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Os efeitos do luto na saúde psíquica da mulher: Um estudo do caso Frida Kahlo

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Os efeitos do luto na saúde psíquica da mulher: Um estudo do caso Frida Kahlo The effects of mourning on women's mental health: A case study Frida Kahlo

Los efectos del duelo en la salud mental de las mujeres: un estudio de caso Frida Kahlo

Gisele Ferreira de Castro Silva185 Izabella Cristina Fonseca Reis186 Monara de Oliveira Clemente187 Eduardo Ferreira do Amaral Filho188

Resumo: Neste estudo objetivou-se analisar as implicações do luto na saúde psíquica da mulher. Os objetivos específicos foram, portanto: diferenciar luto normal e luto patológico na perspectiva da Psicologia; descrever acerca da saúde psíquica da mulher; apresentar contribuições da Psicologia e Tanatologia a partir do estudo do caso Frida Kahlo para a compreensão dos efeitos do luto na saúde psíquica da mulher. Metodologicamente, tratou-se de uma pesquisa bibliográfica, de cunho qualitativo, e um estudo de caso, onde se busca elucidar sobre o psíquico de mulheres que perderam entes queridos e estão passando pelas fases do luto e o luto em si. Toda elaboração de uma perda, um luto, abrange um desenvolvimento de criação, visto que o desenvolvimento criativo carrega dentro de si as ferramentas de transformação simbólica provocadas por si mesmo. O luto quando bem elaborado torna-se um movimento de transformação do que foi sentido, dado que a intensidade das experiências vividas é representada, assim sendo transformadas em memórias, artes, músicas, obras científicas ou pinturas, uma vez que começa a dar novos sentidos à vivência da perda.

Palavras-chave: Luto Normal; Luto Patológico; Saúde da Mulher; Frida Kahlo.

Abstract: This study aimed to analyze the implications of mourning for women's mental health.

The specific objectives were, therefore: to differentiate between normal and pathological mourning from the perspective of Psychology; describe about the woman's mental health; to present contributions from Psychology and Thanatology from the study of the Frida Kahlo case to understand the effects of mourning on the woman's mental health. Methodologically, it was a bibliographic research, of a qualitative nature, and a case study, in which it seeks to elucidate the psychic of women who have lost loved ones and are going through the phases of mourning and the mourning itself. Every elaboration of a loss, a mourning, encompasses a development of creation, since the creative development carries within itself the tools of symbolic transformation brought about by itself. Mourning when well elaborated becomes a movement to transform what was felt, given that the intensity of the lived experiences is represented, thus being transformed into memories, arts, music, scientific works or paintings, once it begins to give new meanings the experience of loss.

Keywords: Normal Mourning; Pathological Mourning; Women's Health; Frida Kahlo.

185Graduanda em Psicologia pelo Centro Universitário São José. Contato:

giselescastro189@hotmail.com.

186Graduanda em Psicologia pelo Centro Universitário São José. Contato: isha1929@outlook.com.br.

187Graduanda em Psicologia pelo Centro Universitário São José. Contato: monara_o@hotmail.com.

188Mestre em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública (FIOCRUZ). Contato:

eduamaralfilho@hotmail.com.

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Resumen: Este estudio tuvo como objetivo analizar las implicaciones del duelo para la salud mental de las mujeres. Los objetivos específicos eran, por tanto: diferenciar entre duelo normal y patológico desde la perspectiva de la Psicología; describir sobre la salud mental de la mujer;

presentar contribuciones de Psicología y Tanatología a partir del estudio del caso Frida Kahlo para comprender los efectos del duelo en la salud psíquica de la mujer. Metodológicamente, se trató de una investigación bibliográfica, de carácter cualitativo, y un estudio de caso, en el que se busca dilucidar la psique de las mujeres que han perdido a sus seres queridos y atraviesan las fases del duelo y el propio duelo. Toda elaboración de una pérdida, un duelo, encierra un desarrollo de la creación, ya que el desarrollo creativo lleva en sí mismo las herramientas de la transformación simbólica por sí misma. El duelo cuando está bien desarrollado se convierte en un movimiento para transformar lo sentido, dado que se representa la intensidad de las experiencias vividas, transformándose así en recuerdos, artes, música, obras científicas o pinturas, una vez que comienza a dar nuevos significados a la experiencia de la pérdida.

