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O contrato de trespasse de estabelecimento comercial com reserva de propriedade e a transmissão da posição do arrendatário

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O contrato de trespasse de estabelecimento comercial com reserva de propriedade e a transmissão da posição do arrendatário

Paulo César Campos da Silva

Mestre Carlos Loureiro

Dissertação apresentada ao Instituto Politécnico do Cávado e do Ave para obtenção do Grau de Mestre em Solicitadoria – Especialização em Contratos

julho, 2016

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O contrato de trespasse de estabelecimento comercial com reserva de propriedade e a transmissão da posição do arrendatário

Paulo César Campos da Silva

Mestre Carlos Loureiro

Dissertação apresentada ao Instituto Politécnico do Cávado e do Ave para obtenção do Grau de Mestre em Solicitadoria – Especialização em Contratos

julho, 2016

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Declaração

Nome

_____________________________________________________________________________________

Endereço eletrónico: _______________________________

Tel./Telem.: _______________ / _______________

Número do Bilhete de Identidade: ______________________

Título da dissertação □/Trabalho □

_____________________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________________

Orientador(es):

_____________________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________________

Ano de conclusão: ___________

Designação do Curso de Mestrado:

_____________________________________________________________________________________

Nos exemplares das Dissertações de mestrado ou de outros trabalhos entregues para prestação de Provas Públicas, e dos quais é obrigatoriamente enviado exemplares para depósito legal, deve constar uma das seguintes declarações:

1. É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO INTEGRAL DESTA DISSERTAÇÃO/TRABALHO APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE;

2. É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO PARCIAL DESTA DISSERTAÇÃO/TRABALHO (indicar, caso tal seja necessário, nº máximo de páginas, ilustrações, gráficos, etc.), APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE;

3. DE ACORDO COM A LEGISLAÇÃO EM VIGOR, NÃO É PERMITIDA A REPRODUÇÃO DE QUALQUER PARTE DESTA DISSERTAÇÃO/TRABALHO

Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, ___/___/______

Assinatura: ________________________________________________

(5)

i O CONTRATO DE TRESPASSE DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL COM RESERVA DE PROPRIEDADE E A TRANSMISSÃO DA POSIÇÃO DO

ARRENDATÁRIO

RESUMO

O trespasse de estabelecimento comercial instalado em imóvel arrendado permite a transmissão da posição de arrendatário sem dependência do consentimento do senhorio, o que constitui uma exceção ao regime regra da transmissão da posição contratual.

No entanto, o legislador protege, de algum modo, a posição do senhorio, atribuindo-lhe, em certos casos, o direito de preferência e, em todos casos, o direito a ser informado da transmissão.

A lei, no entanto, parece considerar o trespasse como uma transmissão definitiva do estabelecimento e, dessa forma, também definitiva a transmissão da posição de arrendatário.

Sucede que, por vezes, o trespasse oneroso é sujeito, por vontade das partes, a uma cláusula de reserva de propriedade a favor do alienante, até ao integral pagamento do preço.

No ordenamento jurídico português, a doutrina defende maioritariamente que a venda com reserva de propriedade é uma alienação feita sob condição suspensiva, isto é, um negócio cujos efeitos se produzem de forma plena, ficando somente em suspenso o efeito translativo; assim o vendedor mantém-se como proprietário na pendência da condição, detendo o comprador apenas uma pura e “simples” expectativa de aquisição futura de uma coisa.

A presente dissertação tem por objectivo analisar as implicações da aposição de tal cláusula ao trespasse de estabelecimento comercial: qual a natureza dessa cláusula e, sobretudo, quais as suas implicações para a dinâmica das posições dos diferentes sujeitos afetados pelo negócio: trespassante, trespassário e senhorio do prédio arrendado.

Palavras-chave:- trespasse de estabelecimento comercial; - cláusula de reserva de propriedade; -

arrendamento comercial; -transmissão da posição contratual; - condição.

(6)

ii ABSTRACT

The transfer of a commercial business (“trespasse”) installed in a leased property allows the transmission of the tenant’s position without the lessor’s consent. This is an exception to the general rule on contract position transmission.

However, the Law protects the lessor’s position, by providing him the right to be informed of the transfer and, in some cases, the right of first refusal.

The Law considers the transmission of business as a final transfer.

Sometimes, however, according to the parts’ desire, the sale of business is subject to a reservation of title in favour of the transferor.

According to the Portuguese Law, the reservation of title is a condition precedent. The seller remains, thus, the owner and the buyer has only a protected expectation of further acquisition.

This thesis intends to analyze the implications of affixing such a clause to the contract of business transfer: what is the nature of such clause and, above all, what are its implications for the dynamics of the positions of the different subjects involved: the seller, the buyer and the lessor.

Keywords: - transfer of commercial business; - reservation of title clause; - commercial lease; -

transmission of the contract position; - condition precedent.

(7)

iii AGRADECIMENTOS

Qualquer concretização humana, seja ela individual ou coletiva, acaba por ser uma consequência de um conjunto de diversos contextos, meios e em particular de pessoas. Desta forma, gostaria de expressar o meu profundo e sincero agradecimento a todos aqueles que mediante o seu incentivo, colaboração e empenho, ao longo do meu Mestrado em Solicitadoria me ajudaram, direta ou indiretamente, a cumprir os meus objetivos e principalmente a atingir mais esta etapa da minha formação de cariz académico, originando a realização do trabalho em causa.

Ao Mestre Carlos Loureiro, agradeço a orientação desta dissertação e a confiança total que depositou na sua concretização desde o primeiro instante. O seu espírito crítico, rigor, exigência, as valiosas contribuições, foram cruciais para a concretização do presente e para a minha evolução pessoal. O apoio que sempre demonstrou fez toda a diferença.

A todos os professores que tive o privilégio de conhecer ao longo destes semestres também gostaria de deixar o meu agradecimento, pois todos os seus saberes, ensinamentos e partilhas foram preciosos para a elaboração deste trabalho e para a minha vida pessoal e profissional. Deixo aqui também uma palavra aos meus colegas, agradecendo o companheirismo e entreajuda ao longo do nosso percurso académico.

Agradeço ao Dr. Alberto Silva e à Dra. Susana Costa, que enquanto minhas entidades patronais e amigos, sempre me apoiaram e incentivaram no sentido de não perder o foco naquilo que era essencial, nomeadamente chegar com esta dissertação a “bom porto”, não me podendo esquecer também dos meus queridos colegas de trabalho.

Aos meus amigos(as), mas muito particularmente à Susana Pereira, um obrigada do fundo do coração, por todo o apoio, ânimo, carinho e amizade, e pelas inúmeras trocas de impressões, correções e comentários ao trabalho.

Por fim, e com muito orgulho, tendo a noção clara de que sozinho nada teria sido possível, encaminho

um agradecimento muito especial aos meus pais, que mesmo à distância me apoiaram e não me deixaram

desistir; à minha irmã e à minha avó Maria e ao meu avô Paulo (muito particularmente), pelo apoio

incondicional, incentivo, amor e paciência manifestados ao longo deste percurso; acima de tudo um muito

obrigada por acreditarem sempre em mim, naquilo que sou e faço, e por todos os ensinamentos de vida que me

transmitem diariamente. São os meus pilares!

(8)

iv LISTA DE ABREVIATURAS

D.L. – Decreto-Lei;

nº - número;

CC – Código Civil;

art.º - artigo;

al. – alínea;

ss – seguintes;

CRP – Código Registo Predial;

RAU - Regime Arrendamento Urbano;

NRAU - Novo Regime do Arrendamento Urbano;

STJ - Supremo Tribunal de Justiça.

