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HOMOSSEXUALIDADE: UM LUGAR NA CULTURA E NA PSICANÁLISE

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Academic year: 2019

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA FACULDADE DE PSICOLOGIA

HOMOSSEXUALIDADE: UM LUGAR NA CULTURA E NA PSICANÁLISE

BIANCA PAOLETTI

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA FACULDADE DE PSICOLOGIA

HOMOSSEXUALIDADE: UM LUGAR NA CULTURA E NA PSICANÁLISE

BIANCA PAOLETTI

Trabalho de conclusão de curso como exigência parcial para graduação no curso de Psicologia sob orientação da Prof. Célia Maria de Souza Terra

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Agradecimentos

À minha família em primeiro lugar por me dar a sustentação e o apoio necessários para que eu me tornasse a pessoa que sou hoje.

Aos amigos queridos e agora colegas de profissão que conheci na faculdade e que neste momento difícil da formação para todos nós, estavam sempre dispostos a me ajudar quando preciso com idéias ou apenas ouvindo um desabafo. Compartilharam comigo esses cinco anos de muita transformação pessoal e que torço para que me acompanhem por muitos anos da minha vida.

Aos amigos outros que entenderam e tiveram paciência nos momentos em que tive que me ausentar para elaborar este trabalho e que estiveram sempre nos bastidores, na torcida, para que o mesmo fosse realizado com sucesso.

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Área de Conhecimento: 7.07.00.00-1 - Psicologia BIANCA PAOLETTI

HOMOSSEXUALIDADE: UM LUGAR NA CULTURA E NA PSICANÁLISE, 2007. Orientador: Prof. Célia Maria de Souza Terra

Palavras-chave: Homossexualidade, perversão e psicanálise.

RESUMO

O objetivo deste trabalho é apresentar um panorama sobre a história da homossexualidade desde a Antiguidade até os dias atuais. Desta forma, pretendo ilustrar a forma como a mesma é vista ao longo dos tempos e como isto se relaciona com o contexto social da época. Além disso, pretendo também fazer uma breve revisão dos conceitos psicanalíticos utilizados na contemporaneidade para entender tais fenômenos.

Na Antiguidade e na Idade Média ainda não havia a designação classificatória para as práticas homossexuais, estas eram respectivamente aceitas e reprimidas. O termo foi criado na Idade Contemporânea para discriminar e controlar uma suposta liberalização sexual, o que acabou construindo uma homossexualidade que ainda hoje é dotada de um forte preconceito.

A partir do histórico da sexualidade, pude perceber que não houve uma repressão sexual propriamente dita, mas sim um controle da sexualidade com o fim de servir a interesses outros que não o prazer sexual em si. A figura do homossexual foi se transformando ao longo dos tempos de acordo com o interesse de quem detinha o poder.

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“Época triste a nossa, em que é mais difícil quebrar um preconceito que um átomo”. (Albert Einstein)1

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Sumário

Introdução

... 2

Metodologia ... 11

Capítulo 1 ... 13

A HOMOSSEXUALIDADE AO LONGO DA HISTÓRIA: UM BREVE HISTÓRICO ... 13

a) Antiguidade... 13

b) Idade Média ... 15

c) Idade Contemporânea... 18

Capítulo 2 ... 21

SEXUALIDADE EM FREUD ... 21

Capítulo 3 ... 25

HOMOSSEXUALIDADE NA OBRA DE FREUD ... 25

a) A paranóia e sua relação com a homossexualidade: O caso Schreber... 27

Capítulo 4 ... 34

OUTRAS CONCEPÇÕES ACERCA DA HOMOSSEXUALIDADE: O PENSAMENTO LACANIANO ... 34

a) Homossexualidade e Perversão... 37

Capítulo 5 ... 43

A HOMOSSEXUALIDADE E SEU LUGAR NA SOCIEDADE ATUAL: UM OLHAR PSICANALÍTICO ... 43

a) Totem e Tabu: A construção do laço social... 44

Considerações Finais ... 57

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Introdução

Pretendo com este trabalho abordar o tema da homossexualidade, através de um levantamento histórico que explicite como o tema foi tratado desde a Antiguidade aos dias atuais, procurando refletir o lugar que ocupa na sociedade atual. Além disso, fazer uma breve revisão de como a Psicanálise, a partir de Freud e Lacan, tem abordado este tema.

A minha escolha de abordar este tema surgiu em um atendimento psicológico que acompanhei no Ambulatório de Doenças Infectocontagiosas da Universidade Federal de São Paulo a um jovem de 23 anos, homossexual, que apresentava questões acerca de seu relacionamento com seu parceiro. Chamou–me a atenção o fato dele apresentar questões que, a meu ver, não eram comumente apresentadas por pessoas do sexo masculino, ou pelo menos, não da forma como ele apresentava, mas sim por pessoas do sexo feminino. Este fato incitou-me a curiosidade pelo tema.

Comecei a pensar se dentro de casais homossexuais existe realmente um indivíduo que se identifica com o papel social esperado para o sexo masculino e outro que se identifica com o papel social esperado para o sexo feminino. Qual seria a influência do social na construção da subjetividade do sujeito? Como a Psicanálise aborda este tema? Será que todo tipo de manifestação erótica irá reproduzir o caráter heterossexual dominante mesmo que disfarçado?

No entanto, aprofundando meus estudos sobre o tema, pude perceber que alguns autores psicanalíticos não concordam com a idéia de que exista uma forma preestabelecida de sexualidade, ou seja, uma sexualidade normal e outra patológica, que resultaria num desvio desta ou aquela orientação sexual. Contudo, acredito que a idéia que é passada pela ciência, quando, por exemplo, procura o gene da homossexualidade, e pela própria psicanálise, quando denomina o comportamento homossexual como sendo perverso, corroboram com a visão de que existe sim uma sexualidade dita “normal” e outra “anormal”.

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Freud, em seus Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade (1905) refere que a biologia pressupõe a existência de ‘instintos sexuais’ para explicar a necessidade sexual dos seres humanos. Da mesma forma que a fome pressupõe a existência de um instinto de nutrição, a libido pressupõe a existência do instinto sexual. Contudo, como veremos no decorrer deste trabalho, o autor vai muito além disso na tentativa de entender a sexualidade humana.

Falarei agora, de forma breve, como a sexualidade humana se manifestou desde a Antiguidade até os tempos atuais.

Na Sociedade Romana, a prática sexual entre homens era livre e aceita. Amar um homem ou uma mulher, como expressão aplicada a um homem, era equivalente. O que se pensava de um se pensava do outro. Isto não quer dizer de forma alguma que esta sociedade era condescendente aos homossexuais, mas sim que esta forma de expressão sexual não era considerada um problema à parte. O mais importante não era o parceiro sexual, mas a forma como se estava atuando dentro desta relação, de forma ativa ou passiva. O que vigorava na época era “ter prazer de modo viril ou dar prazer servilmente” (Veyne, 1985, pg. 43). As relações conforme as normas se davam com a esposa, uma amante ou com um escravo, fosse ele homem ou mulher. O importante nesta relação era não ser penetrado pelo escravo, pois isto indicaria desprezo. As relações contrárias à norma incluíam a bestialidade, a necrofilia e as uniões com as divindades.

Segundo Veyne (1985) os pensadores políticos da época eram puritanos com relação a toda e qualquer paixão amorosa, pois esta é incontrolável. O ideal era a vitória sobre o prazer. Para Platão:

um pederasta não era um monstro, um representante de alguma raça com pulsões incompreensíveis – era muito simplesmente um libertino, movido pelo instinto universal do prazer, e que ia até o ponto de fazer um gesto, a sodomia, que os animais não fazem. O horror sagrado pelo pederasta não existia” (Veyne, 1985, pg 41).

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a liberdade. Se ele conseguia governar a si próprio conseguia governar os outros (Jeronimo, 1997).

