• Nenhum resultado encontrado

Uma nova ciência para um novo senso comum

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2022

Share "Uma nova ciência para um novo senso comum"

Copied!
399
0
0

Texto

(1)

Uma nova ciência para um novo senso comum

Marcelo Gomes Germano

SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros

GERMANO, MG. Uma nova ciência para um novo senso comum [online]. Campina Grande:

EDUEPB, 2011. 400 p. ISBN 978-85-7879-072-1. Available from SciELO Books

<http://books.scielo.org>.

All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported.

Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada.

Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons

(2)
(3)
(4)

Universidade Estadual da Paraíba

Profª. Marlene Alves Sousa Luna Reitora

Prof. Aldo Bezerra Maciel Vice-Reitor

Editora da Universidade Estadual da Paraíba

Diretor

Cidoval Morais de Sousa Coordenação de Editoração Arão de Azevedo Souza

Conselho Editorial Célia Marques Teles - UFBA

Dilma Maria Brito Melo Trovão - UEPB Djane de Fátima Oliveira - UEPB Gesinaldo Ataíde Cândido - UFCG Joviana Quintes Avanci - FIOCRUZ Rosilda Alves Bezerra - UEPB Waleska Silveira Lira - UEPB Editoração Eletrônica

Jefferson Ricardo Lima Araujo Nunes Leonardo Ramos Araujo

CapaArão de Azevedo Souza

Foto da capa: TangYauHoong/Domínio público Comercialização e Divulgação

Júlio Cézar Gonçalves Porto Zoraide Barbosa de Oliveira Pereira Revisão Linguística

Elizete Amaral de Medeiros

(5)

Marcelo Gomes Germano

Campina Grande - PB 2011

(6)

Copyright © 2011 EDUEPB

A reprodução não-autorizada desta publicação, por qualquer meio, seja total ou parcial, constitui violação da Lei nº 9.610/98.

A EDUEPB segue o acordo ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil, desde 2009.

Depósito legal na Biblioteca Nacional, conforme decreto nº 1.825, de 20 de dezembro de 1907.

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL - UEPB 300

G372p Germano, Marcelo Gomes.

Uma nova ciência para um novo senso comum./ Marcelo Gomes Germano. Campina Grande: EDUEPB, 2011.

400 p.

ISBN - 978-85-7879-072-1

1. Ciências Sociais. 2. Ciência e Tecnologia. 3. Ciência – Filosofi a. 4. Comunicação – Conhecimento. I. Título.

21. ed.CDD

Editora filiada a ABEU

EDITORA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA

Rua Baraúnas, 351 - Bodocongó - Bairro Universitário - Campina Grande-PB - CEP 58429-500 Fone/Fax: (83) 3315-3381 - http://eduepb.uepb.edu.br - email: eduepb@uepb.edu.br

(7)

Dedicatória

Aos meus pais Delmiro Germano de Araújo (In memória), homem de poucas letras e muita coragem para o trabalho e Cleide Gomes Germano, eterna professora, ser humano especial, último esteio de minha vida.

A minha esposa e companheira Nadjay que, no cuidado permanente comigo e com os filhos, tor- nou-se uma coautora indireta deste trabalho.

Aos meus rapazes Ramon Bolivar e Ruan Bolivar

pela compreensão e paciência nos momentos de

isolamento e descuido com as palavras.

(8)

Agradecimentos

A Deus, senhor de todo o mistério, por ter sido o único Tu naqueles momentos de grande solidão, devolvendo-me a coragem para superar as dificuldades enfrentadas ao longo do percurso de construção deste trabalho.

Ao Prof

o

. Dr. Wojciech Andrzej Kulesza pela amizade e orientação paciente, mas, sobretudo, por ter me ensinado a mais importante e difícil das lições: o caminho da liberdade e do livre arbítrio.

A José Francisco de Melo Neto e Cidoval Morais de Sousa pelas várias contribuições durante os encontros formais e as conversas informais e enriquecedoras.

A todos os colegas da segunda turma, em especial, Amparo, Agostinho, Maria Helena, Graça Batista, Geovani, Tânia, Roberto, Rita, Ronney, Zé Luiz, Conceição e Fábio que, parti- lhando saberes, alegrias, angústias e sofrimentos, nunca me deixaram desanimar diante dos obstáculos necessários a construção deste, como de qualquer outro caminho.

A Maria Dar’ck, irmã querida, pelo acolhimento em sua

casa durante os primeiros anos dos cursos de Mestrado e

Doutorado.

(9)

A Lamartine e Marizélia, Aníbal e Rosário, Norma e Leleto, parentes e amigos de todas as horas, ainda mais presentes nestes momentos de construção acadêmica.

A Universidade Estadual da Paraíba - UEPB pelo apoio financeiro e a liberação das atividades acadêmicas ao longo desses quatro anos.

A todos os colegas do Departamento de Física pelo incentivo e total apoio durante os processos de minha liberação.

A todo o povo trabalhador que, em seu esforço anô-

nimo, patrocinou a construção desta pesquisa que, espero

sinceramente, possa contribuir para a sua emancipação

social.

(10)

Sumário

Prefácio . . . .13

Introdução . . . .21

Capítulo I Ciência moderna: fundamentos de uma nova linguagem

Os saberes e as técnicas, a ciência e a tecnologia . . . .33

Saberes e técnicas . . . .33

Ciência e tecnologia . . . .39

A ciência em sua versão moderna . . . .48

Unificações e universalismo: uma nova linguagem, metódica e determinista . . . .51

As bases filosóficas da ciência moderna . . . .75

Descartes e as regras para a direção do espírito . . . .75

Bacon e a proposta de um método indutivo . . . .83

O empirismo naturalista de Hobbes . . . .85

Locke: uma nova sistematização do empirismo . . . .87

Hume e o impasse da proposta empirista . . . .88

A filosofia Kantiana e os limites da faculdade de conhecer . . . .90

Hegel e Marx: a unidade dialética e a ciência na arena da história . . . .93

Entre conquistas e promessas: as certezas da ciência na modernidade . . . .95

(11)

Capítulo II

Os impasses e a crise da ciência moderna

Crise da modernidade: um quadro geral . . . .107

Revolução de gênero e crise na família . . . .114

Crise na escola . . . .116

O Estado. . . . .118

O trabalho . . . .120

Os Impasses e as Crises Internas . . . .126

A Termodinâmica: um primeiro arranhão no determinismo . . . .126

A revolução relativista . . . .132

Mecânica Quântica: entre previsões e incertezas . . . .137

Novos rumos nas Ciências Sociais . . . .140

A crise epistemológica: os primeiros recuos . . . .147

O falsificacionismo de Popper . . . .147

A ciência normal e as revoluções científicas de Kuhn . . . .149

Lakatos e os programas de pesquisa . . . .153

Feyerabend e o anarquismo epistemológico . . . .155

Bachelard e a filosofia do não . . . .159

Outros olhares críticos sobre a ciência. . . .161

Gramsci e a tradição marxista . . . .161

Horkheimer e Adorno . . . .176

Herbert Marcuse . . . .181

Jürgen Habermas . . . .186

Boaventura Santos . . . .192

(12)

Capítulo III

Uma nova ciência para um novo senso comum

Uma nova ciência como utopia necessária . . . .213

Entre rupturas e continuidades: reencontrando o senso comum . . . .241

As rupturas epistemológicas de Bachelard . . . .245

Senso comum e ideologia: uma resposta gramsciana . . . . .248

Das rupturas a superação: a resposta de Paulo Freire . . . .251

O senso comum na psicologia social: a visão de Moscovici . . . .255

Por uma segunda ruptura: a resposta de Boaventura Santos . . . .259

Rupturas e continuidades: um novo senso comum para uma nova ciência . . . .263

Capítulo IV Popularização da ciência e tecnologia: limitações e possibilidades

Introdução . . . .279

Popularização da Ciência: uma revisão conceitual . . . .282

Vulgarização da ciência . . . .282

Difusão científica . . . .285

Alfabetização científica . . . .286

Divulgação Científica . . . .291

Quadro conceitual . . . .299

Popularização da Ciência . . . .300

(13)

