o quadro jurídico exacto aplicável ao processo principal. Com efeito, o referido despacho não indica se as mercadorias são de origem comunitária ou não. No caso do processo subsequente à queixa apresentada pela Rolex, o despacho de reenvio indica que as mercadorias foram «importadas» de Itália para a Áustria antes de serem introduzidas na Polónia. No caso dos processos relativos às queixas apresentadas pela La Chemise Lacoste SA e pela Guccio Gucci SpA, as mercadorias foram importadas da China para a Áustria para serem introduzidas na Eslováquia.

43 Assim, segundo a Comissão, é necessário encarar várias hipóteses.

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44 Se as mercadorias não são de origem comunitária, o despacho de reenvio não fornece qualquer indicação quanto ao regime aduaneiro aplicável. Assim, a questão de saber se se está perante uma operação de trânsito ou de outro regime aduaneiro mantém-se. O mesmo acontece relativamente à questão de saber se as mercadorias foram introduzidas regularmente no território aduaneiro da Comunidade.

45 Em contrapartida, se as mercadorias são de origem comunitária, há que constatar que, sendo importadas de Itália, já estão em livre prática aduaneira, uma vez que adquiriram o estatuto de mercadorias comunitárias no território aduaneiro da Comunidade.

46 Nesta hipótese, a Comissão recorda que o Regulamento n.° 3295/94 não se aplica às mercadorias de contrafacção fabricadas ou comercializadas na Comunidade, mas apenas às provenientes de países terceiros (v. acórdão de 26 de Setembro de 2000, Comissão/França, C-23/99, Colect., p. I-7653, n.° 3). Neste caso, o problema da compatibilidade do direito austríaco com o referido regulamento não se colocaria e o pedido de decisão prejudicial seria inadmissível.

47 Por fim, se as mercadorias não são de origem comunitária e não estão sujeitas a um regime aduaneiro na Comunidade, devem então ser consideradas irregular- mente importadas para o território aduaneiro desta última. Neste caso, nenhum elemento permite concluir que, no processo principal, exista uma contradição entre as disposições suficientemente claras do Regulamento n.° 3295/94 e as disposições pertinentes do direito austríaco.

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48 No que respeita aos artigos 8.°, n.° 1, e 11.° do Regulamento n.° 3295/94, a Comissão encara duas hipóteses.

49 A primeira hipótese seria a de a República da Áustria ter adoptado as medidas previstas no artigo 8.°, n.° 1, do referido regulamento, mas de a sua aplicação ao procedimento de trânsito ser posta em causa pelas disposições nacionais susceptíveis de ser interpretadas num sentido contrário.

50 A segunda hipótese seria a de o referido Estado-Membro não ter adoptado as medidas previstas no artigo 8.°, n.° 1, do Regulamento n.° 3295/94. Nesse caso, colocar-se-ia o problema da aplicação da regra enunciada neste artigo, na medida em que existiriam disposições de direito nacional prevendo que o trânsito das mercadorias em causa não constitui uma utilização ilegal de uma marca.

51 Além disso, a Comissão conclui dos n.°s 23 a 25 do acórdão de 14 de Outubro de 1999, Adidas (C-223/98, Colect., p. I-7081) que, quando mercadorias de contrafacção ou mercadorias-pirata são colocadas sob um regime suspensivo, tal como o regime de trânsito, disposições nacionais que possam ser interpretadas no sentido indicado no número anterior constituem uma violação do artigo 2.° do Regulamento n.° 3295/94. Na sua opinião, as disposições nacionais devem ser interpretadas em conformidade com este artigo 2.°, de modo que, designada- mente, as medidas previstas no artigo 8.°, n.° 1, do referido regulamento sejam aplicáveis às mercadorias colocadas sob um regime suspensivo.