Novamente, vemos a questão do poder influenciando o comportamento sexual dos indivíduos. Além disso, a mentalidade da sociedade grega era machista, onde os problemas eram tratados do ponto de vista masculino. Portanto, as reflexões morais também tinham raízes neste modelo (Jeronimo, 1997).

Nesta sociedade, a mulher está a serviço do homem, espera o desejo dele, tem o seu prazer se puder e esse prazer é muitas vezes moralmente suspeito. É interessante notar que a moral de Roma variava de acordo com o estatuto social, a passividade era uma infâmia em um homem livre, já para o escravo era seu dever absoluto para com seu amo (Veyne, 1985).

Segundo Jeronimo (1997), Na Idade Média, inicia-se uma intensa preocupação com a moral que era baseada em um conjunto de imposições feitas pela sociedade. Havia grande preocupação com as aparências. É também na Idade Média que ocorre a cisão entre o público e o privado. Devido à intensa preocupação com as aparências o espaço do público era repleto de regras, porém na intimidade estas regras passaram a ser deixadas de lado. A religião também apresenta um papel muito importante nesta moralidade e isolamento. Pois ao mesmo tempo em que defendiam a oração individual, defendiam a oração coletiva. “O que parecia é que a Igreja acabava desconfiando das manifestações pessoais excessivas, que poderiam levar o indivíduo a um certo

iluminismo o que então possibilitaria um questionamento das idéias da própria Igreja”.

(Jeronimo, 1997, pg 18).

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aproveitou disso para expandir sua potência e autoridade.

Neste momento, o ato sexual passou a ser relacionado ao pecado a não ser que estivesse estritamente vinculado à reprodução, portanto, as relações entre pessoas do mesmo sexo foram totalmente desqualificadas e abolidas (Jeronimo, 1997).

Na Idade Contemporânea o que se observou foi uma valorização do privado e pela primeira vez houve uma preocupação moral com a homossexualidade. Sendo que foi neste período que ela foi descrita pela primeira vez. Segundo Jeronimo (1997), anteriormente o que havia não era uma homossexualidade definida e sim comportamentos homossexuais camuflados ou não, aceitos ou não. É interessante notar que o modelo de homossexualidade que se tinha na época era um modelo que correspondia ao homem afeminado, ou seja, não existia um modelo de homossexualidade que estivesse separado do modelo heterossexual.

Os homossexuais eram vistos como pessoas acometidas pelo homossexualismo, como se fosse uma doença. O modelo médico da época contribuiu muito para a determinação desta visão. A medicina considerada como verdade absoluta estudava e excluía tudo o que considerava um desvio do ser humano, foi neste ponto que a homossexualidade foi incluída. (Jeronimo, 1997)

Neste mesmo período surge a Psicanálise e rompe com o paradigma de sexualidade para a reprodução. “A sexualidade não tem mais um campo próprio, para além do genital, ela invadiu o corpo do homem (da criança) ao mesmo tempo em que o

espaço social” (Ariés, 1985, pg. 85).

Ao chegar neste ponto de minha pesquisa comecei a pensar então no porque a Psicanálise, que rompeu a barreira do moralismo, continua a tratar a homossexualidade e as outras variantes eróticas como perversão ou inversão. Não estaria ela mantendo o preconceito e a moralidade com que esta questão sempre vinha sendo tratada a partir do momento em que considera natural o comportamento heterossexual (voltado para a reprodução) e perverso o comportamento homossexual? A partir destes novos questionamentos, concentrei meus estudos na contribuição trazida por Freud e Lacan acerca deste tema para a Psicanálise.

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cujo objeto sexual era outra mulher tinha um desvio relativo ao objeto. Este desvio foi chamado de inversão. Ao estudar a inversão, ele se sente compelido a afirmar que o instinto sexual é independente de seu objeto e sua origem não é determinada pelos atrativos deste objeto. Além da inversão, existiriam as perversões, ou seja, os desvios relativos ao objetivo sexual.

Ainda segundo Freud (1905) as perversões seriam:

Atividades sexuais que ou se estendem, num sentido anatômico, além das regiões do corpo que se destinam à união sexual ou demoram-se nas relações imediatas com o objeto sexual, que devem normalmente ser atravessadas rapidamente no caminho em direção ao objetivo sexual final” (Freud, 1905, pg. 41)

Neste momento da pesquisa recorri aos Dicionários de Psicanálise para melhor elucidar a questão da perversão. Segundo Laplanche e Pontalis (1970) perversão seria:

Desvio em relação ao ato sexual normal, definindo este como coito que visa a obtenção do orgasmo por penetração genital, com uma pessoa do sexo oposto. Diz-se que existe perversão quando o orgasmo é obtido com outros objetos corporais (coito anal, por exemplo) e quando o orgasmo é subordinado de forma imperiosa a certas condições extrínsecas (fetichismo, transvestismo, escoptofilia e exibicionismo, sado-masoquismo) estas podem mesmo proporcionar, por si sós, o prazer sexual. De forma mais englobante, designa-se por perversão o conjunto do comportamento psicodesigna-sexual que acompanha tais atipias na obtenção do prazer sexual“(p. 432)

A definição acima, em minha opinião, não contempla todas as variantes eróticas existentes na atualidade. Além disso, corrobora com a visão moralista e normatizante que nossa sociedade apresenta em relação ao tema. Penso que a Psicanálise deve ser uma ciência neutra, sem dogmas ou modelos de comportamento. Comecei a me questionar se os conceitos de Freud teriam sido mal usados ou mal interpretados. Comecei a me dedicar então, na procura de livros e teses de autores que como eu, não concordam com a visão de muitos partidários da Psicanálise, que têm a perversão como um desvio presente invariavelmente nas varias formas de manifestações da sexualidade humana.

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projeção é uma das formas que dispomos de negar que estes conflitos existam em nós. Portanto, o preconceito que assola estas populações ditas como “diferentes” ou “desviantes” tem origem neste mecanismo. A Psicanálise, conservando a perversão como explicação para tais variações de comportamento sexual estaria a meu ver apoiando esta atitude defensiva do ser humano.

Ainda de acordo com Barbero (2004), Freud em momento algum identificou claramente a homossexualidade como uma patologia. Sustentou durante sua vida a mesma como parte dos desejos polimorfos da criança. Portanto, no máximo poderia se falar em fixação em etapas anteriores ao esperado alvo heterossexual.

Para Freud (1925) não existe uma causa para a homossexualidade, e mesmo conhecendo as premissas não se dá para prever um resultado. Mesmo que se conhecessem completamente os fatores etiológicos, desses, alguns são suprimidos por outros por serem fracos demais, não influenciando, assim, o resultado final. De antemão, nunca se sabe qual dos fatores determinantes se revelará o mais fraco ou o mais forte. Diz-se apenas que os mais bem sucedidos devem ter sido os mais fortes.

Para o mesmo autor (1925) o mistério da homossexualidade não é tão simples como comumente se trata, uma mente feminina aprisionada num corpo masculino e vice-versa, mas sim, uma conjunção de três fatores: caracteres sexuais físicos (hermafroditismo físico), caracteres mentais (atitude masculina ou feminina) e o tipo de escolha do objeto. Para ele, a literatura obscureceu a inter – relação destes três aspectos:

colocando em primeiro plano, por razões práticas, o terceiro aspecto (tipo de escolha de objeto), que é o único que impressiona o leigo, e, além disso, exagerando a proximidade de associação entre esta e a primeira característica (...) esta afirmação rejeita dois fatos fundamentais, revelados pela investigação psicanalítica. O primeiro deles é que os homens homossexuais experimentam uma fixação especialmente forte na mãe; o segundo é que, além de sua heterossexualidade manifesta, uma medida muito considerável de homossexualismo latente ou inconsciente pode ser detectada em todas as pessoas normais” (Freud, 1925, p. 82)

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distúrbio marcado pela idéia de que deveria ser muito bom ser mulher e submeter-se ao ato da cópula.

