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Representações da Identidade e Etnicidade do Antigo Israel

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A R T I G O S

A R T I G O S

A R T I G O S

A R T I G O S

A R T I G O S

JÚLIO PAULO TAVARES ZABATIERO*

Resumo: o artigo aborda as representações da identidade étnica do antigo Israel pré-estatal, no chamado Cântico de Débora (Juízes 5), escrito por volta do XII século a. C. Adota a concepção de história cultural proposta espe-cialmente por Roger Chartier e uma concepção não-essencialista de iden-tidade.

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DA IDENTIDA IDENTIDA IDENTIDA IDENTIDA IDENTIDADE E ETNICIDADE E ETNICIDADE E ETNICIDADE E ETNICIDADE E ETNICIDADEADEADEADEADE DO ANTIGO ISRAEL

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estudo histórico das origens do povo de Israel está marcado por uma bipolaridade: há os que negam a possibilidade de qualquer conhecimen-to hisconhecimen-toricamente legítimo sobre Israel anteriormente à sua constituição como estados monárquicos (os chamados minimalistas) e os que afir-mam a possibilidade de uma reconstrução plena das origens de Israel, desde o período dos chamados patriarcas até a constituição tribal de Israel em Canaã. Neste ensaio, coloco-me fora dessas duas posições po-lares e pergunto sobre o testemunho que o próprio Israel deu de suas origens, a partir de um texto bíblico que é considerado um dos mais antigos testemunhos escritos do povo israelita, o assim chamado Cântico de Débora, em Juízes 5. Minha preocupação, entretanto, não é com o evento narrado na poesia – uma guerra entre tribos israelitas e um rei cananeu –, mas com as representações da identidade étnica de Israel presentes no cântico. Neste sentido, a datação exata do cântico – um Palavras-chave: Israel, identidade, etnicidade, história cultural

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, Goiânia, v. 4, n. 1, p. 253-276, jul./dez. 2006 254254254254254 tema ainda em discussão – não é tão importante, satisfazendo-me com uma datação aproximada. Os critérios lingüístico-literários aplicáveis à questão da data do cântico sugerem, de fato, uma data antiga para o mesmo. Não vejo, porém, evidências suficientes para datá-lo no XIII século a. C., como querem alguns – considerando o cântico como tendo sido produzido logo após a batalha nele narrada. As evidências sugerem, penso eu, uma datação entre a última década do século XII a. C. e o século X a.C.1.

A importância deste cântico para a compreensão da identidade de Israel no período anterior à constituição do Estado não pode ser negli-genciada. Não só por ser uma das fontes mais antigas das memórias do povo israelita, mas também por evidenciar pequena presença dos conceitos teológicos posteriores que forjaram a identidade do Israel estatal. Conquanto faça parte da chamada Obra Histórica Deuteronomista, cada vez mais se reconhece que o livro de Juízes oferece um quadro muito mais realista da vida pré-estatal de Israel do que o livro de Josué. Do ponto de vista da pergunta sobre a identidade, o livro todo e o cântico de Débora, em particular, for-necem aos pesquisadores um excelente material de trabalho.

ASPECTOS TEÓRICOS

Os Conceitos de Identidade e Etnicidade

Segundo Barth (apud POUTIGNAT; STREIFF-FERNAT, 1998, p. 116), a etnicidade é vista como um elemento de definição de situação manipulado pelos atores no decorrer de suas interações. Longe de se impor aos atores como um dado do mundo social a ser aceito sem questionamento, a etnicidade oferece-se a eles como um meio de construção, de manipulação e de modificação da realidade. Ela é um elemento das negociações explícitas ou implícitas de identidade sempre implicadas nas relações sociais. A hipótese é que, no curso dessas negociações, os atores procurem impor uma definição da situação que lhes permita assumir a identidade mais vantajosa.

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um ethnos é um grupo de pessoas maior do que um clã ou linhagem, que reivindica uma ancestralidade comum. Conquanto o parentesco cultural ou biológico possa reforçar o vínculo, uma ‘memória coletiva de uma unidade anterior’, ou ‘um mito putativo de descendência e parentesco comum’ fabricados, em última análise, vinculam as várias linhagens. Traços primordiais e circunstanciais, tanto auto-atribuídos como promulgados por outros, definem o grupo. Aspectos primordiais são percebidos pelo grupo como tendo existido desde o princípio: em outras palavras, eles são a ‘memória coletiva de uma unidade anterior’, ou uma herança comum. Parentesco, território ou tradições seletas, incluindo religião, freqüentemente definem as origens do grupo. Em contraste aos aspectos primordiais, fatores circunstanciais são diversamente ativados em resposta a situações mutáveis. Cultura material ou relações com outros grupos exemplificam fatores circunstanciais (BLOCH-SMITH, 2003, p. 402).

