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A defesa dos direitos individuais homogêneos pelo ministério público

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE DIREITO

CAMILA ROCHA PORTELA

A

DEFESA

DOS

DIREITOS

INDIVIDUAIS

HOMOGÊNEOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO

(2)

CAMILA ROCHA PORTELA

A

DEFESA

DOS

DIREITOS

INDIVIDUAIS

HOMOGÊNEOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO.

Monografia jurídica elaborada como

requisito parcial para obtenção do grau

de Bacharel em Direito na Universidade

Federal do Ceará.

Orientador: Professor Francisco de

Araújo Macêdo Filho.

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CAMILA ROCHA PORTELA

A DEFESA DOS DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO.

Monografia jurídica apresentada à Banca Examinadora e à Coordenação do Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará, adequada e aprovada, em cumprimento ao requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, sobre orientação do Professor Francisco de Araújo Macêdo Filho.

Aprovada em: _____/______/______

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________ Prof. Francisco de Araújo Macêdo Filho (Orientador)

Universidade Federal do Ceará - UFC

________________________________________________ Profª. Wagneriana Lima Temóteo

Universidade Federal do Ceará - UFC

_________________________________________________ Prof. Rafael Sampaio Rocha

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A Deus, pai misericordioso, pela sua presença constante em minha vida.

Aos meus pais, por todo o apoio e dedicação, sem os quais essa formação acadêmica não seria possível.

Ao meu irmão, por estar sempre ao meu lado.

A minha amiga Lidiana Sandes, pelo exemplo de humildade e dedicação.

A minha amiga Amanda Rolim, por quem tenho grande estima.

Ao meu orientador, Professor Francisco de Araújo Macêdo Filho, pela orientação neste trabalho de conclusão de curso.

Aos professores Rafael Sampaio Rocha e Wagneriana Lima Temóteo, por aceitarem participar desta banca examinadora.

Aos Drs. Anastácio Jorge Matos de Sousa Marinho e Alessander Wilckson Cabral Sales, pelo valioso conhecimento que adquiri durante o período de estágio na Procuradoria Geral do Estado e na Procuradoria da República.

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Este estudo foi desenvolvido com o fito de proceder-se a uma análise acerca da legitimidade ativa do Ministério Público para a defesa de direitos individuais homogêneos. As normas constitucionais relativas ao Ministério Público são apresentadas como fundamentos para a sustentação da possibilidade de atuação dessa instituição, quando existente a compatibilidade entre suas finalidades institucionais. Assim, defendeu-se que, a par da natureza jurídica dos direitos individuais homogêneos, que se qualificam como individuais e, na grande maioria dos casos, disponíveis, é possível a atuação do Ministério Público em sua proteção, quando configurado o interesse social.

Palavras-chave: Ministério Público. Legitimidade. Direitos Individuais Homogêneos.

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ABSTRACT

This study has been developed with the purpose of making an analysis about the active legitimacy of the Public Prosecutor to protect homogeneous individual rights. The constitutional rules related to the Public Prosecutor are presented as the foundation to the institution’s active legitimacy, when it is compatible with its functions. It was defended that, even though the homogeneous individual rights have the nature of individual right and, in most cases, are disposable, the Public Prosecutor can protect them, whenever the social interest is present.

(7)

INTRODUÇÃO...08

1 O MINISTÉRIO PÚBLICO...10

1.1 Origem Histórica...10

1.2 Origem e Evolução do Ministério Público no Brasil...11

1.3 O Ministério Público na Constituição Federal de 1988...14

1.4 As Funções Institucionais do Ministério Público...17

2 OS DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS...21

2.1 Conceito e Características...22

2.2 Natureza Jurídica...27

2.3 Diferenças entre Direitos Individuais Homogêneos e Direitos Difusos e Coletivos....31

3 AÇÃO CIVIL PÚBLICA...34

3.1 Ação Civil Pública vs. Ação Coletiva...34

3.2 Características...41

3.3 Coisa Julgada...43

4 ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFESA DOS DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS...48

4.1 O Ministério Público e os Direitos Individuais Homogêneos...48

4.2 Legitimidade do Ministério Público para Defesa dos Direitos Individuais Homogêneos... 49

4.3 Hipóteses de Atuação Previstas em Lei...61

4.4 A Questão do Contribuinte...62

CONSIDERAÇÕES FINAIS...70

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INTRODUÇÃO

A Lei nº 7.347/85 representou um grande avanço no sistema de tutela coletiva, uma vez que disciplinou a ação civil pública para defesa de direitos difusos e coletivos. A Constituição Federal, por sua vez, conferiu status constitucional à ação civil pública, além de

consagrar o Ministério Público como instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe da defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Posteriormente, sobreveio o Código de Defesa do Consumidor (CDC), que conceituou e sistematizou os direitos individuais homogêneos. Essa inovação representou um marco no sistema brasileiro de tutela coletiva, nomeadamente se considerarmos que vivemos em uma sociedade capitalista, nas qual as relações sociais e seus respectivos conflitos são massificados.

Deveras, a possibilidade de tutela coletiva dos conflitos de massa atende aos anseios de acesso à justiça, economia processual, efetividade do processo e segurança jurídica, evitando decisões judiciais divergentes. Assim, com a integração ao processo coletivo dos direitos individuais homogêneos, tornou-se possível a reunião, em um só processo, de várias pretensões individuais, muitas das quais não seriam levadas ao Judiciário se não existisse um mecanismo de tutela coletiva.

Todavia, surgiram diversas dúvidas na doutrina e na jurisprudência acerca da legitimidade ativa do Ministério Público para ingressar em juízo na defesa desses direitos, e, apesar do lapso temporal decorrido desde o advento do Código de Defesa do Consumidor, tais controvérsias ainda persistem. Isso ocorre porque os direitos individuais homogêneos, apesar de poderem ser tutelados de forma coletiva, não perdem a sua natureza de direito individual e, na grande maioria das vezes, possuem índole disponível, o que torna obscura a questão da legitimidade do Ministério Público para sua tutela.

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pretensões relativas a direitos individuais homogêneos podem ser deduzidas via ação civil pública, em virtude do sistema de complementação existente entre as normas citadas.

Nesse diapasão, este trabalho tem o escopo de aferir o fundamento e os limites da legitimidade do Ministério Público para defesa dos direitos individuais homogêneos, sendo necessário, para isso, dispor acerca da natureza jurídica desses direitos e do instrumento adequado para sua tutela.

A análise dessa questão foi divida em quatro capítulos. No primeiro, discorreremos acerca do Ministério Público, analisando a história da instituição e o papel por ela desempenhado após a Constituição Federal de 1988. Trataremos acerca das funções institucionais que lhe foram conferidas pela Carta Magna, especialmente a defesa do interesse social, por ser de grande importância para o desenvolvimento deste estudo.

No segundo capítulo será feita uma abordagem acerca dos direitos individuais homogêneos, conceituando-os e almejando demonstrar sua natureza jurídica de direito subjetivo individual.

No terceiro capítulo, cuidaremos da ação civil pública para defesa de direitos individuais homogêneos. Nesse ponto, trataremos acerca da idoneidade da ação civil pública como mecanismo de defesa de direitos individuais homogêneos, asseverando não existir diferença entre a natureza desta e da ação coletiva disciplinada pelo Código de Defesa do Consumidor.

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1 O MINISTÉRIO PÚBLICO

1.1 Origem Histórica

A origem do Ministério Público é decerto objeto de controvérsias doutrinárias. Para alguns doutrinadores, tal origem remonta ao Egito antigo, há mais de quatro mil anos, na figura do magiai; funcionário real conhecido como “a língua e os olhos do rei”, a quem cabia

as funções de “castigar os rebeldes, reprimir os violentos, proteger os cidadãos pacíficos, acolher os pedidos do homem justo e verdadeiro, perseguindo os malvados e mentirosos”1.

