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ECLI:PT:TRE:2010: TMFAR.A.E1.08

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ECLI:PT:TRE:2010:13.08.4TMFAR.A.E1.08

http://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRE:2010:13.08.4TMFAR.A.E1.08

Relator Nº do Documento

Mário Serrano

Apenso Data do Acordão

20/10/2010

Data de decisão sumária Votação

unanimidade

Tribunal de recurso Processo de recurso

Data Recurso

Referência de processo de recurso Nivel de acesso Público

Meio Processual Decisão

Agravo

Indicações eventuais Área Temática

Referencias Internacionais

Jurisprudência Nacional

Legislação Comunitária

Legislação Estrangeira

Descritores

arrolamento; conta bancária;

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Sumário:

1 - O procedimento cautelar de arrolamento visa a descrição de bens litigiosos, com vista a

assegurar a sua permanência (ou o não extravio, ocultação ou dissipação), em ordem a fazer valer a titularidade de direitos sobre esses bens na acção principal e sendo preliminar da acção de divórcio, tem ainda como objectivo acautelar a justa partilha dos bens após a dissolução do

casamento, designadamente no eventual processo de inventário subsequente, em vista do qual se estabelece que «o auto de arrolamento serve de descrição no inventário a que haja de proceder- se».

2 - O arrolamento só pode abranger bens susceptíveis de conservação à data da sua realização.

Se se ordena o arrolamento de saldos de determinadas contas bancárias, o arrolamento só pode abranger os valores que existam efectivamente nessas contas no momento em que se concretiza a providência: todos os montantes que lá tenham existido anteriormente não podem ser objecto do arrolamento.

Decisão Integral:

ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

I – RELATÓRIO:

No presente procedimento cautelar de arrolamento, instaurado, na comarca de Faro, por M… contra J…, em que, como preliminar de acção de divórcio, a requerente invocou justo receio de dissipação de bens por parte do seu marido e pediu o arrolamento de vários bens imóveis e de contas

bancárias, vem por aquela interposto recurso de agravo de despacho que, perante informações bancárias de várias contas terem sido saldadas ou quase totalmente saldadas, indeferiu pedido da requerente no sentido de solicitar extractos dos movimentos bancários verificados até às datas dos respectivos encerramentos ou resgates.

Por requerimento de fls. 197-199, pediu M… que o tribunal ordenasse a junção de extractos bancários, desde 1/1/2003 (refira-se que indica a data de 5/3/2003 como a do abandono do lar conjugal pelo marido) até às datas de encerramento ou resgate de várias contas à ordem e a prazo e de vários fundos e outros títulos de investimento mobiliário. Sobre esse requerimento recaiu um segmento do despacho de fls. 427-429, do seguinte teor:

«Por requerimento de fls. 190 e ss. dos autos, veio a requerente solicitar ao Tribunal que ordenasse a junção dos extractos bancários desde 01 de Janeiro de 2003 até às datas de encerramento das contas ou dos respectivos resgates, passando a indicar as instituições bancárias visadas.

Sobre isto, cumpre dizer o seguinte:

O arrolamento consiste na descrição (identificação), avaliação e depósito dos bens e tem por finalidade evitar o extravio ou a dissipação dos bens, salvaguardar a sua conservação.

No arrolamento preliminar do divórcio, são arrolados os bens que o requerente alega pertença do casal, não podendo ser arrolados bens de terceiro. O interesse da requerente está na conservação do património que entende seu. O arrolamento das contas, aplicações financeiras, valores em depósito ou dos créditos dos titulares das contas (ao valor depositado), nos termos requeridos, foi efectuado pela notificação feita ao bancos a operar em Portugal, tendo estes informado o

(quantum) que foi “arrolado”.

Tudo o que demais é requerido extravasa o âmbito da providência.

O que subjaz à pretensão (compreensiva, embora) da requerente é averiguar, seguir o rasto do

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valor dos saldos bancários, fundos de investimento e do resgate das apólices de seguros que, na sua versão, entretanto, “desapareceram”.

Mas olvida que o arrolamento destina-se a descrever os bens para a sua conservação, não a pesquisar a eventual existência de bens. Arrolados são os bens existentes à data da sua realização.