De acordo com essa tradição de pesquisa, etnicidade e identidade podem ser lidos como conceitos sinônimos, ambos apontando para o pro-cesso de construção cultural de um dado grupo social, propro-cesso este de caráter histórico e conflitivo. Dessa forma, a seguir, passo a discu-tir o conceito de identidade, subsumindo a ele o de etnicidade. Em uma perspectiva não essencialista da identidade, esta é fruto de um

processo social de construção, no qual se firmam as diferenças em relação às quais nossa identidade se delineia, bem como as identifica-ções necessárias para que tal identidade seja efetivamente nossa. Como processo social, a construção da identidade também se configura como uma prática de poder2, o poder de classificar, de diferenciar, de iden-tificar, de dizer quem pertence a nós e quem pertence aos outros3. Castells, levando em consideração as relações de poder envolvidas na

cons-trução da identidade, propôs três formas da mesma:

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Identidade legitimadora: introduzida pelas instituições dominan-tes da sociedade no intuito de expandir e racionalizar sua domina-ção em reladomina-ção aos atores sociais, tema este que está no cerne da teoria de autoridade e dominação de Sennett e se aplica a diversas teorias do nacionalismo.

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Identidade de resistência: criada por atores que se encontram em posições/condições desvalorizadas e/ou estigmatizadas pela lógica da dominação, construindo, assim, trincheiras de resistência e

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so-, Goiâniaso-, v. 4so-, n. 1so-, p. 253-276so-, jul./dez. 2006 256256256256256 brevivência com base em princípios diferentes dos que permeiam as instituições da sociedade, ou mesmo opostos a estes últimos, conforme propõe Calhoun, ao explicar o surgimento da política de identidade.

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Identidade de projeto: quando os atores sociais, utilizando-se de qualquer tipo de material cultural ao seu alcance, constroem uma nova identidade capaz de redefinir sua posição na sociedade e, ao fazê-lo, de buscar a transformação de toda a estrutura social (CASTELLS, 2000).

A estas três formas propostas por Castells acrescento uma quarta, a identi-dade emancipatória, a saber, aquela forma de identiidenti-dade que é fruto bem-sucedido de um projeto de transformação social – de uma iden-tidade de projeto – e, conquanto possa passar a ser a ideniden-tidade pre-dominante de um povo ou nação, não se configura como uma forma de garantir e racionalizar a dominação social4.

No caso da história do Israel pré-estatal, por exemplo, poder-se-ia pergun-tar se a identidade construída nas origens tribais se deveria entender como uma identidade emancipatória e qual a sua relação com os pro-jetos identitários anteriores, a saber, o auto-denominado Israel de-senvolveu uma identidade de projeto ou de resistência? que elementos da memória coletiva e do mito fundante estão subjacentes ao cântico? como se deu a fusão desses distintos projetos identitários na forma-ção do Israel tribal?

Valendo-me de perguntas como essas, proponho também um segundo eixo tipológico para a identidade, centrado nas fontes de legitimidade da construção identitária: identidade policêntrica, em que diversos cen-tros legítimos de construção de identidade são admitidos e convivem de forma relativamente harmoniosa, ou seja, coexistem em relações e estruturas simétricas de poder – cruzando com a tipologia de Castells, diria que a identidade policêntrica se coaduna com a identidade de projeto e com a emancipatória; identidade monocêntrica, em que apenas um centro legítimo de construção identitária é reconhecido na estrutura social, e mantém relações de dominação com outros centros de construção identitária, obviamente considerados ilegítimos – nes-te caso, fica evidennes-te que estamos lidando com relações e estruturas assimétricas de poder. No cruzamento com a tipologia de Castells, a identidade monocêntrica se aproxima mais da legitimadora.

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Atentando à questão dos meios da construção da identidade, se a diferencia-ção é o processo mediante o qual um grupo social constrói discursivamente os seus outros, a identificação é o processo mediante o qual um grupo social constrói a sua auto-imagem, mediante o qual se associa a um conjunto de representações, a um discurso a respeito de si mesmo. Neste sentido, identificação e diferenciação são processos comunicati-vos, discursicomunicati-vos, que operam simultaneamente. Mitos de origem, genealogias e etiologias, por exemplo, são mecanismos de construção do outro e do si mesmo. Sistemas classificatórios são outro processo de construção da diferença:

Um sistema classificatório aplica um princípio de diferença a uma população de uma forma tal que seja capaz de dividi-la (e a todas as suas características) em ao menos dois grupos opostos - nós/eles ... eu/outro. ... dão ordem à vida social, sendo afirmados nas falas e nos rituais (WOODWARD, 2000, p. 40).

Os sistemas classificatórios são, normalmente, binários: sagrado/profano; puro/impuro, amigos/inimigos, nós/eles.

Nas formas de identidade legitimadora, a diferença se constrói negativamen-te, geralmente por meio de oposições binárias, dualismos éticos, étni-cos, religiosos ou sociais, que são percebidos como permanentes, pelo que as identidades legitimadoras tendem a ser essencialistas. Nas for-mas de identidade de resistência e de projeto, é comum um estágio de construção negativa da diferença, que pode anteceder uma visão posi-tiva de si mesma ou se cristalizar negaposi-tivamente, reproduzindo, dessa maneira, mecanismos da identidade legitimadora. A identidade emancipatória, em tese, afirma e celebra a diferença, reconhecendo o seu valor, sem desconsiderar, entretanto, que nem todo diferente é par-ceiro na construção de uma sociedade emancipada. Esta percepção nos conduz ao segundo tópico da discussão teórica.