Keywords: Duelo normal; Duelo patológico; La salud de la mujer; Frida Kahlo.

Introdução

Considerando a diferenciação entre o luto normal e o luto patológico, o presente trabalho almeja abordar a relação entre o luto e a saúde psíquica da mulher através da perspectiva da Psicologia, fazendo, para isto, uso da análise do caso de Frida Kahlo. Nota-se que o luto está culturalmente entrelaçado à morte, associado muito naturalmente à perda de um ente querido, trazendo sensações como tristeza e sofrimento. No entanto, a literatura vem destacando que o luto ocorre também em uma mudança de casa ou cidade, em um término de relacionamento amoroso ou em uma demissão de trabalho, todas essas situações são exemplos de perdas que o sujeito pode vivenciar ao longo de sua vida, onde o luto aparecerá como reação às mesmas.

Desde 1915, Freud (1917[1915]) já destacava que o luto é a reação diante do processo de perda de um ente querido ou perda de algum elemento significante que desperte a sensação de tristeza e sofrimento tal qual daquele ente. Contudo, cabe destacar desde já que a reação de um sujeito diante de uma perda significativa pode ser normal ou patológica, mas sobre isto se detalhará mais adiante.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define saúde como: “estado de

completo bem-estar físico, mental e social e não consistindo somente da ausência de

uma doença ou enfermidade” (OMS, 1948, p. 65). Muitas das vezes que se perde um

ente querido ou algum elemento significante esses elementos de bem-estar são

significativamente afetados, pois o sujeito que perde passará pelo processo de luto e

dificilmente seu bem-estar físico, sua saúde mental e seu meio social não serão

afetados, principalmente se se tratar de um ente próximo. Como salienta Kovács

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(2010), a morte do outro representa experienciar a vivência da morte em vida, pois por conta dos vínculos estabelecidos, entende-se que uma parte do sujeito morre junto com o ente querido.

Este artigo aborda o luto que incide sobre a saúde da mulher em suas especificidades, pois sob a influência do processo de socialização a mulher é preparada para ser feminina, o que em algumas sociedades é quase sinônimo de fragilidade, e neste caso, de maior vulnerabilidade para ter sua saúde psíquica afetada pelo luto. Atualmente existem na literatura muitos textos que falam especificamente sobre o gênero feminino, mas para uso destes há de se considerar que gênero é um conceito entendido como a forma social que adquire cada sexo a partir do processo de socialização que faz com que os sujeitos desempenhem os papéis sociais propostos para seu sexo (CARDOSO, 2008). Assim sendo, não se sugere aqui certa fragilidade ou vulnerabilidade da mulher, mas se aponta para a especificidade da mesma ao se colocar diante do luto de forma “feminina”.

A despeito do grande crescimento social que vem alcançando, a mulher ainda carrega o peso histórico de uma sociedade machista que associa o feminino à submissão, à fragilidade e pouca força física, bem como a aspectos emocionais e financeiros inferiores, colocando-a quase sempre como dependente de um parceiro do gênero masculino. Neste sentido, essa cultura já afeta de forma específica a saúde psíquica da mulher, fazendo surgir muitas especificidades em suas outras formas de afetação. Assim sendo, este artigo é direcionado para a sociedade em geral, mas principalmente se propõe a trazer uma reflexão para as mulheres que ainda não consideram o quanto o luto pode afetar diretamente sua saúde psíquica.

Este trabalho de abordagem qualitativa é resultado de um estudo bibliográfico e ainda de um estudo de caso. O uso do estudo bibliográfico se justifica pela necessidade de abranger estudos já existentes sobre a temática pesquisada, pois é através da coleta de dados teóricos existentes e atualizados, que os autores da pesquisa conseguem expressar sua própria visão sobre a temática em si (MINAYO, 2014). E no que diz respeito ao estudo de caso, se faz, como sugere Fonseca (2002):

para conhecer em profundidade “o como e o porquê de uma determinada situação

que se supõe ser única em muitos aspectos, procurando descobrir o que há nela de

mais essencial e característico” (FONSECA, 2002, p. 33). Propõe-se com o estudo do

caso de Frida Kahlo citar suas obras que expõem dor e ao mesmo tempo esperança;

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pretende-se retratar seus estados emocionais, suas questões com a maternagem, a relação que tinha com seu corpo, seus relacionamentos afetivos e sua feminilidade.