Nos “Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade” (1905), Freud desmistifica a idéia de um objeto adequado à pulsão, assim, os objetos da pulsão podem ser muitos, o que existe entre a pulsão e seu objeto é apenas uma “solda”, ou seja, sua liga foi construída. E, a partir disso, opõe enfaticamente que se enquadrem os homossexuais como um caso especial de escolha de objeto, um desvio. Além disso, afirma, que se a homossexualidade merece uma observação e descrição clínica o mesmo deve ser feito com a heterossexualidade, visto que em nenhum dos casos a escolha de objeto é evidente.

No “Narcisismo: Uma introdução” (1914) Freud chega a considerar os homossexuais como portadores de um narcisismo exacerbado, pois tomariam a si próprios como modelos de objeto sexual. No entanto, no final deste seu estudo ele descobre que todos os seres humanos fazem escolhas amorosas baseadas no narcisismo primário, logo, o fato de uma pessoa estar se relacionando com alguém do mesmo sexo não faz com que ela seja mais narcísica que outra heterossexual.

Para Stubrin (1998), o problema teórico em Freud é tentar explicar tudo a partir da conflitiva edípica, ainda que incluísse algumas idéias sobre a constelação pré-edípica. Fiel à sua teoria tentou explicar a homossexualidade a partir do Complexo de Édipo e da angústia de castração. Para o autor esta forma de explanar a homossexualidade é válida, porém insuficiente. Não explica todos os casos e não alcança uma visão abrangente e completa dessa problemática.

A partir deste ponto do meu trabalho recorri a leitura de autores lacanianos para averiguar a existência de novos modos de pensar a homossexualidade dentro da Psicanálise. Para Lacan, a perversão seria uma estrutura clínica tal qual a neurose e a psicose. Esta forma de estruturação psíquica é baseada no mecanismo da renegação e da clivagem o eu, onde, o sujeito, frente ao horror da castração e o desejo sendo mantido sempre parcialmente insatisfeito, nega a existência da mesma. Portanto, por mais que negue o fato o mesmo ainda age sobre ele (Dor, 1991).

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estudado, não pela falta de interesse no assunto por parte dos psicanalistas, mas sim porque o tema esta coberto de idéias pré-concebidas e clichês. Além disso, o conceito de perversão estaria misturado com o conceito de homossexualidade. Ela deve isto ao fato da perversão quando desligada da sua escolha sexual seja realmente algo de muito difícil apreensão clínica.

A compreensão que tive pelo li é a de que a homossexualidade é tão antiga quanto à heterossexualidade ou como a própria sexualidade. Porém, ela é vista e vivenciada de forma diferente dependendo principalmente dos interesses de quem está no poder em determinada época. Da mesma forma, os pensadores e cientistas acabam correspondendo com as idéias dominantes no período no qual estão inseridos.

Costa (1998) afirma que as novas formas de erotismo que estão presentes hoje só puderam ser expressas porque o sexo não tem mais a importância econômica, política e moral que teve nos séculos XVIII e XIX.

Segundo Pacheco Filho (2005), a lógica que sustenta o capitalismo é a suposição de uma livre competição entre os indivíduos em busca de riqueza e sucesso pessoal. A felicidade de cada um alcançaria um bem coletivo. Não importa os meios que você use para chegar à sua felicidade pessoal, o importante é que você alcance todos os seus objetivos. Ou seja, não há um incentivo para que os indivíduos busquem objetivos de interesse comum, mas sim objetivos individuais.

É de se supor então que a homossexualidade possa buscar um reconhecimento e expressar-se melhor do que nas épocas anteriores, pois ela sempre esteve ligada a uma negação, a um controle dos impulsos sexuais. É neste âmbito que surgem diversos movimentos em prol dos direitos dos homossexuais. Entre estes movimentos, se destaca o movimento queer que:

propõe-se a superar o impasse a que teriam levado os estudos e movimentos gay e lésbico, que, segundo eles, havia se transformado, por sua vez em normativos, a partir, sobretudo, da suposição da existência de identidades gays e lésbicas mais ou menos fixas e involuntárias e da procura de legalização da cidadania e dos direitos destas categorias sociais. O movimento queer 2 propõem-se sempre contra. È um movimento de resistência

às normas e às determinações sociais que pretendem disciplinar o erotismo com normas rígidas e preestabelecidas” (Barbero, 2004, pg 26).

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Para Barbero (2004), pelo fato dos comportamentos e relações homossexuais serem socialmente proibidos ou desprezados na sociedade, isto deve produzir efeitos na subjetividade de quem os desenvolve, seja porque os assume como uma atitude politicamente questionadora ou porque assim se sente determinado por seu inconsciente e sem escolha possível, fora a de exercer ou não seus desejos de forma concreta.

Os indivíduos pertencentes à sociedade identificam-se uns aos outros como iguais e ao mesmo tempo diferenciam-se daqueles que não pertencem ao grupo. A partir do momento que o ser humano é um ser da cultura, sua nostalgia de retorno à posição fálica é alimentada não só pelas neuroses e sintomas individuais, mas também pelas construções dos sintomas sociais que além de serem responsáveis pelas mais altas realizações da cultura, produz também exclusões e preconceitos de toda a ordem. É neste ponto que o preconceito com relação à homossexualidade se insere (Pacheco Filho,2005)

Os homossexuais precisam ser destituídos da identificação sexual a que são submetidos. Precisam parar de ser apontados unicamente por suas preferências sexuais e não como sujeitos que são. Acredito que a Psicanálise como uma ciência que estuda o humano pode contribuir e muito para a desmistificação da homossexualidade e de todas as outras variações eróticas. Em minha opinião, a Psicanálise deve ouvir este fenômeno social da mesma forma como ouve o fenômeno clínico e não tentar enquadrar todos os comportamentos dentro de um sistema fechado.

Segundo Barbero (2004) homossexualidade não é um conceito psicanalítico já que Freud negou-se a considerar a possibilidade de uma estrutura psíquica particular que desse conta deste fenômeno plural.

Para Freud, não compete a Psicanálise solucionar o problema da homossexualidade, mas sim, ater-se a revelar os mecanismos psíquicos que culminaram na determinação da escolha de objeto, e remontar os caminhos que levam deles até as disposições instintuais. (Freud, 1925)

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Metodologia

Para alcançar o meu objetivo de entender o lugar que a homossexualidade ocupa na sociedade atual e na Psicanálise, pretendo utilizar uma pesquisa bibliográfica de diversos autores acerca da história da homossexualidade ao longo dos tempos, a cultura nos dias de hoje e como a Psicanálise aborda a homossexualidade a partir de Freud e Lacan.

Para tanto, iniciarei meu trabalho com um levantamento histórico acerca da homossexualidade ao longo da Antiguidade até a Idade Contemporânea, quando a psicanálise surge com Freud e o rompimento do paradigma do sexo para a reprodução. A partir disto, farei uma breve revisão da sexualidade e da homossexualidade para Freud e Lacan, visando entender se os mesmos compreendem o tema de acordo com uma lógica normatizante da sexualidade.

Finalmente, pretendo buscar compreender a sociedade atual, a partir da psicanálise, e a forma como a mesma olha para a homossexualidade, articulando com as idéias de Freud e Lacan a cerca do tema.

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Capítulo 1

A HOMOSSEXUALIDADE AO LONGO DA HISTÓRIA: UM BREVE HISTÓRICO

a) Antiguidade

Na sociedade romana, era equivalente para o homem se este amasse outro homem ou uma mulher. Não havia uma repressão exclusiva a homofilia, pelo menos não enquanto se tratava de homossexualidade ativa. Isto não quer dizer que esta sociedade era tolerante à relação homossexual, mas simplesmente que esta não era considerada como um problema à parte. A grande questão se colocava com relação à homossexualidade passiva. Ou seja, não era a relação com outro homem que causava repúdio, mas sim, ser passivo a este homem, ou seja, dar prazer de forma servil. “Nesse mundo não se classificavam as condutas de acordo com o sexo, amor pelas mulheres ou

pelos homens e sim atividade e passividade” (Veyne, 1985, p. 43).