Outros doutrinadores apontam a origem do Parquet nos éforos de Esparta, que,

apesar de serem magistrados, tinham também a função "contrabalançar o poder real e o poder senatorial", exercendo o jus acusationis2. Há, ainda, quem defenda que a Idade Média é o

berço do Ministério Público, citando os saions germânicos, funcionários fiscais que

“praticavam atos de defesa dos órfãos e acusação contra tutores relapsos e criminosos”3.

A par das controvérsias existentes, é reconhecido pela maioria da doutrina que o surgimento do Ministério Público como instituição ocorreu na França, com a Ordenança de 25 de março de 1302, de Felipe IV, “o Belo”, que discorreu acerca dos procureurs du roi

(procuradores do rei), os quais atuavam na esfera cível e criminal, possuindo a incumbência de defender os interesses do soberano (MAZZILLI, 2009).

Saliente-se que o posicionamento segundo o qual o surgimento do Ministério Público se deu na França é evidenciado pela expressão parquet, amplamente difundida na

atualidade. Esse termo, que significa assoalho, faz remissão aos costumes da época, em que os procuradores do rei postulavam de pé sobre o assoalho das salas de audiência, diferentemente dos magistrados, que permaneciam sentados. Daí decorre a distinção entre

1 VELLANI, Mário, 1965 apud SAMPAIO, Nícia Regina. O Ministério Público como Defensor do Direito à

Saúde – Dimensão Coletiva e Individual. Disponível em: <www.mpes.gov.br>. Acesso em 22 out. 2009.

2 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, 1997 apud ABDO Marian Najjar. Breves Apontamentos sobre as

Origens Históricas do Ministério Público. Disponível em: <http://www.mp.mt.gov.br/cma/secure/arquivos/ arq165.pdf>. Acesso em 22 out. 2009.

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magistrature débout, ou seja, magistratura de pé, e magistrature assise, magistratura sentada

(GARCIA, 2009)

A evolução do Ministério Público na França foi deveras lenta. Em 1790, um decreto conferiu vitaliciedade aos agentes dessa instituição, e outro atribuiu suas funções a dois órgãos: comissário do rei, que tinha as atribuições de velar pela aplicação da lei e pela execução dos julgados, e acusador público, encarregado de sustentar, perante os tribunais, a acusação dos réus. Com a Revolução Francesa, houve uma melhor estruturação do Ministério Público, mas foram os textos napoleônicos que instituíram o Ministério Público com a forma que hoje possui (MAZZILLI, 2009). Nesse sentido, Nícia Regina Sampaio4, citando Antônio Cláudio da Costa Machado, dispõe o seguinte:

A Revolução Francesa foi a grande responsável por garantir aos representantes do Ministério Público as garantias, como a independência funcional. Através da decisão da Corte de Cassação Criminal – criada em 1790 – “é declarada de forma definitiva a garantia que viria a tornar-se a pedra fundamental de toda a atuação do parquet: os representantes do Ministério Público são completamente independentes em relação às cortes e aos tribunais junto aos quais atuam; os juízes não têm o direito de censurar nem criticar suas conclusões”.

1.2 Origem e Evolução do Ministério Público no Brasil

No Brasil, o surgimento do Ministério Público está atrelado à legislação portuguesa, com as Ordenações Manuelinas de 1521 e Filipinas de 1603, que faziam referência ao promotor de justiça. Nesta, os funcionários do Ministério Público eram representados pela figura do Procurador dos Feitos da Coroa (Defensor da Coroa) - que atuava nas colônias, defendendo e zelando os interesses do Rei de Portugal - e pelo Procurador da Fazenda (Defensor do Fisco), a quem competia cuidar das finanças5.

4 SAMPAIO, Nícia Regina. Disponível em: <www.mpes.gov.br>. Acesso em 22 out. 2009.

5 FLEIUSS, Max, 1992 apud Ministério Público Brasileiro: Breve Retrospectiva Histórica. Disponível em:

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A primeira norma nacional a se referir ao Ministério Público foi o Alvará nº 7, de 1609, o qual instituiu o procurador da Coroa e da Fazenda, que tinha a função de promotor de Justiça, atuando junto ao Tribunal de Relação da Bahia6.

O Código Criminal de 1832 deu tratamento sistemático ao Ministério Público, dispondo acerca dos promotores públicos, que eram situados como agentes da sociedade e titulares da ação penal pública. Nesse diapasão, Antônio Carlos Costa Machado7 aduz que o seguinte:

Dispunha o art. 36 (do Estatuto Criminal de 1832) que podiam ser promotores aquelas pessoas que pudessem ser jurados; dentre estes, preferencialmente, os que fossem instruídos em leis. Uma vez escolhidos, haviam de ser nomeados pelo governo na Corte ou pelo presidente das províncias. Já o artigo 37 afirmava pertencer ao promotor as seguintes atribuições: denunciar os crimes públicos, e policiais, o crime de redução à escravidão de pessoas livres, cárcere privado, homicídio ou tentativa, ferimentos com qualificações, roubos, calúnias, injúrias contra pessoas várias, bem como acusar os delinqüentes perante os jurados; solicitar a prisão e punição dos criminosos e promover a execução das sentenças e mandados judiciais (§ 2º); dar parte às autoridades competentes das negligências e prevaricações dos empregados na administração da Justiça (§ 3º). No artigo 38 previa-se a nomeação interina no caso de impedimento ou falta do promotor [...] Posteriormente, pelo art. 217 do Regulamento 120, de 31/01/1842 - passaram os promotores a servir enquanto conviesse ao serviço público, podendo ser demitidos ad nutum pelo Imperador ou pelos presidentes das províncias. O Decreto nº 4.824, de 22/11/1871, em seu artigo 1º, por sua vez, criou o cargo de “Adjunto do Promotor” para substituí-lo em suas faltas ou impedimentos.

A Constituição de 1891 foi a primeira a fazer referência ao Ministério Público, dispondo, em seu art. 58, § 2º, acerca da escolha do Procurador-Geral da República. A Constituição de 1934, por seu turno, foi a primeira a tratar sobre o Ministério Público como instituição, situando-o em um capítulo específico, intitulado “Dos órgãos de cooperação nas atividades governamentais”8.

A Constituição de 1937, outorgada por Getúlio Vargas, representou um retrocesso em relação à Carta anterior, uma vez que suprimiu o Ministério Público institucionalizado do seu texto, o que é facilmente inteligível levando-se em conta o regime ditatorial vigente na

6 Origem do Ministério Público da União. Disponível em: http://www.prms.mpf.gov.br/acessibilidade/inst/H05

_capitulo1.pdf> Acesso em 30 set. 2009.

7 Disponível em: <http://www3.esmpu.gov.br/linha-editorial/boletim-cientifico/BOLETIM%2014.pdf> Acesso

em 30 set. 2009.

8 FARIA, Lair Amaro dos Santos. História do Ministério Público. Disponível em:

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época. Durante esse período, houve um enfraquecimento dos meios de defesa da sociedade, com vistas ao fortalecimento do regime. Essa Constituição, no tocante ao Ministério Público, apenas dispunha acerca da escolha e demissão do Procurador Geral da República e da competência do Supremo Tribunal Federal para julgá-lo. Vejamos o teor do art. 99 dessa norma:

Art. 99. O Ministério Público Federal terá por chefe o procurador geral da Republica que funcionará junto ao Supremo Tribunal Federal, e será de livre nomeação e demissão do Presidente da República, devendo recair a escolha em pessoa que reúna os registros exigidos para ministro do Supremo Tribunal Federal.