O objetivo deste artigo é compreender e analisar os efeitos do luto normal e do luto patológico na saúde psíquica da mulher. Para tanto, se faz necessário diferenciar luto normal e luto patológico, discutir as especificidades da saúde psíquica da mulher, e por fim, retratar, a partir do estudo de caso da Frida Kahlo, como o luto afeta a saúde psíquica da mulher.

Para facilitar e guiar a leitura, este artigo se divide em três seções. Na seção Luto Normal e Luto Patológico se pretende diferenciar essas formas de luto citadas na literatura; a seção Saúde Psíquica da Mulher dedica-se a discussão das especificidades de gênero na saúde psíquica da mulher; e por fim, na seção intitulada Psicologia e Tanatologia: Contribuição do Estudo do Caso Frida Kahlo se traz o estudo do caso a fim de contribuir para a compreensão do luto na saúde psíquica da mulher.

I Luto Normal e Luto Patológico

O tema do luto não é uma discussão atual, alguns autores já falavam do luto.

Este, já vem sendo discutido há muitos anos. Já em 1914, Freud (1916[1914]) conceituava luto como a reposta a uma perda. Essa perda pode ser de diferentes ordens, pode ser a de um aluno que muda de escola, da troca de turma, da perda de uma professora antiga, de seus colegas, dos funcionários; pode ser também a perda de um ente querido, o término de uma relação e etc.

Na atualidade o tema do luto vem sendo discutido em algumas literaturas a respeito de ser normal ou patológico, e a respeito do tempo certo para ser elaborado.

Para Freud, os comportamentos tais como desânimo, desinteresse pelo mundo externo, a diminuição da capacidade de amar, a inibição de parte, ou toda, de qualquer atividade diante da perda é um processo normal, e não se deve fazer nenhuma intervenção médica, visto que é considerado desnecessário ou mesmo prejudicial.

No que diz respeito ao tempo para a elaboração de um luto, Freud (1914-1916)

se posiciona para dizer que não há um tempo definido. O luto chega ao fim após certo

tempo, sem deixar quaisquer vestígios de grandes alterações. O tempo do processo

de luto é singular para cada sujeito, uma vez que atravessa a concepção de

subjetividade, pois depende do contexto em que aconteceu a perda, dos sentimentos

e dos vínculos estabelecidos. Alguns sujeitos podem demorar meses e outros até

anos. Todas estas perdas precisam de um tempo para ser elaboradas, estão sujeitas

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a variações, pois depende do contexto e da forma também em que o sujeito que passa por esta perda se encontra (MANUAL DE TANATOLOGIA, 2007).

Diante dessas discussões o Conselho Federal de Psicologia (CFP) lançou uma Campanha Nacional “Não à medicalização da Vida” e o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP-SP) realizou um Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade (2011), onde foram abordadas questões sobre a medicalização e as classificações psiquiátricas. Nos últimos anos crianças com comportamentos difíceis de lidar foram diagnosticadas com transtornos e distúrbios;

e adultos com dificuldades para lidar com sentimentos de raiva, tristeza, alegria, amor, angústia, medo e ódio foram diagnosticados com diversas patologias e consequentemente medicados, causando graves efeitos colaterais. Importante exemplo proposto pela cartilha Medicalização da Educação e da Sociedade: foi estipulado um tempo ‘máximo’ de 15 dias para que um sujeito pudesse sofrer pela morte de um ente querido. Mais que isso, o sujeito seria diagnosticado com um quadro depressivo, podendo ser submetido à medicação (MEDICALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO E DA SOCIEDADE, 2011, p.05)

Considera-se ainda que as perdas, o luto, os processos de morrer e a morte são estudados por uma área da ciência chamada Tanatologia. Esta contribui para o conhecimento e compreensão dos meios de lidar e avaliar a dor psíquica e as dificuldades impostas pela morte. Nesta perspectiva, no Manual de Tanatologia do CRP-PR (Conselho Regional de Psicologia do Paraná) considera-se o luto do seguinte modo:

[…] o luto é tanto um processo de abandono de esquemas conhecidos quanto de aprendizagem de novos esquemas. Ele se compõe por fases não-lineares que podem ser aqui enumeradas: uma reação de choque ou torpor; a negação (aqui definida como a defesa a uma informação que não é possível absorver imediatamente); a raiva; a barganha (momento em que há uma tentativa de negociação); a depressão (tristeza pela perda, pesar), e a aceitação que vai levar o indivíduo a organizar a vida com a nova realidade.