Os pensadores políticos da época, assim como Platão, condenavam toda e qualquer paixão amorosa. Para eles, o ideal era o controle sobre as emoções, pois estas enfraqueciam o cidadão. É neste sentido que a homofilia é condenada, pois a mesma seria um ato libertino, movido única e exclusivamente pelo instinto do prazer. Para Platão o ideal seria suprimir todas as paixões e permitir apenas a sexualidade para reprodução. Para ele, não era o homossexual que era contra a natureza, mas sim o gesto que realizava, a sodomia, que era considerada uma libertinagem, pois era algo que ia além do que os animais realizavam. A homofilia ativa não era ocultada e os homens que eram propensos aos rapazes eram tão numerosos quanto aqueles que eram às mulheres (Jeronimo, 1997).

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envolvidos, mas sim pela diferença de status social, portanto, o homem mais velho era mais experiente e possuidor de maior sabedoria, deveria então ser aquele que assume uma posição de atividade em todos os sentidos, referente ao ato sexual, à liderança da relação, à posição de mestre entre outras (Jeronimo, 1997).

A mulher, por outro lado, é passiva por definição e não tem voz ativa, os problemas são sempre tratados do ponto de vista masculino. As crianças também não são levadas em conta, contanto que o adulto não se coloque a serviço delas e se limite a ter prazer com elas. Essas crianças, em Roma, são escravos. Já na Grécia são efebos que ainda não são considerados cidadãos e, portanto podem ser penetrados sem sofrerem desonra (Veyne, 1985).

Contudo, havia um grande desprezo pelos homens que praticavam a homofilia de forma passiva, estes, eram expulsos do exército ou, em alguns casos, mortos. No entanto, a rejeição não está relacionada à homofilia, mas sim a passividade do ato. Injúria maior que a homofilia passiva era a felação. Segundo Veyne (1985) citavam-se casos de pessoas que envergonhadas pelo ato da felação “tentavam disfarçar a infâmia sob a aparência de um vexame menor, fazendo-se passar por homófilos passivos” (Veyne, 1985, p. 44).

Veyne (1985) descreve ainda como seria o cidadão romano típico em suas relações interpessoais:

“Um nobre romano tem uma esposa (que trata com consideração, pois depende apenas dela se divorciar, levando seu dote), escravas que se necessário são concubinas, seus rebentos (mas os vê pouco, para evitar qualquer fraqueza: os criados ou avô educam duramente estes futuros amos); tem também um pequeno escravo que ele cria um alumnuns , em que 3

extravasa seus instintos paternais, se os tem, e que muito frequentemente é o filho que teve de uma escrava (mas era absolutamente proibido a quem quer que seja, inclusive ao próprio pai supor tal coisa). Finalmente, tem um favorito ou um batalhão de favoritos; a esposa tem ciúme, o marido protesta dizendo que não faz nada de mal com eles, ninguém se ilude, mas ninguém tem o direito de manifestar ceticismo algum. A senhora só fica aliviada no dia em que começa a nascer o bigode do favorito: é nessa data que as conveniências determinam que o amo deixe de infligir ao favorito um tratamento indigno de um homem” (Veyne, 1985, p. 46).

A moral sexual, pelo que podemos perceber, estava relacionada ao status social. Enquanto o indivíduo ainda era menino, ou seja, não era considerado um cidadão, assim

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como as mulheres, ele podia ser penetrado. A partir do momento que lhe crescem os bigodes e assim se torna homem, isto passa a ser um ato condenável. Não era o ato em si que era considerado indigno, mas sim a relação de atividade e passividade, era uma sociedade cuja moral era marcada pelo poder.

Na Antiguidade, havia as ligações ilegítimas, mas moralmente admitidas, tal qual nos dias de hoje com relação ao adultério. Outras relações, como as homofílicas, eram tanto suspeitas quanto ilegítimas, no entanto, não de acordo com a nossa moral. Havia finalmente as ligações ilegítimas e imorais relacionadas à passividade entre homens livres, complacências infames para com as mulheres, a cunilíngua, e a homofilia feminina. Com relação a esta última, o seu horror estava na forma em que uma mulher se toma no lugar de um homem. Contudo, seria errado pensar a antiguidade como o “paraíso da

não-repressão” e imaginar que ela não tinha princípios, pelo contrário, já havia indícios de uma

moral sexual que se acentuará com o cristianismo. Porém se “simplesmente seus princípios nos parecem estonteantes, fato que deveria nos fazer suspeitar de que nossas

mais fortes convicções não têm muito mais valor que as deles” (Veyne, 1985, p. 46).

A moral sexual da época, de acordo com Foucault (1984, apud JERONIMO, 1997), pregava a moderação da atividade sexual. Visto que o ato sexual estava estritamente vinculado ao desejo e ao prazer, o homem deveria saber controlar a satisfação dos seus desejos, não ultrapassando o que a necessidade exigisse. Ou seja, a necessidade individual era a reguladora do uso dos prazeres. “Satisfazendo sua necessidade era possível suportar o desejo e, ao mesmo tempo, exercer a atividade sexual com dignidade

e prazer” (Jeronimo,1997, p. 13).

Portanto, a moral sexual da época estava voltada, como já foi dito anteriormente, ao controle dos prazeres. Sendo que a imoralidade não estava vinculada a homofilia, mas sim a não masculinidade, ou seja, a passividade.

b) Idade Média

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fatores contribuíram para a formação da mentalidade da Idade Média, são eles: o papel do Estado, o surgimento de novas formas de religião e o papel da escrita (Jeronimo, 1997).

O Estado adquiriu um papel cada vez maior de controlador das pulsões. “Os indivíduos tinham como missão ampliar o papel social: ganhar aprovação ou inveja da

sociedade para atingir a honra, em outras palavras, para salvar as aparências”. Os indivíduos começaram a ser obrigados a cumprir certas obrigações sociais para defender sua honra. O controle do Estado não se limitava a cada indivíduo, mas também aos grupos. Passado algum tempo, o Estado passou a ter influencia maior somente nos grupos, pois as obrigações individuais foram deixadas de lado em um movimento por uma maior privatização. “O privado acabou ganhando maior relevância e houve então uma cisão entre o público e o privado” (Jeronimo, 1997, p. 17).

Segundo Jeronimo (1997), o desenvolvimento da religião também foi de grande importância para a manutenção da mentalidade da época. Todas pregavam uma reflexão solitária no sentido do isolamento, afinal, todos estavam submetidos a um mesmo conjunto de preceitos religiosos que deveriam ser devidamente obedecidos, caso contrário, haveria punições severas a quem desrespeitasse as leis da Igreja, assim como as leis do Estado.

Para François Lebrun (1991, apud JERONIMO, 1997), o Cristianismo defendia as orações tanto individuais quanto as coletivas com receio de que se o indivíduo se isolasse demais poderia vir a questionar os preceitos da Igreja. A Igreja por sua vez procurava preservar a mentalidade de obediência e conformismo. A religião criou determinadas regras que ajudavam os fiéis a alcançar máxima devoção e a ficarem cada vez mais distantes dos pecados, tais como as missas aos domingos, a confissão dos pecados e a comunhão. O Protestantismo, por sua vez, também incentivava a oração individual e a reflexão individual, no entanto de forma mais acentuada que no Cristianismo (Jeronimo, 1997).

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mantidos na medida em que puderam ser passados de geração à geração, mas também caminhou para uma maior individualização, permitindo que agora os indivíduos questionassem os valores da política dominadora existente (Jeronimo, 1997).