A Constituição de 1946 restaurou a democracia no país, dando novos contornos ao Ministério Público, dedicando-lhe um título próprio (Título III). Assim, o Ministério Público passou a ser desvinculado dos demais Poderes, adquirindo independência. Essa Constituição dividiu o Ministério Público em Federal e Estadual, versando sobre suas “estruturas e atribuições, a estabilidade na função, o concurso de provas e títulos, a promoção e só remoção por representação motivada da Procuradoria-Geral”9.

A Constituição de 1967, por sua vez, rompeu com o regime democrático implantado pela Carta de 1946 e instaurou novamente a ditadura no país. Tratou do Ministério Público no capítulo referente ao Poder Judiciário, colocando-o em posição de subordinação em relação a esse Poder. Com a Emenda nº 1 de 1969, o Ministério Público foi retirado do capítulo referente ao Poder Judiciário e posicionado no capítulo do Poder Executivo. Observe-se que o regime ditatorial vigente não garantia uma atuação ministerial independente, imparcial e protetora dos interesses da sociedade.

Com o advento da Constituição de 1988, que pôs fim ao regime ditatorial e inaugurou o Estado Democrático de Direito, o Ministério Público assumiu grande dimensão e a importância. A propósito, o Ministro Maurício Côrrea, em voto proferido no Recurso Extraordinário nº 631231-SP10, fez uma breve retrospectiva sobre o Ministério Público, destacando a importância que essa Instituição adquiriu com a Constituição de 1988:

9 MACHADO, Antonio Cláudio da Costa, 1998 apud SAMPAIO, Nícia Regina. O Ministério Público como

Defensor do Direito à Saúde – Dimensão Coletiva e Individual. Disponível em: <www.mpes.gov.br>. Acesso em 22 out. 2009.

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Com efeito, vem o Ministério Público cada vez mais se destacando na escalada da organização do Estado, sobretudo na proteção dos interesses difusos e coletivos. Como ressalta JOSÉ AFONSO DA SILVA (Curso de Direito Constitucional Postitivos, 12ª edição revista, 1996, Malheiros, Editores, págs. 553/558), “a Constituição de 1981 não o mencionou, senão para dizer que um dos membros do Supremo Tribunal Federal seria designado Procurador-Geral da República, mas a lei nº 1.030 de 1980, já o organizava como instituição. A Constituição de 1934 o considerou como órgão de cooperação nas atividades governamentais. A de 1946 reservou-lhe um título autônomo, enquanto a de 1967 o incluiu numa seção do capítulo do Poder Judiciário e a sua Emenda 1/69 o situou entre os órgãos do Poder Executivo. Agora, a Constituição lhe dá relevo de instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

1.3 O Ministério Público na Constituição Federal de 1988

A Constituição Federal de 1988 discorre sobre o Ministério Público na Seção I, do Capítulo IV, intitulado “Das funções essenciais à Justiça”. Em seu art. 127, conceitua o Ministério Público como “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

A Carta da República legitimou o Ministério Público à propositura da ação penal e da ação civil pública. Ademais, atribuiu ao Parquet a função de zelar pelo efetivo respeito

dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos por ela assegurados, podendo adotar as medidas necessárias a sua garantia, promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, dentre outras.

Deveras, o Ministério Público converteu-se em um autêntico agente político, cumprindo-lhe agir no interesse da sociedade. A propósito, Didier Jr. e Zaneti Jr. (2009, p. 337) mencionam que:

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função, atuação social, proativa, coletiva e de equilíbrio das relações de poder, tendo por papel principal, atuar a Constituição e os direitos fundamentais e conformar o Estado – e as práticas privadas – à ideologia e à tabua de valores constitucionais. [...] Essa função sobressai expressa na própria letra constitucional do art. 129 e seus quatro incisos iniciais. “Promover” e tornar-se o agente, por excelência, das transformações sociais, valores constitucionais e da efetivação do catálogo de direitos fundamentais previstos na Carta Magna, vértice do ordenamento jurídico.

Na Constituição atual, o Ministério Público ocupa posição independente, não estando vinculado a qualquer dos poderes11, mesmo porque, o próprio art. 127, § 2º consagra a autonomia funcional e administrativa dessa instituição. Nos dizeres de Hugo Nigro Mazzilli (2009, p. 35):

O Ministério Público é um órgão do Estado (não do governo, nem do Poder Executivo), dotado de especiais garantias, ao qual a Constituição e as leis cometem algumas funções ativas ou interventivas, em juízo ou fora dele, para a defesa de interesses da coletividade, principalmente os indisponíveis e os de larga abrangência social.

Ainda, o ilustre doutrinador critica a referência ao Ministério Público como instituição essencial à função jurisdicional do Estado, dispondo que tal expressão diz menos do que deveria, uma vez que as funções do Parquet não estão restritas a sua atuação em juízo,

e diz mais do que deveria, haja vista que o Ministério Público não atua em todo e qualquer processo judicial. Assim, o mencionado autor relata as hipóteses em que é cabível a atuação do Ministério Público em juízo:

Podermos distinguir basicamente duas hipóteses em que é cabível a iniciativa ou a intervenção do Ministério Público em juízo. É, pois, a instituição essencial à prestação jurisdicional: a) sempre que se trate de feitos nos quais estejam em jogo os chamados interesses sociais e individuais indisponíveis; b) quando, ainda que a rigor não haja indisponibilidade do interesse, a atuação ministerial convenha à defesa do bem geral.

11Adotando posicionamento contrário, no sentido de que o Ministério Público está vinculado ao Poder

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Em verdade, o Ministério Público apenas deve atuar nos processos que versem sobre questões ligadas ao exercício de suas funções institucionais. Contudo, destacamos que, por força do artigo 103, § 1º, da Constituição, o Procurador-Geral da República deve ser previamente ouvido em todas ações e processos de competência do Supremo Tribunal Federal, porquanto as causas de competência do STF, guardião da Constituição, são de especial relevância, albergando questões relacionadas à ordem jurídica e ao regime democrático, valores protegidos pelo Parquet.

São princípios institucionais do Ministério Público, a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional12. Acerca dessa questão, Alexandre de Moraes (2004 apud CASTILHO, 2006, p. 95) preleciona o seguinte:

Pelos dois primeiros princípios (unidade e indivisibilidade) deve-se entender que a pessoa física que atua pelo Ministério público não se confunde com a instituição, que permanece una e indivisível independentemente da relação subjetiva estabelecida nos processos em que ela oficia, seja como fiscal da lei, seja como parte. Em outras palavras, nos processos em que o Ministério Público exerce suas funções, é a instituição que atua, e não os seus membros em particular. [...]. Além disso, por ser uno, o Parquet deve ser considerado como um só órgão, muito embora tal unidade deva ser vista no âmbito estrito de cada Ministério Público [...].

O princípio da unidade corresponde à idéia de que os membros do Ministério Público integram um só órgão, exercendo uma mesma função, de modo que a manifestação de qualquer um deles valerá como manifestação de toda a instituição (MAZZILLI, 2009). Ressalte-se que essa unidade é compreendida dentro de cada Ministério Público.

Pelo principio da indivisibilidade entende-se que os membros do Ministério Público podem se substituir reciprocamente, sem que haja qualquer prejuízo. Essa possibilidade de substituição, porém, não acontece de forma arbitrária, mas segundo limites estabelecidos em lei, em observância ao princípio do promotor natural.