Popularização da Ciência e Tecnologia:

limitações e possibilidades . . . .304

Popularização da Ciência e Inclusão Social . . . .304

Por um Controle Social da Ciência . . . .315

Para a Erradicação de um Mito . . . .320

Contra as pseudociências . . . .323

PopC&T: Inovações Tecnológicas e Desenvolvimento Econômico . . . .325

Para a garantia do financiamento público e privado da ciência . . . .330

Para uma maior apreciação estética da realidade . . . .332

Um quadro resumo das principais justificativas . . . .334

PopC&T: limitações e possibilidades . . . .334

Capítulo V Palavras derradeiras

. . . .361

Referências . . . .369

(14)

Prefácio

O processo de comunicação do saber pressupõe algum tipo de diferença entre os agentes envolvidos para que seja efetivo. Tradicionalmente, essa diferença tem sido per- cebida negativamente como uma assimetria, como uma lacuna, uma deficiência ou mesmo uma inocência, a ser suprimida para o bem ou progresso da sociedade. Durante a comunicação, tanto os agentes sociais coletivos, como a mídia ou a escola, quanto os individuais, como o cientista ou o professor, estariam procurando melhorar ou tornar mais completo, o saber do público ou dos estudantes a respeito de um determinado fenômeno. Isso se exprime simbolicamente pela persuasiva metáfora iluminista: tra- ta-se de iluminar, esclarecer os que vivem na escuridão da ignorância para que todos possam se situar numa mesma posição de igualdade ao avaliar o que fazer numa situação que envolva o conhecimento daquele fenômeno.

Assim, a diferença considerada aparece normalmente

em nossa vida social como um desnível, ocupando o agente

emissor (e essa terminologia é característica dessa assime-

tria) uma posição sempre superior, epistemo, onto e até

axiologicamente falando. Trata-se invariavelmente de ele-

var, de soerguer sua consciência acima do senso comum

e até mesmo de tornar o agente receptor mais capaz de

(15)

realizar sua própria condição de humano. Certamente ins- pirada por uma diferença natural tal como aquela existente entre criança e adulto, nova e velha geração, essa assi- metria, quando gerada no interior de uma relação entre seres pretensamente iguais, acaba por conferir ao agente emissor um poder que pode torná-lo capaz de conduzir o processo de conhecimento a seu bel prazer, de modo a subordinar completamente vontade e consciência do recep- tor. Enquanto o primeiro age ativamente, espera-se que o segundo se satisfaça passivamente.

Ao contrário de vasos comunicantes, nos quais dife- rentes níveis são igualados pela pressão atmosférica, nessa comunicação assimétrica, procura-se igualar os níveis de conhecimento pela elevação do mais baixo ao mais alto. Em princípio, um mesmo agente pode elevar o nível de inúme- ros sujeitos, sem aparentemente sofrer qualquer alteração em seu próprio estado. O Sol brilha para todos sem que por isso se altere sua luminosidade. Todavia, o processo de comunicação se instaura exatamente para dissolver essa assimetria, para que ambos comunguem do mesmo nível de conhecimento a respeito do fenômeno considerado sem que, evidentemente, se reduza um agente a outro. E, para que isso ocorra, é fundamental que o agente avalie constante- mente sua ação comunicativa para verificar sua efetividade.

Ou seja, para tornar o processo mais eficaz, ele pre-

cisa necessariamente ser perturbado (como qualquer

observador que procura refinar suas medidas), o que

pode modificar seu estado inicial e até mesmo seu saber

original. O processo de retroalimentação da teoria de sis-

temas, a interatividade almejada pela mídia e a procura de

uma aprendizagem significativa por parte da psicologia

(16)

educacional são técnicas desenvolvidas exatamente para realizar a contento a redução da assimetria primitiva sem subverter todo o processo, isto é, sem dissolver a assime- tria original que o motivou, tomada sempre como condição de contorno inexorável da comunicação.

Como o processo de comunicação está inscrito numa teia de relações sociais, almeja-se sempre que ele seja ins- trumental para a reprodução social, fazendo com que aquele saber determinado possa ser ideologizado, reforçando-se assim a dominação de classe, gênero, etnia ou geração.

Pode-se correr o risco, tal como na dialética hegeliana do senhor e do servo, do emissor se apropriar do saber do receptor e restituí-lo como se ele sempre lhe houvesse per- tencido. De qualquer maneira, principalmente no caso de ciências positivas modernas como a física, o desnível de conhecimento, a assimetria é tão grande, que raramente considera-se que o conhecimento científico possa ser per- turbado, reduzindo-se normalmente o receptor a uma tábula rasa aonde cabe somente imprimir o conhecimento tal como concebido pelo emissor.

A evidente incomensurabilidade introduzida entre os agentes neste tipo de abordagem, com todas suas consequ- ências negativas, que vão desde a ineficácia da comunicação até o mal-estar da relação entre os agentes, tem sido objeto de análises críticas que procuram lidar com essa assimetria de modo a eliminá-la ou, ao menos, atenuá-la.

Entretanto, a grande maioria desses estudos e propostas

encontrados na literatura especializada localiza o problema

no agente emissor, em sua formação, no conhecimento

por ele veiculado ou na maneira de fazê-lo, dificilmente

preocupando-se com o estado, a posição, as circunstâncias

(17)

ou condições envolvendo a situação do receptor. A expres- são, “concepções alternativas”, eufemisticamente utilizada para descrever os conhecimentos originais dos receptores rejeitados pela ciência do emissor, ilustra bem essa ten- dência de menosprezar a sua contribuição ao processo de comunicação.

Este estudo do professor Marcelo Gomes Germano,

originalmente apresentado como tese de doutorado em edu-

cação junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da

Universidade Federal da Paraíba sob o título “Popularização

da Ciência e Tecnologia: um discurso na interface entre

uma nova ciência e um novo senso comum”, procura, radi-

cal e vigorosamente, resgatar o papel do saber popular no

processo de comunicação da ciência e da tecnologia. Na

introdução do trabalho, tomando como pressuposto o valor

inerente do conhecimento do receptor em qualquer processo

de comunicação, o autor questiona exatamente porque esse

saber tem sido olvidado pela maior parte da comunidade

científica moderna, tanto quando tratam com o público em

geral, como quando, ao praticarem a ciência normal kuh-

niana, estão diretamente engajados na formação de futuros

cientistas. Professor de física da Universidade Estadual da

Paraíba, Marcelo começa sua análise no Capítulo II fazendo

uma reconstrução, estreitamente associada à história dessa

disciplina, do que viria a se constituir como modelo ideal

de produção de conhecimento: a ciência moderna. Nessa

trajetória, ele já vai destacando os aspectos da ciência que

mais tarde serão objeto de crítica impiedosa, a ponto de

ensejar até a concepção de um novo estágio no caminho do

conhecimento: a pós-modernidade. Exercitando dialetica-

mente a contradição entre uma visão internalista, na qual o

(18)

próprio fazer científico é considerado fonte suficiente para a explicação histórica, e a visão externalista, que reconhece determinações sociais externas para o surgimento das des- cobertas científicas, o autor supera a dicotomia positivista entre ciências humanas e ciências naturais, preparando assim o terreno para analisar os impasses atuais da ciência moderna no Capítulo II.