Philippe Ariés (1991, apud JERONIMO, 1997) aponta também uma mudança na relação dos indivíduos com o próprio corpo na Idade Média, foram introduzidos alguns maneirismos e regras de comportamento adequados para as inúmeras situações a fim de proteger mais o “espaço” entre as pessoas. Estas regras são denominadas por Ariés de “civilidade”. Esta civilidade descrita pelo autor vinha no sentido de favorecer a relação entre as pessoas e aperfeiçoar algumas formas de conduta. Desta forma, o indivíduo somente revelaria o que era compatível com a moral e suas paixões e emoções eram devidamente escondidas.

De acordo com Jacques Revel (1991, apud JERONIMO, 1997) a religião, católica e protestante, influenciou muito na civilidade que acabou se tornando um conjunto de proibições e prescrições rígidas de conduta elaboradas pelo clero. A Igreja abolia qualquer comportamento que estivesse relacionado às necessidades corporais e de intimidade. Esta intimidade não estava apenas relacionada à sexualidade, mas também aos desejos de realizar qualquer atividade que não a religiosa. No entanto, com o declínio da Idade Média ocorreu também o declínio das normas da civilidade que passaram a ser consideradas “convenções abusivas que limitam e deformam as relações entre os

homens”. Os indivíduos começaram a questionar uma prática que era semelhante para

todos e esta passou a ser usada apenas em determinadas ocasiões e por escolha do indivíduo e não como prática imposta pela sociedade. Com relação à sexualidade, esta passou cada vez mais a estar vinculada ao pecado, a não ser que o ato estivesse restrito à procriação. Portanto, as relações entre parceiros do mesmo sexo eram abolidas (Jeronimo, 1997).

.

(23)

subgrupo de pecados contra a carne compreende os homens que dormem juntos

(masculorum concubitores). É interessante que não há menção as mulheres, talvez pelas

mesmas não terem poder nem serem consideradas responsáveis.

Outro fato interessante para se notar na Idade Média é que o prazer intrínseco ao ato sexual era reprimido, as pessoas deveriam considerar a prática sexual como um ato restritamente ligado à reprodução. Ao negar-se o prazer do ato sexual, anulava-se o desejo. Pode-se concluir que a grande diferença da Antiguidade para Idade Média, é que a primeira almejava o controle sobre os desejos enquanto a última almejava a supressão dos mesmos. Portanto, pode-se imaginar uma série de conflitos nos indivíduos entre as vontades e necessidades e aquilo que era permitido pela moral vigente (Jeronimo, 1997, p. 25).

A Idade Média, portanto, foi uma era que sofreu forte influência do Estado, da Igreja e da escrita, tornando a privatização e individualismo de costumes, valores a serem alcançados. A valorização do privado foi crescendo cada vez mais o que acabou possibilitando um maior interesse pelo corpo e uma valorização da intimidade que culminou numa maior liberdade de expressão na Idade Contemporânea.

c) Idade Contemporânea

É na idade Contemporânea onde se fala em homossexualidade pela primeira vez, somente nesta era houve uma preocupação em entender esta “nova” forma de escolha de objeto. Anteriormente, havia comportamentos homossexuais que eram aceitos ou não, no entanto, a necessidade de denominação para uma nova “classe” somente se deu agora. Porque isso se deu na Idade Contemporânea?

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“O modelo dominante do homossexual a partir do momento em que este começa a tomar consciência de sua especificidade e reconhecê-la, ainda na maioria das vezes como uma doença ou uma perversão – vale dizer desde o século XVIII e o princípio do século XIX até o princípio do século XX – é um tipo efeminado: o travesti, de voz muito aguda. Pode-se ver aí uma adaptação do homossexual ao modelo dominante: os homens que ele ama parecem mulheres, e isso, num certo sentido, é tranquilizador para a sociedade” (Ariés, 1985, p. 78)

Ainda segundo Jeronimo (1997), no final do século XVIII e no século XIX, apesar da valorização do privado, o homossexual era considerado anormal, possuindo inclusive uma anomalia física (efeminação). Os homossexuais eram acometidos da homossexualidade, assim, como uma doença. Esta patologização da homossexualidade se deu, a princípio, por influencia da medicina, que tomou emprestada a versão clerical do fenômeno. “Quando o homossexual saía da clandestinidade era para retornar ao mundo marginal da perversão onde havia vegetado, até que a medicina o tirasse de lá, no século

XVIII, para seu museu de horrores e moléstias contagiosas” (Ariés, 1985, p. 82).

No entanto, foi na Idade Contemporânea que a homossexualidade pode ser olhada, mesmo que negativamente, pela primeira vez (Já que no período anterior ela era negada) e abriu-se assim um espaço para que os homossexuais pudessem começar a reivindicar seus direitos, tal como acontece atualmente. Além disso, é interessante pensar, que o conceito de homossexualidade rompe com a idéia de “sexualidade para a reprodução”, com a pura genitalidade, visto que ela é a separação, por excelência, do sexual para procriação e do ato sexual como forma de obtenção de prazer.

Contudo, para Philippe Airés (1985) a psicanálise teve uma forte influencia na infiltração do sexual no não-sexual (pan-sexualidade), agora, não havia mais o ato sexual para reprodução, mas sim uma sexualidade vinculada ao amor, à beleza, às amizades entre outras. Com a psicanálise “a sexualidade não tem mais o campo próprio, para além do genital, ela invadiu o corpo do homem (da criança) ao mesmo tempo em que o espaço

social” (Ariés, 1985, p. 85).

No entanto, ao mesmo tempo em que a Psicanálise contribuiu para uma maior liberalização sexual, no que tange à homossexualidade, ela a classificou como desvio, diferente das idéias psiquiátricas, mas acompanhando uma visão clínica. “A vulgarização da psicanálise levou, tanto à liberação da homossexualidade, à sua classificação como

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Não me estenderei aqui sobre a psicanálise e sua relação com a sexualidade e a homossexualidade, pois isto será mais bem discutido nos capítulos a seguir deste trabalho. Entretanto, é digno de nota, que a sexualidade, agora caracterizada por uma maior liberalização, desvincula-se quase que totalmente da moral religiosa e volta a ser relacionada ao prazer e ao desejo, o que culminou num movimento de satisfação sexual baseado no que era proibido, ou melhor, não totalmente aceito. Esta valorização da satisfação criou um reconhecimento da homossexualidade e gerou certa idealização da mesma. São esses ideais que guiaram o pensamento da homossexualidade até os dias de hoje.

(26)

Capítulo 2

SEXUALIDADE EM FREUD

Freud causou um grande impacto ao trazer à luz a idéia de uma sexualidade infantil. Para o autor, inicialmente, a manifestação da sexualidade da criança volta-se para a ingestão de alimentos. O ato de sugar alimentos pode ser constatado como sexual na medida em que é repetido pela criança, mesmo quando não há o alimento como recompensa, simplesmente o ato de sugar lhe traz grande satisfação. Ou seja, a criança executa um ato única e exclusivamente, pois este lhe causa prazer. A boca da criança é, nesta fase, a zona erógena do bebê (fase oral). Portanto, a princípio, o seio materno é o primeiro objeto do instinto sexual, este é posteriormente substituído por uma parte de seu próprio corpo como a língua ou o dedo. Deste modo, a partir do momento que algo em seu próprio corpo pode lhe proporcionar prazer, a criança torna-se independente do mundo externo no que tange à obtenção deste prazer.(Freud, 1917)

Após esta primeira fase o bebê apresenta sensações prazerosas no processo de evacuação de urina e de fezes (fase anal). É neste momento que pela primeira vez o bebê se defronta com o mundo externo como força inibidora ao seu desejo de obtenção de prazer, já que ele não pode eliminar suas excreções em qualquer lugar ou a qualquer momento, mas sim quando outras pessoas o dizem que deve. Pela primeira vez a criança deve trocar o prazer pela respeitabilidade social. (Freud, 1917)

Podemos perceber que toda a sexualidade infantil é pervertida, afinal, segundo Freud “tudo o que a despreza [reprodução], e que visa somente a obter prazer, recebe o

nome pouco lisonjeiro de pervertido” (1917 p. 369). O autor ainda ressalta que todas as

perversões, justamente por este motivo, originam-se na infância. A questão da perversão será retomada no próximo capítulo deste trabalho.