(MANUAL DE TANATOLOGIA, 2007, p.18).

Conforme este mesmo manual de Tanatologia, o luto normal se diferencia do

luto patológico em razão do tempo. Dizemos que o luto é normal ou bem elaborado

quando acaba de maneira natural depois de certo tempo, para este não é necessária

a intervenção profissional. Já no luto patológico a elaboração é tardia e vem

acompanhada de um estado depressivo, melancolia, doenças, contínuo desconforto,

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aumento na dificuldade para lidar com perdas seguintes, e dificuldades para o desenvolvimento pessoal, portanto, é necessária a intervenção profissional (MANUAL DE TANATOLOGIA, 2007, p.18).

Apesar de alguns autores virem apontando que o tempo é relativo para a elaboração do luto, outros autores vêm tentando demarcar que a diferença entre o luto normal e o luto patológico está situado no tempo. Se um tempo não é um demarcador do luto como é que ele pode ser usado para definir a patologia imposta ao luto?

Nesse contexto, fundamentando-se em Freud, Pinheiro, Quintella e Verztman (2010) assinalam, portanto, a distinção entre luto, melancolia e depressão. Sendo assim, o luto é posto como um processo psíquico que provoca a renúncia ao objeto, pois há uma inibição da atividade e do eu, uma perda ‘temporária’ da capacidade de adotar um novo objeto de amor. Este, possibilita a separação com relação ao objeto perdido e o reinvestimento num substituto.

O sujeito que passa por este processo do luto fica por um tempo em sofrimento, com a libido baixa, acontecendo um “trabalho psíquico”, fazendo com que a dor diante da perda não seja eterna. Na melancolia o sujeito identifica-se narcisicamente ao objeto perdido, pois a perda é recusada, ocorrendo um empobrecimento subjetivo, aqui o que se perdeu foi uma parte do próprio eu. Já a depressão é entendida como uma defesa eficiente em relação ao desejo. Os discursos da perda de si na depressão diferem da “perda do eu” na melancolia. O deprimido faz referência a si mesmo como se ele estivesse como uma imagem parada, bidimensional, à qual falta movimentação afetiva.

Assim sendo, o que se convencionou chamar até aqui de luto patológico pode ser identificado facilmente com aquilo que a literatura há muito vem tratando por melancolia. Tirando de cena a depressão supracitada para fins de diferenciação, resta estabelecer clara distinção, a guisa de conclusão, entre luto normal e luto patológico.

Para isto, pode-se tomar o conceito freudiano de luto para pensar o que a literatura

contemporânea tem chamado de luto normal, de fácil elaboração, e de outro lado

identificar o conceito freudiano de melancolia com o “atual” luto patológico, passível

de intervenção profissional, uma vez que se situa como um processo de difícil

elaboração. Em ambos os casos, vale notar que são movimentos do sujeito que o tira

do quadro em que se situa, abrindo espaço para questionamentos sobre o tempo que

aparece na literatura como critério para enquadramento no tipo de luto.

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II Saúde Psíquica da Mulher

Como é estar situada na categoria do feminino e passar por um processo de luto? Até que ponto isso afeta de maneira específica a saúde psíquica da mulher?

Esta seção dedica-se a discussão das especificidades de gênero na saúde psíquica da mulher. E para isto, se faz necessário compreender um pouco mais e melhor sobre tal categoria conceitual. Para Heilborn (1994), gênero é uma categoria referente à construção social do sexo e tem como origem a questão cultural, é o que diferencia socialmente os sujeitos homem e mulher, ou seja, os gêneros masculino e feminino.

O gênero está ligado ao que o sujeito se identifica, fala sobre quem o sujeito é, como se vê, não somente ao sexo biológico, que está ligado à maneira do nascer, dos órgãos sexuais. Para Scott (1995), o gênero é a base das relações sociais com diferenças percebidas entre os sexos. Para esta autora, o gênero implica relações de poder. Um ideal foi criado sobre o masculino e o feminino, a masculinidade ligada à heterossexualidade, à força e ao poder; e a feminilidade posta como frágil, dependente, entre outras questões similares.