O princípio da independência funcional garante ao Ministério Público independência no exercício de suas funções no âmbito da estrutura organizacional da instituição. Não há subordinação hierárquica entre os membros do Ministério Público, que atuam livremente conforme suas consciências. Para assegurar essa independência, foram

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estabelecidas garantias e limitações aos membros do Ministério Público, respectivamente, no art. 128, § 5º, I e II da Carta Magna, dentre as quais, podemos citar a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídios, bem como a vedação de exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério.

Por fim, o Ministério Público foi dotado de autonomia funcional, financeira e administrativa, conforme o teor do art. 127, §§ 2º e 3º da Lei Maior13. Por autonomia funcional, entende-se que o membro do Ministério Público, no cumprimento dos deveres funcionais, submete-se unicamente aos limites determinados pela Constituição, pelas leis e pela sua própria consciência, não se subordinando a outras limitações ou intervenções indevidas de outros Poderes. Ainda, a autonomia administrativa confere ao Ministério Público a possibilidade de atos próprios de gestão, e a autonomia financeira traduz-se na prerrogativa que a instituição possui de elaborar, dentro dos limites estabelecidos, sua própria proposta orçamentária.

1.4 As Funções Institucionais do Ministério Público

O constituinte de 1988 atribuiu ao Ministério Público a importante função política de defender os interesses sociais e os valores democráticos estabelecidos na nova ordem constitucional. Venturi (2007, p. 177-178) nos fala acerca da importância adquirida pelo Ministério Público na Constituição de 1988:

A Instituição do Ministério Público, extremamente valorizada pelo legislador constituinte de 1988, que lhe conferiu impressionante relação de atribuições, inegavelmente tem se destacado como a grande propulsora da tutela jurisdicional coletiva no país. Impulsionando pela aquisição de autonomia administrativa e financeira em relação aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e pela independência funcional, assim como pela missão constitucional de proteção do interesse público e de diversificadas pretensões sociais e individuais indisponíveis, o Ministério Público, mesmo diante da ausência de estatísticas adequadas, pode ser considerado, dentre os legitimados à propositura das ações coletivas, como o mais assíduo requerente de toda sorte proteção jurisdicional de direitos meta-individuais, tanto na esfera federal como na estadual. [...] A gradativa evolução e alteração dos papéis historicamente desempenhados pelo Parquet operaram uma verdadeira

13 Ressalte-se que a Constituição Federal, em seu art. 85, II, estabelece ser crime de responsabilidade os atos do

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transformação da própria figura do promotor público, que deixou de ser um funcionário de gabinete, de conduta passiva, envolvido apenas com processos ou inquéritos instaurados por terceiros; saiu de sua escrivaninha e dos limites dos fóruns; ganhou as ruas; passou a ter contato direito com os fatos sociais, políticos, administrativos e econômicos que, segundo a Constituição e as leis reclamar a sua intervenção.

O caput do art. 127 da Constituição da República menciona, desde logo, algumas

funções do Ministério Público, quais sejam, a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Em seguida, no art. 129, encontramos o rol de atribuições do Parquet. Citemos, pois, as funções do Ministério Público

que são importantes para o objeto deste trabalho:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: [...]

II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; [...]

IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.

Infere-se, pela redação do inciso IX do artigo acima, que o rol de funções atribuídas pela Constituição ao Ministério Público não é taxativo, de modo que a legislação infraconstitucional pode outorgar-lhe outras funções, desde que compatíveis com sua finalidade.

Uma das funções primordiais do Ministério Público é a propositura da ação civil pública para defesa de direitos difusos e coletivos. Trata-se de instrumento de atuação do

Parquet, mediante o qual busca resguardar o interesse público. Ressalte-se que o interesse

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discorrendo acerca dessa divisão do interesse público, preleciona o seguinte:

O interesse público primário é a razão de ser do Estado e sintetiza-se nos fins que cabe a ele promover: justiça, segurança e bem-estar social. Estes são os interesses da sociedade. O interesse público secundário é o da pessoa jurídica de direito público que seja parte em determinada relação jurídica – quer se trate da União, quer se trate do Estado-membro, do Município ou das suas autarquias. Em ampla medida, pode ser identificado como o interesse do erário, que é o de maximizar a arrecadação e minimizar as despesas. [...] essa distinção não é estranha à ordem jurídica brasileira. É dela que decorre, por exemplo, a conformação constitucional das esferas de atuação do Ministério Público e da Advocacia Pública. Ao primeiro cabe a defesa do interesse público primário; à segunda, a do interesse público secundário.

Mazzilli (2009, p. 108) ressalta que ao Ministério Público cabe zelar pelo interesse público primário, somente podendo defender o interesses público secundário quando coincida com o primário. Ainda, aduz o doutrinador que:

O interesse público primário (bem geral) pode ser identificado com o interesse social, o interesse da sociedade ou da coletividade, e mesmo com os mais autênticos interesses difusos (o exemplo, por excelência, do meio ambiente em geral). Num sentido amplo, portanto, até o interesse individual, se indisponível, é interesse público, cujo zelo é cometido ao Ministério Público [...].

Desse modo, o Ministério Público atua na defesa do interesse público, que pode estar jungido a pessoas determinadas, a grupos de pessoas determinadas ou determináveis ou a toda a coletividade de modo indeterminado.

A Constituição atribuiu, também, ao Ministério Público, a defesa dos interesses e direitos individuais indisponíveis. Indisponível é o interesse de que não se pode dispor, não sendo cabível renúncia ou alienação. Uma das controvérsias acerca da legitimidade do Ministério Público para defesa de direitos individuais homogêneos refere-se justamente ao fato de a Constituição mencionar, no art. 127, caput, apenas os direitos individuais

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2 OS DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

Inicialmente, cumpre fazermos uma breve explanação acerca do contexto em que surgiram os mecanismos de tutela dos direitos coletivos lato sensu.

É cediço que o sistema processual tradicional foi projetado para a tutela de direitos individuais. De fato, logo no art. 6º do Código de Processo Civil (CPC), encontramos a regra segundo a qual “ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei”. Nessa sistemática, o direito subjetivo e o processo estão estreitamente interlaçados. Assim, os efeitos da coisa julgada restringem-se as partes do processo, às quais é possibilitado o exercício do contraditório e da ampla defesa. O artigo 472 do CPC exterioriza essa tendência ao indicar que a sentença não deve prejudicar terceiros, cingindo-se às partes.

Em verdade, o sistema processual tradicional não constitui meio adequado para tutela de direitos que ultrapassam a esfera individual, e que, por esse motivo, não apresentam um titular determinado (por exemplo, a probidade administrativa). Outrossim, não se mostra eficiente para a tutela dos conflitos de massa, decorrentes da massificação da sociedade e das relações jurídicas, frutos do capitalismo avançado. Nesse contexto, a criação de mecanismos de tutela coletiva de direitos14 tornou-se uma necessidade.

A primeira norma concebida no direito brasileiro para a proteção de interesses coletivos foi a Lei nº 4.717/65, denominada “Lei de Ação Popular”. Acerca desse diploma, Marinoni (2006, p. 722) preconiza que:

Embora represente louvável homenagem à democracia participativa, permitindo que qualquer cidadão possa ir a juízo para a proteção do patrimônio público, é certo que o cidadão normalmente não tem condições (econômicas, jurídicas e mesmo interesse efetivo) de postular, perante o Judiciário, em oposição à Administração Pública ou a grandes empresas (eventualmente beneficiadas pelo ato lesivo).

14 Teori Albino Zavascki (2007) diferencia a tutela coletiva de direitos e a tutela de direitos coletivos. A

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A partir da década de 80, o legislador passou a preocupar-se, de modo efetivo, com a promessa constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional e dedicou-se a disciplinar novas modalidades de processo. Para isso, técnicas que se situavam no cerne do processo civil tradicional, como a legitimação ordinária e os limites subjetivos da coisa julgada, foram modificadas.