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As investigações sexuais infantis não se referem a distinção entre os sexos, de vez que isto nada significa para a criança, por ventura, quando isto ocorre, caminhos diferentes serão tomados pelos meninos e pelas meninas. Partirei agora para a relação da criança com seus objetos de amor e as diferentes posturas assumidas por elas quando da descoberta da diferença entre os sexos.

O primeiro objeto amoroso da criança, independente do sexo da mesma, é a mãe. No entanto, os meninos retêm este objeto de amor durante o Complexo de Édipo enquanto as meninas o abandonam e tomam o pai como objeto de amor e investimento libidinal. A grande diferença, para Freud, entre o Complexo de Édipo nos meninos e nas meninas se encontra no fato de que para os garotos a castração marca o período em que eles saem do Complexo enquanto para as meninas acontece justamente o oposto, a castração marca a entrada delas no Complexo. Entendendo assim este Complexo como o investimento libidinal da criança pelo genitor do sexo oposto e uma hostilidade ao genitor do mesmo sexo. Essa representação inconsciente pode inverter-se e exprimir o amor pelo genitor do mesmo sexo e ódio pelo do sexo oposto, o que seria o Édipo invertido (Freud, 1925).

A grande diferença da vida sexual dos adultos para a vida sexual infantil está na primazia dos genitais voltados para a reprodução nos primeiros e na primazia do falo na dos últimos. O falo é o referente da vida sexual infantil onde o menino se identifica com as insígnias fálicas e a menina vai culpar a mãe por não ter dado o falo a ela. A mãe teria “falhado” em dar para a menina aquilo que ela desejava, portanto a menina espera que o pai dê a ela aquilo que a mãe não pode dar e quando a menina descobre que o pai também não pode lhe dar ela necessariamente deve voltar-se à outro homem (Freud, 1925).

Vale ressaltar que o conceito de falo é muito pouco utilizado na obra freudiana e quando o faz refere-se ao pênis masculino em sua forma simbólica, no entanto, como veremos a seguir neste mesmo trabalho, Lacan utiliza este termo de forma sistemática refererindo-se a ele como o próprio significante do desejo (Roudinesco; Plon, 1997).

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chegam a conclusão de que o pênis estivera lá em algum momento e que por alguma punição foi retirado é quando se dá o temor da castração. A mãe é a última a perder o falo, pois somente quando a criança retoma os problemas de sua origem e nascimento dos bebês e advinha que somente as mulheres podem gerar bebês é que a mãe perde o pênis (Freud, 1923).

No que concerne à castração, Freud destaca duas experiências que preparam a criança para a perda de partes altamente valorizadas de seu corpo, a primeira é o desmame e a perda do seio materno e a segunda seria a evacuação (perda dos conteúdos intestinais). No entanto é a visão dos órgãos genitais femininos que realmente fazem com que o menino torne a perda de seu próprio órgão genital imaginável (Freud, 1923).

O Complexo de Édipo oferece a criança duas possibilidades: colocar-se no lugar da mãe para ser amada pelo pai (passiva), ou colocar-se no lugar do pai e ter relações com a mãe (ativa). No entanto, as duas possibilidades de satisfação acarretam na perda de seu pênis, portanto, surge um conflito entre seu interesse narcísico nesta parte de seu corpo e a catexia libidinal de seus objetos parentais que são então abandonados e substituídos por identificações. A autoridade dos pais é introjetada formando o superego e as tendências libidinais pertencentes ao Complexo são dessexualizadas e sublimadas. O processo por um lado preserva o órgão genital e por outro paralisa-o, introduzindo o período de latência (Freud, 1923)

Segundo Freud (1925[1923]) no Complexo de Édipo da menina, o processo é diferente. Inicialmente o clitóris comporta-se como um pênis (ativo), porém, ao ser comparado com o órgão masculino, ela percebe que há uma falha no seu órgão e sente isso como uma injustiça feita ela e um fundamento para a inferioridade. A menina acredita que em algum momento teve este órgão completo e que em algum momento o perdeu por castração. Nota-se, a menina tem a castração como fato consumado enquanto o menino teme a possibilidade de sua ocorrência.

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esperar que ele lhe dê o falo, no caso, um bebê (Freud, 1925 [1923]).

As primeiras fantasias sexuais de uma criança com relação à mãe têm caráter passivo, ela é amamentada, limpada, alimentada, vestida e ensinada a desempenhar essas funções. Uma parte da libido se limita a essa passividade enquanto outra parte engaja-se em transformá-las em atividade. Por exemplo, a amamentação transforma-se em sugar o seio e nas outras atividades a um esforço da criança em tornar-se auto-suficiente. O afastamento da mãe é um momento de grande importância para a menina, pois junto com ele, observa-se um acentuado abaixamento dos impulsos sexuais ativos e uma ascensão dos passivos. O que em geral acontece nesse período é uma diminuição na atividade masturbatória clitoriana (repressão da atividade masculina por excelência) e uma ascensão de impulsos sexuais passivos. O caminho da feminilidade está aberto para a menina (Freud, 1925[1923]).

É interessante notar que a disposição bissexual inata dos seres humanos vem para primeiro plano de forma muito mais intensa nas meninas visto que elas têm que trocar a sua zona erógena ativa (masculina – clitoriana) para uma zona erógena passiva (feminina – vaginal). Na puberdade, nas meninas, há um recalcamento do masculino para a ascensão da atividade sexual feminina (Freud, 1905).

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Capítulo 3

HOMOSSEXUALIDADE NA OBRA DE FREUD

Freud (1905) inicia sua obra “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” colocando a necessidade sexual dos seres humanos como sendo biológica, pela existência de um 'instinto sexual'. Esta originalidade freudiana permitiu que o mesmo pudesse pensar a questão da perversão, inicialmente, de acordo com desvios relativos aos objetos e objetivos desta pulsão. Para o autor, a pessoa de quem procede a atração sexual é o objeto sexual e o ato a que a pulsão conduz é o objetivo sexual. Isto posto, podem existir desvios tanto em relação ao objeto quanto em relação ao objetivo (finalidade) sexual. Um dos desvios quanto ao objeto sexual é chamado de inversão.

Os invertidos são assim conhecidos por terem sentimentos sexuais contrários, ou seja, homens cujo objeto sexual seja outro homem e mulheres cujo objeto sexual seja outra mulher. Dentre esses, podem existir os invertidos absolutos, cujo objeto sexual é exclusivamente de seu próprio sexo, os invertidos anfigênicos (hermafroditas psicossexuais) cujo objeto sexual pode ser tanto do mesmo sexo quanto do sexo oposto, ou seja, não possui a característica da exclusividade e ainda os invertidos ocasionais que seriam aqueles que sob alguma condição exterior (falta de um objeto sexual normal ou sua imitação) são capazes de adotar alguém do mesmo sexo como objeto (Freud, 1905).

Para o autor (1905) existe uma disposição física originalmente bissexual visto que em ambos os sexos se encontram vestígios do aparelho genital do outro sexo (anatomia bissexual), o que demonstraria que houve uma modificação no aparelho reprodutor ao longo da evolução e transformou-se em algo unissexual.