Nesta perspectiva a junção dos extractos, nos termos solicitados, é inútil, uma vez que, inexistindo os valores nas contas em causa (bem se sabendo que aí foram depositados), inviabilizaria o arrolamento de montantes superiores aos existentes no momento do arrolamento, efectuado pela notificação aos Bancos depositários.

Não pode a requerente pretender transformar uma simples providência de arrolamento numa averiguação ou inquérito quanto a uma eventual sonegação de bens por parte do requerido.

A agir nesse sentido, terá de fazê-lo noutra sede, noutro processo onde tal seja exequível.

Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, indefiro o requerimento da requerente M… constante de fls. 190 a 196.»

Mais adiante no processo, voltou a requerente a suscitar questão idêntica, no seu requerimento de fls. 451-465, então restringindo a sua pretensão a período que se iniciaria em Julho de 2007 (refira- se que o presente procedimento cautelar deu entrada em juízo em 6/7/2007).

Sobre esse requerimento recaiu um novo despacho, integrado no despacho compósito de fls.

475-477, nos seguintes termos:

«4. Solicitação pela requerente dos extractos bancários desde 1 de Janeiro de 2003 até às datas do encerramento das contas:

No despacho de fls. 427 a 429 de 3.7.2008 já foram enunciadas as razões e fundamentos por que esse pedido era indeferido.

Como aí se referiu o procedimento cautelar de arrolamento destina-se a descrever os bens existentes para a sua conservação, mas não a pesquisar a eventual existência de bens.

A requerente insiste no seu pedido, dizendo que não extravasa o âmbito da providência “saber as quantias exactas que se encontram nas contas, nos dias que antecederam as notificações das instituições bancárias”. E, mais adiante invocou que o arrolamento tem por finalidade evitar o extravio ou a dissipação dos bens. O que está certo, mas tendo em conta, somente, os bens que foram efectivamente detectados, quando a providência se concretizou.

Saber em que datas os valores dos bens levantados dos bancos ou saber se foram ou não movimentados em simultâneo com o decretamento da providência, são diligências que não respeitam ao arrolamento, mas que podem justificar, eventualmente, a responsabilização do cônjuge administrador pelos bens do património comum, como resulta, por exemplo, dos artigos 1678º e 1681º, nº 1, do Código Civil.

Daí sem mais considerações, se mantenha o indeferimento do requerido por o mesmo extravasar o âmbito do procedimento cautelar de arrolamento.»

É deste despacho que vem interposto o presente recurso de agravo (por requerimento de fls. 536), o qual foi admitido com subida diferida (por despacho de fls. 566).

Nesse recurso formulou a requerente, nas respectivas alegações, as seguintes conclusões:

«1 – No dia 6 de Julho de 2007 a ora agravante deu entrada de um procedimento cautelar de arrolamento, como preliminar de acção de divórcio.

2 – Arrolamento esse que foi deferido a 9 de Julho de 2007.

3 – E no qual se decretou o arrolamento, nomeadamente do saldo de todas as contas bancárias, títulos e fundos de investimento imobiliário ou outros titulados pelo requerido, bem como o

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arrolamento dos planos poupança reforma seguro, certificados de aforro e poupanças maxiplan.

4 – Foi lavrado termo de arrolamento, apenas dos imóveis, em 19/07/07.

5 – As contas bancárias, títulos e fundos de investimento imobiliário ou outros titulados pelo

requerido, à data em que este abandonou o lar conjugal, no início de Março de 2003, ascendiam a mais de seis milhões de euros.

6 – E que à data em que as instituições bancárias forneceram as informações dos saldos das contas, apresentavam saldos de € 12,64, € 1.525,80 e € 2.511,50, bem como contas canceladas.

7 – Desde a data em que o requerido abandonou o lar conjugal, continuou a receber as rendas dos imóveis, que ascendiam a mais de 5.000,00 euros mensais.

8 – Daí a agravante ter solicitado a junção aos autos dos extractos de Julho de 2007, até às datas de encerramento das mesmas ou do resgate, uma vez que o arrolamento tinha sido decretado no dia 7 de Julho de 2007 e as quantias arroladas e supra referidas apresentavam valores ridículos, face aos montantes que a agravante tinha conhecimento.

9 – Tal pedido foi indeferido.

10 – Com os extractos bancários de Julho de 2007 até às datas de encerramento das contas ou dos respectivos resgates, pretende-se a localização das quantias que efectivamente pertencem à requerente e requerido, à data em que foi ordenado o arrolamento.