Nesse capítulo, Marcelo nos dá uma descrição sinté- tica da crise da modernidade, analisando as encruzilhadas interpostas no desenvolvimento histórico da ciência e que continuam a surgir continuamente. Depois de expor as várias tentativas lógicas, epistemológicas ou metodológi- cas dos filósofos da ciência em dar conta dos problemas suscitados pelo fazer científico e suas aplicações tecnológi- cas, Marcelo sai em busca de contextualizações mais gerais dessas questões. Recusando-se a recorrer ao conceito limi- tado de “revolução científica” como solução para a crise atual da ciência - como se ela fosse meramente uma “crise de paradigmas” - o autor procura aquelas formulações que a situam num quadro mais compreensivo da atual condi- ção humana. A questão das desigualdades sociais, a fome e a doença no mundo, o problema ambiental, as armas nucleares, a questão da violência em geral, enfim, o futuro da humanidade, tudo aquilo relacionado pelos críticos da ciência em crise é esmiuçado pelo autor em busca de uma espécie de “ciência fundamentalista”, ainda poderosa epis- temológica e eticamente correta.

As consequências dessa “utopia necessária” para a pro-

blemática em questão nos são apresentadas no terceiro

Capítulo: a necessidade de “uma nova ciência” como decor-

rência de “novo senso comum” pós-moderno. Rastreando

(19)

os principais autores que vincularam a crise da ciência com os desafios de uma comunicação popular, nesse capí- tulo, “entre rupturas e continuidades”, Marcelo começa por dissolver a clássica distinção entre sujeito e objeto de conhecimento, recupera a equivalência entre emissor e receptor no processo de entendimento, procurando instau- rar novamente as condições originárias de dialogicidade do saber, para aplicá-las finalmente ao processo de difusão do conhecimento científico e tecnológico.

Dessa forma, Marcelo elabora uma dimensão do pro- blema independente do espaço geográfico e do tempo histórico – ao modo da quinta dimensão de Norbert Elias – erigindo uma quintessência comum para as diferentes

“representações” dos fenômenos que, por sua vez, cons- tituiria a base necessária para supressão da assimetria do processo de comunicação característica da modernidade, barreira maior para a instauração de uma verdadeira reci- procidade na comunicação. Ou seja, o autor argumenta que a solução para o problema, por ele formulado em termos da “popularização da ciência e tecnologia”, repousa fun- damentalmente no restabelecimento do diálogo entre os agentes envolvidos.

Finalmente, nos capítulos derradeiros, de posse de sua

teorização, Marcelo envereda pelo mundo das experiências

realizadas na área em busca da interlocução necessária para

tornar mais convincente sua solução do problema. O con-

fronto com a realidade empírica permite que ele apure seu

discurso, estendendo-o a domínios da ciência e tecnologia

ainda não considerados. Temas como o encontro impre-

visto da América, a revolução copernicana, a descoberta do

oxigênio, a pasteurização, a teoria da evolução, a energia

(20)

nuclear, as vacinas, a conquista do espaço, a clonagem humana, a transposição do Rio São Francisco, o aqueci- mento global, os transgênicos, para fixar apenas exemplos notórios, têm levantado ao longo do tempo a questão do

“entendimento público da ciência”, ensejando uma com- plexa gama de respostas.

Analisando historicamente os diferentes conceitos que têm sido produzidos em torno dessa temática, o autor adota enfaticamente o termo “popularização” como o mais adequado para exprimir seu equacionamento da questão.

Voltando-se enfim para as “limitações e possibilidades” de sua solução para a questão aqui e agora no Brasil, Marcelo analisa as iniciativas, tanto da sociedade civil como do Estado, que têm sido tomadas na área, elencando e ana- lisando todos os argumentos que são esgrimidos em prol da “popularização da ciência e tecnologia”, expressão que inclusive dá nome a um departamento do atual Ministério da Ciência e Tecnologia do Brasil.

Temos a certeza de que a leitura deste livro por alunos e professores, cientistas ou leigos e pelo público em geral, como texto indubitavelmente integrante da produção científica e tecnológica nacional, contribuirá para “popu- larizar” a tese do autor acerca da absoluta necessidade do exercício do diálogo na comunicação humana, não tanto para que cientistas e público se entendam, mas para que todos tenham uma percepção minimamente equivalente dos benefícios e riscos da ciência e da tecnologia para a civilização.

Wojciech Andrzej Kulesza

(21)
(22)

Introdução

Se as coisas são intangíveis... ora Não é motivo para não querê-las...

Que tristes os caminhos não fora A mágica presença das estrelas (Mário Quintana).

Os meus primeiros contatos com o discurso da ciência estão situados, mais ou menos, no primeiro ou segundo ano do antigo ensino primário, e o Grupo Escolar Major José Barbosa compõe uma parte do cenário onde tudo começou.

As imagens de esqueletos, plantas e pássaros e de um menino

com os braços estendidos como se buscasse orientação no

mundo, permaneceram como lembranças de um primeiro

livro de ciências: O PEQUENO CIENTISTA. Tempo de mui-

tas brincadeiras em um cenário quase familiar onde tive a

sorte de viver a minha infância. Naquela época, a luz era a

motor e, logo cedo, a escuridão invadia as noites, contras-

tando com o magnífico espetáculo de um céu infinitamente

marcado de estrelas. Nós, os meninos, enturmados nas cal-

çadas contávamos estórias de assombração e olhávamos o

céu admirados. Foi numa dessas noites orvalhadas de vida

e beleza que me nasceu o desejo de ser cientista. Se, como

dizia meu livro, eram eles, os cientistas, que entendiam os

mistérios do céu, com certeza, eu queria ser um.

(23)

O tempo passou e tornei-me professor de Física, uma das mais respeitadas ciências da atualidade. Fiz pós-graduação na área de Gravitação e Cosmologia e descobri mistérios e segredos revelados por outras linguagens. A concepção de ciência e de cientista também foi mudando ao longo do tempo e os sonhos poéticos de um “pequeno cientista”

foram sendo confrontados com a realidade de uma ciên-

cia fria, impessoal, poderosa e perigosa. O cientista, que

Whitney comparava a um garoto curioso e pronto a comu-

nicar suas descobertas, revelou-se profissional, rigoroso,

pontual e servo fiel de um poder estranho aos domínios

de seu conhecimento. O mito da neutralidade e da ciên-

cia como principal benfeitora da humanidade, prostrou-se

diante de um mercado que transformou o conhecimento

em uma de suas principais mercadorias, fonte de valor e

de riqueza. O que restava a fazer? Abandonar o caminho

da razão? Impossível. Afinal, como diria Fromm (1984), o

conhecimento, nosso maior privilégio, é também o nosso

grande castigo. Se impusemos um modelo de civilização

global quase completamente dependente da ciência e da

tecnologia, construído sobre fundamentos em que quase

ninguém entende a ciência e a tecnologia que invade e

domina seu cotidiano, estamos diante de um perigoso

paradoxo que não nos permite a omissão de bater em reti-

rada. Pelo contrário, impõe-nos a tarefa gigantesca de lutar,

com muito empenho e sabedoria, no sentido de construir

uma ciência mais humana, alegre e comprometida com os

interesses de bilhões de homens e mulheres, trabalhadoras

e trabalhadores anônimos que, expostos a toda sorte de

sacrifícios, patrocinaram e continuam patrocinando, sem

mesmo o saberem, toda uma produção de conhecimento

que, não muito raramente, prefere colocar-se contra eles.

(24)

Certamente que, o conhecimento produzido sobre os fundamentos de uma sociedade profundamente desigual em suas bases materiais e dividida em classes que se anta- gonizam por interesses adversos, também se encontra distribuído, de uma forma assimétrica e excludente, onde os reconhecidos avanços na produção científica e tecnoló- gica contrastam com uma evidente e vergonhosa realidade de pobreza e analfabetismo.