O autor destaca (1925) que a libido também tem um caráter bissexual, visto que a mesma oscila normalmente entre objetos masculinos e femininos ao longo da vida. No entanto, quando a amplitude desta oscilação é muito grande, suspeita-se a presença de algum fator especial que favoreça um lado ao outro e que talvez só tenha esperado pelo momento apropriado para voltar a escolha de objeto em sua direção. “Todo ser humano oscila, ao longo de sua vida, entre sentimentos heterossexuais e homossexuais e

qualquer frustração ou desapontamento numa das direções pode impulsioná-lo para a

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Com relação à remoção da inversão, Freud atenta, na análise do caso da jovem homossexual (1925), para o fato da impossibilidade de remoção da inversão, alegando que não há como o homossexual abandonar o objeto que lhe dá prazer convencendo-o de que se fizesse a mudança descobriria outra forma de obtenção do prazer no objeto que antes fora renunciado. Se o homossexual chega a ser tratado, o motivo se dá por causas externas, tais como pressão e desvantagens sociais. Acredita, no entanto, que:

apenas onde a fixação homossexual ainda não se tornou suficientemente forte, ou ainda existem consideráveis rudimentos e vestígios de uma escolha heterossexual de objeto, isto é, numa organização ainda oscilante ou definitivamente bissexual, é que se pode efetuar um prognóstico mais favorável a psicoterapia psicanalítica” (Freud, 1925, p. 163)

Ainda na análise do caso da jovem homossexual, Freud, após discorrer sobre os fatores etiológicos da homossexualidade da jovem, traz à luz a idéia de que não se pode prever o resultado partindo-se apenas dos fatores etiológicos, pois, mesmo que tenhamos acesso aos fenômenos etiológicos que decidem determinado resultado, a seu respeito conheceríamos apenas a sua qualidade e não a sua força relativa. Sendo que, alguns fatores são suprimidos por serem fracos demais, não influenciando o resultado final (Freud, 1925, p. 179).

Para Freud (1925) falar da homossexualidade apenas levando em conta o hermafroditismo psíquico não é suficiente, ele envolve outras etiologias e como dito acima não é possível de ser determinado por elas, para o autor:

“(...) o mistério do homossexualismo, portanto, não é de maneira alguma tão simples quanto comumente se retrata nas exposições populares: 'uma mente feminina assim fadada a amar um homem, mas infelizmente ligada a um corpo masculino; uma mente masculina irresistivelmente atraída pelas mulheres, mas, ai dela, aprisionada a um corpo feminino'. Trata-se, em seu lugar, de uma questão de três conjuntos de características, a saber: Caracteres sexuais físicos (hermafroditismo físico), Caracteres sexuais mentais (atitude masculina ou feminina) e Tipo de escolha do objeto” (p. 181-182)

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Ao falar dos mecanismos neuróticos no ciúme, na paranóia e no homossexualismo (1925), traz á luz uma outra etiologia da homossexualidade onde, o menino, durante a primeira infância, apresenta impulsos de ciúme contra possíveis rivais, em geral irmãos mais velhos. Este ciúme provocaria uma atitude hostil para com eles, no entanto, sob a influência da educação, estes impulsos são reprimidos e se transformam de maneira que estes primeiros rivais se tornam também os primeiros objetos de amor. O que há de diferente neste caso de homossexualidade, é que não há o que Freud chama de “horror

feminae”, ou seja, aquele horror ao sexo oposto em geral presente em homossexuais.

Freud acrescenta ainda que para algumas pessoas, o ciúme normal, ou seja, o pesar causado pelo pensamento de se poder perder o objeto amado, é vivido bissexualmente. Desta forma, o homem não somente sofrerá pela mulher que ama e odiará seu rival, como também sentirá pesar pelo homem a quem ama inconscientemente e ódio pela mulher como sua rival. A este último tipo de ciúme Freud denomina ciúme delirante e é o que sobra de uma homossexualidade que cumpriu seu caminho e toma sua posição entre as formas clássicas da paranóia (Freud, 1925).

a) A paranóia e sua relação com a homossexualidade: O caso Schreber4

A primeira doença do Dr. Schreber acontece em 1884 e no final de 1885 achava-se completamente restabelecido. Durante o período em que esteve enfermo, esteve internado na clínica do Dr. Flechsig, que, descreveu o quadro como sendo uma crise grave de hipocondria. Em junho de 1893, ele foi indicado para assumir o cargo de juiz presidente do tribunal de apelação (Senatspräsident) e em outubro do mesmo ano assumiu o cargo. No entanto, entre essas duas datas tivera sonhos de que seu antigo distúrbio havia retornado e um dia, quando se encontrava em estado de semi-adormecimento, ocorreu-lhe a idéia de que 'afinal de contas, deve ser realmente muito bom ser mulher e submeter-se ao ato da cópula'. (Freud, 1911)

A segunda enfermidade manifestou-se em fins de outubro de 1893 com insuportáveis acessos de insônia, o que forçou-o a ser internado novamente. No entanto, sua segunda moléstia não evoluiu bem como a primeira, desta vez, após ser novamente internado, começou a desenvolver idéia de perseguição, entre elas, dizia que estava

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morto e em estado de decomposição, que sofria de peste, entre outras coisas. Acreditava que passava por essas provações em nome de um intuito sagrado: achava-se em comunicação direta com Deus. Mais além, havia pessoas das quais se sentia perseguido, a mais proeminente dela era o seu próprio médico Flechsig, a quem chamava de assassino da alma. A partir disso, Schreber desenvolveu uma engenhosa estrutura delirante. Entre outras coisas, o paciente “acreditava que tinha a missão de redimir o mundo e restituir-lhe o estado perdido de beatitude. Isso, entretanto, só poderia se realizar se primeiro se transformasse de homem em mulher” (Freud, 1911).

Freud (1911) acredita que estes sonhos e esta fantasia sejam direcionados ao médico Flechsig, assim como os impulsos homossexuais direcionados a ele, seriam os formadores do conflito e por conseqüência, dos sintomas:

“Os sonhos e a fantasia são comunicados por Schreber em sucessão imediata; e, se também reunirmos o tema geral de ambos, poderemos inferir que, ao mesmo tempo em que rememorava a doença, uma recordação de seu médico foi-lhe despertada na mente, e que a atitude feminina que assumiu na fantasia foi, desde o início, dirigida para o médico. Ou pode ser que o fato de o sonho de sua enfermidade haver retornado simplesmente expressasse algum anseio tal como 'Quisera poder ver Flechsig novamente! ' (...). A causa ativadora de sua doença, então, foi uma manifestação de libido homossexual; o objeto desta libido foi provavelmente desde o início, o médico, Flechsig, e suas lutas contra o impulso libidinal produziram o conflito que deu origem aos sintomas.” (Freud, 1911, p. 51 e 52).

Freud completa ainda sobre este caso que este sentimento amistoso para com o médico pode-lhe ser atribuído por transferência, ou seja, um processo no qual a catexia libidinal antes investida em alguma pessoa que lhe era importante é transposta para outra de maneira que o médico, no caso, tenha sido o substituto de alguém mais próximo ao paciente como um pai ou irmão. Portanto:

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No caso de Schreber, podemos perceber um agravamento do conflito, pois, em determinado momento, a figura do médico foi substituída pela figura de Deus, ou seja, aconteceu uma intensificação da perseguição insuportável. No entanto, a saída para o conflito foi tornar sua emasculação, justificável, ao passo que somente através dela ele poderia ser o redentor da sociedade. Desta forma, segundo Freud: “Seu ego encontrava satisfação na megalomania, enquanto que sua fantasia feminina de desejo avançava e

tornava-se aceitável” (Freud, 1911, p. 57).

Freud acrescenta com relação ao caso que se Flechsig fora originalmente uma pessoa a quem Schreber amara e que por processo identificatório e reação paranóide passou a representar o seu perseguidor, o mesmo deva ter acontecido com a figura de Deus, no entanto este último deva representar alguém de maior importância. O autor conclui que, Flechsig deva ser a representação de seu irmão e Deus a representação de seu pai. Portanto, a fantasia feminina que fez com que Schreber reagisse tão agressivamente teve suas bases num anseio erótico dele pelo pai e pelo irmão (1911).