Identidade, Discurso e Análise Sêmio-Discursiva

Se entendemos a identidade como um processo sociocultural que se reali-za nas interações, se concretireali-za em instituições, campos e estruturas da sociedade e se manifesta sobretudo em textos5 a abordagem

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, Goiânia, v. 4, n. 1, p. 253-276, jul./dez. 2006 258258258258258 metodológica mais adequada ao deciframento das formas identitárias históricas é a análise do discurso (ou das práticas discursivas). Den-tre as várias opções existentes no campo acadêmico, minha prefe-rência recai sobre a semiótica greimasiana6. Uma descrição apta da abordagem semiótica, conforme a pratico, pode ser encontrada no seguinte texto de Landowski (1992, p. 58-60):

O objeto da semiótica, dizíamos, é a significação. O programa de trabalho do semioticista decorre disso: será o de dar conta (com a ajuda de modelos a construir) das condições de apreensão e da produção de sentido. Ora, o sentido está em toda parte, tanto nos discursos como em nossas práticas, tanto nos objetos culturais que produzimos como nas realidades naturais que interpretamos [...] para o semioticista tratar-se-á, na realidade, de tentar explicitar a emergência do sentido no âmbito da comunicação em geral, qualquer que seja seu campo de exercício – social, inter-individual ou mesmo puramente ‘interior’ – e quaisquer que sejam também os tipos de suportes: lingüístico, evidentemente, mas também plástico, gestual, espacial etc.

À definição de Landowski eu acrescentaria apenas a circulação do sentido à sua apreensão e produção presentes em seu texto.

Note-se que, na abordagem acima descrita, os objetos significativos a serem estudados não se restringem aos lingüísticos, mas abrangem os mais variados tipos de formas simbólicas ou de suportes para a produção, circulação e apreensão do sentido. Dentre esses vários suportes devem ser colocados também os achados arqueológicos não-lingüísticos, a chamada cultura material, que também serão interpretados com base na abordagem sêmio-discursiva quanto à sua significação.

A metodologia semiótica é, por natureza, totalizante, ou seja, seus modelos heurísticos permitem analisar os textos nas suas mais variadas acepções e enfoques. Claro, porém, é que a aplicação do método inevitavelmen-te será seletiva e, em cada caso, um enfoque disciplinar será privilegia-do, como é o caso de, nesta pesquisa, o enfoque da história cultural, em distinção, por exemplo, dos enfoques exegético e teológico, tam-bém aplicados no estudo do antigo Israel. Menos visíveis do que méto-do e enfoque, mas não menos decisivos para a pesquisa, são o interesse7 de sua realização e a teoria subjacente a ela. Em minha prática de pes-quisa, o interesse predominante é o emancipatório, ou seja, entendo

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que a construção do saber acadêmico não pode se furtar de participar nos processos sociais de construção de uma sociedade cada vez mais democrática, justa e solidária – e de fazê-lo sem laivos vanguardistas ou de um militantismo ingênuo. A teoria que subjaz à minha forma de trabalhar é uma teoria discursiva da ação, cujas fontes principais são a semiótica greimasiana e a teoria da ação comunicativa de J. Habermas. Explicito meu interesse e minha teoria com a mesma ati-tude que explicito meu método – não os entendendo como a teoria e o interesse únicos capazes de concretizar uma pesquisa histórica –, mas para que leitoras e leitores dos resultados da pesquisa estejam situados para fazer suas devidas apropriações8.

ASPECTOS DA IDENTIDADE ÉTNICA DE ISRAEL EM JUÍZES 5 O Cântico de Débora

O cântico de Débora ocupa os vv. n. 2-30 do capítulo 5 do livro de Juízes, sendo os vv. 1 e 31, respectivamente, a sua introdução narrativa e a conclusão narrativa, ligando-o aos seus contextos anterior e posterior no livro, obra da redação do livro – não pertencentes, portanto, ao cântico enquanto tal9. A tradução do texto hebraico apresenta uma série de dificuldades, sobretudo por causa da ocorrência de palavras raras e por dificuldades gramaticais suscitadas pelo estilo do poema. Apresentamos, a seguir, uma tradução que procura ressaltar os ele-mentos importantes para a compreensão da identidade israelita. Semelhantemente, a segmentação do poema é motivo de discussões intensas. Optei por uma segmentação em cinco “estrofes”, cada uma com duas partes, embora não totalmente simétricas – adaptando modelo similar de Coogan (1978). I – (1) v. 2 v. 3 O contexto da batalha (v. 2-8)

Quando os cabelos ficaram soltos10 em Israel, quando os combaten-tes11 se apresentaram voluntariamente. Bendizei a Javé!

Ouvi, reis. Dai ouvidos, príncipes. Eu, para Javé, eu cantarei

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, Goiânia, v. 4, n. 1, p. 253-276, jul./dez. 2006 260260260260260 v. 4 v. 5 (2) v. 6 v. 7 v.8 II – (1) v. 9 Ó Javé!

Quando saíste de Seir

Quando marchaste desde a terra de Edom, a terra tremeu

também os céus derramaram água também as nuvens derramaram água Montanhas derreteram

diante de Javé, aquele do Sinai diante de Javé, deus de Israel.

Nos dias de Samgar, filho de Anate; nos dias de Jael, cessaram

as caravanas e os viajantes

que viajam por caminhos tortuosos Cessaram os habitantes das vilas Em Israel cessaram.