(9)

v ÍNDICE

RESUMO ... I ABSTRACT ... II AGRADECIMENTOS ... III LISTA DE ABREVIATURAS ... IV

INTRODUÇÃO ... 1

1. ESTABELECIMENTO COMERCIAL – CONCEITO ... 3

2. DIREITO DE PROPRIEDADE DO ESTABELECIMENTO ... 5

3. O TRESPASSE – CONTEXTUALIZAÇÃO ... 7

3.1 O TRESPASSE – FORMA ... 8

3.2 O TRESPASSE DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL INSTALADO EM IMÓVEL ARRENDADO ... 10

4. DIREITO DE PREFERÊNCIA DO SENHORIO NA VENDA OU NA DAÇÃO EM CUMPRIMENTO DO ESTABELECIMENTO... 11

4.1 DESNECESSIDADE DE CONSENTIMENTO DO SENHORIO PARA A TRANSMISSÃO DA POSIÇÃO DE ARRENDATÁRIO ... 12

4.2 NECESSIDADE DE COMUNICAÇÃO AO SENHORIO DO TRESPASSE ... 13

5. VENDA COM RESERVA DE PROPRIEDADE ... 16

5.1 REGIME DA VENDA COM RESERVA DE PROPRIEDADE ... 18

5.2 CLÁUSULA DE RESERVA DE PROPRIEDADE – O OBJETO DO NEGÓCIO ... 21

5.3 O DIREITO DE PROPRIEDADE COM FUNÇÃO DE GARANTIA ... 22

5.4 CLÁUSULA DE RESERVA DE PROPRIEDADE NOS CONTRATOS DE COMPRA E VENDA – NATUREZA JURÍDICA ... 23

A TESE DA CONDIÇÃO SUSPENSIVA ... 28

A TESE DA CONDIÇÃO RESOLUTIVA ... 30

A TESE DA DUPLA PROPRIEDADE ... 31

A TESE DA VENDA COM EFEITO TRANSLATIVO DIFERIDO E A POSIÇÃO DE EXPECTATIVA REAL DO COMPRADOR ... 31

5.5 A NATUREZA JURÍDICA DA CLÁUSULA DE RESERVA DE PROPRIEDADE – A DEFESA DE UMA POSIÇÃO ... 32

6. A TRANSMISSÃO DA RELAÇÃO ARRENDATÍCIA ... 34

(10)

vi

6.1 POSIÇÃO JURÍDICA DO TRESPASSANTE ... 36

6.2 POSIÇÃO JURÍDICA DO TRESPASSÁRIO ... 37

6.3 POSIÇÃO JURÍDICA DO SENHORIO DO IMÓVEL ARRENDADO... 38

7. ACIONAMENTO DA CLÁUSULA DA RESERVA DE PROPRIEDADE EM VIRTUDE DE

INCUMPRIMENTO CONTRATUAL ... 40

7.1 CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL DECORRENTE DO TRESPASSE ... 40

7.2 INEFICÁCIA DO CONTRATO DE TRESPASSE EM VIRTUDE DA NÃO VERIFICAÇÃO

DA CONDIÇÃO ... 41

7.3 E NA HIPÓTESE DE EXISTIREM RENDAS EM ATRASO? ... 42

7.4 E DISPÕE O TRESPASSANTE DO DIREITO DE SER RESSARCIDO DAS RENDAS QUE

SE MOSTRAVAM EM ATRASO, E QUE SE VIU FORÇADO A REGULARIZAR? ... 44

CONCLUSÃO ... 46

BIBLIOGRAFIA ... 48

(11)

1 INTRODUÇÃO

Na base da presente dissertação está a hipótese de trespasse dum estabelecimento comercial sito num imóvel arrendado, no qual apõem as partes uma cláusula em que determinam a reserva de propriedade do mesmo até integral pagamento.

Se da leitura desta primeira frase introdutória, e que serve de enquadramento, não parecem resultar grandes dificuldades de aplicação do regime, conclusão diferente teremos após o início da interpretação de cada um dos conceitos jurídicos, regimes jurídicos e posições jurídicas envolvidas/em confronto.

Não se teve como pretensão abordar um tema até aqui por desenvolver ou, sequer, apresentar uma conclusão/solução irrefutável. O intuito foi, antes, abordar cada uma das posições de aplicação possível e justificar, com fundamentos plausíveis, aquela que nos parece dever ser a aplicável.

Assim, a presente dissertação começa com uma abordagem do conceito e figura do estabelecimento comercial. O qual, e aqui em jeito de súmula, deverá ser compreendido como o conjunto de bens e serviços organizado pelo comerciante em nome individual ou por uma sociedade comercial com vista ao exercício da exploração de certo ramo de atividade comercial ou industrial.

Seguindo-se para a análise da figura do trespasse do já citado estabelecimento comercial. Recorrendo aqui às palavras de Aleida Carvalho:

O estabelecimento comercial pode ser objeto de diversos negócios, dentro dos quais o trespasse. Este engloba diversas realidades e pode ser definido como a transmissão definitiva, por negócio entre vivos, onerosa ou gratuita, de um estabelecimento comercial

1

.

Na análise da figura jurídica do trespasse começa-se por se caracterizar o seu conceito e regime, pormenorizando o regime no que respeita ao trespasse de estabelecimento comercial sito em imóvel arrendado.

Depois de assimilado o regime do trespasse, em particular no que respeita às implicações do mesmo na relação locatícia já existente, avança-se com a dissertação para a temática da reserva de propriedade.

A noção de cláusula de reserva de propriedade pode extrair-se do art.º409 do CC. Dispõe o n.º 1 do referido preceito legal que

Nos contratos de alienação é lícito ao alienante reservar para si a propriedade da coisa até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte ou até à verificação de qualquer outro evento..

Uma vez mais, se desta primeira noção não parecem imergir grandes dificuldades de interpretação já assim não será quando se tenta caracterizar a natureza desta cláusula de reserva de propriedade, e do que dessa caracterização resulta como regime aplicável.

Conforme refere Teresa Pereira

2

,

1

CARVALHO, Aleida - “Trespasse de estabelecimento comercial com reserva de propriedade e transmissão da posição do arrendatário”

- JusJornal, N.º 1134, 15 de dezembro de 2010, Editora Wolters Kluwer Portugal e Coimbra Editora; Data de consulta: 25 de setembro de 2014; disponível em http://jusjornal.wolterskluwer.pt

2

PEREIRA, Teresa Maria Borges da Silva, “ A Cláusula de Reserva de Propriedade no Contrato de Mútuo”, Tese de Mestrado da

Universidade Católica Portuguesa, Escola de Lisboa, Faculdade de Direito, p. 31 e 32;

(12)

2 No que respeita à questão da natureza jurídica da reserva de domínio, são duas as

principais teses defendidas na Doutrina nacional. A tese da condição suspensiva e a tese da condição resolutiva, sendo a primeira claramente maioritária entre nós. Segundo a primeira teoria referida, a reserva de domínio traduz-se numa condição suspensiva que condiciona a transferência do direito real de propriedade a um facto futuro e incerto, seja ele o cumprimento total ou parcial de uma obrigação, como a obrigação de pagamento do preço, ou qualquer outro evento. Por conseguinte, seriam de aplicar à cláusula as normas referentes à venda sob condição suspensiva, nomeadamente as constantes dos art.º 270 e ss do CC. Já para a segunda tese, a reserva de propriedade seria uma condição resolutiva.

Entre nós, defende esta posição CUNHA GONÇALVES, ainda no domínio do Código de Seabra. Segundo esta teoria, a celebração do contrato de alienação implicaria uma imediata produção dos efeitos do negócio, ocorrendo, em simultâneo com a entrega da coisa ao comprador, a transferência do direito de propriedade que, no entanto, ficaria sujeita a uma condição resolutiva, nomeadamente o pagamento do preço. Assim, em caso da não verificação do evento condicionante, verificar-se-ia a resolução dos efeitos do negócio, com eficácia retroactiva, sendo a propriedade readquirida pelo vendedor.