O ordenamento jurídico brasileiro despertou, então, para essa nova realidade, passando a prever a tutela coletiva de direitos. Em um primeiro momento, através da edição da Lei nº 7.347/85, o legislador conferiu proteção a direitos difusos e coletivos. Posteriormente, através da Lei nº 8.078/90, o legislador conceituou esses direitos e acrescentou uma nova categoria: os direitos individuais homogêneos.

Passemos, então, a conceituação dos direitos individuais homogêneos.

2.1 Conceito e Características

O conceito de direitos individuais homogêneos está evidenciado no art. 81, parágrafo único, III, da Lei nº 8.078/90, nos seguintes termos:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: [...]

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

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indistinta. Sobre essa questão, Watanabe (2002, p. 718), ao comentar o Código de Defesa do Consumidor dispõe:

Os termos interesses e direitos foram utilizados como sinônimos, certo é que, a partir do momento em que passam a ser amparados pelo direito, os “interesses” assumem o mesmo status de “direitos”, desaparecendo qualquer razão prática, e mesmo teórica, para a busca de uma diferenciação ontológica entre eles.

A conceituação dada pelo CDC aos direitos individuais homogêneos é bastante lacônica. Não houve a imposição de qualquer critério quantitativo ou qualitativo para admissibilidade da ação coletiva, mas apenas a origem comum. Assim, a construção do conceito desses direitos foi realizada pela doutrina. É daí que retiramos uma definição mais acurada sobre os direitos individuais homogêneos. Nesse sentido, preleciona Elton Venturi (2007, p. 64-65):

Sobre a caracterização dos direitos individuais homogêneos, legal e singelamente conceituados como “os decorrentes de origem comum” (art. 81, parágrafo único, III, do CDC), repousam sérias dúvidas, atreladas, invariavelmente, à sua essência, à necessidade, ou não, de existir um número mínimo de indivíduos lesados pela “origem comum” (critério quantitativo), ou à qualidade dos direitos individuais reunidos em função da homogeneidade.

Hugo Nigro Mazzilli (2009, p. 56) observa que “para o CDC, interesses individuais homogêneos são aqueles de grupo, categoria ou classe de pessoas determinadas ou determináveis que compartilhem prejuízos divisíveis, de origem comum, normalmente oriundos das mesmas circunstâncias de fato”.

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A divisibilidade do objeto, por seu turno, é o grande elemento a diferenciar os interesses individuais homogêneos dos coletivos. Com efeito, a divisibilidade implica poder saber perfeitamente qual a lesão individual sofrida pela pessoa, de forma que a reparação do dano pode ser feita caso a caso, ao contrário do que ocorre nos interesses difusos e coletivos, quando a solução do problema beneficiará indistintamente a todos. [...].

Ainda, esses direitos são caracterizados pela determinabilidade dos seus titulares (plano subjetivo), uma vez que os prejudicados pela conduta lesiva podem ser individualizados.

Os direitos individuais são homogêneos quando, por sua origem comum, geram repercussões semelhantes para seus titulares, tornando a tutela coletiva útil e eficaz. A origem comum preconizada pelo CDC decorre da circunstância de os titulares de direitos individuais homogêneos estarem unidos por uma situação de fato ou de direito.

Não significa, necessariamente, uma unidade factual e temporal. Por exemplo, as vítimas de uma publicidade enganosa veiculada por vários órgãos de imprensa e em repetidos dias ou de um produto nocivo à saúde adquirido por vários consumidores num largo espaço de tempo e em várias regiões têm, como causa de seus danos, fatos com homogeneidade tal que os tornam a “origem comum” de todos eles (WATANABE, 2002, p. 724).

Não é necessário, pois, que as lesões sejam causadas por um único fato lesivo em um determinado momento, mas sim que esse fato seja a fonte das lesões, conferindo homogeneidade aos direitos nascidos em sua conseqüência.

Desta feita, os direitos individuais homogêneos são derivados de uma lesão ou ameaça de lesão. Decorrem de uma circunstância fática comum, não havendo relação jurídica base anterior a ligar os lesados. Nesses direitos, o vínculo com a parte contrária nasce com a lesão, que dá origem a uma relação jurídica individual, pois ofende de modo diferente a esfera jurídica de cada um. Disso decorre a possibilidade de determinação dos prejudicados. Sobre a questão Watanabe (2002, p. 722) preleciona que:

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de habilitação por ocasião da liquidação de sentença na demanda coletiva para tutela de interesses ou “direitos individuais homogêneos”.

Quanto ao aspecto da origem comum, Ada Pellegrini Grinover preconiza que esta pode ser próxima ou remota, fazendo com que os direitos sejam, no primeiro caso, mais homogêneos, e, no segundo, mais heterogêneos.

Próxima, ou mediata, como no caso da queda de um avião, que vitimou diversas pessoas; ou remota, mediata, como no caso de um dano à saúde, imputado às condições pessoais ou o uso inadequado do produto. Quanto mais remota for a causa, menos homogêneos serão os direitos (2009, p. 248).

Nessa situação, conforme pensamento da doutrinadora em tela, a extensão do dano e as condições pessoais de cada indivíduo lesado são de tal modo diferentes, que a origem comum se dilui a ponto de não justificar a tutela coletiva.

Assim, consoante esse entendimento, havendo prevalência das questões individuais sobre as coletivas15, a tutela deve ser feita nos moldes do Código de Processo Civil, a partir do ajuizamento de uma demanda individual, em que o lesionado busca, individualmente, a reparação do dano que lhe foi causado. Acerca dessa questão, a renomada doutrinadora dispõe (2009, p. 251):

Ora, a prova do nexo causal pode ser tão complexa, no caso concreto, que tornará praticamente ineficaz a sentença condenatória genérica do art. 95, a qual só reconhece a existência do dano geral. Nesse caso, a vítima ou seus sucessores deverão enfrentar um processo de liquidação tão complicado quanto uma ação condenatória individual, até porque ao réu devem ser asseguradas as garantias do devido processo legal, e notadamente o contraditório e ampla defesa. E a via da ação coletiva terá sido inadequada para a obtenção da tutela pretendida. Nem todas as ações civis públicas em defesa de direitos individuais homogêneos trarão a mesma dificuldade. Pense-se num pedido de restituição de um tributo inconstitucional a uma categoria de contribuintes, ou de devolução de mensalidades escolares pagas em excesso, ou ainda de pagamento de uma diferença devida pela Previdência

15 Fundamenta-se a doutrinadora na Rule 23 das Federal Rules of Civil Procedure, do Direito americano, que

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Social ou por bancos na aplicação de índices de correção monetária. Nesses casos, e em muitos outros, o reconhecimento do dano geral será extremamente útil e adequado para liquidações que demandarão prova bastante simples.

Em sentido contrário, alguns juristas, tais como Elton Venturi, asseveram que esse posicionamento representa um retrocesso na proteção dos direitos individuais homogêneos, na medida em que cria um obstáculo indevido para a admissão da demanda coletiva.

É certo que o CDC não estabeleceu qualquer critério qualitativo para admissão das ações coletivas. Todavia, devemos levar em consideração os escopos da tutela coletiva, que se mostra vantajosa por motivos de economia processual, uniformidade nas decisões judiciais, acesso à justiça, dentre outros.

Desse modo, quando não há prevalência das questões comuns sobre as individuais, a tutela coletiva não é proveitosa, uma vez que não irá atingir os seus escopos. Ora, se as questões de fato e de direito individuais são amplamente predominantes, a demanda coletiva não se mostra apta a tutelar adequadamente esses direitos. Não se pode afirmar, ainda, que isso representa um obstáculo ao acesso à justiça. Ao contrário, o acesso à justiça representa, também, a escolha de meios adequados à tutela de direitos. Se o meio não é adequado, não há ofensa a essa garantia.