Até que tu te levantaste, Débora; Até que tu te levantaste, mãe em Israel. Foram escolhidos deuses novos

Então, guerrearam nos portões. Nem escudo, nem lança se viu

entre os quarenta contingentes em Israel. Débora, Baraque e a convocação para a batalha

Meu coração, com os comandantes de Israel

os que se apresentaram voluntariamente com os combatentes. Bendizei a Javé!

v. 10

v. 11

(2) v. 12

Vós, que montais jumentas amareladas; vós, que sentais nos lugares de juízo; e vós, que trafegais pelo caminho:

Atentai à voz dos carregadores de água entre os bebedouros Lá se cantam as justas vitórias12 de Javé

as justas vitórias dos habitantes das vilas em Israel. Então desceram para os portões os combatentes de Javé . Desperta, desperta Débora

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Desperta, desperta. Entoa uma canção. Levanta-te Baraque.

Toma teus prisioneiros, filho de Abinoão. Então desceram os fortes,

os combatentes de Javé desceram como guerreiros, para mim. A resposta de Israel

De Efraim, aqueles cujas raízes estão em Amaleque, atrás de ti, Benjamim, com tuas tropas.

De Maquir desceram comandantes,

de Zebulom, condutores com cetro de comando.

Os capitães de Issacar estavam com Débora, Issacar, fiel a Baraque, desceu ao vale sob seu comando.

Nas divisões de Rubem, grandes ponderações. Por que ficaste agachado entre as fogueiras, ouvindo os sons da flauta dos pastores?

Para as divisões de Rubem, grandes ponderações. Gileade permaneceu do outro lado do Jordão. Por que Dã peregrina entre os navios?

Aser se plantou junto às praias, juntos aos portos permaneceu. Zebulom é combatente que zombou da morte

Também Naftali, nos altos do campo.

A batalha contra os reis de Canaã

Vieram reis, lutaram.

Então lutaram os reis de Canaã.

Em Tanaque, junto às correntes de Meguido despojo de prata não tomaram!

v. 13 III – (1) v. 14 v. 15 (2) v. 16 v. 17 v. 18 IV – (1) v. 19

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, Goiânia, v. 4, n. 1, p. 253-276, jul./dez. 2006 262262262262262 Dos céus, lutaram as estrelas,

de suas rotas lutaram contra Sísera. O ribeiro Quisom os arrastou,

o ribeiro os engolfou – o ribeiro Quisom. (Pisa a garganta do forte.)

Então troaram os cascos dos cavalos, os seus garanhões galoparam, galoparam.

Amaldiçoai Meroz! Diz o mensageiro de Javé. Amaldiçoai duramente seus governantes. Porque eles não vieram em socorro de Javé, em socorro de Javé com os fortes.

Bendita Jael, das tendas! Estúpida mãe, do palácio! Bendita entre as mulheres, Jael,

mulher de Héber, o quenita;

entre as mulheres de tenda, abençoada! Água, ele pediu;

leite, ela deu. Em taça de nobre coalhada ela lhe deu.

Sua mão esquerda alcança a estaca,

sua mão direita, o martelo dos trabalhadores. E martela Sísera,

quebra sua cabeça, esmigalha, atravessa a sua têmpora.

Entre os seus pés ele vergou. Caiu. Deitou-se. Entre os seus pés, vergou. Caiu.

Onde vergou, caiu. Acabado.

Da janela olhou e lamentou

a mãe de Sísera, da janela com grades. Por que tarda a chegada de seu carro? Por que demoram os sons de seus carros? A mais sábia de suas aias lhe responde, v. 20 v. 21 v. 22 (2) v. 23 V – (1) v. 24 v. 25 v. 26 v. 27 (2) v. 28 v. 29

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, Goiânia, v. 4, n. 2, p. 253-276, jul./dez. 2006 263

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ela mesma responde para si:

Não encontraram e repartem o despojo? Uma mulher13, duas até para cada homem; saque de tecidos coloridos para Sísera, saque de tecidos coloridos, decorados. Duas peças de tecidos coloridos para meu pescoço, como despojo. v. 30

A identidade de Israel no cântico de Débora

Se focamos o processo de construção da identidade étnica, devemos atentar primeiramente para a diferenciação que se faz entre “nós” e “eles” (um dos aspectos primordiais da etnicidade, segundo a teoria barthiana). O termo que mais se usa no cântico para construir o “nós” é “Israel” (vv. 2.3.5.7.8.9.11), o qual se equipara à expressão “de Javé” (v. 11 e 23, 2x em cada verso). Destaque-se, nesta conexão, a simetria entre a afirmação de Javé como “deus de Israel” (v. 3 e 5) e a afirmação de que os combatentes de Israel são combatentes “de Javé” e que a guer-ra e a vitória “de Javé” são a guerguer-ra e a vitória “de Isguer-rael” (v. 11 e 23). Uma primeira característica identitária de Israel, portanto, é que ele é pertencente a Javé, que ele mantém com Javé uma relação especial. O mais impressionante, porém, é o fato de que o nome Israel não é um teofórico baseado em Javé, mas em El – de modo que nos v. 3 e 5 se poderia traduzir literalmente: “Javé o ‘el’ do El que reina14". Volta-remos a este ponto.