Depois de analisadas as principais teorias, não só as duas maioritárias e acima referidas, e de assumida uma posição na presente dissertação avança-se com a análise das implicações do regime defendido no que respeita às posições jurídicas envolvidas, quais sejam: trespassante, trespassário e senhorio.

Porque ficar por aqui não se revelava bastante, entendeu-se que o trabalho apenas se encontraria completo com o equacionar da hipótese do trespasse vir a ser ineficaz, fruto da não verificação da condição suspensiva à qual subordinaram as partes os efeitos do trespasse, e das implicações que dessa declaração resultam quer para o trespasse, mas com ainda mais importância para o contrato de arrendamento.

Como se consegue alcançar por esta breve súmula está-se perante uma temática bastante atual (pelo menos no que respeita ao trespasse de estabelecimento comercial), bastante discutida e, por isso, à partida com o seu regime e aplicação pré-concebido por todos. Porém, basta equacionar a admissibilidade da aposição duma cláusula de reserva de propriedade, entre nós habitualmente relacionada com os contratos de compra e venda a prestações/crédito, e todo o regime do trespasse já parece alterar-se. Se a isso somarmos a existência dum contrato de arrendamento do referido estabelecimento comercial, então, temos imediatamente toda uma sobreposição de regimes jurídicos que importa analisar, primeiro, isoladamente e, depois, conjuntamente de forma a perceber como se relacionam todas as partes envolvidas nos diferentes negócios e posições jurídicas.

Em suma, pretende-se com o presente trabalho analisar uma temática atual e, por isso, relevante para

o tráfego jurídico, através do confronto de várias posições acolhidas na nossa Doutrina e Jurisprudência, na

busca da solução que se vislumbre capaz de proteger os vários interesses e posições jurídicas envolvidas.

(13)

3 1. ESTABELECIMENTO COMERCIAL – CONCEITO

A primeira parte do problema a abordar prende-se com a decisão de transmissão da propriedade dum estabelecimento comercial. Mas, o que deveremos entender por estabelecimento comercial?

Apesar de incompleta e imprecisa, bem como desprovida de rigor jurídico, a primeira definição que a grande maioria de nós consegue verbalizar é a de que o estabelecimento comercial corresponde ao local onde o comerciante em nome individual ou sociedade desenvolve toda a sua atividade comercial, compreendendo ainda todos os bens e serviços conexos àquela atividade.

Adotando já algum rigor jurídico, a primeira noção a reter dita como estabelecimento comercial O conjunto de bens e serviços organizado pelo comerciante em nome individual ou por uma sociedade comercial com vista ao exercício da exploração de certo ramo de atividade comercial ou industrial

3

.

À primeira vista parece simples e devidamente ampla a noção apresentada. Porém, não é possível reduzir o estabelecimento comercial a um conceito único e rigoroso, assim se justificando as diferentes noções que vão surgindo dependente do meio/contexto em causa.

Sob o ponto de vista económico, estabelecimento comercial é, em sentido amplo, a organização técnica constituída por todos os fatores que servem para o exercício de uma atividade comercial; já em sentido restrito, pode designar uma loja, um armazém, uma fábrica, uma oficina, um escritório, etc.

Sob o ponto de vista jurídico, que é o que nos interessa especialmente, a expressão estabelecimento comercial não tem, à face da legislação portuguesa, um significado rigoroso e preciso, antes nos aparece em várias aceções

4

.

Se verificarmos o D.L. nº 248/86, de 25 de Agosto, que aborda o regime do estabelecimento individual de responsabilidade limitada, e os art.º 5 e 152º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, podemos aferir que tal conceito pode ser visto como sinónimo de empresa desde que abordada como “empresa objeto”, estando sempre vinculado um empresário ao estabelecimento comercial, recaindo sobre este mesmo a responsabilidade de prosseguir tal atividade, para tal terá de estar presente um acervo patrimonial, que abrangerá um conjunto de direitos e coisas de distintas categorias. Intimamente ligado ao estabelecimento tem sempre um alicerce humano, podendo somente ser incluído nele o empresário; tal alicerce humano terá de prosseguir a atividade do estabelecimento comercial.

Assim sendo, vemos que tais elementos não são apenas uma simples soma aritmética das partes, mas sim fazendo-se valer enquanto um todo, para atingir e prosseguir para o seu fim mercantil, visando o natural e óbvio lucro.

Temos assim que, o estabelecimento integra vários elementos, sendo um bem jurídico de complexa definição, levando em linha de conta os elementos que o incorporam.

Para lá de negociável, conforme é de fácil apreensão perante o título da dissertação, (…) o estabelecimento é um valor ou bem económico ou patrimonial, transpessoal (cindível ou isolável da pessoa que o criou, ou da pessoa a quem pertença em dado

3

PRATA, Ana – “Dicionário Jurídico” - Volume I, 5ª Edição, Coimbra: Almedina, janeiro de 2010, pág. 610;

4

MAGALHÃES, Barbosa de - “ Do estabelecimento comercial”, in: Estudos de Direito privado, 2ª Edição, Lisboa: Edições Ática, 1964,

p. 13;

(14)

4 momento - como se demonstra pelos casos de transmissão definitiva, inter vivos ou mortis

causa), duradouro (“não só transferível e assumível, mas retrotransferível e reassumível” – facto evidenciado nas transmissões temporárias), reconhecível e irredutível (algo que contra-distingue os negócios como negócios sobre o estabelecimento, e que não se confunde com outros bens – a ele ou não ligados).

5

Em face de todo o exposto, o estabelecimento pode ser negociado, sendo um objeto de direitos, do qual fazem parte distintos e numerosos elementos, variando estes de estabelecimento para estabelecimento, tendo em conta a atividade que no mesmo se visa prosseguir.

A composição do estabelecimento faz-se de coisas incorpóreas e corpóreas. Como exemplo das primeiras temos os direitos de propriedade industrial (direito à marca, ao nome, as patentes) e ainda os direitos que advêm dos contratos celebrados pelo proprietário do estabelecimento comercial, como por exemplo o contrato de arrendamento ou os contratos de trabalho; já como coisa corpórea pode-se enunciar as mercadorias, máquinas e utensílios.

De salientar ainda que, para alguns autores, o aviamento e a clientela são elementos do estabelecimento.

Menezes Cordeiro define a clientela como

Conjunto, real ou potencial, de pessoas dispostas a contratar com o estabelecimento considerado, nele adquirindo bens ou serviços.

6

O aviamento, lato sensu, pode ser determinado como a mais-valia que o próprio estabelecimento, enquanto organização complexa, representa relativamente à soma dos vários elementos que o compõem.

Representa “a aptidão funcional e produtiva do estabelecimento”.

7

Os dois elementos supra definidos não podem ser objeto de direitos subjetivos, são apenas fatores que abonam o estabelecimento em causa. Mas ninguém pode garantir que no caso de haver uma transmissão do mesmo, o transmissário consiga conservar a clientela e o aviamento nos mesmos termos em que estes apareciam no estabelecimento anteriormente ao negócio.

Por seu turno, para Ferrer Correia o aviamento “não é um elemento, é antes uma qualidade do estabelecimento comercial”.

8

Nestes termos, importa questionar se um qualquer estabelecimento que já funcionou pode ser alvo de transmissão privado de algum ou alguns dos elementos que dele fazem parte. Para responder a tal questão é de frisar e elucidar o “âmbito mínimo de entrega”, sem este estar presente não teremos bases para afirmar estar ou não, perante um estabelecimento comercial. E então o que podemos incluir no “âmbito mínimo de entrega”?