Todavia, entendemos que esse critério não deve ser utilizado com muito rigor, sob pena de se inviabilizar a tutela coletiva de direitos individuais homogêneos, com todos os benefícios que dela decorrem. Entendemos que apenas nos casos em que é grande e evidente a predominância das questões individuais sobre as coletivas é que a demanda não deve ser admitida.

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2.2 Natureza Jurídica

A natureza jurídica dos direitos individuais homogêneos é motivo de grande controvérsia doutrinária. Alguns juristas defendem que esses direitos são, na verdade, direitos coletivos, e não direitos individuais tratados de forma coletiva16. Nesta senda, já se posicionou o Supremo Tribunal Federal:

Os interesses individuais homogêneos são os que têm a mesma origem comum (art. 81, III, da Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990), constituindo-se em subespécie de direitos coletivos. Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente interesses homogêneos, stricto sensu, ambos estão cingidos a uma mesma base jurídica, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a grupos, categorias ou classes de pessoas, que conquanto digam respeito às pessoas isoladamente, não se classificam como direitos individuais homogêneos para o fim de ser vedada a sua defesa em ação civil pública, porque a concepção finalística destina-se à proteção desses grupos, categorias ou classes17.

Na clássica lição de Barbosa Moreira (apud CASTILHO, 2006, p. 44-45), os direitos coletivos podem ser essencialmente ou acidentalmente coletivos. Assim, os direitos individuais homogêneos são acidentalmente coletivos, apenas para fins de tutela jurisdicional.

Nesse sentido, Rodolfo de Camargo Mancuso (2004 apud VENTURI, 2007, p. 66) preleciona que “um feixe de interesses individuais não se transforma em interesse coletivo pelo só fato de o exercício ser coletivo. A essência permanece individual”.

A previsão legal de tutela coletiva de direitos individuais homogêneos possibilitou um tratamento processual coletivo a direitos individuais dotados de homogeneidade. A respeito do tema, Antônio Gidi (1995 apud DIDIER JR.; ZANETI JR., 2009, p. 76) esclarece que:

16 Por exemplo, Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 4. Salvador:

JusPODIUM, 2009. Segundo os autores, “não se trata de direitos acidentalmente coletivos, mas de direitos coletivizados pelo ordenamento para os fins de obter a tutela jurisdicional constitucionalmente integral e adequada”.

17 STF, RE nº 163.231-3/SP. Relator: Min. Maurício Corrêa. Julgado em 26 fev. 1997. Disponível em:

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Tal categoria de interesses representa uma ficção criada pelo direito positivo brasileiro com finalidade única e exclusiva de possibilitar a proteção coletiva (molecular) de direitos individuais com dimensão coletiva (em massa). Sem essa expressa previsão legal, a possibilidade de defesa coletiva de direitos individuais estaria vedada.

Dessa forma, o Código de Defesa do Consumidor possibilitou a proteção coletiva de direitos individuais que possuem uma dimensão coletiva. É certo que referidos direitos, por serem em sua essência individuais, são passíveis de tutela atomizada, isto é, individualizada, promovida por cada um dos lesados. Todavia, a criação desse artifício pelo legislador é decerto proveitosa, notadamente em razão das deficiências e dificuldades existentes no sistema de tutela jurisdicional individual, dentre elas, o acesso à justiça.

Luiz Guilherme Marinoni (2006, p. 722) dispõe que:

Não seria razoável excluir os direitos individuais que podem ser lesados em face das relações da sociedade de massa [...] do campo de incidência da ação coletiva. A proteção ‘coletiva’ desses direitos (a tutela de direitos individuais por meio de uma técnica coletiva, isto é, adequada às lesões próprias das relações de massa), além de eliminar o custo das inúmeras ações individuais e de tornar mais racional o trabalho do Poder Judiciário, supera os problemas de ordem cultural e psicológica que impedem o acesso à justiça e neutraliza as vantagens dos litigantes habituais e dos litigantes mais fortes (como as grandes empresas).

Destarte, os direitos individuais homogêneos são uma decorrência da massificação das relações jurídicas, que acarreta a massificação das lesões delas decorrentes. A partir da origem comum dos direitos individuais homogêneos, surge a extensão social do direito, uma vez que diversas pessoas se encontram na mesma situação jurídica, tornando conveniente a proteção coletiva.

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Essa questão torna-se clara se considerarmos que, em diversos casos, o dano ocasionado na esfera individual é de pequena monta, desestimulando o indivíduo prejudicado a buscar judicialmente a sua reparação, notadamente em face dos gastos que teria de despender para o fazer. Todavia, se esse dano for considerado em sua dimensão coletiva, pode assumir grandes proporções, o que torna a tutela coletiva útil e eficaz. Assim, cada lesionado poderá habilitar-se em liquidação de sentença para reparar o dano individualmente sofrido.

Sobre o tema, Aluísio Gonçalves de Castro Mendes (2002 apud FONSECA NETO; ALMEIDA; CHAVES, 2007, p. 100-101) aduz:

Dentro da idéia de custo benefício, a questão pode ser enfrentada sob duas vertentes. Em primeiro lugar, estão os lesados que dispõe de recursos para o pagamento das despesas processuais, mas estas representariam valor aproximadamente igual ou superior ao próprio benefício pretendido. Junte-se a isso que a pretensão, sob o prisma da renda e do padrão de vida da pessoa atingida, terá um valor irrisório, não compensando sequer a utilização de tempo e esforços, que, se quantificados, significariam montante acima da pretensão almejada. Sob o prisma relativamente diverso, encontram-se as pessoas desprovidas de meios necessários para o pagamento de custas e despesas processuais, além dos honorários advocatícios. Embora gozem de isenção legal no que diz respeito a essas verbas, os gastos com o tempo e dinheiro, necessários para o encaminhamento do problema, seriam excessivos, na medida em que os dias e as horas são absorvidos na labuta, indispensável para a subsistência própria e/ou da família.

Assim, o tratamento processual molecular – ao invés de atomizado – contribui imensamente para o fomento do acesso à justiça, uma vez que a prestação jurisdicional é direcionada simultaneamente a toda uma coletividade, que usufruirá igualmente de um provimento judicial genérico.

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Ademais, proporciona segurança jurídica, pois evita a prolação de decisões judiciais divergentes para jurisdicionados que se encontram em uma mesma posição jurídica18, o que concorre, igualmente, para o aumento da credibilidade do Poder Judiciário.

Nessa esteira, manifesta-se Rodolfo de Camargo Mancuso (1999 apud LEONEL, 2002, p. 110):

[...] podem ser identificadas vantagens na tutela coletiva dos interesses individuais homogêneos: prevenção da proliferação de numerosas demandas individuais onde se repetem exaustivamente o mesmo pedido e a mesma causa de pedir; obstar a contradição lógica de julgados, que desprestigia a justiça; resposta judiciária equânime e de melhor qualidade, com tratamento igual a situações análogas, conferindo efetividade à garantia constitucional da isonomia de todos perante a lei; alívio na sobrecarga do Poder Judiciário, decorrente da “atomização” de demandas que poderiam ser tratadas coletivamente; transporte útil da coisa julgada tirada no processo coletivo para demandas individuais.