Então se faz necessário refletir: como o luto atravessa o feminino? E de que maneira a mulher demarcada pelo feminino elabora o luto? Para a mulher, a perda de uma gestação, ou de um filho pode ser mais real e presente, e sentimentos como culpa e angústia podem ser recorrentes dependendo do quão significativo aquela gestação ou filho foi para ela. Por ser a mulher quem carrega o bebê e gera uma relação mais próxima com o mesmo, ao qual idealizou aquele sujeito, aceitou, e criou um vínculo. Segundo Sousa e Muza (2011), é no período da gravidez que a mulher idealiza o bebê e sua relação com ele. Existem algumas reações frente à perda, como o choque, a negação, tristeza, isolamento do meio social, a perda do prazer em tarefas diárias e até para si própria. Com a perda, a mulher também perde a função de exercer o ser mãe. Já para o homem a reação pode ser bem diferente nesse processo de perda, por não ser ele quem gera e por conta da questão histórica do gênero masculino ter enraizado o “ser forte” em diversas situações da sociedade. Logo, quando acontece de a gestação ser interrompida, seja por um aborto, ou quando o bebê nasce sem vida, precisa ser compreendida a reação frente a esses acontecimentos de acordo com o grau de afeto e emoção que a mulher depositava nessa relação mãe-bebê (ASSUNÇÃO & TOCCI, 2003).

O contexto no qual ocorre a perda é relevante para compreender o processo

de luto, o meio no qual essa perda se dá conta muito em como o feminino vai elaborar

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e atravessar o processo de luto. Se há apoio masculino, familiar e até mesmo social, as formas de enfretamento e elaboração podem se tornar mais fáceis de atravessar.

Neste caso, as possibilidades vindas de maneira positiva são importantes para a mulher. Só as mulheres vivem no real do corpo os processos da maternidade e da gestação, mas devemos considerar, de acordo com Farias e Villwock (2010), que é um período no qual a mulher passa por diversas mudanças, sejam elas físicas, psicológicas, de aceitação (quando é o caso de gravidez não planejada), vínculo, entre outras questões.

III Psicologia e Tanatologia: Contribuição do Estudo do Caso Frida Kahlo

A história de Magdalena Carmen Frida Kahlo y Calderón começa e termina no mesmo lugar, na residência chamada por ela de Casa Azul, em Coyoacán, antigo distrito residencial na Cidade do México. Aconteceram três grandes fatos importantes vividos por Frida na residência: seu nascimento, casamento e sua morte. Nasceu no dia 07 de julho de 1907 e veio a falecer em 13 de julho de 1954. Tendo seu casamento no dia 21 de agosto de 1929 com Diego Rivera. Casando-se novamente com Diego em 08 de dezembro de 1940 após um período de separação. Embora tenha nascido em 1907, mudou sua data de nascimento para 1910, sendo uma homenagem à revolução, como salienta Herreira:

A rigor, conforme atesta sua certidão de nascimento, Frida nasceu em 6 de julho de 1907. Talvez optando por uma verdade mais estrita do que o fato permitiria, ela escolheu nascer em 1910, ano da eclosão da Revolução Mexicana. Uma vez que era filha da década revolucionária, quando as ruas da Cidade do México estavam coalhadas de caos e derramamento de sangue, Frida decidiu que ela e o México moderno haviam nascido no mesmo ano (HERREIRA, 2011 p.14).

Foi a terceira das quatro filhas do casal Matilde e Guilhermo. Sua mãe Matilde Calderón y González, católica e mestiça; seu pai, Guilhermo Kahlo, fotógrafo, descendente de alemães, judeu de nascimento e ateu por convicção. Logo após o nascimento de Frida, sua mãe ficou doente e não pôde amamentá-la. Com isso, a menina foi amamentada por uma ama de leite indígena. Segundo Levinzon (2009), a doença de sua mãe tem indícios de uma depressão pós-parto, pois Matilde, ainda sofria o luto pela perda de seu único filho homem que faleceu ao nascer.

Conforme Levinzon (2009), a relação de mãe e filha parecia ser depressiva. Em

um de seus quadros, Meu nascimento (1932), Frida retrata um de seus primeiros

contatos com o sofrimento em sua vida. A figura conta a sua sensação de abandono

materno. Na figura, ela parece estar lutando sozinha para nascer, para sobreviver.