Não é possível enumerar em abstrato os elementos do “âmbito mínimo” do estabelecimento enquanto objeto negociável. Pode é dizer-se, em termos genéricos, que esse âmbito há-de envolver os bens com possibilidade de

5

ABREU, Coutinho de - “Da empresarialidade - As empresas no direito”, Coimbra: Almedina, 1996, p. 42;

6

CORDEIRO, Menezes - “Manual de Direito Comercial” – volume I, Coimbra: Almedina, 2001, p. 290;

7

CORDEIRO, Menezes - “Manual … Comercial”, cit., p. 290;

8

CORREIA, Ferrer - “Lições de Direito Comercial”, Lex -Edições Jurídicas, 1994, p. 119;

(15)

5 Aprisionarem (…) a imagem do todo e espelharem essa imagem aos olhos do público. O

público acredita, em presença desses bens, que ali está (…) determinado estabelecimento; eles hão-de ser capazes de exprimir a organização no seu conjunto.

9

Outra questão de importância vital e que convém frisar nesta abordagem inicial, é de saber se o estabelecimento comercial se trata de uma unidade jurídica autónoma. Na nossa ótica e com fundamento na própria letra da lei, o estabelecimento deve ser encarado como uma unidade jurídica, opinião também defendida por Ferrer Correia:

A ideia de que o estabelecimento é, além de unidade económica, também uma unidade em sentido jurídico – uma unidade jurídica objetiva.

10

Nesta conformidade, vemos que o estabelecimento tem de ser encarado como um todo organizado, que vai muito para além da mera soma das partes.

Como sustento legal do supra citado temos, desde logo, o importantíssimo art.º 1112, nº 1, al. a), e também o nº 2, al. a), ambos do CC. Esta mesma norma incide sobre a transmissão unitária do estabelecimento comercial, desenvolvendo uma clara exceção ao regulado pelos art.º 1059, nº 2 e 1038º, al. f), ambos do CC, que disciplinam o regime da locação em geral.

Outra norma que sustenta tal argumentação é o art.º1109 do CC, que tem como epígrafe “Locação de estabelecimento”.

Podemos assim concluir que, o estabelecimento é claramente encarado por estas normas como unidade, sendo alvo de negociação enquanto um todo.

Mas, e como poderemos ou deveremos caracterizar o direito do comerciante sobre o estabelecimento?

Será aquele titular do direito de propriedade?

Não estaria completo o raciocínio se tal aspeto fosse descurado. Se, por um lado, possa até ousar pensar-se que não terá qualquer relevância a qualificação do direito, a verdade é que essa definição trará as suas consequências ao nível do exercício do direito (seja ele de propriedade ou outro), bem como nas faculdades e prerrogativas de que dispõe ou que impendem sobre o seu titular.

2. DIREITO DE PROPRIEDADE DO ESTABELECIMENTO

Apesar de não ser unanime o entendimento de que estamos perante um direito de propriedade, pela sua natureza sui generis, é esse o entendimento da doutrina maioritária que sustenta a sua posição na letra da lei, uma vez que existem vários preceitos que se referem ao direito de propriedade do estabelecimento (veja- se, por exemplo, artigos 1559º, 1560º, nº1, al. a), 1682º-A, nº1, al. b) todos do CC).

Antes de mais, o direito de propriedade integra o elenco de direitos reais. Entendendo-se direito real como um poder direto e imediato sobre uma coisa certa e determinada, podendo extrair dela as utilidades que lhe são inerentes, com exclusão de todos os demais consociados.

11

9

ABREU, Coutinho de - “Da empresarialidade … direito”, citado, p. 54;

10

CORREIA, Ferrer - “Lições … Comercial”, cit, p. 132;

11

Acolhe-se, assim, a conceção ecléctica de direito real, que aliás é a dominante. A qual sublinha que o conceito de direito real envolve

um lado interno (consistente num poder direto e imediato de uma pessoa sobre uma coisa) e um lado externo (consistente na oponibilidade

erga omnes por essa pessoa desse poder).

(16)

6 Desta definição resulta desde logo claro que, o direito sobre o estabelecimento é um direito real. Na medida em que dispõe o seu titular de um poder direto e imediato sobre o estabelecimento, podendo extrair dele o máximo das utilidades ou funcionalidades que lhe são inerentes; poder esse que é absoluto, no sentido de ser oponível erga omnes.

O direito de propriedade encontra-se consignado no art.º 1305 do CC nos seguintes moldes: “O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas”. Esta definição contém o tríplice direito de classificação romana: ius utendi, ius fruendi e ius abutendi, por outras palavras, o direito de usar, fruir e dispor da coisa.

Trata-se do direito real máximo/maior, por contraposição aos demais direitos reais ditos menores, sejam de gozo

12

, garantia

13

ou de aquisição

14

, que surgem como figuras parcelares daquele direito.

E referimo-nos ao direito de propriedade como o direito real máximo/maior na medida em que reúne um conjunto de características que nenhum outro agrupa. E são elas:

 Plenitude: o direito de propriedade tende a abranger todos os poderes que podem existir sobre uma coisa; na medida em que esses poderes são simplesmente todos, socorremo-nos de uma enunciação clássica recebida no art.º 1305 do CC para os conseguir elencar, e então esses poderes respeitam ao uso, à fruição e à disposição das coisas objeto do direito de propriedade;

 Elasticidade: na medida em que tende a abranger o máximo da utilidade que abstratamente poderá propiciar, tende a expandir-se até ao máximo das faculdades que pode comportar. Assim, o direito de propriedade, que pode ser comprimido por outros direitos reais menores – como, por exemplo, o usufruto – tende a recuperar a sua plenitude no momento da extinção desses outros direitos;

 Perpetuidade: em princípio, o direito de propriedade é perpétuo, não tem prazo, não cessa pelo decurso do tempo.

 Transmissibilidade: por oposição aos direitos reais intransmissíveis, como é o caso do direito de uso e habitação (art.º 1488 do CC).

Ora, o comerciante é titular do direito de propriedade sobre o estabelecimento comercial. Dado que dele pode: a) usar, no sentido em que tem o direito de se servir das utilidades do estabelecimento; b) fruir, receber os frutos da coisa; e c) dispor, na medida em que se pode desfazer da coisa/estabelecimento.

Note-se que, e atento ao caso que serve de base à presente dissertação, pode ser, e é na grande maioria das vezes, simultaneamente proprietário do estabelecimento comercial e arrendatário do imóvel no qual se encontra o estabelecimento. Uma posição não limita ou invalida a outra.

12

Nos direitos reais de gozo as coisas reais objeto dos direitos são afetadas a que os seus titulares retirem delas utilidades, seja pelo uso, seja pela apropriação dos frutos por elas produzidos.

13

Nos direitos reais de garantia as coisas objeto dos direitos são afetadas a que os seus titulares possam obter o cumprimento duma obrigação, pelo valor dessas coisas ou pelos seus rendimentos, com preferência sobre os demais credores dos titulares dessas coisas.

14

Os direitos reais de aquisição conferem ao seu titular a possibilidade de adquirir uma coisa. Têm, assim, um caráter essencialmente

funcional, pois a sua finalidade é a de permitir, em determinadas circunstâncias e mediante determinados pressupostos, a aquisição de

direitos reais de gozo.

(17)

7 E, apesar do art.º 1302 do CC prever que apenas as coisas corpóreas

15

podem ser objeto do direito de propriedade, e já vimos que do estabelecimento comercial fazem igualmente parte coisas incorpóreas, deverá o mesmo ser encarado como um todo, como a soma das partes, como uma unidade jurídica. E nessa ótica conseguirá reconduzir-se o estabelecimento comercial ao objeto do direito de propriedade.

Aliás, existem coisas incorpóreas que são objeto do direito de propriedade, é o caso dos direitos de autor e da propriedade industrial.

Ora, e apesar de se tratar duma breve referência uma vez que não se demonstra oportuna uma análise comparativista exaustiva entre os demais direitos reais, parece ficar aqui demonstrado que o direito sobre o estabelecimento é um direito de propriedade, na sua plenitude/essência.