Imperioso repisarmos que os direitos individuais homogêneos possuem natureza de direito individual, uma vez que é possível a identificação dos indivíduos prejudicados e da dimensão do dano por eles sofrido. Em decorrência disso, cada interessado tem a possibilidade de ajuizar uma ação para reparar o dano sofrido em sua esfera individual. Nesse jaez, Vigliar (2008, p. 58), utilizando-se da lição de Barbosa Moreira, dispõe que:

Os interesses divisíveis (ou cindíveis) originam “conflitos acidentalmente coletivos”: nada impede que cada interessado demande a tutela jurisdicional da sua exata fração decorrente desse prejuízo que a muitos afetou. Nada impede que cada um ajuíze a sua própria demanda individual.

Observe-se que a defesa coletiva de direitos individuais homogêneos visa à obtenção de um provimento genérico, que aproveite a todos os interessados indistintamente19. Todavia, o fato de a pretensão deduzida em juízo ser relativa a uma grande quantidade de pessoas, bem como de todos os lesionados possuírem interesse na condenação genérica, não

18 Cappelletti (2002 apud FONSECA NETO; ALMEIDA; CHAVES, 2007 p. 105) preleciona que quando o

Judiciário profere decisões diferentes em relação a situações fáticas idênticas, “a função jurisdicional deixa de cumprir a sua missão de pacificar as relações sociais”.

19 Deveras, conforme preconiza o art. 103, III do Código de Defesa do Consumidor, a sentença de procedência

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altera a natureza do direito, que continua sendo essencialmente individual. As particularidades referentes a cada indivíduo serão consideradas e atendidas no procedimento de liquidação de sentença.

Após essas considerações, podemos afirmar que os direitos individuais homogêneos são direitos subjetivos individuais, os quais podem ser invocados e tutelados individualmente em juízo; porém, em virtude da homogeneidade que os qualifica, também podem ser tutelados de forma coletiva.

2.3 Diferenças entre os Direitos Individuais Homogêneos e Direitos Difusos e Coletivos

Os direitos difusos, segundo conceituação insculpida no art. 81, parágrafo único, I do Código de Defesa do Consumidor, são os “transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato”.

Os direitos difusos caracterizam-se pela indeterminabilidade de seus titulares, uma vez que não há uma relação formal entre eles, que são ligados por uma circunstância fática. A transidividualidade decorre da multiplicidade de indivíduos titulares da mesma pretensão indivisível. Elton Venturi (2007, p. 54) aponta que, no tocante aos direitos difusos, não é possível excluir nenhum indivíduo da titularidade da pretensão, em virtude da existência de um “processo absolutamente inclusivo decorrente de sua essência extrapatrimonial”.

Outra característica dos direitos difusos é a indivisibilidade do objeto. Esta decorre da própria natureza da pretensão, cuja fruição é auferida uniformemente pelos seus titulares, não sendo suscetível de cisão.

São exemplos de direitos difusos: o direito ao meio ambiente sadio; o direito à probidade administrativa; o direito dos consumidores a não serem expostos à propaganda abusiva e enganosa.

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categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base” (art. 81, parágrafo único, II).

Os titulares dos direitos coletivos são unidos entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. Deve-se ressaltar que essa relação jurídica base é anterior à lesão ou à ameaça de lesão ao direito dos seus titulares. A existência de uma relação formal entre os indivíduos torna possível a sua determinação.

Os direitos coletivos não são passíveis de cisão, pois a natureza da pretensão coletiva é indivisível, de modo que seus titulares devem receber tratamento unitário. Isso ocorre porque a pretensão coletiva não decorre da soma de interesses individuais dos integrantes do grupo, categoria ou classe, mas da sua síntese.

São exemplos de interesses coletivos: a pretensão de anulação a uma cláusula ilegal em contrato de adesão (artigo 51, § 4º, CDC); a pretensão de declaração de nulidade de cláusula de um acordo coletivo de trabalho que viole os direitos dos trabalhadores de uma empresa.

Expostos os conceitos, passemos a diferenciação.

Os direitos difusos assemelham-se aos direitos coletivos em virtude da indivisibilidade do objeto e distinguem-se por possuírem titulares indetermináveis, ligados por uma circunstância de fato.

Os direitos individuais homogêneos distinguem-se dos direitos difusos e coletivos pela divisibilidade do seu objeto. Quanto ao assunto, Ricardo Ribeiro Campos (2005, p. 189) explica:

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Uma importante diferença entre esses direitos e os direitos essencialmente coletivos é que enquanto estes só são passíveis de tutela jurisdicional coletiva, em virtude de sua transindividualidade e indivisibilidade, aqueles podem ser tutelados tanto pela via coletiva quanto pela via individual.

Por oportuno, trazemos à colação a lição de Hugo Nigro Mazzilli (2009, p. 58), em que fornece critérios para identificação da natureza do interesse em litígio:

Para identificar corretamente a natureza de interesses transindividuais, ou de grupos, faz-se necessário responder às seguintes questões: a) o dano provocou lesões divisíveis, individualmente variáveis e quantificáveis? Se sim, estaremos diante de interesses individuais homogêneos; b) o grupo lesado é indeterminável e o proveito reparatório, em decorrência das lesões, em decorrência das lesões, é indivisível? Se sim, estaremos diante de interesses difusos; c) o proveito pretendido em decorrência das lesões é indivisível, mas o grupo é determinável, e o que une o grupo é apenas uma relação jurídica básica comum, que deve ser resolvida de maneira uniforme para todo o grupo? Se sim, então estaremos diante de interesses coletivos.

Afirma, ainda, o renomado doutrinador que o mesmo interesse não pode ser simultaneamente difuso, coletivo e individual homogêneo, mas pode ocorrer de um determinado fato acarretar lesão a interesses de diferentes espécies. “De um único evento fático e de uma única relação jurídica conseqüente, é possível advirem interesses múltiplos” (2009, p. 60).

Tome-se, por exemplo, uma propaganda enganosa veiculada nos meios de comunicação. A mera transmissão dessa propaganda gera violação aos direitos difusos dos consumidores. Contudo, se um consumidor adquirir, por engano, esse produto, estará caracterizada a afronta ao direito individual desse consumidor. Nesse caso, uma única ação civil pública poderá tutelar tanto os direitos difusos quanto os direitos individuais homogêneos dos consumidores.

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3 AÇÃO CIVIL PÚBLICA

3.1 Ação Civil Pública vs. Ação Coletiva

Com o advento da Constituição de 1988, a ação civil pública, regulamentada pela Lei nº 7.347/85, adquiriu status constitucional, sendo consagrada como instrumento de

atuação do Ministério Público para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (art. 129, III). Imperioso ressaltar que, mediante a expressão “outros interesses difusos e coletivos”, a Constituição Federal ampliou sensivelmente o objeto da Lei de Ação Civil Pública (LACP). Na verdade, originalmente, o projeto dessa lei continha previsão semelhante, que, entretanto, foi objeto de veto presidencial. Acredita-se que o veto foi motivado pelo temor de que as ações civis públicas fossem utilizadas para combater abusos cometidos pelo governo, nomeadamente na área tributária.

Após a alteração operada pela Lei Maior, a expressão “qualquer outro interesse difuso e coletivo” foi acrescentada ao art. 4º, IV da LACP pelo Código de Defesa do Consumidor. Este é o teor do art. 1º daquela norma:

Art. 1º. Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:

I - ao meio-ambiente; II - ao consumidor;

III – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo;

V - por infração da ordem econômica e da economia popular; VI - à ordem urbanística.

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Infere-se, pelo teor dispositivo supracitado, que a ação civil pública se destina à proteção de direitos difusos e coletivos. Desse modo, a ausência de menção aos direitos individuais homogêneos faz emergir uma dúvida: pode a ação civil pública ser utilizada para tutela de direitos individuais homogêneos?