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52 Contudo, a Comissão salienta que, no que respeita ao artigo 11.°, do Regulamento n.° 3295/94, poderia colocar-se um problema específico. Com efeito, a obrigação que incumbe ao juiz nacional de interpretar as normas pertinentes do direito interno à luz do conteúdo do direito comunitário está limitada pelos princípios gerais de direito, que fazem parte do direito comunitário, especialmente os princípios da segurança jurídica e da não retroactividade em matéria penal.

53 Assim, no seu acórdão de 8 de Outubro de 1987, Kolpinghuis Nijmegen (80/86, Colect., p. 3969, n.o s 12 e 13), o Tribunal de Justiça decidiu que as disposições não transpostas de uma directiva não podem, por si só e independentemente de uma lei interna adoptada por um Estado-Membro para a sua aplicação, criar ou agravar a responsabilidade penal de quem viole as disposições dessa directiva. A Comissão conclui que, quando as disposições nacionais são susceptíveis de conduzir a uma interpretação contrária às proibições enunciadas no artigo 2.° do Regulamento n.° 3295/94, não podem, por si só, criar ou agravar a responsabilidade penal de quem as viole.

Apreciação do Tribunal de Justiça

54 A título liminar, há que recordar, como o Tribunal de Justiça enunciou no n.° 29 do acórdão Polo/Lauren, já referido, que o artigo 1.° do Regulamento n.° 3295/94 deve ser interpretado no sentido de que é aplicável quando mercadorias importadas de um país terceiro se encontram, no decurso do transporte para outro país terceiro, provisoriamente imobilizadas num Estado-Membro pelas autoridades aduaneiras deste Estado por força do referido regulamento e a pedido da sociedade titular dos direitos cuja violação é invocada.

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55 Importa recordar também que o artigo 11.° do Regulamento n.° 3295/94 impõe aos Estados-Membros que prevejam a adopção de sanções em caso de infracção à proibição, prevista no artigo 2.° deste regulamento, de introduzir em livre prática, exportar, reexportar ou colocar sob um regime suspensivo mercadorias de contrafacção.

56 Além disso, como salienta correctamente o advogado-geral no n.° 36 das suas conclusões, a interpretação do âmbito de aplicação do referido regulamento não depende da natureza do processo nacional (civil, penal ou administrativo) no decurso do qual tal interpretação seja invocada.

57 O órgão jurisdicional de reenvio considera que o § 60 da MSchG pode ser interpretado no sentido de que não se aplica ao simples trânsito de mercadorias, o que o Governo austríaco e as empresas que apresentaram queixa no processo principal contestam.

58 Não incumbe ao Tribunal pronunciar-se sobre a interpretação do direito nacional, missão que cabe exclusivamente ao órgão jurisdicional nacional. Se este último constatar que as disposições relevantes do direito nacional não proíbem e, portanto, não punem o simples trânsito, no território do Estado- -Membro em causa, de mercadorias de contrafacção, como exigem, no entanto, os artigos 2.° e 11.° do Regulamento n.° 3295/94, há que concluir que estes se opõem às referidas disposições nacionais.

59 Por outro lado, segundo jurisprudência assente, o juiz nacional é obrigado a interpretar o seu direito nacional nos limites impostos pelo direito comunitário, a

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fim de atingir o resultado prescrito pela norma comunitária (v. acórdãos de 13 de Novembro de 1990, Marleasing, C-106/89, Colect, p. I-4135, n.° 8, e de 26 de Setembro de 2000, Engelbrecht, C-262/97, Colect., p. I-7321, n.° 39).

60 Se Se tal interpretação conforme é possível, incumbirá ao órgão jurisdicional nacional, a fim de garantir aos titulares de um direito de propriedade intelectual a sua protecção face às violações proibidas pelo artigo 2.° do Regulamento n.° 3295/94, aplicar ao trânsito no território nacional de mercadorias de contrafacção as sanções civis previstas pelo direito nacional para os outros comportamentos proibidos pelo mesmo artigo 2.°, desde que tenham um carácter eficaz, proporcionado e dissuasivo.