Israel, além de pertencer a Javé, constitui-se como um povo de parentes (conforme o significado de ‘am), uma espécie de “família”, cujos mem-bros residem próximos uns dos outros e se relacionam de forma não coercitiva. Israel é composta por Efraim, Benjamim, Maquir, Zebulom (v. 14.18), Issacar (v. 15), Rubem (v. 15s.), Gileade, Dã e Aser (v. 17) e Naftali (v. 18). Estes dez nomes são tanto nomes pessoais quanto nomes tribais. Que Efraim e Benjamim ocupem o lugar primordial é típico em tradições vétero-testamentárias do posterior reino do Nor-te, mantidas ainda na literatura canônica. O caráter não-coercitivo de sua relação se mostra no fato de que Rubem, Gileade, Dã e Aser não são amaldiçoadas por não terem participado da batalha contra os reis de Canaã (sua ausência é apenas informada, até de forma

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irô-, Goiâniairô-, v. 4irô-, n. 1irô-, p. 253-276irô-, jul./dez. 2006 264264264264264 nica), diferentemente de Meroz (v. 23). Não se sabe a localização de Meroz, mas o texto descreve Meroz como uma cidade15 que deveria ter vindo em socorro de Javé, ou seja, deveria ser aliada de Israel, e não das cidades-estado cananéias. A relação de parentesco é não-co-ercitiva, mas a relação de “aliança” é conão-co-ercitiva, na medida em que obrigações mútuas são acordadas entre os parceiros de tal aliança. Incidentalmente, esta lista das dez “tribos” israelitas é um indicativo da

anti-güidade do texto, uma vez que não segue a lista já fixada nas tradições do período estatal e posterior. A lista mais padronizada das “doze tri-bos” segue a descendência de Jacó em Gênesis 29-30: Rubem, Simeão, Levi, Judá, Issacar, Zebulom, Gade, Aser, José, Benjamim, Dã e Naftali. Como Levi não teria direito à terra, as doze tribos se completavam, em termos de distribuição da terra, com a divisão de “José” em Efraim e Manassés. Da lista de Juízes 5, estão ausentes as tribos do sul: Simeão e Judá, bem como a tribo de Levi (os sem-terra do Israel estatal). Por outro lado, Maquir, que não aparece nas listas padronizadas (mas apa-rece como filho de Manassés em Josué 13,31 etc.), substitui Manassés, enquanto Gileade substitui Gade. Parentesco e proximidade geográfi-ca são elementos constitutivos da identidade étnigeográfi-ca, mas aqui se ressal-ta primariamente a proximidade geográfica, ficando o elemento de parentesco em segundo plano.

Embora não seja parte de Israel, os quenitas são vinculados ao ‘am dos israelitas, pois são descendentes do sogro de Moisés (Jz 1,16 – outra tradição cha-ma o sogro de Moisés de midianita, Nm 10.29). Que ucha-ma das famílias dos quenitas esteja vivendo tão ao norte (diferentemente de 1,16 que os coloca no sul) aponta para a sua condição de nômades (conforme o tex-to, habitantes de tendas). Ressalte-se, porém, a ausência do nome de Javé no trecho que trata da ação de Jael, bem como a ausência de qualquer referência a esse parentesco via Moisés. O relato da fuga de Sísera e sua morte por Jael sugerem que a sua família possa ter prestado serviços16 para o rei de Hazor e seu exército. Não parece mero acaso que Sísera tenha buscado refúgio na tenda de Jael, bem como o fato de ela ter lhe servido coalhada em “taça de nobre” sugere que ela tinha conhecimento da importância de Sísera – o que não poderia ser percebido no ato, pois mesmo um comandante militar, quando em fuga, poucos traços deixa-ria de sua nobreza. O cântico de Débora indica de forma muito tênue o laço entre os quenitas e Israel, suficientemente, porém, para que não se incluam os quenitas entre os “eles” de que Israel se diferencia.

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Quem são os “eles” de quem Israel se diferencia? No cântico, a identidade de Israel é constituída em oposição às cidades-estado presentes no texto apenas na forma de “reis”, “reis de Canaã” (v. 19). Que eram reis de cidades-estado aparece nos v. 8 e 11 na menção dos “portões”, termo metafórico para “cidade”, local da batalha contra os inimigos de Israel. Outro indicativo de sua identidade é a tecnologia militar, com o uso de cavalos (v. 22) e de carros de combate (v. 28). Por fim, a descrição da mãe de Sísera17 (v. 28ss) tece uma irônica caricatura de uma mulher da corte, presa atrás das grades da janela de seu palácio, cercada por suas aias, esperando para receber sua parte no despojo da guerra – tecidos coloridos, para as festividades da vitória. Que Israel constrói sua identidade em oposição às cidades-estado monárquicas ainda se reforça pela maldição contra Meroz (v. acima), cidade que deveria apoiar Israel, mas não o fez.

A diferenciação entre Israel e Canaã não se dá, em Juízes 5, do ponto de vista do parentesco, ou da “etnia”, mas do ponto de vista da organi-zação político-econômica. Israel não se identifica com cidades gover-nadas por reis, com seu aparato palaciano-militar e seu estilo “cortesão” de vida. Israel é povo de agricultores, de trabalhadores. Não tem exército, não tem palácio, não tem rei. Ressalta o fato de que Israel não se diferencia, em Juízes 5, dos “cananeus” – como se fará na literatura estatal posterior, especialmente na deuteronomista. O quadro que se delineia no cântico é de um Israel cuja unidade está na identificação com a divindade Javé e com um estilo de vida anticitadino. Juízes 5 favorece, portanto, a interpretação das origens de Israel como um amálgama de diferentes grupos – predominantemente “cananeus” que se revoltam18 ou se indispõem com as cidades-estado que os explo-ram mediante o tributo e a corvéia, acrescidos de grupos nômades e/ ou semi-nômades. A identidade ética de Israel não se baseia em fato-res “naturais”, mas se constrói politicamente. A fé em Javé, como veremos a seguir, reforma esta conclusão.