11 – Uma vez que esta providência visa acautelar os interesses do cônjuge não administrador, não extravasa o âmbito da mesma a pretensão da requerente em saber as quantias exactas que se encontravam nas contas, nos dias que antecederam as notificações das instituições bancárias.

12 – O arrolamento, como qualquer outra providência cautelar, tem por função antecipar, de algum modo, a decisão definitiva que há-de vir a ser proferida em acção ulterior e no caso concreto serve de descrição de bens no processo de inventário.

13 – O arrolamento tem por finalidade evitar o extravio ou a dissipação dos bens, salvaguardando assim a sua conservação.

14 – Tem pois a requerente o direito legítimo de, pelo menos, saber quanto existia nas contas bancárias desde a data do decretamento do arrolamento (9/07/07), até ao encerramento das mesmas.

15 – O interesse da requerente está na conservação do património que entende seu e para isso tem o direito a confirmar os movimentos das contas bancárias.

16 – Ainda que inexistam os valores nas contas em causa há que verificar em que datas esses valores foram levantados.

17 – E como ter a certeza de quais os valores, quando se tratam de contas bancárias.

18 – E como saber se eventualmente foram movimentadas em simultâneo ao decretamento da providência.

19 – A providência cautelar de arrolamento não se esgota no auto lavrado em relação apenas aos bens que foram encontrados na realização da diligência.

20 – No âmbito da providência cautelar de arrolamento, decretado o mesmo, nada obsta a que, por aplicação do disposto no art° 424°, n° 5, do CPC, se notifique as instituições bancárias para

juntarem os extractos bancários ou o requerido para informar onde se encontram os bens que não foram encontrados no local indicado pela requerente, no caso concreto os depósitos bancários indicados.

21 – Daí a necessidade dos supra referidos extractos serem fornecidos, por parte das instituições bancárias, pois obviamente que não é o requerido que os vai fornecer.

22 – O arrolamento consiste na descrição, avaliação e depósito dos bens (art° 424°, n° 1, do

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CPC), o que foi feito na presente providência e do qual foi lavrado auto, contudo não é legítimo que se esgote a providência porque foi lavrado o respectivo auto, pois a requerente não se conformou com aquele e requereu novas diligências.

23 – As providências cautelares, como é o caso do arrolamento, visam obter uma composição provisória do litígio, tendo por finalidade prevenir o perigo de extravio, ocultação ou dissipação dos bens.

24 – Por isso, nos termos do artigo 426°, n° 3, do CPC, “o auto de arrolamento serve de descrição no inventário a que haja de proceder-se”.

25 – O arrolamento incide sobre os bens que devam vir a ser partilhados e tem como finalidade essencial garantir que tais bens existam no momento em que se efectue a partilha.

26 – Decretado o arrolamento sobre os bens indicados pela requerente e não tendo sido

encontrados no local por ela indicado alguns desses bens, deve o juiz ordenar outras diligências, tal como requerido.

27 – O arrolamento, como preliminar de acção de divórcio, visa prevenir e obviar ao extravio ou dissipação dos bens comuns ou seja, a determinação da existência de bens, para assegurar a sua conservação até à partilha e com isso evitar a sua possível ocultação ou deterioração dolosa.

28 – O arrolamento é também preliminar do inventário subsequente ao divórcio ou separação judicial, garantindo a justa partilha dos bens logo que sejam concretizados.

29 – Para isso é lavrado o auto em que se descrevem os bens, por verbas enumeradas, como no inventário, aplicando-se as disposições relativas à penhora, em tudo quanto não contrarie o estabelecido na subsecção do arrolamento ou a diversa natureza das providências (art° 424°, n°

5).

30 – Os bens objecto do pedido da agravante são bens cujo arrolamento foi peticionado no requerimento inicial e que não foi concretizado por não terem sido encontrados na posse do requerido.

31 – Trata-se, portanto, da execução do decretado arrolamento, cuja efectivação tem inteiro cabimento no processo e que nada tem a ver com a tramitação subsequente da providência cautelar.

32 – É a concretização do arrolamento que está em causa.