Não seria necessário um grande esforço de abstração teórica para antever na desigualdade produzida a partir da negação do acesso aos bens materiais, um consequente desequilíbrio no que diz respeito ao conhecimento cientí- fico e aos demais benefícios da cultura em geral. Todavia, na nova sociedade onde o conhecimento científico e tecno- lógico tornou-se uma das principais moedas de riqueza e poder, a distinção entre pobres e ricos não será mais feita apenas pelo parâmetro da carência de bens materiais, mas, sobretudo, pela possibilidade de acesso ao conhecimento e a participação no processo de sua produção. Nesse con- texto, não é suficiente a busca pelo diálogo entre os vários campos do conhecimento interditados pelas especificidades de incontáveis disciplinas, fato que é denunciado por Snow (1995) ao revelar o profundo abismo que separa as cultu- ras humanistas e as ciências naturais. Urge ampliar esta busca até alcançar a todos os setores da sociedade, princi- palmente os mais atingidos pelo processo de exclusão.

É a partir dessa contradição que se articulam os vários

discursos e práticas no que se costuma chamar de popu-

larização da ciência e tecnologia (PopC&T). Embora as

motivações, justificativas e interesses sejam distintos,

(25)

todos os envolvidos parecem concordar, pelo menos em tese, com a necessária ampliação do acesso ao conheci- mento científico e tecnológico. Em muitos casos, porém, as iniciativas são ambíguas e apenas contribuem para acen- tuar ainda mais o abismo entre uma cultura dita científica e a cultura geral.

Os argumentos favoráveis ou contrários a tais inicia- tivas são controversos. Para alguns, a ciência é matéria para iniciados e anda mesmo na contramão dos sabe- res de senso comum. Nesse caso, qualquer tentativa de tradução deste conhecimento para uma linguagem mais acessível, conduziria a um processo de descontextualiza- ção negativo, uma construção de imagens caricaturadas de processos abstratos e impossíveis de serem comunicados aos não cientistas. Outros, pelo contrário, apoiados em argumentos de natureza político-social reclamam a urgên- cia de uma cruzada permanente em defesa de uma maior democratização do acesso ao conhecimento, sobretudo o conhecimento científico e tecnológico, visto como um patrimônio universal da cultura. Em meio a este debate, ainda destaca-se a questão da invasão cultural e do res- peito a outras formas de conhecimento, confrontando o multiculturalismo a uma possível uniformização da cul- tura pela ciência e a tecnologia.

A ideia de construir um trabalho nesse território do

conhecimento está assentada em uma história de militân-

cia política junto aos movimentos sociais, organizações

de classe e partidos políticos em cruzamento com uma

trajetória profissional como professor do Curso de

Licenciatura em Física (UEPB) com interesse e especiali-

dade em Ensino de Ciências.

(26)

Primeiro vieram os trabalhos de militância política junto às comunidades, que hoje compreendo como sendo um esforço enorme de popularizar algumas das ideias construídas no universo das ciências sociais. Mais tarde, como consequência natural, uma atuação acadêmica orientada por uma visão diferente do ensino de ciências e uma preocupação permanente com a formação de pro- fessores. Por fim, considerando um ponto de vista mais operacional, esta escolha teria nascido em função de uma experiência vivenciada entre os anos 2002/2004 quando, enquanto membros do Curso de Licenciatura em Física, fomos convidados a participar de um projeto de divulga- ção científica em parceria com o Museu Vivo da Ciência em Campina Grande. O reencontro com a educação não formal nos confrontou com um outro universo de atuação, recolocando velhas questões de nossa prática social que, no encontro com o ensino da ciência Física, se traduziu nas seguintes questões.

Como a linguagem da ciência, nascida no interior da

cultura, pôde se distanciar tão fortemente da linguagem do

senso comum, tornando-se super-especializada ao ponto

de querer se sobrepor à cultura geral? Por que uma forma

de conhecimento (o científico) acabou pretendendo-se o

conhecimento por excelência? Seria da própria natureza da

ciência o inexorável caminho da especificidade, com uma

fatal e crescente dificuldade de comunicação entre cientis-

tas e cultura geral? Diante do impressionante avanço da

ciência e tecnologia, com um discurso articulado a partir de

uma linguagem tão hermética e específica que cria dificul-

dades até mesmo para os seus principais interlocutores (os

cientistas), qual o sentido das falas e práticas em PopC&T?

(27)

Como, no contexto da ciência moderna, vinculada a uma sociedade desigual e de bases capitalistas, pode-se vis- lumbrar a possibilidade de diálogo entre o conhecimento científico e os saberes populares e de senso comum?

Esse conjunto de indagações constitui o universo do pro- blema que suscitou a construção deste trabalho de pesquisa.

De certo, não apresentaremos respostas completas para todas essas inquietações muito próprias de nosso tempo.

Não obstante, a partir da escolha de uma questão fundamen- tal, poderemos adentrar neste universo para trazer alguma contribuição no sentido de conhecer e transformar essa rea- lidade. Sobretudo, revelando os níveis de complexidade que envolvem qualquer processo consistente no sentido de fazer a ponte entre o conhecimento formal e acadêmico e os saberes populares.

Se for razoável que o cientista necessita comunicar suas

“descobertas”, não é menos razoável, que esta comunicação tem sido cada vez menos trivial. Embora a capacidade atual dos meios de comunicação seja fantástica, a linguagem de cada pesquisador encontra-se protegida pela especificidade de seus próprios códigos. Assim, tanto no que se refere à codificação particular da linguagem como no que diz res- peito ao controle e privatização inerentes aos interesses econômicos, o conhecimento científico sempre esteve e, certamente continuará, envolvido com a antiga e inevitável questão do poder.

Nesse sentido, a importante crítica, desfechada con-

tra os fundamentos dogmáticos e deterministas da ciência

moderna, tornou-se um importante referencial que, cons-

truído a partir da segunda metade do século XX e no

(28)

contexto da crítica ao capitalismo, ao fascismo, e ao comu- nismo burocrático de inspiração stalinista, continua sendo de grande valia para o contexto de nossa discussão. Se é tanto possível como urgente e fundamental intensificar a busca pelo diálogo entre o conhecimento científico e os saberes de senso comum, também é fato que, nos limites de compreensão de uma ciência determinista, autoritária e fragmentária, essa tarefa será considerada inoportuna e desnecessária.

Este trabalho nega a obviedade que trafega nos discursos e práticas de difusão e divulgação da ciência, trazendo a público os níveis de complexidade que envolvem este debate, tão antigo quanto a ciência. Sustentamos a tese que as interven- ções voltadas para a PopC&T só vão encontrar sentido em um novo contexto de compreensão do senso comum e da pró- pria ciência. Assim como Santos (2003, 2004a), embora em um contexto diferente, também defendemos a tese de uma necessária ruptura epistemológica com a ciência moderna como pressuposto necessário às iniciativas de Popularização da Ciência e Tecnologia. Somente a partir de uma nova com- preensão do senso comum, aliada aos indícios que apontam à gênese de uma nova ciência e nos limites de uma prá- tica pedagógica de natureza emancipatória, esse diálogo tornar-se-á possível, ou seja, somente de uma perspectiva crítica da ciência, aliada a uma visão utópica da emergên- cia de um novo paradigma científico, podemos enxergar as possibilidades e limitações envolvidas no debate público de Popularização da Ciência e Tecnologia no Brasil.

O livro está organizado em duas partes principais. Na

primeira parte, procuramos resgatar alguns momentos

principais dentro do processo de construção, consolidação

(29)

e crise do que hoje chamamos de ciência moderna. Na segunda parte, defendemos a tese de uma nova ciência e uma nova visão do senso comum, condição necessária, embora não suficiente, ao diálogo entre o conhecimento científico e os saberes populares.