O outro aspecto primordial na constituição da identidade étnica é o recurso a uma memória coletiva, que remonta até a um mito fundante. Em Jz 5, tal memória coletiva é a que nasce da fé em Javé como deus guerrei-ro libertador. A preeminência de Javé em relação a El (conforme indi-camos acima) e a descrição de Jael (mulher nômade) como heroína vinculam este cântico com a memória e o mito fundante da libertação trazida por Javé. Note-se que Javé, o deus de Israel, não é um deus das

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, Goiânia, v. 4, n. 1, p. 253-276, jul./dez. 2006 266266266266266 terras cananéias. Ele é de Seir, Edom, Sinai (v. 4-5). Javé mora nas montanhas do sul da Palestina, ele não é um deus cananeu. Isto remete à memória preservada em tradições que vinculam Javé com os hebreus que saíram do Egito, bem como com os midianitas e quenitas com quem Moisés teria convivido (Ex 2-3). Textos egípcios dos séculos XIV e XIII a. C. podem ser invocados para vincular Javé com os shashu, grupos vinculados à região onde se localiza o monte Seir (ALBERTZ, 1994; FREEDMAN, O’CONNOR, RINGGREN, 1986).

Isto nos ajuda a entender a frase “escolheram deuses novos” do v. 8. Os israelitas-cananeus eram adoradores de El, deus da própria região. Ao se insurgi-rem contra as cidades-estado, a permanência da fé em El acarretava um problema na construção de sua nova identidade. Como sair das cidades e manter o seu deus? A adoção de Javé como o deus-guerreiro, senhor das tempestades, que os dirigiria nos confrontos contra os exércitos das cidades-estado forneceria aos israelitas um novo mito e uma nova me-mória coletiva para reconstruir a sua identidade – outrora tão vinculada à das cidades-estado cananéias. Tal adoção seria facilitada pelo fato desse Javé também ser um deus de tempestades e montanhas (epifanias dos v. 4-5 e 20-22), como El e, ainda antes dele, como Baal, nos textos ugaríticos. A forma plural “deuses novos” do verso 8 pode ser entendida como uma indicação de que Javé não substitui El, nem se apresenta como um deus único para os israelitas – essa foi a interpretação posterior da religião oficial do estado judaíta e do movimento deuteronomista.

Assim como a identificação de Israel como um ajuntamento não-coercitivo de grupos que se diferenciam das cidades-estado, no cântico de Dé-bora, fornece base textual para os modelos contemporâneos da ori-gem cananita de Israel; também a apresentação de Javé e a adoção da memória e do mito fundante da libertação por ele promovida se en-caixam melhor no novo consenso que começa a se formar quanto à religião israelita pré-estatal – que não teria sido monoteísta, mas te-ria acomodado tranqüilamente a fé (pelo menos) nos dois deuses El e Javé, bem como, possivelmente, também em uma deusa – Aserá ou Astarte19. A adoção de Javé como deus-guerreiro de Israel veio servir, podemos supor, como o cimento que deu unidade à liga tribal de outra forma muito tênue e descentralizada dos israelitas-cananeus e dos demais grupos não-cananeus que a eles se juntaram.

Se a interpretação acima for viável, ela permite que classifiquemos a cons-trução da identidade do antigo Israel, pré-estatal, nos tipos

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vincula-, Goiâniavincula-, v. 4vincula-, n. 2vincula-, p. 253-276vincula-, jul./dez. 2006 267

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dos de identidade emancipatória de projeto e policêntrica. A ausên-cia de uma instituição governante central é evidente no cântico, es-pecialmente percebida pela inexistência de sanção contra as “tribos” que não se reúnem para a batalha contra os reis de Canaã. Nem mes-mo a fé em Javé pode ser usada para justificar uma teoria de unidade religiosa que dependeria, então, de um santuário central para se sus-tentar20. Que Juízes 5 nos leva a interpretar a identidade israelita como uma identidade emancipatória de projeto, e não como uma de resis-tência, é sugerido pelo fato de que a diferenciação entre Israel e cida-des-estado de Canaã está consolidada, e que os israelitas são habitantes de vilas (jamais são nomeados como trabalhadores da terra apenas), bem como pelo fato de que algumas das tribos têm ocupações mais tipicamente urbanas do que rurais (Dã e Aser) – juntamente com as relações que se estabelecem entre Israel e quenitas, Israel e Meroz21. A identidade de projeto supõe uma resistência anterior que, tendo sucesso, se consolida e passa a ser característica mais permanente da identidade étnica. A fé em Javé passa a ser o elemento cultural-religi-oso que sustenta o desenvolvimento da resistência contra as cidades-estado e a impulsiona para o projeto de uma nova sociedade, emancipada, na qual as vitórias contra os inimigos precisam ser jus-tas, pois não se trata de uma simples inversão de sujeitos no poder (dupla menção às justas vitórias de Javé e Israel, no v. 11).