3. O TRESPASSE – CONTEXTUALIZAÇÃO

Em virtude do supra mencionado é possível aferir que o estabelecimento comercial acaba por ser constituído por um conjunto de diferentes elementos, que se agrupam e conjuntamente formam uma organização. Sendo uma unidade jurídica e económica torna-se alvo de diferentes negócios, nomeadamente do trespasse

16

.

A referência ao trespasse, já é bastante antiga na nossa legislação, já se utilizaram, inclusive outros termos para definir a mesma realidade.

Contudo, e frisando desde já o art.º 1112 do CC, vemos que não temos uma definição clara/única para o trespasse de estabelecimento comercial, nem no enunciado preceito legal, nem na restante legislação. O que originou que, ao longo dos anos, existissem claras divergências doutrinais e jurisprudenciais. Neste sentido:

“São inúmeros os preceitos que lhe fazem alusão. Não há, contudo, uma definição que deles resulte.”

17

Aliás, refere Coutinho de Abreu:

Objeto de trespasse é um estabelecimento…O trespasse traduz uma transmissão com caráter definitivo, é transmissão da propriedade de estabelecimento.

18

Além do carácter definitivo supra mencionado, podemos reportar que a transmissão em causa pode ser conseguida de distintas formas, designadamente através da compra e venda, e da dação em cumprimento, nos termos do art.º 837 e ss, do CC. Sendo, claro, a primeira a mais comum.

É de frisar ainda que se celebram, com alguma frequência, contratos-promessa de trespasse com tradição do estabelecimento comercial.

15

Entende-se por coisa corpórea a coisa (art.º 202, nº1 do CC: “Diz-se coisa tudo aquilo que pode ser objeto de relações jurídicas”) que, pela sua natureza física, faz parte do mundo sensível. Por outras palavras, significa tudo aquilo que tem forma, que é “palpável”. Para mais desenvolvimentos ver: FERNANDES, Luís A. Carvalho – “Teoria Geral do Direito Civil I” – Introdução, Pressupostos da relação jurídica;

– 4ª Edição revista e atualizada, Universidade Católica Editora, Lisboa 2007; p. 655 e ss;

Por seu turno, entende-se por coisa incorpórea toda a coisa cuja realidade é meramente ideal, jurídica ou social, não tendo realidade sensível. Para mais desenvolvimentos ver: PRATA, Ana – “Dicionário Jurídico” – cit.

16

Cfr. VIEIRA, Iva Carla – “Guia Prático de Direito Comercial”, Coimbra: Almedina, agosto de 2007, p. 197 e ss.

17

MORAIS, Gravato - “Alienação e Oneração de Estabelecimento Comercial”, Coimbra: Almedina, 2005, p. 78;

18

ABREU, Coutinho de Abreu - “Curso de Direito Comercial” - volume I, 8ª Edição, Coimbra: Almedina, 2011, p. 289;

(18)

8 O trespasse opera, em regra, através da celebração de contratos onerosos, isto é, através de contratos que pressupõem uma correspetividade/equivalência entre as atribuições patrimoniais – de que é exemplo o contrato de compra e venda. Na compra e venda, a atribuição patrimonial do vendedor, concretizada na alienação e na entrega da coisa, tem como correspetivo a atribuição patrimonial do comprador, concretizada no preço.

E será assim para que se possam reproduzir os efeitos do direito de preferência do senhorio, patentes no art.º 1112, nº 4 do CC.

Contudo, o trespasse não se encontra restrito aos contratos onerosos, podendo inclusive resultar duma doação (art.º 940, nº1 do CC). O contrato de doação é o exemplo paradigmático dos contratos gratuitos, caracterizados pela ausência de equivalência entre as atribuições das partes: a atribuição patrimonial do doador, caracterizada na alienação e entrega da coisa, não tem correspetivo. O doador aceita proporcionar uma vantagem patrimonial ao donatário, transmitindo-lhe a propriedade e a posse da coisa, sem obter qualquer vantagem para si próprio

A propósito veja-se o Acórdão da Relação do Porto, datado de 13 de janeiro de 1997, tendo como relator Azevedo Ramos, processo nº 9650594, vide in www.dgsi.pt, do qual se pode extrair:

A doação de estabelecimento comercial como universalidade, como transferência global unitária, como empresa ou organização económica, enquadra-se no conceito de trespasse de estabelecimento….

Torna-se importante reter ainda que, o trespasse surge em todos os normativos legais como decorrente de um negócio inter vivos, sendo o nº1 do já referido art.º 1112 do CC, prova disso mesmo: “É permitida a transmissão por ato entre vivos…”.

Nessa mesma ótica refere, entre outros autores, Gravato Morais que, “Acresce que nele só cabem os negócios celebrados entre vivos.”

19

Destarte, Coutinho de Abreu escreve: “Em suma, o trespasse é definível como transmissão da propriedade de um estabelecimento por negócio entre vivos.”

20

3.1 O TRESPASSE – FORM A

Chamando à colação tudo quanto supra se refere relativamente às formas por que pode operar o trespasse, resulta claro que, no que à forma contratual diz respeito, deverá aquele observar a forma prevista para o tipo de negócio que lhe serve de base.

Doutra forma, se o trespasse decorre da celebração de um contrato de compra e venda estará aquele sujeito à forma prevista para esse tipo contratual. Assim, e porque não se trata de um bem imóvel, à contrarium do disposto no art.º 875 do CC, não estará o mesmo sujeito a qualquer forma especial (aplicando-se o regime regra da liberdade de forma previsto no art.º 219 do CC

21

– segundo o qual, na falta de disposição especial, não

19

MORAIS, Gravato - “Alienação…Comercial”, cit., p. 79;

20

ABREU, Coutinho de - “Curso…Comercial” – cit., p. 290;

21

Um dos princípios gerais do nosso direito civil é o princípio da liberdade de forma (ou da consensualidade), plasmado no art.º 219 do CC. Princípio segundo o qual os negócios jurídicos podem, em princípio, ser validamente celebrados por qualquer forma. Para mais desenvolvimento veja-se: NETO, Abílio – “Código Civil Anotado” – 17ª Edição Revista e Atualizada, Ediforum, abril de 2010;

OLIVEIRA, Nuno Manuel – “Princípios de Direitos dos Contratos”, Coimbra Editora, Maio de 2011; MOTA PINTO, Carlos Alberto -

“Teoria Geral do Direito Civil” – 3ª Edição Atualizada, Coimbra Editora, 1999; PRATA, Ana – “Dicionário Jurídico” – cit;

(19)

9 fica a validade da declaração negocial pendente de qualquer forma especial). Note-se que não se contemplou aqui a hipótese de compra e venda do próprio imóvel onde se insere o estabelecimento comercial mas apenas, e porque é disso que aqui se trata, da compra e venda do estabelecimento.

Já no caso da doação, também supra referida, nos termos do disposto no art.º 947, n.º2 do CC, o fator determinante para aferir da necessidade de forma é a existência ou não de tradição da coisa. Assim, não dependerá o trespasse de estabelecimento comercial, que opere por doação, de qualquer formalidade externa caso seja acompanhado de tradição da coisa pelo donatário, já no caso contrário deverá o contrato obedecer a forma escrita.

Acresce que, no caso específico de estabelecimento comercial em imóvel arrendado, poderá (e sucede na maioria das vezes), como consequência do trespasse, resultar a transmissão da posição de arrendatário.

Nesse caso deverá ainda atender-se ao disposto no art.º 1112, n.º3 do CC, segundo o qual “ A transmissão deve ser celebrada por escrito e comunicada ao senhorio”.

Ora, pense-se num contrato de compra e venda de estabelecimento comercial: se, por um lado, atenta à forma exigida para o contrato de compra e venda, não estaria aquele sujeito a qualquer forma especial, pelo facto de o mesmo acarretar a transmissão da posição de arrendatário (se esse for o caso) deverá o mesmo ser reduzido a escrito.