O Código de Defesa do Consumidor previu, como mecanismo de tutela de direitos individuais homogêneos, a ação coletiva, o que levou alguns doutrinadores a defender que esses direitos só poderiam ser tutelados por meio de ação coletiva, e não de ação civil pública. Assim, consoante esse posicionamento, haveria duas ações diferentes: a ação coletiva para defesa de direitos individuais homogêneos, e a ação civil pública para defesa de direitos difusos e coletivos. Nesse jaez, Pinho (2002, p. 47) assevera que:

Com a criação da ação coletiva, resolveu-se o problema então existente acerca do cabimento ou não da ação civil pública para a defesa de direito individual homogêneo. Assim, nos dias atuais, deve-se utilizar a ação civil pública para a tutela dos direitos difusos e coletivos (art. 81, parágrafo único, incisos I e II do C.D.C.), e ação coletiva para a defesa do direito individual homogêneo (inciso III).

Contudo, adotamos o posicionamento segundo o qual os direitos individuais homogêneos podem ser tutelados mediante ação civil pública, uma vez que não há diferença substancial entre as duas ações, mas apenas uma diferença procedimental, decorrente da diversidade de natureza jurídica entre os direitos individuais homogêneos e os direitos difusos e coletivos. Nessa perspectiva, Vigliar (2008, p. 47) preconiza que:

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Historicamente, quem primeiro fez uso da expressão “ação civil pública” foi o jurista Piero Calamandrei, que a empregou em contraposição à expressão “ação penal pública”, utilizando-a para identificar a ação não-penal ajuizada pelo Ministério Público (VIGLIAR, 2008).

No Brasil, a primeira norma que empregou expressão “ação civil pública” foi a Lei Complementar nº 40/8120:

Art. 3º. São funções institucionais do Ministério Público:

I - velar pela observância da Constituição e das leis, e promover-lhes a execução; II - promover a ação penal pública;

III - promover a ação civil pública, nos termos da lei;

Ocorre que, diversamente do que Calamandrei preconizava, a Lei nº 7.347/85 empregou a denominação “ação civil pública” para identificar não a legitimidade ativa do Ministério Público, mas as ações que têm por objeto a tutela de direitos difusos e coletivos. Sobre a questão, Vigliar (2008, p. 53) explica que:

O Procurador-Geral de Justiça de São Paulo, em 13 de junho de 1984, remetia, por ofício, ao então Presidente da Confederação Nacional do Ministério Público (CONAMP) um texto, versado em forma de anteprojeto de lei, precedido de uma justificativa, para que fosse encaminhado ao executivo da União, disciplinando a chamada ação civil pública. Nessa justificativa, dois detalhes essenciais são destacados: 1º) que o anteprojeto fazia referência ao art. 3º, III, da Lei Complementar n. 40/81, que dizia constituir função institucional do Ministério Público o ajuizamento da ação civil pública [...] 2º) que reconhecia que o anteprojeto tinha como base aquele outro produzido pelos juristas Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco, Kazuo Watanabe e Waldemar Mariz de Oliveira Junior (remetido à Câmara dos Deputados, onde recebeu o n. 3.034/84)21.

20 Trata-se da primeira Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, promulgada em 14 de dezembro de 1981,

contendo normas acerca da organização do Ministério Público dos Estados.

21 Eis é a ementa do referido projeto: Disciplina as ações de responsabilidade por danos causados ao meio

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Ressaltamos que o anteprojeto elaborado pelos doutrinadores mencionados acima não continha a expressão “ação civil pública”, mesmo porque tais doutrinadores criticavam a teoria imanentista da ação22. Todavia, não foi esse o anteprojeto aprovado, e sim o formulado pelo Ministério Público. A partir daí, a expressão “ação civil pública” consagrou-se na prática.

Assim, a legitimidade ativa para propositura da ação civil pública, no ordenamento jurídico brasileiro, não foi conferida exclusivamente ao Ministério Público23, de forma que o termo “civil pública” não identifica o ente legitimado à propositura da ação. Ao revés, a ação civil pública constitui-se em instrumento processual adequado para a tutela de interesses difusos e coletivos.

A bem da verdade, a ação civil pública não deixa de ser uma ação coletiva, pois serve à tutela de direitos coletivos em sentido amplo. Por isso, não há razão em se diferenciar a ação civil pública da ação coletiva, embora esta expressão se mostre mais adequada.

Buscando o autêntico conceito da ação civil pública, bem como a terminologia adequada, Mazzilli (2009, p. 74) aduz o seguinte:

Em essência, a ação civil publica da Lei nº 7.347/85 nada mais é que uma espécie de ação coletiva, como também o são o mandado de segurança coletivo e a ação popular. Como denominaremos, pois, uma ação que verse a defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos? Se ela estiver sendo movida pelo Ministério Público, o mais correto, sob o prisma doutrinário, será chamá-la de ação civil pública. Mas se tiver sido proposta por associações civis, mais correto será denominá-la de ação coletiva. Sob o enfoque puramente legal, será ação civil pública qualquer ação movida com base na Lei n. 7347/85, para a defesa de interesses transindividuais, ainda que seu autor seja uma associação civil, um ente estatal ou o próprio Ministério Público, entre outros legitimados; será ação coletiva qualquer ação fundada nos arts. 81 e s. do CDC, que verse a defesa de interesses transindividuais.

22 Para a teoria imanentista, a ação é uma manifestação do direito material, ou seja, é a forma como o direito

material se manifesta após sua violação. Essa teoria influenciou o legislador brasileiro na edição do art. 75 do Código Civil de 1916: “a todo direito corresponde uma ação, que o assegura”. Embora esse dispositivo não tenha desaparecido do ordenamento jurídico (arts. 80, I e 83, II e III, do Código Civil de 2002), é hoje interpretado de forma diversa, despido de sua influência imanentista, sendo entendido como a “fonte de onde emana a garantia de tutela jurisdicional adequada” (CÂMARA, 2009, p. 108).

23 Segundo o art. 5º da LACP, com redação dada pela Lei nº 11.448 de 2007, “têm legitimidade para propor

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Na realidade, o Código de Defesa do Consumidor estabeleceu uma relação de reciprocidade com a Lei nº 7.347/85, o que permitiu a defesa de direitos individuais homogêneos mediante ação civil pública. A esse respeito, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery (2002, p. 1373) dispõem:

Pelo CDC 90, são aplicáveis às ações fundadas no sistema do CDC as disposições processuais da LACP. Pela norma ora comentada, são aplicáveis às ações ajuizadas com fundamento na LACP as disposições processuais que encerram todo o Tít. III do CDC, bem como as demais disposições processuais que se encontram pelo corpo do CDC, como, por exemplo, a inversão do ônus da prova (CDC 6º VI). Este instituto, embora se encontre topicamente no Tít. I do Código, é disposição processual e, portanto, integra ontológica e teleologicamente o Tít. III, isto é, a defesa do consumidor em juízo. Há, portanto, perfeita sintonia e interação entre os dois sistemas processuais, para a defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Nessa diretriz, percebe-se que o que torna uma demanda coletiva é a modalidade de interesses por ela protegidos. Ainda que esses interesses sejam acidentalmente coletivos, isto é, individuais, mas coletivamente tratados, a demanda será coletiva, e a ação civil pública será adequada para tutelá-los. A respeito, nos ensina Rodolfo de Camargo Mancuso (1998 apud CASTILHO, 2006, p. 121-122):

Na verdade, uma ação é coletiva quando algum nível do universo coletivo será atingido no momento em que transitar em julgado a decisão que a acolhe, espraiando assim seus efeitos, seja na notável dimensão dos interesses difusos, ou ao interior de certos corpos intercalares onde se aglutinam interesses coletivos, ou ainda no âmbito de certos grupos ocasionalmente constituídos em função de origem comum, como se dá com os chamados “individuais homogêneos.”

Referências

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