61 Contudo, coloca-se um problema específico no que respeita à aplicação do princípio da interpretação conforme em matéria penal. Assim, como o Tribunal de Justiça também decidiu, o referido princípio está limitado pelos princípios gerais de direito, que fazem parte integrante do direito comunitário, especialmente os princípios da segurança jurídica e da não retroactividade. A este propósito, o Tribunal teve ocasião de afirmar repetidas vezes que uma directiva não pode, por si só e independentemente de uma lei interna, adoptada por um Estado-Membro para a sua aplicação, criar ou agravar a responsabilidade penal de quem a viole (v., designadamente, acórdãos Pretore di Salò, já referido, n.° 20; de 26 de Setembro de 1996, Arcaro, C-168/95, Colect., p. I-4705, n.° 37; e de 12 de Dezembro de 1996, X, C-74/95 e C-129/95, Colect., p. I-6609, n.° 24).

62 Ainda que, no processo principal, a regra comunitária em causa seja um regulamento, isto é, uma norma que, por natureza, não necessita de medidas nacionais de transposição, e não uma directiva, há que notar que o artigo 11.° do Regulamento n.° 3295/94 atribui aos Estados-Membros competência para adoptarem as sanções das infracções aos comportamentos proibidos pelo I-686

(23)

artigo 2.° deste regulamento, o que faz com que o raciocínio adoptado pelo Tribunal relativamente às directivas seja transponível para o referido processo.

63 Na hipótese de o órgão jurisdicional de reenvio chegar à conclusão de que o direito nacional não proíbe o trânsito em território austríaco de mercadorias de contrafacção, o princípio da legalidade das penas consagrado no artigo 7.° da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, que é um princípio geral de direito comunitário comum às tradições constitucionais dos Estados-Membros, proibiria a aplicação de sanções penais a tal comportamento, mesmo no caso de a regra nacional ser contrária ao direito comunitário.

64 Há, portanto, que responder à questão submetida que:

— os artigos 2.° e 11.° do Regulamento n.° 3295/94 devem ser interpretados no sentido de que são aplicáveis a uma situação em que as mercadorias em trânsito entre dois Estados que não são membros da Comunidade Europeia são retidas provisoriamente num Estado-Membro pelas suas autoridades aduaneiras;

— a obrigação de interpretação conforme do direito nacional, à luz do texto e da finalidade do direito comunitário, para atingir o resultado por ela prosseguido, não pode, por si só e independentemente de uma lei adoptada por um Estado-Membro, criar ou agravar a responsabilidade penal de um operador que tenha violado as prescrições do referido regulamento.

(24)

Quanto às despesas

65 As despesas efectuadas pelos Governos austríaco e finlandês, bem como pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis.

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

pronunciando-se sobre a questão submetida pelo Landesgericht Eisenstadt, por despacho de 17 de Janeiro de 2002, declara:

1) Os artigos 2.° e 11.° do Regulamento (CE) n.° 3295/94 do Conselho, de 22 de Dezembro de 1994, que estabelece determinadas medidas relativas à I-688

(25)

introdução na Comunidade e à exportação e reexportação da Comunidade de mercadorias que violem certos direitos de propriedade intelectual, na redacção dada pelo Regulamento (CE) n.° 241/1999 do Conselho, de 25 de Janeiro de 1999, são aplicáveis a uma situação em que as mercadorias em trânsito entre dois Estados que não são membros da Comunidade Europeia são retidas provisoriamente num Estado-Membro pelas suas autoridades aduaneiras.

2) A obrigação de interpretação conforme do direito nacional, à luz do texto e da finalidade do direito comunitário, para atingir o resultado por ela prosseguido, não pode, por si só e independentemente de uma lei adoptada por um Estado-Membro, criar ou agravar a responsabilidade penal de um operador que tenha violado as prescrições do referido regulamento.

Jann Edward La Pergola

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 7 de Janeiro de 2004.

O secretário

R. Grass

O presidente

V. Skouris

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