A identidade da mulher/mãe em Juízes 5

Um dos aspectos mais destacados no cântico, além da apresentação de Javé como deus guerreiro-vitorioso de Israel, é o contraste entre as mulhe-res nele pmulhe-resentes. Débora e Jael são heroínas, mulhemulhe-res que atuam na vida social, líderes e guerreiras. As mulheres da corte cananéia, por outro lado, são frívolas, passivas, dependentes dos homens de sua na-ção. Vejamos com mais detalhes esta questão da identidade feminina em Juízes 5.

Os seguintes segmentos do texto tematizam Débora:

A atuação de Débora está diretamente ligada à convocação dos israelitas para enfrentar os cananeus. No verso 7, o verbo ligado ao sujeito Débora é “levantaste” (o mesmo verbo usado para Baraque no v. 12). No verso 12, é “desperta” e “entoa uma canção”. O único

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“títu-, Goiânia“títu-, v. 4“títu-, n. 1“títu-, p. 253-276“títu-, jul./dez. 2006 268268268268268 lo” outorgado a Débora no cântico é “mãe em Israel” – em con-traste com o relato em prosa do verso 4, que atribui à Débora o título de profetisa (v. 4), juntamente com o verbo “julgar” (da raiz usada para o título “juiz”, também no v. 4). O verbo qwm (v. 7) é usado em Juízes para o início da ação de um “juiz”, ou seja, de um libertador de Israel vv. 2,16.19;3,9.15 etc). Embora Baraque comande as tropas israelitas, é Débora quem age como libertadora de Israel. No v. 12, o verbo ‘wr não é um termo político em Juízes (diferentemente de qwm), mas um verbo comumente usado para incitar alguém à ação – seres humanos (Is 52,1, por exemplo) ou o próprio Deus (Sl 44,24; 59,5; Is 51,9). Como o verbo está re-petido e em paralelismo com “entoa uma canção” (forma única na Bíblia Hebraica), podemos interpretar o verso 12 como se referin-do ao “despertar” de Débora como motivareferin-dora para a batalha: ela canta um cântico de convocação para a guerra, um cântico que anima os israelitas a se consagrarem a Javé para enfrentar o inimi-go22. Débora age como libertadora, como “juíza” em Israel – é ela que atua em nome de Javé para libertar o seu povo da opressão. Ao contrário da mãe de Sísera, passiva diante da batalha, Débora é a voz e a pessoa ativa no momento da crise.

Como entender o título “mãe em Israel”? Penso que o raciocínio de Bal (1988) está correto23, embora eu não use o capítulo 4 para dar

sen-v. 6 Nos dias de Samgar, filho de Anate; nos dias de Jael, cessaram as cara-vanas e os viajantes que viajam por caminhos tortuosos

v. 7 Cessaram os habitantes das vilas Em Israel cessaram.

Até que tu te levantaste, Débora; Até que tu te levantaste, mãe em

Israel.

v.8 Foram escolhidos deuses novos Então, guerrearam nos portões. Nem escudo, nem lança se viu entre

os quarenta contingentes em Israel.

12 Desperta, desperta Débora

Desperta, desperta. Entoa uma canção. Levanta-te Baraque.

Toma teus prisioneiros, filho de Abinoão. 13 Então desceram os fortes, os comba-tentes de Javé desceram como guer-reiros, para mim.

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, Goiânia, v. 4, n. 2, p. 253-276, jul./dez. 2006 269

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tido ao título, como ela o faz. No cântico, Débora atua como líder político-militar, mas também como líder religiosa (canta a Javé). Por isso, ela é mãe em Israel. Note-se que não se fala em “marido” de Débora no cântico, nem de filhos naturais dela. Como mãe em Israel, ela cuida de todo o povo, é a mãe de todo o povo de Javé: “uma mãe que merece o título ‘mãe em Israel’, represen-ta integralidade, plenitude, completude que se alcança na or-dem e na memória” (BAL, 1988, p. 210). A maternidade transcende os limites da casa, da família, e invade o terreno masculinizado da política e da guerra. Ao fazer isso, também dá um novo senti-do à política e à guerra. Como ação da mãe, a política passa a ser cuidado, ternura, promoção da vida; e a guerra passa a ser prote-ção, defesa da vida – e não agressão, conquista, morte. O poder da mãe é o poder da vida e, como disse um líder latino-america-no, “hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás”! Outra “mãe” libertadora é Jael, a mulher de Héber, o quenita (vv. 24-27).

Embora o texto destaque o marido de Jael, ela está só em casa e é ela quem exerce a hospitalidade na tenda (o que deveria ser função do marido). Ela acolhe Sísera e o trata como um nobre. Como Débora, o espaço da casa se torna um espaço político-militar. Para Sísera, a tenda é lugar de descanso e retomada das forças – para voltar a guerrear, para retomar a sua função como chefe de um exército que oprime e mata. Jael, porém, ao romper com as normas da hospitali-dade e matar Sísera, age como guerreira libertadora. Pondo um fim à vida do comandante militar, põe um fim à guerra opressora contra os israelitas. Por isso ela é bendita – ou seja, dela se cantará, canções serão feitas em sua honra. No início da batalha, é Débora quem canta para dar coragem aos isarelitas. No fim da batalha, é Jael quem será cantada como a vencedora dos exércitos cananeus (já que, no cântico de Débora, é Javé quem derrota o exército de Sísera, e não Baraque ou as tropas israelitas). Bal (1988) destaca aspectos mater-nos do cuidado de Sísera por Jael – ela “cobre” Sísera, acolhendo-o e cuidando dele em seu cansaço e tormento pessoal – dá-lhe leite, o alimento das crianças. Acima de ser “mãe” de Sísera, porém, Jael é mãe de quem sofre a morte e a opressão nas mãos dos reis cananeus. Jael, a quenita, é como Débora, mãe libertadora.