A propósito cumpre, ainda que numa breve referência, fazer a distinção entre os diferentes tipos de documentos escritos

22

. Nos termos do art.º 363, nº1 do CC, “os documentos escritos podem ser autênticos ou particulares”.

Por documento autêntico considera-se o documento

Exarado, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de atividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública ,(art.º 363, nº 2 do CC).

Já documento particular considerar-se-á qualquer documento escrito e assinado pelo seu autor (pessoalmente ou por outrem a seu rogo, se ele não puder ou não souber assinar) que não seja documento autêntico nem tenha sido confirmado pelas partes perante notário (caso em que é havido como autenticado, como veremos adiante). Assim, o documento particular reveste um caráter residual em relação aos demais.

Por último,

Os documentos particulares são havidos por autenticados, quando, confirmados pelas partes, perante notário, nos termos prescritos nas leis notariais, (art.º 363, nº 3 do CC).

Autenticado é, pois, o documento particular cujo conteúdo é confirmado pelas partes perante o notário

23

que, em consequência, nele lavra um termo de autenticação.

Posto isto, de notar que a lei, no art.º 1112, nº 3 do CC, apenas refere documento escrito. O que vale por dizer que é deixado ao critério das partes, dentro das várias modalidades de documentos escritos referidos, adotar aquela que entendam por conveniente.

22

Para mais desenvolvimentos ver: NETO, Abílio – “Código Civil Anotado” – cit; PRATA, Ana – “Dicionário Jurídico” – cit;

23

Não ficaria completa a referência, nem seria congruente da parte do autor desta dissertação, se não fosse feita a devida ressalva

relativamente às entidades com competências para a autenticação dos documentos. Apesar dos preceitos referidos apenas se referirem ao

notário, o art.º 38 do DL nº 76-A/2006, de 29 de Março alarga essa competência a outras entidades – entre as quais os solicitadores.

(20)

10 Importa ainda referir que, nos casos em que se encontra legalmente prevista a forma para a declaração negocial/contrato, nos termos do disposto no art.º 220 do CC, a inobservância da mesma acarretará a nulidade daquele caso não seja outra a sanção especialmente prevista.

3.2 O TRESPASSE DE ESTABELECIM ENTO COM ERCIAL INSTALADO EM IM ÓVEL ARRENDADO

Entre nós está de tal forma enraizado um determinado conceito de estabelecimento comercial que, sempre que nele pensamos, imaginamos uma loja/um espaço inserido num determinado imóvel arrendado para o efeito

24

.

Ou seja, a ideia de que por regra partimos, e assim o é porque, de facto, é a realidade maioritária, é a de que o proprietário do estabelecimento (e reitera-se a este propósito tudo quanto supra se descreve) é concomitantemente arrendatário do imóvel (ou parte dele) onde se insere o estabelecimento.

Porém, não tem de ser necessariamente assim, não terá de existir esta relação bipartida. Vejamos exemplos: podemos pensar num bar instalado num comboio; ou então que o proprietário do estabelecimento é simultaneamente proprietário do imóvel onde aquele se encontra inserido.

Mas, e feita esta breve mas relevante ressalva, também aqui nos socorreremos da situação-regra, qual seja, a dum estabelecimento comercial inserido num imóvel cuja propriedade pertence a outrem e, assim, o proprietário do estabelecimento comercial é simultaneamente arrendatário do imóvel.

Com este cenário de fundo, e se pensarmos no trespasse do estabelecimento, de imediato se levanta a questão que pretendemos agora abordar: implicará o trespasse do estabelecimento comercial a transmissão da posição de arrendatário?

Temos o proprietário do estabelecimento comercial que, por inúmeras razões, decide trespassar o estabelecimento comercial de que é proprietário.

E o que acontece à sua posição de arrendatário? Transmite-se mutatis mutandis para o “novo”

proprietário do estabelecimento? Ou poderá apenas transmitir-se a propriedade do estabelecimento mantendo- se intacta a relação locatícia? E que papel terá, se é que terá, o senhorio/proprietário do imóvel em qualquer destas opções?

Pois bem, é a todas estas questões, e a outras que se irão associando, que se pretende dar resposta. Por outro, não se tratará de dar “A” resposta pois seria excessivo almejar apresentar uma solução para o “problema”

que fosse irrefutável/ insuscetível de críticas/ completa. Antes, tentará canalizar-se todo o esforço para que sejam suscitadas as várias questões que se prendem com o trespasse dum estabelecimento comercial sito num imóvel arrendado, confrontando as várias posições e interesses dos diferentes intervenientes nas relações jurídicas em causa.

Em jeito de adiantamento cumpre referir que “uma coisa não implica a outra”. Isto é, se por um lado temos um contrato de arrendamento de um estabelecimento comercial que, posteriormente e na vigência do contrato de arrendamento, vem a ser alvo de um trespasse, tal não implica necessariamente uma alteração da relação locatícia nos moldes inicialmente acordados. Assim, e apesar de a lei salvaguardar, em certa medida, as diferentes posições dos sujeitos envolvidos na relação jurídica já constituída e/ou a constituir, poderemos

24

Ver a este propósito CARVALHO, Aleida - “Trespasse de estabelecimento comercial com reserva de propriedade e transmissão da

posição do arrendatário” - JusJornal, N.º 1134, 15 de dezembro de 2010, Editora Wolters Kluwer Portugal e Coimbra Editora; Data de

consulta: 25 de setembro de 2014; disponível em http://jusjornal.wolterskluwer.pt;

(21)

11 ter situações em que o trespasse acarretará, simultaneamente, a alteração do contrato de arrendamento (com uma transmissão da posição contratual do arrendatário) como poderemos ter situações em que apenas será constituída uma nova relação jurídica (mantendo-se a relação locatícia “intacta”). Tudo dependerá do que venha a ser estipulado pelas partes.

4. DIREITO DE PREFERÊNCIA DO SENHORIO NA VENDA OU NA DAÇÃO EM CUMPRIMENTO DO ESTABELECIMENTO

O art.º 1112, nº 4 do CC, relativo à transmissão da posição do arrendatário, atribui ao senhorio, salvo convenção em contrário, o direito de preferência em caso de venda ou dação em cumprimento. Importa, portanto, perceber o que se entende por direito de preferência.

Numa noção simples, e na verdade completa, podemos dizer que o direito de preferência consiste no direito que certa pessoa tem de preferir a qualquer outra na compra de certo bem (ou na realização de outro contrato compatível com a preferência), desde que se disponha a celebrar o contrato em igualdade de condições com terceiro.

Os direitos de preferência podem provir de contrato (pacto de preferência) ou da lei – no primeiro caso, fala-se de direito convencional de preferência e, no segundo, de direito legal de preferência. In casu, como facilmente se conclui, estamos perante um direito legal de preferência.

Para que estejamos perante uma situação enquadrável na letra da lei do preceito supra referido, é necessária a verificação cumulativa de três requisitos, que passo a enunciar:

1) O estabelecimento tem necessariamente de se encontrar instalado num prédio arrendado;

2) O trespasse em causa tem de acarretar a transmissão da posição de arrendatário;

3) O negócio a celebrar tem de consistir numa venda ou dação em cumprimento do estabelecimento.

Parece-nos de todo importante frisar que, uma vez que ao senhorio assiste o direito de preferência, o trespassante que se encontra vinculado à preferência deve informar o primeiro dos elementos fundamentais do contrato projetado, nomeadamente o preço a ser pago, as condições de pagamento, entre outros, como resulta do art.º 416, nº 1 do CC.

Só com conhecimento de todas as condicionantes que envolvem o negócio, poderá o senhorio decidir, consciente e lucidamente, exercer ou não o seu direito.