Para Freud (1911) o que distingue a paranóia de uma neurose qualquer é que a mesma é exclusivamente um mecanismo de defesa contra desejos homossexuais. Mas qual o papel do desejo homossexual no desenvolvimento da paranóia? Para responder a esta pergunta, o autor retorna ao que descobriu com relação ao desenvolvimento libidinal e acerca do narcisismo.

Freud (1914) refere que o termo narcisismo foi originalmente descrito como uma atitude onde a pessoa trata seu próprio corpo como um objeto sexual, isto sendo levado a cabo seria uma perversão que absorveu a totalidade da vida deste indivíduo. No entanto, surpreendentemente características narcísicas foram encontradas em sujeitos que sofrem de outras perturbações. Constatou-se então, que uma localização da libido narcísica é encontrada mesmo no desenvolvimento regular da sexualidade humana. As primeiras satisfações auto-eróticas são experimentadas em função da auto-preservação, ou seja, de início, os instintos sexuais estão ligados à satisfação dos instintos de ego.

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em pessoas cujo desenvolvimento da libido experimentou uma perturbação, como em perversos e homossexuais, que elas não elegem seu posterior objeto de amor segundo o modelo da mãe, mas segundo o da sua própria pessoa. Procuram inequivocamente a si mesmas como objeto amoroso, e exibem um tipo de escolha objetal que deve ser denominado narcisista” (p. 104)

Vale ressaltar que neste texto o autor separa a nomenclatura perverso de homossexual, apesar de considerar que ambos têm uma escolha de objeto narcísica. Ao continuar a leitura do texto sobre o narcisismo, podemos perceber que o autor passa a desconsiderar a escolha objetal narcísica como sendo única e exclusiva de perversos e homossexuais, visto que conclui que de certa forma, todos os seres humanos fazem escolhas relacionadas ao seu narcisismo primário. Como podemos ver no excerto a seguir:

“Não concluímos, entretanto, que os seres humanos dividem-se em dois grupos marcadamente separados, conforme eles tenham o tipo de apoio de eleição de objeto ou o tipo narcísico, porém, preferimos a suposição de que a cada ser humano estão abertos os caminhos para a eleição de objeto, onde um ou outro pode ser preferido, dizemos que o ser humano teria dois objetos sexuais originários: ele mesmo e a mulher que o cuida, e pressupomos nisto o narcisismo primário de cada ser humano, o qual eventualmente pode vir a expressar-se de modo dominante em sua eleição de objeto” (Freud, 1914, p. 104).

Ainda no estudo sobre o caso do Dr. Schreber, o autor refere acerca do narcisismo que o sujeito reúne os instintos sexuais que até então estavam investidos em atividades auto-eróticas, a fim de conseguir um objeto amoroso. Ele começa tomando a si próprio como seu objeto de amor, somente a partir daí que ele passa a escolher alguma outra pessoa que não ele mesmo, como objeto. Em pessoas cuja esta fase (onde o sujeito se toma como objeto de amor) demora a passar, características da mesma são transportadas para fases posteriores de seu desenvolvimento. Os órgãos genitais, que possuem importância principal no eu do sujeito, são escolhidos como objeto amoroso. A linha de desenvolvimento conduz à escolha de objetos sexuais, sujeitos com órgãos semelhantes aos seus, ou seja, uma escolha homossexual, depois disso, parte ao heterossexualismo. Pessoas que se tornam homossexuais manifestas em fase adulta nunca deixaram de investir libidinalmente em sujeitos cujos órgãos genitais eram semelhantes aos seus (Freud, 1911).

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instintos do ego e ajudam a constituir os instintos sociais, contribuindo assim como um fator erótico para a amizade e companheirismo (Freud, 1911).

É importante ressaltar que todos os estágios de desenvolvimento da libido oferecem possibilidade de fixação, e, as pessoas que não se libertam completamente do estágio do narcisismo, ao serem possuídos por uma quantidade intensa de libido que não encontra meios para esvair-se, são conduzidas a uma sexualização dos instintos sociais e desfazem assim as sublimações que haviam alcançado no curso de seu desenvolvimento (Freud, 1911).

Os paranóicos se defendem contra este tipo de sexualização através do mecanismo da projeção, na qual, uma percepção interna é anulada e substituída, após deformação do conteúdo, na consciência por uma percepção externa. No caso dos paranóicos, o que é deformado é o afeto, ou seja, o amor é percebido como ódio. Então, a fórmula 'Eu o amo' é percebida como 'Eu o odeio'. Consequentemente a posição 'Eu o odeio' transforma-se por projeção em 'ele me odeia' (persegue) o que me desculpará por odiá-lo, e a fórmula se torna: 'Eu não o amo – eu o odeio, porque ele me persegue'. Mas a observação não nos deixa dúvida de que o perseguidor é alguém que foi amado em outro momento (Freud, 1911).

Contudo, o mecanismo da projeção não é o centro da paranóia, visto que o mesmo ocorre em outras condições psicológicas. O que percebemos no paranóico é que a sua libido é retirada do objeto de amor pelo mecanismo da repressão e retornada a eles sob a forma do delírio, através do método da projeção. Porém, este desligamento da libido se dá de forma muito particular, ela após ficar suspensa na mente (por ter sido retirada do objeto) é investida no próprio ego, de forma a engrandecê-lo, ou seja, há um retorno ao narcisismo. Portanto, os paranóicos trazem consigo uma fixação no estádio do narcisismo e a extensão do retrocesso da homossexualidade sublimada para o narcisismo é que constitui a medida da quantidade de regressão da paranóia (Freud, 1911).

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dos órgãos genitais no ato conhecido como cópula, que conduz ao alívio da tensão sexual

e uma extinção temporária do instinto sexual” (p. 40). Isto posto, desvios relativos a este

objetivo sexual são denominados de perversão.

As perversões seriam atividades sexuais que se estendem para além das regiões do corpo que se destinam à união sexual ou atividades que demoram-se nas relações imediatas com o objeto, que em geral são atravessadas rapidamente em prol do objetivo final da relação sexual. No entanto o autor refere que “nenhuma pessoa sadia, ao que parece, pode deixar de adicionar alguma coisa capaz de ser chamada de perversa ao

objetivo sexual normal” (1905, p. 53). Ou seja, os indivíduos considerados normais por

Freud, também possuem um grau de sexualidade perversa. O autor continua afirmando que:

Algumas delas [perversões] são tão distanciadas do normal em seu conteúdo que não podemos evitar declará-las como patológicas. Isto é particularmente exato quando o instinto sexual vai surpreendentemente longe a sobrepujar com êxito as resistências da vergonha, repugnância, horror ou dor. Mas mesmo em tais casos não devemos estar demasiadamente inclinados a admitir que pessoas que agem desta forma necessariamente revelarão insanos ou sujeitos a graves anormalidades de outras espécies” (1905, p. 53).

Freud (1905) fala que o que está em jogo na perversão não é o conteúdo da perversão, mas sim a sua relação com o normal. Ou seja, se uma perversão ocorre concomitantemente com um objetivo sexual normal, não é considerada patológica, mas, se há um caráter de exclusividade e fixação, via de regra, deve ser considerada patológica.

Freud (1905) argumenta ainda que as psiconeuroses (histeria, neurose obsessiva, demência precoce e paranóia) baseiam-se em forças instintivas sexuais, ou seja, a pulsão é a fonte da neurose. Os sintomas seriam a expressão desta pulsão que não pode ser liberada, foi reprimida. No entanto, não seria apenas o instinto sexual normal que originariam os sintomas, os mesmos seriam originados muitas vezes por instintos sexuais perversos. Assim, os sintomas também se formam à custa da sexualidade anormal “as

neuroses são, por assim dizer, o negativo das perversões” (p. 58).

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