33 – Ora, por força da aplicação ao arrolamento das regras prescritas para a realização da penhora, que constitui emanação do princípio da cooperação consagrado no art° 266° do CPC, estaria o agravado obrigado a prestar a informação que lhe fosse ordenada pelo Tribunal ou, no caso concreto, bastaria que as instituições bancárias juntassem os respectivos extractos, como requerido pela agravante.

34 – O princípio da cooperação é afirmado como um dos princípios fundamentais estruturantes de todo o processo civil, a par dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, procurando deles extrair-se consequências concretas ao nível da regulamentação dos diferentes regimes adjectivos.

35 – Tal como o princípio da adequação formal, permitindo-se a prática de actos que melhor se ajustem ao fim do processo – artigo 265°-A do CPC.

36 – No caso do arrolamento na pendência de uma acção de divórcio, a aplicação de tais

disposições é plenamente justificada pelo facto do divórcio ou separação, na esmagadora maioria dos casos, gerar mal estar entre o casal, podendo levar qualquer dos cônjuges a extraviar ou dissipar os bens do casal.

37 – Ora no caso em apreço, face ao apurado, o Meritíssimo Juiz não poderia ter indeferido o

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pedido da agravante, no sentido de serem notificadas as instituições bancárias para juntarem aos autos os extractos bancários de Julho de 2007 até às datas de encerramento das mesmas ou dos respectivos resgates.

38 – E, ainda que assim o entendesse, o que só por mera hipótese se admite, sempre poderia o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo lançar mão do disposto no artigo 266° do CPC e convidar o requerido a fornecer esclarecimentos, sobre esta matéria, por ser pertinente.

39 – Ao não se proceder nesta conformidade violou-se o disposto nos artigos 26°-A, 266°, 266°-A, 424°, n°s 1 e 5, 426°, n° 3, do Código de Processo Civil.

40 – No entender da Agravante a decisão ora recorrida não fez a correcta interpretação e aplicação da lei.

41 – Dando-se, consequentemente, provimento ao presente recurso.

Termos em que, e nos mais de Direito, deve o presente recurso proceder e consequentemente, ser revogada a decisão proferida nestes autos a 31 de Julho de 2007, ordenando-se a notificação das instituições bancárias para juntarem aos autos os extractos bancários de Julho de 2007, até às datas de encerramento das mesmas ou dos respectivos resgates, nos termos requeridos pela agravante, com os efeitos legais.»

Não houve contra-alegações.

Como é sabido, é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (cfr. artos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do CPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (cfr. artos 660º, nº 2, e 664º, ex vi do artº 713º, nº 2, do CPC).

Do teor das alegações do recorrente resulta que a única questão a decidir se resume a saber, em face do direito aplicável, se tem cabimento, no âmbito de procedimento cautelar de arrolamento, a averiguação dos movimentos verificados em contas bancárias e em aplicações financeiras tituladas pelo requerido até ao seu encerramento ou resgate, circunstâncias estas que impediram a

concretização do seu peticionado arrolamento.

Cumpre apreciar e decidir.II – FUNDAMENTAÇÃO:

1. Estando assentes os elementos de facto descritos no relatório, comece-se por salientar que, em substância, a questão em discussão no presente recurso já tinha sido objecto de despacho anterior (supra transcrito) ao despacho recorrido (igualmente transcrito), sendo certo que daquele não se interpôs recurso.

Perante isso, e estando a questão já resolvida por despacho que constituía caso julgado formal, diríamos que, em bom rigor, teria ficado precludida a sua reapreciação e não poderia agora haver recurso sobre essa matéria.

Porém, a requerente (e ora recorrente) colocou a questão, no seu segundo requerimento, com um enfoque algo diverso: concretamente, restringiu-se o âmbito temporal do pedido de obtenção de extractos bancários ao período subsequente à instauração do procedimento cautelar de

arrolamento (i.e., já não «desde 1/1/2003», mas «desde Julho de 2007», sendo que o procedimento cautelar deu entrada em juízo em 6/7/2007) – ainda que na decisão subsequente, e ora recorrida, a M.ma Juiz a quo continue a referir-se, por manifesto lapso, a um pedido de extractos desde

1/1/2003 –, assim suscitando implicitamente a hipótese de a decisão do arrolamento implicar a retroacção dos seus efeitos à data da instauração do procedimento.