Importa ainda referir, que

…notificado regularmente para preferência, o locador do imóvel dispõe de um prazo de oito dias, contados da receção ou do conhecimento do aviso para preferir, para exercer o direito que lhe assiste.

25

Citando ainda Gravato Morais acerca do direito de preferência:

Tem sido entendido que o direito de preferência se esgota na aquisição da propriedade do estabelecimento comercial, pelo que o senhorio não se encontra adstrito a prosseguir

25

MORAIS, Gravato - “Alienação…Comercial”, cit., p. 90; Para mais desenvolvimentos ver ainda: BARATA, Carlos Lacerda - “Da

Obrigação de Preferência – contributo para o estudo do artigo 416º do Código Civil” - Coimbra Editora, 1990; MARCELINO, Américo

Joaquim - “Preferência da Preferência” – Estudos, notas da doutrina e jurisprudência e Legislação mais comum – 3ª Edição, Coimbra

Editora, Maio de 2007; DUARTE, Maria de Fátima Abrantes - “O Pacto de Preferência e a Problemática da Eficácia Externa das

Obrigações” – Associação Académica Direito, 1989, p. 05 a 95;

(22)

12 a atividade do anterior titular, podendo, portanto, após o trespasse proceder até ao seu

encerramento. O exercício do direito visa essencialmente proporcionar ao senhorio a possibilidade de resgatar o imóvel e de combater as fraudes existentes neste domínio, embora para isso pague um preço elevado. Não se tutela assim a continuidade da organização mercantil.

26

4.1 DESNECESSIDADE DE CONSENTIM ENTO DO SENHORIO PARA A TRANSM ISSÃO DA POSIÇÃO DE ARRENDATÁRIO

Por via de regra, a cessão da posição contratual

27

carece do consentimento do contraente cedido, como resulta do disposto no art.º 424 do CC (aplicável no âmbito da locação em virtude da remissão do art.º 1059, nº 2 do mesmo diploma legal).

E a razão de ser desta regra apreende-se facilmente: se duas pessoas celebraram determinado contrato, não seria razoável que qualquer delas pudesse fazer-se substituir por terceiro, sem o consentimento do outro contraente, no cumprimento das obrigações que assumiu. As vinculações contratuais assentam numa relação de confiança, que seria quebrada ou posta em causa se uma das partes pudesse ceder a outrem, por sua livre e exclusiva iniciativa, a respetiva posição jurídica.

Mais, e veremos essa questão adiante, o contrato de arrendamento é, em relação à pessoa do arrendatário, caracterizado como um contrato intuitu personae, o que vale por dizer que o senhorio se obriga apenas a proporcionar o gozo da coisa ao arrendatário e não a terceiro. Ora, por tudo isso, por regra, é vedado ao arrendatário proceder à transmissão do gozo da coisa a outrem, seja qual for o título jurídico pelo qual essa transmissão se verifique. Essa proibição só cessa caso a lei venha a permitir a cessão ou o senhorio a venha a autorizar.

Assim, o art.º 1112, nº 1, al. a) do CC, norma especial

28

aplicável ao caso em análise, permite que, no caso de trespasse de um estabelecimento comercial instalado em prédio arrendado, ocorra a transferência da posição de arrendatário sem que para tal seja necessária a autorização do senhorio (contraente cedido). Assim, e ocorrendo a alienação do estabelecimento, a regra geral é derrogada no respeitante à transmissão da posição de arrendatário.

Tal regime tem como objetivo facilitar a “circulação” do estabelecimento comercial (a título oneroso ou gratuito), apoiando a organização mercantil e, quiçá, prejudicando os interesses do senhorio em causa

29

.

26

MORAIS, Gravato - “Alienação…Comercial”, cit., p. 91;

27

A cessão da posição contratual, regulada nos arts.º 424 a 427 do CC consiste no negócio pelo qual um dos outorgantes em qualquer contrato bilateral ou sinalagmático transmite a terceiro, com o consentimento do outro contraente, o complexo dos direitos e obrigações que lhe advieram desse contrato. Neste instituto jurídico intervêm sempre dois contratos distintos: o contrato inicial, celebrado originariamente entre o cedente e o cedido, de que resulta o complexo de direitos e obrigações que constitui o projeto da cessão (é o contrato donde nasce a posição que o cedente visa transmitir a terceiro); e o contrato de cessão da posição jurídica de um dos contraentes (o cedente), que opera a transmissão da posição contratual, sendo, assim, o instrumento dessa transmissão. O efeito típico da cessão, nas relações entre os primeiros outorgantes, é a transmissão da posição de cedente, no contrato inicial, para o cessionário, assistindo-se, por isso, à modificação subjetiva da relação contratual inicial.

28

Designa-se por especial aquela norma que consagra um regime que, não se encontrando em oposição ao regime geral, tem, em relação a este, certas particularidades, conformes com o sector específico de relações a que se aplica. Em termos simples temos que, a norma especial, porque é aplicável a um conjunto em particular de realidades que se subsumem à previsão da norma geral, tem as especificidades adequadas às situações que contempla.

29

Cfr. MORAIS, Gravato - “Alienação…Comercial”, cit., p. 93;

(23)

13 Desta forma, pretende-se a preservação do estabelecimento no local onde se encontra instalado.

Preocupação que certamente terá em linha de conta a clientela do estabelecimento comercial, que poderá não acompanhar uma mudança de sede do estabelecimento

30

.

Note-se que, estamos perante uma norma imperativa

31

, não podendo, por isso, ser afastada por vontade das partes.

Por fim, de frisar que, mesmo quando a lei permite, como no caso aqui explanado, o arrendatário está obrigado a comunicar que efetuou a cedência no prazo de quinze dias após a sua verificação (art.º1038, al. g) do CC).

4.2 NECESSIDADE DE COM UNICAÇÃO AO SENHORIO DO TRESPASSE Conforme acabamos de ver, o nosso legislador permite nos casos de trespasse a transmissão da posição de arrendatário sem necessidade do consentimento do senhorio. Porém, não dispensa a comunicação da cedência do gozo ao senhorio do trespasse. Como resulta do art.º 1038, al. g) do CC:

São obrigações do locatário… comunicar ao locador, dentro de quinze dias, a cedência do gozo da coisa por algum dos referidos títulos, quando permitida ou autorizada.

Gravato Morais refere-se a este prazo como sendo um prazo de urgência

32

, pois tem repercussões na esfera jurídica do senhorio, que deve tomar conhecimento do novo arrendatário e ainda a possibilidade de averiguar as condições em que o negócio foi realizado, concluindo se a transferência do arrendamento é ou não imperiosa.

Parece-me do senso comum e de fácil apreensão que o senhorio tem todo o interesse em saber em que circunstâncias o negócio que tem como objeto o estabelecimento comercial foi realizado. E posto isto qual a posição deste em relação à cedência?

Se, conforme supra abordado, não é necessário o consentimento deste para a transmissão da posição de arrendatário, fica o senhorio numa posição fragilizada.

Quanto à forma para proceder a esta mesma comunicação, não se exige forma especial. Contudo, até para fazer valer como meio de prova futuro, deverá a mesma ser feita por carta registada com aviso de receção, acompanhada da fotocópia do contrato de trespasse que esteja em causa, tudo por questões de segurança jurídica, devendo-se prezar por uma total segurança jurídica, de maneira a que o negócio celebrado se torne transparente e claro para todos os intervenientes. Uma vez que se impõe a redução a escrito para a transmissão do estabelecimento, parece-me que também a comunicação tenha de seguir tal solenidade. Tal argumento ganha força, também pela aplicação do NRAU, nomeadamente no art.º 9, nº. 1, que aborda a forma das comunicações, que passo a citar:

as comunicações legalmente exigíveis entre as partes, relativas a cessação do contrato de arrendamento, atualização da renda e obras, são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção.