Durante o primeiro capítulo, procedemos a uma rápida incursão na busca de nos aproximarmos conceitualmente de alguns termos julgados fundamentais a uma compre- ensão mais profícua de todo o conjunto da tese, partindo do conceito de saberes e técnicas, passando pelos conceitos de ciência e tecnologia, até concluir com um conceito preli- minar do que seja a ciência moderna. A partir daí, acorremos à reconstrução de alguns fatos históricos que teriam con- corrido para a construção de um racionalismo científico de caráter físico-matemático que, além de sobrepujar os saberes próprios aos sentidos imediatos, afastando-se da empiria e rompendo com o senso comum, também teria conduzido à vitoriosa consolidação de uma ciência de caráter disciplinar universal e determinístico: a ciência moderna. No mesmo processo, enquanto se consolida o distanciamento entre as duas linguagens (científica e de senso comum), do lado da ciência, vai se construindo um projeto unificador em que uma série de conhecimentos fragmentários vão sendo unificados

1

dentro de um quadro mais abrangente que procura explicar diversos fenômenos a partir de uma lei única, mais simples e universalmente

1 A palavra unificação estará sendo utilizada aqui como descrição de fatos diver- sos, abrangendo campos cada vez mais amplos, a partir de uma única (ou poucas) causa primária e subjacente a todos eles. Significa, pois, compreender de que modo efeitos aparentemente diversos são, de fato, explicáveis a partir de um único e particular modelo (ALVARENGA, 1997; SALAM, 1993).

(30)

articulada. Essa ideia poderosa e persistente acabou desencadeando uma espécie de generalização reducio- nista, sobretudo, após a formulação e aperfeiçoamento da mecânica newtoniana.

De outro lado, a vitoriosa construção do projeto mecani- cista encontrará apoio e ressonância em todo um arcabouço filosófico que, dentro de um processo de realimentação, conduzirá ao que mais tarde será entendido como as bases de sustentação filosófica da ciência moderna. Ainda neste capítulo, destacamos alguns dos traços principais das mais importantes correntes filosóficas que deram sustentação a este ambicioso projeto. De Bacon a Kant, procuramos reconstruir um quadro característico que permitisse ao leitor uma visão geral de parte da arquitetura de cons- trução da filosofia moderna. Para concluir, procedemos a uma digressão histórica que faz o resgate de algumas das mais importantes conquistas e promessas difundidas pela ciência moderna, chamando a atenção para o exagero de expectativas, otimismo e confiança despertados nos anos dourados da modernidade.

De fato, como escreve Hobsbawm (1995, p.504),

“nenhum período da história foi mais penetrado pelas ciências naturais nem mais dependente delas do que o século XX”. Mas, é justamente nesse século que vamos assistir ao grande “mal-estar da modernidade”, com a reco- nhecida crise do paradigma moderno e suas implicações epistemológicas.

A partir desta premissa, reservamos o segundo capítulo

para construir um quadro geral que procura caracteri-

zar e justificar o que estamos reconhecendo como fortes

(31)

indícios de uma crise

2

da ciência moderna. Neste percurso, procuramos resgatar alguns acontecimentos que eviden- ciam aspectos relevantes das crises internas ao próprio universo da ciência e de sua epistemologia, como também, recuperar algumas das mais contundentes críticas dirigi- das à ciência em sua formatação clássica. Neste sentido, considerando que a ciência é apenas um dos vários esteios de sustentação do paradigma moderno, antes de particula- rizar a discussão para algumas das mais importantes crises internas a este universo, iniciamos o capítulo construindo um quadro geral que procura caracterizar o que se entende como modernidade. Por outro lado, dado que a crise não se processa apenas no contexto da ciência, chamamos a atenção para algumas revoluções que atingem outros pila- res de sustentação do paradigma moderno. As crises na família, na escola, no Estado e no mundo do trabalho são apresentadas como evidências do mal-estar que circunda a modernidade.

Em um segundo momento, resgatamos importantes episódios que definem algumas das crises internas ao universo da própria ciência. Partindo da irreversibilidade dos processos termodinâmicos e a sua incompatibilidade com a reversibilidade da mecânica newtoniana, passando pela Teoria da Relatividade Especial com o seu questio- namento aos conceitos de espaço e tempo absolutos, até a mecânica quântica, que estabelece parâmetros de

2 Ao utilizarmos a expressão “crise da ciência moderna” não estamos ates- tando o colapso factual e inevitável da ciência moderna, mas uma condição de mal-estar que amplia os espaços e oportunidade de ações transformado- ras, sem nenhuma garantia dos possíveis resultados aonde este processo possa nos levar.

(32)

incerteza como princípio regulador das medidas físicas no universo subatômico.

Ainda neste capítulo, recuperamos o debate episte- mológico para, independente das especificidades de cada corrente, evidenciar os diferentes aspectos da crítica ao positivismo lógico. Mais um paradigma da ciência moderna, que não se sustenta. Para concluir, resgatamos algumas das mais importantes críticas dirigidas à ciência moderna.

Críticas filosóficas e sociológicas que vão, desde o esforço teórico da Escola de Frankfurt, até a crítica gramsciana, terminando com o olhar contemporâneo do sociólogo por- tuguês, Boaventura de Sousa Santos.

No quarto e último capítulo, reiteramos a tese de que os próprios objetivos subjacentes às iniciativas de popula- rização da ciência demandam a utopia de uma nova ciência.

Uma ciência que deve assumir como fundamento essencial a comunicação com outros saberes, sobretudo com os sabe- res do senso comum. Se, conforme o paradoxo sugerido por Lévy-Leblond (2006), uma cultura científica é impossível e ao mesmo tempo necessária, o nosso caminho é um cami- nho aparentemente fadado à impossibilidade. Mas, como as crianças, os bêbados, os loucos, os poetas e os santos, nós, os cientistas, também somos convocados a encarar o impossível como realidade.

Não é a primeira vez, nem será a última, que ouviremos discursos apontando para horizontes de uma nova ciência.

Galileu não teve cerimônias em anunciar, não uma, mas

“duas novas ciências”. Bacon também apontou o caminho de

uma nova ciência em sua conhecida proposta de Instauratio

Magna Scientiarum. Não temos a pretensão de apresentar

(33)

aqui a linguagem de uma nova ciência, mas apenas, a par- tir das demandas impostas no presente, apontar alguns horizontes utópicos de mudanças na própria natureza da ciência. Mudanças que, ao mesmo tempo em que são impulsionadas pela necessária popularização do conheci- mento científico e tecnológico, são imprescindíveis para a concretização deste. Partiremos do reconhecimento de algumas crises e revoluções constatadas no próprio con- texto da ciência moderna. Crises que, como discutimos no capítulo anterior, se não apontam para a certeza de um novo caminho, pelo menos são importantes para reafirmar a dúvida e a inesgotável possibilidade criativa de um ser inacabado e em processo de permanente construção.

O que de fato é realidade nessa nova ciência que parece

despontar como anseio e necessidade? Quais os sinais

caracterizadores do emergir deste novo paradigma filho e

herdeiro de uma modernidade agonizante? Quais os pon-

tos de confluência entre rupturas e continuidades, entre a

incomensurabilidade e o elo que permite ao novo paradigma

aquele inevitável sentido de pertencimento ao universo da

cultura humana? Estas são as questões que discutiremos

nesse último capítulo que, dividido em dois momentos

fundamentais, inicia-se por uma caracterização do para-

digma emergente e termina com uma discussão sobre a

nova relação do novo paradigma com o senso comum.

(34)

Capítulo I

Ciência moderna:

fundamentos de uma nova linguagem

Toda a nossa ciência, comparada com a realidade é primitiva e infantil – e, no entanto, é a coisa mais preciosa que temos.

(Albert Einstein).

Os saberes e as técnicas, a ciência e a tecnologia Saberes e técnicas

“A primeira premissa de toda história da Humanidade, como nos sugere Marx, “é, naturalmente, a existência de indi- víduos humanos vivos”, e a segunda que, “ Ao produzirem os seus meios de vida, os homens produzem indiretamente a sua própria vida material” (MARX & ENGELS, 1984).