Sob esta perspectiva, é sustentável que a questão não seja formalmente a mesma, ainda que em

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substância seja rigorosamente idêntica: independentemente do período temporal, pretende-se, afinal, saber se é possível averiguar, em sede de arrolamento, o destino de bens alegadamente dissipados e que, por isso, não puderam ser arrolados. Essa diversidade formal será, no entanto, bastante para considerar que era possível a reapreciação ínsita no segundo despacho e que este era susceptível de recurso – pelo que apenas nos cabe passar de imediato à apreciação da questão suscitada no presente recurso.

2. A questão em apreço exige uma prévia delimitação do objecto do procedimento cautelar de arrolamento. Neste trata-se de proceder a uma descrição de bens litigiosos, com vista a assegurar a sua permanência (ou o não extravio, ocultação ou dissipação), em ordem a fazer valer a

titularidade de direitos sobre esses bens na acção principal. Como enunciava ALBERTO DOS REIS, «se uma pessoa pretende tem ou pretende ter direito a determinados bens e mostra que certos factos ou circunstâncias fazem nascer o justo receio de que o detentor ou possuidor deles os extravie ou dissipe antes de estar judicialmente reconhecido, de forma definitiva, o seu direito aos mesmos bens, estamos perante a ocorrência que justifica o uso (…) do arrolamento» (Código de Processo Civil Anotado, vol. II, reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 1981, p. 105).

Em caso de divórcio, como sucede no presente caso, a lei prevê que, como preliminar ou incidente da respectiva acção, «qualquer dos cônjuges pode requerer o arrolamento de bens comuns, ou de bens próprios que estejam sobre a administração do outro» (artº 427º, nº 1, do CPC), sem que seja necessário sequer demonstrar o justo receio de extravio, ocultação ou dissipação (artº 427º, nº 3, do CPC), por se presumir iuris et de iure que a rotura da sociedade conjugal é propiciadora de actuações ilícitas sobre o património dos cônjuges. Nesse contexto, o arrolamento tem ainda como objectivo acautelar a justa partilha dos bens após a dissolução do casamento, designadamente no eventual processo de inventário subsequente, em vista do qual se estabelece que «o auto de arrolamento serve de descrição no inventário a que haja de proceder-se» (artº 426º, nº 3, do CPC).

Atento o exposto, é evidente a natureza preventiva e conservatória da providência cautelar de arrolamento, doutrinariamente reconhecida (cfr. ALBERTO DOS REIS, ob. cit., vol. I, pp. 619-620; e ABRANTES GERALDES, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. IV, 3ª ed., Almedina, Coimbra, 2006, pp. 268-269). Isto significa que o arrolamento, tal como a generalidade das providências cautelares de natureza conservatória, visa assegurar a manutenção de uma situação existente, i.e., visa acautelar um perigo actual de lesão de direitos – de onde decorre que a lesão de direitos já consumada está fora do âmbito de protecção do respectivo procedimento cautelar (com este enquadramento, para o procedimento cautelar comum, e no contexto das providências conservatórias, v. ABRANTES GERALDES, ob. cit., vol. III, 2004, p. 106).

Dito de outro modo: o arrolamento destina-se a descrever bens com vista à sua conservação, pelo que só pode abranger bens susceptíveis de conservação à data da sua realização. Se se ordena o arrolamento de saldos de determinadas contas bancárias, o arrolamento só pode abranger os valores que existam efectivamente nessas contas no momento em que se concretiza a providência:

todos os montantes que lá tenham existido anteriormente não podem ser objecto do arrolamento. O que torna manifestamente inútil uma averiguação sobre os precedentes movimentos bancários, já que, ainda que se apurasse que ali haviam estado depositados valores de montante superior, não poderia ficcionar-se como arrolados esses montantes.

A idêntica conclusão chegou, v.g., o Ac. RP de 15/5/2008 (que o despacho recorrido cita parcialmente sem identificar), em que igualmente se considerou inútil a obtenção de extractos bancários de contas arroladas, precisamente por estar «inviabiliza[do] o arrolamento de montantes superiores aos existentes no momento do arrolamento», não obstante esses montantes terem

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estado depositados anteriormente em tais contas (Proc. 0832244, in www.dgsi.pt). Como aí se reconhece, a averiguação do rasto desses valores «extravasa o âmbito da providência». E sentencia: «O arrolamento destina-se a descrever os bens para a sua conservação, não a pesquisar a eventual existência de bens. Arrolados são os bens existentes à data da sua realização».