30

Para maiores desenvolvimentos ver: CORDEIRO, Menezes - “Manual … Comercial”, cit., p. 298 e ss;

31

Entende-se por norma imperativa toda a norma legal que contém um preceito que se impõe direta e imediatamente aos sujeitos privados, sendo insuscetível de ser afastada pelas partes. Estas contrapõem-se às chamadas normas supletivas ou dispositivas. Para mais desenvolvimentos: PRATA, Ana – “Dicionário Jurídico” – cit;

32

MORAIS, Gravato - “Alienação…Comercial”, cit., p. 99;

(24)

14 O supra exposto, encontra fundamento na redução do formalismo exigido com o DL 64-A/2000 de 22 de Abril, pois aquando da outorga de escritura pública de trespasse, seria bastante a comunicação do local e data da realização acompanhado da identificação do novo arrendatário.

Tal comunicação pode ser realizada pelo inquilino por força do já citado art.º 1038, al. g) do CC, ou ainda pelo trespassário como resulta do art.º 1049, do mesmo diploma legal. De salientar que, ambas as partes no negócio de trespasse têm interesse nisso mesmo.

Em termos de efeitos, uma regular comunicação do trespasse acontece nos termos do art.º 224, nº.1 do CC, que refere que: “A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida…”, só se tornando eficaz perante o senhorio nesse determinado momento.

E na hipótese de não ser efetuada a comunicação?

Na vigência do RAU entendia-se de forma pacífica, quer pela doutrina como jurisprudencial, que a sanção era a resolução do contrato de arrendamento, sendo uma medida talvez excessiva/severa. Tal sanção apoiava-se na conjugação do preceituado no art.º 1038, al. f) e g) do CC, com o art.º 64, n.º1, al. f) do RAU.

Atualmente, temos como consequência a ineficácia do ato quanto ao senhorio, permitindo que este possa resolver o contrato, nos termos do art.º 1083, nº 2, al. e) do CC. Contudo, tal incumprimento tem que

“pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento”.

Assim, a demonstração efetiva do incumprimento de tal dever no prazo estabelecido, não será fundamento decisivo para efeitos da resolução desse mesmo contrato. Tal incumprimento terá de ser suficientemente grave ou com consequências significativas que torne inexigível que o senhorio conserve a relação de arrendamento.

Em relação ainda ao prazo para proceder à comunicação, não parece ser totalmente clara tal questão.

Senão veja-se.

O já citado art.º 1038º, al. g) do CC, norma geral aplicável no âmbito da locação (que, por ser geral, poderá ser afastada por uma norma especial), dispõe que a comunicação da cedência do gozo da coisa deve ser comunicada ao senhorio no prazo de 15 dias. Sucede que, o art.º 1109º, nº 2 do CC, norma especial aplicável ao arrendamento para fins não habitacionais (que, por ser especial, afasta a norma geral aplicável na falta desta) prevê que a cessão de exploração de estabelecimento comercial

33

deve ser comunicada ao senhorio no prazo de um mês.

Posto isto, dois raciocínios distintos parecem ser admissíveis:

I. Se, por um lado, poder-se-á entender como aplicável no caso do trespasse a regra geral prevista no art.º1038, al. g) do CC, aplicando-se assim o prazo de 15 dias; visto que não se encontra na letra da lei uma norma especial que seja especificamente aplicável ao trespasse nesta matéria e que, por isso, afaste a norma geral;

33

Porque não se trata da mesma realidade importa distinguir:

A cessão de exploração do estabelecimento comercial é o contrato pelo qual se transfere temporária e onerosamente para outrem, juntamento com o gozo do prédio, a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado. Por sua vez, o trespasse é o contrato pelo qual se transmite definitiva, e em princípio onerosamente, para outrem, juntamente com o gozo do prédio, a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado.

Assim, a distinção de ambos os contratos radica no facto de que, enquanto no primeiro existe uma transferência temporária de exploração;

no segundo ocorre uma transferência definitiva da titularidade do estabelecimento. Quer numa, quer noutra situação a lei reconhece que o valor dinâmico da exploração/do estabelecimento prevalece sobre o valor estático do imóvel. Para maiores desenvolvimentos ver:

CORDEIRO, Menezes - “Manual de Direito Comercial” – 2ª Edição, Coimbra: Almedina, fevereiro de 2007, p. 301;

(25)

15 II. Por outro, poder-se-á entender como aplicável o prazo de 1 mês previsto para os casos de

cessão da exploração do estabelecimento – art.º 1109, nº 2 do CC.

O primeiro é defendido por exemplo por Maria Olinda Garcia.

34

A teoria da aplicação de um mês para a comunicação é defendida por Gravato Morais, segundo o qual:

O espírito e a lógica da subsecção VIII importam a aplicação, com as necessárias adaptações, à locação de estabelecimento instalado em prédio arrendado das regras do trespasse, ocorrido nas mesmas circunstâncias…o raciocínio deve ser igualmente usado em sentido inverso. Não faz sentido aplicar o prazo de 15 dias à comunicação do trespasse e o prazo de um mês à notificação da “cessão de exploração”.

35

O argumento que, a meu ver, poderá justificar a opção pelo primeiro dos raciocínios elencados, e assim aplicando-se o prazo de 15 dias, será precisamente pela distinção basilar entre a cessão de exploração e o trespasse. Por outras palavras, se pensarmos que o trespasse faz operar uma transferência definitiva da exploração do estabelecimento e do gozo do local, e por isso mais grave/importante do próprio ponto de vista do senhorio, poderá fazer sentido que o prazo para a comunicação dessa transferência seja inferior ao observar na cessão de exploração, caso em que a transferência do gozo é apenas temporária e, por isso e nesta lógica de comparação, menos “gravosa” do ponto de vista da posição jurídica do senhorio.

Mas não se mostram resolvidas, ou pelo menos suscitadas que é o que aqui se pretende, todas as querelas relativas a esta matéria. Outra questão pertinente prende-se com a (des) necessidade de duas comunicações ao senhorio - a do art.º 1112, nº 3 do CC (comunicação do trespasse) e a do art.º 1038, al. g) do CC (comunicação da cedência do gozo), ou será bastante apenas uma. Esta questão suscitar-se-á caso se entenda ou caso as partes estipulem que o trespasse não acarreta a transmissão da posição do arrendatário.

A única possibilidade de resolver/esclarecer esta questão, e salvo melhor opinião, será através da transposição para a realidade/para o quotidiano do que se encontra estatuído na lei e assim perceber a dinâmica da atuação.

Assim, e tendo sempre por base o trespasse decorrente dum contrato de compra e venda, teremos:

I. Num primeiro momento, e atento ao direito legal de preferência, deverá ser comunicado ao senhorio a intenção da celebração do trespasse para que este, querendo, possa em tempo útil exercer o seu direito de preferência – desta forma tem já o senhorio conhecimento da, pelo menos, intenção de transmitir o estabelecimento comercial;

II. Após a celebração do contrato de compra e venda pelo qual se transmita a propriedade do estabelecimento, e admitindo que o senhorio prescindiu do exercício do seu direito de preferência (já que no caso contrário poderá, no limite, prescindir-se desta comunicação uma vez que o fim da mesma foi já garantido com o exercício pelo senhorio do seu direito), deverá o trespasse ser comunicado, pelo trespassante ou trespassário, ao senhorio no prazo de quinze dias. Devendo, entende-se, a comunicação do trespasse fazer-se acompanhar do contrato que lhe serve de base. Assim, fica cumprido o disposto no art.º1112, n.º3 e no art.º 1038, al. g) ambos do CC.

34

GARCIA, Maria Olinda - “Arrendamentos para comércio e fins equiparados”, Coimbra: Coimbra Editora, 2006, p. 108 e 109;

35

MORAIS, Gravato - “Novo Regime do Arrendamento Comercial”, 3ª Edição, Coimbra: Almedina, 2011, p. 349;

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