O trabalho é, portanto, o principal fundamento da vida humana e, em certo sentido, criou o próprio homem.

De fato, como aponta Engels (1984), as primeiras fer- ramentas utilizadas pelos homens foram as próprias mãos e foi no processo de desenvolvimento do trabalho que sur- giram as técnicas primitivas.

Por alguma circunstância adversa, uma determinada

espécie de primata teria sido obrigada a descer das árvores e

aventurar-se pelas planícies. Os membros superiores, livres

(35)

de suas antigas obrigações, puderam desenvolver outras habilidades, principalmente habilidades técnicas, impor- tantes para sobrevivência da espécie. A técnica – como meio apropriado de atingir determinado objetivo – nasce, assim, como um prolongamento do próprio organismo, como uma tática de sobrevivência de uma espécie defeituosa que se descola da natureza pela via do trabalho e da cultura.

Conforme essa teoria, algum tipo de macaco que existiu há milhares de anos, pôde evoluir principalmente através de sua ação no enfrentamento com a natureza, sendo o uso das mãos, fator decisivo para essa importante transição.

Devido precisamente a esta maneira de viver, em que as mãos, ocupadas para se firmarem nos galhos, desempenhavam funções dife- rentes das dos pés, os macacos foram, pouco a pouco dispensando-as para o ato de cami- nhar no chão e assumindo desta forma uma postura cada vez mais ereta. Deu-se assim, o passo decisivo na transição do macaco ao homem (ENGELS 1984, p. 9/10).

Os benefícios adquiridos pela nova maneira de utilizar as mãos, tornando-as cada vez mais hábeis, iriam repercu- tir no conjunto do corpo através dos chamados, reflexos da correlação do crescimento, teoria sugerida por Darwin.

Portanto, a evolução das mãos, através do trabalho, teria

provocado um desenvolvimento correlato no cérebro de

uma determinada espécie de primata que, a partir do fazer,

da antecipação do pensamento à ação e da capacidade de

elaboração abstrata, teria desencadeado o processo de

construção da espécie humana.

(36)

Contudo, é necessário acrescentar que, ao transformar a natureza, o homem já o faz articulando-a simbolicamente através da linguagem, principal elemento da mediação simbólica entre a natureza e a cultura, logo não se orienta apenas por necessidades imediatas, mas pelo transcen- dente, pela imaginação e pelo desejo de dar um novo sentido à realidade. Diferentemente do animal que perma- nece colado à sua atividade vital, o homem a distingue de si mesmo, descolando-se dela através de ações oriundas de uma vontade consciente. Embora os outros animais tam- bém produzam, só o homem o faz em domínios universais, produzindo para si e para outras espécies. O homem não é mais um ser de natureza, mas uma contradição dialética entre a natureza e a cultura

3

.

Essa produção é sua vida ativa como espécie;

graças a ela, a natureza aparece como traba- lho e realidade dele. O objetivo do trabalho é, portanto, a objetificação da vida como espé- cie do homem, pois ele não mais se reproduz a si mesmo apenas intelectualmente, como na consciência, mas ativamente e em sentido real, e vê seu próprio reflexo em um mundo por ele construído (MARX, 2004, p. 9).

É no, e pelo trabalho, que o homem vai se construindo enquanto constrói o mundo. E é através do trabalho que

3 Isto não significa que o homem não seja um organismo vivo que faz parte da biosfera, mas que introduziu uma contradição entre o ser biológico e o ser cultural que procura transcender os limites impostos pela própria natureza.

Contudo, ainda resta a problemática questão de saber se existe, de fato, um descolamento ou uma simples manifestação da própria natureza através da cultura humana.

(37)

tentaremos compreender o processo de transição: dos saberes e das técnicas para a ciência e a tecnologia.

De acordo com Habermas (1983b), a história da téc- nica pode ser reconstruída do ponto de vista da objetivação progressiva das ações racionais orientadas para fins. Para o autor, a espécie humana teria projetado, sobre os meios téc- nicos, os componentes básicos destas ações racionais que antes limitavam-se a esfera do organismo, substituindo as funções de movimento (mãos e pernas); a produção de energia (do corpo humano), as funções sensoriais (olhos, ouvidos e pele) até alcançar as funções centrais de controle (do cérebro).

Novamente acreditamos que a consolidação definitiva desse processo só é alcançada a partir do desenvolvimento da linguagem. De modo que,

... só passa a ser verdadeiramente técnica, como operativa do trabalho, como atividade calculada, coordenadora de meios, quando a aplicação do pensamento se generaliza, quando a eficácia do trabalho é avaliada e seus resultados previsíveis logram esquematizar a experiência – o que pressupõe a linguagem verbal, solo nativo ou principal elemento efe- tivador da mediação simbólica da cultura com a realidade (NUNES, 1985, p.105).

É, pois, através da cumplicidade social da palavra,

coetânea com o trabalho, que se tornam factíveis as técni-

cas, que estão muito mais próximas dos saberes e práticas

cotidianas e de senso comum. Para Gorz (2005, p.34),

existe uma distinção bastante clara entre conhecimentos

(38)

e saberes. “O saber é, antes de tudo, uma capacidade prá- tica, uma competência que não implica necessariamente conhecimentos formalizáveis, codificáveis...” Um saber é aprendido quando, de tal modo a pessoa o assimilou, que não lembra mais que teve de aprendê-lo. O conhecimento formal pode até tornar-se saber na medida em que o for- malismo for assimilado e, consequentemente, esquecido.

Outros autores como Rodrigues (2003) acreditam que reside na motivação uma das diferenças fundamentais entre ciência e saber. Portanto, a sabedoria, como forma substantiva do verbo saber

4

, assim como seus cognatos etimológicos, sábio e sapiência, significa o conhecimento procurado com gosto, saboreado. Em “Ciência e Sapiência”

e em muitas outras obras, Alves (1999) também aponta os saberes como próximo dos sabores e entende a sabedoria como conhecimento vinculado aos prazeres e a felicidade.

Se toda sabedoria envolve ciência, nem toda ciência implica necessariamente em sabedoria. Esta precisão conceitual é importante, para manter clara a distinção entre a ciência e os saberes, a tecnologia e as técnicas.

De origem grega (tékhne), a palavra técnica está relacio- nada à utilização de instrumentos, embora possa assumir significados mais amplos tais como: ofício, profissão, habi- lidade para fabricar, construir ou compor algo. Na opinião de Chauí (1997, p. 225) “a técnica é um conhecimento empírico, que, graças à observação, elabora um conjunto de receitas e práticas para agir sobre as coisas”.

4 Procedente da matriz latina defectiva no supino, sapio,is,ii, ou ivi, ere = gostar de, ter gosto de, saborear.

(39)

Obra de Hipócrates destinada a transmitir as técnicas da medicina, “A Tékhne”, é um registro antigo de utiliza- ção do termo. Mas é em Aristóteles que vamos encontrar uma concepção mais próxima do conceito atual. Como se sabe, em uma visão aristotélica, a base primordial do conhecimento são as sensações e os contatos imediatos com o mundo. Impregnadas na memória, as repetidas marcas dessas sensações constituem-se em experiências (Empeiria) que, a partir de percepções individuais, avan- çam para associações gerais, dando origem, tanto à “arte”

(Techné) como à ciência (Episteme). Além de estabelecer um conceito para a técnica, também entendida como “arte”, isto é, habilidade para construir ou compor determinados utensílios, Aristóteles ainda aponta diferenças entre as artes e a ciência que, além de mais exata e mais completa que a arte, deveria exprimir-se numa linguagem passível de ser comunicável, captando o invariante no interior do processo de transformações das coisas. Conforme Granger (1994), a técnica aristotélica não deixa de ser uma forma de conhecimento razoável, no entanto, a ciência lhe é supe- rior, sobretudo, por se referir ao necessário e permitir a demonstração.