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Sua mãe, aparentemente morta, está na cama coberta por um lençol, parindo um bebê que não pode contar com a presença viva da mãe. Outra experiência de sofrimento foi aos seis anos de idade, onde Frida contraiu poliomielite, a levando ficar um período de nove meses sem poder sair de seu quarto. Após este período, um médico recomendou uma série de exercícios físicos para fortalecer sua perna direita que sofria sequelas da doença.

Com a sequela da doença, Frida ficou com a perna direita bastante fina e o pé atrofiado, com isso passou a ser chamada pelos seus colegas de “Frida perna de pau”.

Com o tempo passou a andar de calça e também com suas longas saias, para esconder a perna. Segundo Herreira (2011), a situação que se formou por causa da sua doença a deixava bastante furiosa. Sua amiga, a pintora Aurora Reyes, afirma:

Éramos bastante cruéis sobre a perna dela. Quando ela passava de bicicleta, gritávamos: ‘Frida pata de palo’ [Frida perna de pau], e ela reagia furiosamente, com palavrões (REYES apud HERREIRA, 2011 p.22-23).

No período em que ficou confinada em seu quarto, vivendo com o sofrimento da sua doença, com a solidão, com o medo de não voltar a andar e também de morrer, Frida criou uma espécie de amiga imaginária. Uma experiência relatada em seu diário:

Eu devia ter 6 anos quando vivi intensamente a amizade imaginária com uma menina mais ou menos da mesma idade. Na janela daquele que era então meu quarto, e que dava para a rua Allende, sobre um dos primeiros vidros da janela. E com um dedo eu desenhei uma “porta” (…) Por essa “porta” eu saía na minha imaginação com uma grande alegria e urgência. Atravessava todo o campo que se via até chegar a uma leiteria que se chamava PINZÓN (…) Pelo “O” em PINZÓN eu entrava e descia intempestivamente ao interior da terra, onde minha amiga imaginária “me esperava sempre”. Não me lembro de sua imagem e nem de sua cor. Mas sei que era alegre. Ela ria muito. Sem sons. Era ágil e dançava como se não tivesse peso algum. Eu a seguia em todos os seus movimentos e enquanto ela dançava eu lhe contava meus problemas secretos. Quais? Não me lembro. Mas ela sabia pela minha voz todas as minhas coisas (…) Quando eu voltava para a janela entrava pela mesma porta desenhada no vidro. Quando? Por quanto tempo ficava com ela? Não sei. Podia ter sido um segundo ou milhares de anos (…) Eu era feliz.

Apagava a “porta” com a mão e “desaparecia”. Corria com meu “segredo” e minha alegria até o último canto do pátio de minha casa, e sempre no mesmo lugar, debaixo de um cedro, gritava e ria assombrada de estar só com minha grande felicidade e a lembrança tão viva da menina. Passaram-se 34 anos desde que vivi essa amizade mágica e cada vez que a recordo ela se aviva e cresce mais e mais dentro de meu mundo. PINZÓN 1950. (Kahlo, 2005, p.

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Após o período de tratamento de sua doença, estudou na Escola Nacional

Preparatória, entre 1922 e 1925, com o objetivo de cursar medicina, que era o seu

sonho. Um sonho que precisou ser interrompido aos seus 18 anos devido a um grave

acidente entre o bonde que estava e um ônibus. Sofreu muitos ferimentos e fraturas

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que a levaram para mais um período de tratamento na sua vida, não podendo sair da cama por meses. Foi então que, nesse longo período de recuperação, nasceu seu amor pela pintura. Para vencer o tédio, seu pai adaptou uma tela em sua cama e um espelho sobre um dossel que cobria a cama, fazendo com que retratasse a si própria, nascendo assim uma série de autorretratos bastante significativos em suas obras (BATISTA et al, 2014).

Toda elaboração de uma perda, um luto, abrange um desenvolvimento de criação, visto que o desenvolvimento criativo carrega dentro de si as ferramentas de transformação simbólica provocadas por si mesmo. O luto quando bem elaborado torna-se um movimento de transformação do que foi sentido, dado que a intensidade das experiências vividas é representada, assim sendo transformadas em memórias, artes, músicas, obras científicas ou pinturas, uma vez que começa a dar novos sentidos à vivência da perda (SILVA, 2017).