Perante estas asserções, poderia pretender-se argumentar (como parece ser propósito da recorrente) que, servindo o arrolamento como substrato da descrição de bens no subsequente inventário (artº 426º, nº 3, do CPC), a não averiguação dos valores anteriormente existentes nas contas bancárias prejudicaria a posição do requerente do arrolamento nesse futuro e eventual inventário, e obstaria à justa partilha dos bens a que esse processo se destina, na medida em que não poderia ali invocar a existência de bens que não tinham sido arrolados.

Este putativo argumento encerra, porém, uma clara petição de princípio. Não resulta minimamente do artº 426º, nº 3, do CPC que no futuro inventário só podem ser considerados, como bens

descritos e a partilhar, os bens arrolados: constituirá, quando muito, uma primeira descrição de bens, que pode ser aditada ou alterada.

Essa evidência expressa-a LOPES CARDOSO quando esclarece, a propósito do inventário em consequência de separação, divórcio, declaração de nulidade ou anulação de casamento (artº 1404º ss. do CPC), que «ao cabeça-de-casal cumprirá relacionar os bens que hão-de ser objecto da partilha, na certeza de que da respectiva relação não farão parte os arrolados, dado o disposto no artº 426º, nº 3, da lei processual» (Partilhas Judiciais, vol. III, 4ª ed., Almedina, Coimbra, 1991, p.

364). Ou seja: outros bens poderão ser acrescentados aos arrolados.

E uma possível alteração é perfeitamente compreensível se tivermos presente que podem ser diferentes os bens objecto de um arrolamento como preliminar de acção de divórcio ou afim e os abrangidos por um hipotético arrolamento associado ao inventário subsequente ao mesmo divórcio.

Já LOPES CARDOSO considerava ser «necessário não confundir (…) o arrolamento requerido na conformidade do art. 1413º [a que corresponde actualmente o artº 427º, nº 1, do CPC] com o que se faculta como preparatório ou no decurso do inventário subsequente à dissolução do vínculo conjugal. Aquele objectiva os bens comuns e os bens próprios que estejam sobre a administração do outro cônjuge, que assim o dispõe o dito preceito, e importa acautelar o extravio de todos eles;

este só os bens que efectivamente devam vir a ser partilhados entre os cônjuges no inventário aludido no artº 1404º do mesmo diploma, isto é, só são susceptíveis de arrolamento os bens comuns do dissolvido casal, pois a partilha do património conjugal restringe-se a estes bens» (ob.

cit., p. 357).

Sendo assim, a haver sonegação de bens do património conjugal em momento anterior ao arrolamento requerido por um dos cônjuges, é evidente que o lugar próprio para discutir a prévia existência ou o paradeiro desses bens terá de ser o processo em que se discute a respectiva partilha – ou seja, o inventário –, sem prejuízo de meios processuais comuns que forem

considerados adequados. É o próprio regime legal do inventário que o prevê no seu artº 1349º, nº 4, do CPC: «A existência de sonegação de bens, nos termos da lei civil, é apreciada conjuntamente com a acusação da falta de bens relacionados, aplicando-se, quando provada, a sanção civil que se mostre adequada, sem prejuízo do disposto no nº 2 do artigo 1336º».

Seguramente a averiguação sobre a eventual existência de bens não pode, como se demonstrou, é ter lugar no procedimento cautelar de arrolamento, pela própria natureza da providência em causa.

E, nessa medida, cremos assistir plena razão ao tribunal recorrido ao julgar verificada a

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inviabilidade, no âmbito do presente procedimento cautelar de arrolamento, de obtenção de extractos para apuramento dos movimentos verificados em contas bancárias e em aplicações financeiras tituladas pelo requerido até ao seu encerramento ou resgate, anteriores ao momento da notificação das respectivas entidades para efeitos de arrolamento.

Em suma: concorda-se com o juízo decisório formulado pelo tribunal a quo, não se mostrando violadas as disposições legais invocadas nas conclusões das alegações de recurso.

III – DECISÃO:

Pelo exposto, decide-se negar provimento ao presente agravo, confirmando a decisão recorrida.

Custas pela agravante.Évora, 20.10.2010 (Mário António Mendes Serrano)

(Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes) (Jaime Ferdinando de Castro Pestana)

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