As técnicas são, portanto, aqueles saberes ainda não impregnados pelo conhecimento científico sistematizado;

são aquelas habilidades e saberes derivados diretamente

das experiências práticas e sem a necessidade prévia de

bases teóricas. De acordo com Bernal (1975a), os próprios

métodos usados pela ciência teriam a sua origem nas práti-

cas e ofícios manuais cotidianos, de modo que, uma técnica

seria um processo adquirido individualmente e perpetuado

(40)

socialmente

5

, de fazer uma determinada coisa, enquanto uma ciência seria outra maneira de compreender como se faz aquela coisa, de modo a poder fazê-la melhor. Mas isso diz muito pouco a respeito da atividade científica, bem como do processo envolvido em seu afastamento das téc- nicas e dos ofícios.

Ciência e tecnologia

A ciência é um fenômeno social tão antigo e vem enfren- tando tantas transformações ao longo de sua história que, qualquer tentativa de construir um conceito universal em torno desta atividade seria, no mínimo, incompleta. Talvez Chalmers (1993) tenha razão ao reconhecer na pergunta:

“O que é ciência afinal?”, que serve de título a uma de suas obras, a premissa arrogante e enganosa de pressupor a exis- tência de uma categoria universal capaz de reunir todas as especificidades da Física, Química, Matemática, Biologia, Sociologia, História..., em um fenômeno único: a ciência.

Contudo, embora reconhecendo as limitações aproxima- tivas dos conceitos, não podemos prescindir deles de uma maneira radical e completa, sob pena de cairmos em um relativismo extremado e inoperante. Desse ponto de vista, interessa-nos apresentar um quadro genérico de algumas tentativas conceituais em torno do que o consenso resol- veu nomear de ciência.

5 Os saberes técnicos também se caracterizam pelo modo de sua transmis- são, que se realiza essencialmente por tradição oral, e às vezes, através de escritos meio esotéricos ou coletânea de receitas e de descrições de procedi- mentos legados por séculos de prática. Por exemplo, o De re metallica(Sobre a metalurgia) ou o Théâtre d’agriculture (tratado de agricultura), ambos do século XVI (GRANGER, 1994, p.25).

(41)

Comumente se apresenta a gênese da ciência em ter- mos de uma evolução linear que, partindo dos mitos, passa pela filosofia, até alcançar o status da ciência experimen- tal moderna. Mas este é um percurso que, muitas vezes, não revela o contexto em que tais transições são construí- das. Todavia, se entendemos a ciência como conhecimento lógico e sistematizado, que procura explicar as transforma- ções da realidade a partir de conceitos universais, pode-se dizer que teve sua origem na civilização grega antiga, desenvolvendo-se nos períodos clássico e pós-clássico. Foi dos gregos que herdamos a ideia de ciência (epistéme) como um conhecimento racionalmente fundamentado, uma teo- ria da realidade. Mas a palavra ciência é de origem latina (scientia), que também significa conhecimento.

Sem desmerecer a importante contribuição da ciência primitiva dos egípcios, mesopotâmios, fenícios, hebreus, hindus e chineses, a ciência grega foi, sem dúvida, a que mais influenciou diretamente a nossa cultura científica.

Como escreve Ronan:

Entre todos os povos da Antiguidade ocidental, foram os gregos que não ape- nas colecionaram e examinaram fatos, mas também os fundiram em um grande esquema; que racionalizaram o universo inteiro, sem recorrer à magia ou supersti- ção (2001, p.64).

No entanto, as bases escravocratas de sua produção

material não possibilitaram a aproximação entre teoria e

prática, entre ciência e técnica. Na antiga ciência grega, teo-

rética e próxima da filosofia, os cidadãos livres e os filósofos

(42)

desprezaram os trabalhos manuais, as técnicas e ofícios como um tipo inferior de conhecimento. A esse respeito, Platão aconselhava: “Temos feito grandes esforços para liberar nossos cidadãos da necessidade de realizar traba- lhos manuais”. E, seguindo a mesma tradição, Aristóteles, também, via muito mais grandeza no ócio que no traba- lho. Para ele “... existe no próprio descanso uma espécie de prazer, felicidade e encantos unidos à vida, mas que se encontram somente nos homens livres de todo o traba- lho” (apud MIRANDA, 1998, p, 31-32). Com base nesse pressuposto, ele estabelece uma diferença entre os saberes ligados às técnicas produtivas e o conhecimento científico.

Por conseguinte, a ciência aristotélica é uma ciência teórica que, apesar de fundamentar-se em observações de senso comum, estabelece princípios universais e livres das tran- sitoriedades acidentais das experiências cotidianas.

Nesse contexto, apesar da existência de várias técnicas e engenhos mecânicos, até as proximidades do século XV, o desenvolvimento destas, não tinha quase nenhuma rela- ção com a ciência, que se desenvolvia em outro lugar.

Na sociedade medieval, os homens também se encon- travam divididos entre servos e senhores. Os primeiros destinados ao trabalho e à servidão e os segundos ao ócio e às especulações teológico-filosóficas. De acordo com Vieira Pinto,

...os representantes da classe pensante entregam-se à pura especulação, procu- rando por intuição e por esforço imaginativo descobrir a essência das coisas, a matéria primeira de que o universo é composto, as entidades divinas que o governam, as

(43)

substâncias imateriais que explicam o com- portamento dos seres animados, as forças ocultas que operam os fenômenos extraor- dinários, as qualidades formais pelas quais os objetos manifestam sua natureza íntima e mil outros problemas metafísicos, ilusó- rios, resultantes da exclusiva exploração das ideias enquanto tais, desvinculadas da materialidade (1979, p.132).

No contexto da modernidade, a situação não é essen- cialmente diferente. Eliminam-se os servos e a escravidão, em favor de trabalhadores “livres”, mas desprovidos dos meios de produção e subsistência. Na realidade, o tra- balho se transforma e assume características diferentes conforme os vários modelos de organização social que vão prevalecendo.

Em algumas formas antigas de organização social, o

trabalho era dividido como cooperação conforme as capaci-

dades e possibilidades de cada um. Os resultados também

eram partilhados igualmente com todos os membros da

comunidade, com ênfase no trabalho cooperativo, em uma

espécie de comunismo tribal primitivo. A partir dos exce-

dentes de produção, nascem as primeiras possibilidades de

troca, o que possibilita a apropriação do trabalho desen-

volvido por outros homens e um maior desenvolvimento

da propriedade privada. Segundo Marx e Engels (1984),

este fato já se verifica na divisão natural do trabalho no

interior da família e na separação da sociedade em famílias

individuais e opostas umas as outras. Neste processo, se

produz uma repartição desigual do trabalho, tanto em qua-

lidade como em quantidade e uma consequente diferença

na propriedade.

(44)

Nos Manuscritos Econômicos e Filosóficos, Marx sin- tetiza o pensamento de Adam Smith sobre a divisão do trabalho da seguinte forma:

a divisão do trabalho confere a este uma capacidade de produção ilimitada. Ela se origina da propensão a trocar e barganhar, uma propensão especificamente humana que provavelmente não é acidental, porém determinada pelo uso da razão e da fala. O motivo dos que se empenham nas trocas não é a bondade, mas o egoísmo. A diversi- dade dos talentos humanos é mais o efeito que a causa da divisão do trabalho, i. é, do intercâmbio. (MARX, 2004 p.42/43).

Com efeito, à época de Marx, a divisão do trabalho já era reconhecida como o mais eficaz e importante meio de alcançar os mais altos desdobramentos das faculdades humanas para a riqueza social. Também já se sabia que, a cada indivíduo, deveria ser dada a menor amplitude possível de operações, o que diminuía expressivamente a capacidade de cada homem tomado individualmente.