Durante toda sua vida, Frida lidou com experiências dolorosas, como a sequela do acidente que lhe causou dores físicas para o resto da sua vida, como também suas angústias com sua família e principalmente com seu marido, com quem viveu um relacionamento bastante conturbado, com diversas traições, inclusive, com sua própria irmã, ocasionando a separação do casal, que um ano depois se casou novamente. Foi uma relação com altos e baixos, de intensa dor, construção, destruição, bastante dependência e raiva. Dores retratadas em muitas de suas telas.

Uma de suas telas, chamada Henry Ford Hospital (1932) retrata o sofrimento que passou com os diversos abortos que deve em sua relação com Diego, acarretando uma frustração em seu grande desejo de ser mãe (BATISTA et al, 2014).

Frida transformou seu luto em arte, fazendo de suas experiências dolorosas

algo confortante para si própria. Ou seja, um luto bem elaborado. Tornou-se uma

grande artista, mundialmente conhecida, transformando e criando sua experiência

dolorosa e intensa em valiosas obras de arte, podendo assim, transmitir toda a

complexidade de sua existência intensa (BATISTA et al, 2014).

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Considerações Finais

Conclui-se que o processo de luto é composto por comportamentos tais como desânimo, a diminuição da capacidade de amar, a inibição de parte, ou toda, de qualquer atividade diante da perda; e que este é um processo normal, em que não se deve fazer nenhuma intervenção médica, visto que é considerado desnecessário ou mesmo prejudicial. Este processo é vivenciado de forma singular por cada sujeito.

Alguns autores apontam que o tempo é relativo para a elaboração do luto enquanto outros tentam demarcar que a diferença entre o luto normal e o luto patológico está situado no tempo.

É importante ressaltar que luto e melancolia são formas distintas de reação à perda, como informamos. Assim sendo, o luto normal ou bem elaborado é posto como um processo psíquico que provoca a renúncia ao objeto, pois há uma inibição da atividade e do eu, uma perda ‘temporária’ da capacidade de adotar um novo objeto de amor. Já o luto patológico ou de difícil elaboração, propenso a intervenção profissional, pode ser identificado facilmente com aquilo que a literatura há muito vem tratando por melancolia, com isso, o sujeito identifica-se narcisicamente ao objeto perdido, pois a perda é recusada, ocorrendo um empobrecimento subjetivo. Aqui o que se perdeu foi uma parte do próprio eu.

No que diz respeito às especificidades de gênero na saúde psíquica da mulher, o feminino passa por diversos atravessamentos que afetam sua saúde. O processo do luto afeta a saúde psíquica da mulher de acordo como aquela situação de perda foi significativa para a mesma. O ambiente ao qual ocorre essa perda diz muito sobre o processo e dependendo de como é a relação com o masculino, o meio familiar e social, existe a possibilidade de contribuição de uma maneira mais positiva para a elaboração do luto feminino.

No que diz respeito ao estudo de caso, podemos dizer que, de certa forma, a

pintura foi para Frida a superação de seus processos de luto. Lutos pelos diversos

abortos que a fizeram perder o sonho de ser mãe, pela doença quando criança e o

acidente na sua adolescência que fizeram com que perdesse, mesmo que por alguns

períodos, a sua independência e liberdade, como também o seu sonho de se tornar

médica, que precisou ser interrompido após seu acidente. Frida conseguiu se

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transformar no meio do caos, mostrando que não se encaixa na fragilidade destinada para a mulher na sociedade, dando novos sentidos às suas vivências de perda.

Por fim, Frida com a sua arte, traz em suas vivências de perdas um grande exemplo de elaboração de luto. Mesmo sendo uma mulher do século XX com todas as limitações imposta para o gênero feminino na época, ela pôde mostrar para todos que a mulher é capaz de se reinventar transformando em uma grade superação os seus sofrimentos. Sendo assim, um exemplo de grande valia para todas as mulheres que estão em situações de perdas enxergarem na história de Frida Kahlo a esperança da transformação, buscando transformar suas experiências de perdas em alguma habilidade, como ela fez com a pintura, dando assim novos sentidos para suas perdas.

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Referências

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