Se em Descartes e Bacon a divisão metodológica das difi-

culdades permitia uma maior aceleração na produção do

conhecimento, por seu lado, a divisão do trabalho também

alavancava a produção em massa, ao mesmo tempo em

que produzia um exército de trabalhadores miseráveis e

desqualificados, sobretudo, porque o aperfeiçoamento da

Mecânica incorporava às novas máquinas as habilidades do

ofício e o conhecimento que antes residia nos trabalhado-

res, aparecia agora, diluído no mistério de máquinas que

(45)

pertenciam ao novo patrimônio da empresa. A divisão do trabalho é, portanto, uma condição necessária para o sur- gimento da ciência moderna.

De acordo com Engels (1983), a manufatura transforma e mutila o operário que, incapaz de fazer um produto inde- pendente, converte-se em um simples apêndice da oficina do capitalista. O controle intelectual do trabalho desapa- rece e desemboca no outro extremo da produção, em que a potencialidade espiritual do processo de trabalho é domi- nada pela propriedade e pelo poder dos patrões.

Este é um processo que tem sua gênese no trabalho cooperativo, desenvolve-se na manufatura e aperfeiçoa-se ainda mais na grande indústria. Se no modelo coopera- tivo, o trabalhador mantinha razoável controle sobre suas habilidades e seu trabalho, a manufatura revoluciona com- pletamente o processo, apoderando-se da força individual do trabalhador e obrigando-o a permanecer condicionado a certas habilidades particulares que inviabilizam o desen- volvimento de seu potencial criativo.

O trabalho, essência principal da formação do homem,

torna-se, pois, motivo de sua alienação e sofrimento. E,

como escreve Manacorda (1991, p. 44), “é a essência sub-

jetiva da propriedade privada e está frente ao trabalhador

como propriedade alheia, a ele estranha e é prejudicial e

nocivo a ele”. Por conseguinte, o homem começa a desen-

volver uma relação contraditória frente ao trabalho que,

embora necessário, passa a ser encarado como fonte de des-

graça e penúria, desencadeando-se o gradativo processo de

afastamento entre os trabalhos manuais e a reflexão inte-

lectual. Aos escravos e menos nobres, cabendo o trabalho

(46)

mais pesado e menos digno; aos líderes e senhores, as ela- borações abstratas e reflexões filosóficas,

[...] porque com a divisão do trabalho está dada a possibilidade, mais, a realidade de a atividade espiritual e a atividade material, o prazer e o trabalho, a produção e o con- sumo caberem a indivíduos diferentes. A partir deste momento, a consciência pode realmente dar-se à fantasia de ser algo dife- rente da consciência da práxis existente, de representar realmente alguma coisa sem representar nada de real. (MARX; ENGELS, 1984, p.35/36).

Portanto, como afirma Vieira Pinto (1979), em tal con- texto, a cultura deixa de ser um bem unitário e se bifurca em duas metades contraditórias. Uma delas representada pelo seleto grupo dos letrados que se apropria do aspecto subjetivo da cultura tornando-se dona das ideias e das fina- lidades a lhes dar e assumindo a função do conhecimento

“puro”, enquanto a outra é afastada da esfera ideal da cul- tura e recebe uma função operativa ou, no máximo, uma

“instrução básica” condicionada ao desenvolvimento dos

novos processos produtivos. Este processo de bifurcação

esteve presente em vários outros momentos da história,

mas é no contexto da modernidade que ele assume uma

versão diferente, sobretudo, porque usurpa dos trabalha-

dores o domínio das técnicas para substituí-las pelos novos

critérios de uma ciência e de uma tecnologia pensadas por

outros e em outro lugar.

(47)

Porém, de acordo com Bernal (1976c, p. 532), mesmo nas fases iniciais da Revolução Industrial, a ciência não teve contribuição direta no processo produtivo, cabendo muito mais aos artífices, técnicos e inventores a sustenta- ção e o desenvolvimento dos aparatos da indústria têxtil.

Mas, é justamente por tornarem-se essenciais à produção que os técnicos e artífices deixam de ser desprezados como haviam sido nas épocas clássica e medieval e, uma nova atmosfera de respeito em relação às artes da fiação, da tece- lagem, da olaria, da sopragem de vidros e, principalmente, dos mineiros e dos metalúrgicos, mais ligados à indústria, vai marcar a Europa nos séculos XVIII e XIX.

De acordo com Bernal (1976b, p.482), a elevação da posição dos artífices tornou possível o encontro entre as suas tradições profissionais e as dos estudiosos, que desde as mais antigas civilizações havia sido interditado. O elo entre essas duas vias não será imediato, mas, depois de iniciado, desenvolver-se-á numa marcha veloz e explosiva.

É, por exemplo, a partir do aperfeiçoamento da máquina a vapor – uma aplicação mais clara de princípios técnico- científicos – que a Revolução Industrial vai ganhar um novo impulso, acelerando bastante o processo de indus- trialização. Até aqui ciência e técnica desenvolveram-se separadamente. Técnicas, mas sem conhecimento formal, técnicas, mas sem tecnologia.

A segunda fase da Revolução Industrial é caracterizada

por uma outra grande revolução em sua matriz energética

de sustentação. Trata-se da utilização da energia elétrica,

associada ao desenvolvimento do eletromagnetismo. Nesse

caso, já se verifica um afastamento mais acentuado da pes-

quisa científica que, embora voltada para o problema da

(48)

indústria se desenvolve longe do ambiente das técnicas de produção. De acordo com Bernal:

A história da eletricidade e do magnetismo oferece-nos o primeiro exemplo, em toda a história, da transformação de um corpo de experiências e de teorias puramente cien- tíficas numa indústria em grande escala. A indústria elétrica é necessariamente cientí- fica em todas as suas fases (1976c, p.629).

Na revolução da termodinâmica, assistimos a uma téc- nica que vai se metamorfoseando em tecnologia; no caso do eletromagnetismo, um corpo de conhecimentos científicos vai transformar-se em tecnologia industrial, verificando-se um tipo novo de afastamento entre os ambientes da teoria e da prática. Portanto, conforme escreve Nunes, a palavra tecnologia,

é uma expressão específica, em uso a partir de 1772, denotando um fenômeno moderno, que reprojetamos a condições distintas de nosso tempo: a ligação da ciência com a técnica, ou seja, o ciclo do desenvolvimento da técnica embasada no conhecimento científico, e que evolve em função dele tanto quanto o faz progredir (1985, p. 106).

A partir deste entrelaçamento que, em certo sentido, já

havia sido prenunciado por Galileu, os limites de separação

entre ciência e tecnologia são cada vez menos plausíveis e

as verdades da ciência se confundem com suas conquistas

tecnológicas.

Referências

Documentos relacionados

Local de realização da avaliação: Centro de Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação - EAPE , endereço : SGAS 907 - Brasília/DF. Estamos à disposição

Estudar o efeito da plastificação do ATp com glicerol nas características físico-químicas da blenda PLA/ATp; Analisar a mudança na cristalinidade dos laminados submetidos a

Por fim, cumpre ressaltar que o Projeto de Lei 5080/2009 privilegia de forma cabal o incremento do devido processo legal, que se faz presente na desnecessidade de garantia do

Outro ponto importante referente à inserção dos jovens no mercado de trabalho é a possibilidade de conciliar estudo e trabalho. Os dados demonstram as

O Plano de Manutenção dos Monumentos é uma ferramenta de gestão e de conservação preventiva que tem os seguintes objetivos: melhorar a gestão de recursos (reduzindo custos a

Apesar dos esforços para reduzir os níveis de emissão de poluentes ao longo das últimas décadas na região da cidade de Cubatão, as concentrações dos poluentes

• A carga das pilhas está baixa • Com a câmera ligada (lente para fora), troque as pilhas. Se a câmera estiver desligada, as luzes piscarão após

I interpret the difference in the estimates obtained when using ordinary least squares (in column (i)) and instrumental variables (in column (ii)) as indicative