Não poderia, então, ser maior o contraste entre essas duas mulheres libertadoras, entre essas duas mães do campo e a mãe urbana e

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, Goiânia, v. 4, n. 1, p. 253-276, jul./dez. 2006 270270270270270 cortesã de Sísera (vv. 28-30). A mãe de Sísera não só é passiva na guerra, mas também é representada como “prisioneira”, atrás das grades da janela do palácio: note-se a inversão cultural – a suposta liberdade do palácio não passa de uma prisão para seus moradores. O texto ainda representa a mãe de Sísera como estúpida, néscia, mulher cuja aia mais sábia (veja-se a ironia) só consegue repetir o que ela já sabia – e mantém o status quo das mulheres da corte da cidade-estado opressora. Esta mãe, ao invés de cuidar das filhas (como Débora), é cuidada por outras mulheres e, mais, aceita e até se regozija com o estupro das mulheres tomadas como despojo na guerra (v. 30). Para a mãe de Sísera, a guerra é expectativa de celebração da invasão do útero das conquistadas. Um jogo semân-tico está presente aqui, pois a mesma raiz hebraica para útero é usada para significar compaixão, ternura, amor misericordioso. A mãe, fonte da compaixão, torna-se violadora, invasora, fonte da morte. É isto que, no cântico, o espaço político opressor faz com o espaço da casa. Mais uma vez o contraste com Débora e Jael é intenso: as mulheres libertadoras fazem do espaço da casa um espaço político de defesa da vida; as mulheres da corte monárquica tributá-ria se reduzem, na casa, ao espaço político da negação da vida. Não celebram a vida, mas a morte. Enquanto Débora canta a canção da vida, a mãe de Sísera (sem nome!) fica na expectativa dos tecidos coloridos para festejar a morte! A palavra da mãe de Sísera é palavra de caos, morte, destruição. A palavra de Débora é palavra de harmo-nia, vida, libertação – é palavra de Javé24.

CONCLUSÃO

Este artigo não visa oferecer uma interpretação exaustiva de Juízes 5 ou mesmo das origens de Israel. Apresenta, sim, uma série de argumen-tos e blocos conceituais necessários para uma obra de maior fôlego sobre a construção da identidade israelita no período pré-estatal. Diante da polaridade da pesquisa sobre o antigo Israel, ajuda-nos a revalorizar o texto bíblico como fonte para a história acadêmica de Israel. Esca-pando dos extremos da aceitação fundamentalista da autoridade do texto, bem como da rejeição não menos fundamentalista de sua im-portância para o estudo das origens de Israel, este breve ensaio se insere em uma linha “média” da pesquisa, em um novo consenso que

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, Goiânia, v. 4, n. 2, p. 253-276, jul./dez. 2006 271

271271 271 271

vai se formando a respeito das origens de Israel como fruto de resistência contra o domínio das cidades-estado e da construção de um novo projeto de sociedade mais igualitária, mais justa, mais feminina.

Notas

1Não cabe, aqui, a argumentação necessária para o estabelecimento da data

pro-posta. Conculte-se, para tanto, a bibliografia específica, dentre as referências bi-bliográficas elencadas no final deste artigo.

2“Todas as práticas de significação que produzem significados envolvem relações de

poder, incluindo o poder para definir quem é incluído e quem é excluído. [...] Somos constrangidos, entretanto, não apenas pela gama de possibilidades que a cultura oferece, isto é, pela variedade de representações simbólicas, mas também pelas relações sociais. [...] ‘A identidade marca o encontro de nosso passado com as relações sociais, culturais e econômicas nas quais vivemos agora [...] a identida-de é a intersecção identida-de nossas vidas cotidianas com as relações econômicas e políti-cas de subordinação e dominação’ (Rutherford, 1990, p. 19-20)” (WOODWARD, 2000, p. 18ss).

3“A identidade não é uma essência; não é um dado ou um fato [...] a identidade não

é fixa, estável, coerente, unificada, permanente. A identidade tampouco é homogê-nea, definitiva, acabada, idêntica, transcendental [...] podemos dizer que a identida-de é uma construção, um efeito, um processo identida-de produção, uma relação, um ato performativo. A identidade é instável, contraditória, fragmentada, inconsistente, inacabada. A identidade está ligada a estruturas discursivas e narrativas. A identida-de está ligada a sistemas identida-de representação. A iidentida-dentidaidentida-de tem estreitas conexões com relações de poder” (SILVA, 2000, p. 96ss).

4Castells opera com um conceito totalmente negativo de poder, enquanto prefiro

uma conceituação mais abrangente do poder, que inclua formas emancipatórias do mesmo, conforme na teoria de Hanna Arendt, por exemplo: “O poder serve para preservar a práxis, da qual se originou. Consolida-se em poder político, através de instituições que asseguram formas de vida baseadas na fala recíproca. O poder ma-nifesta-se em: a) ordenamentos que garantem a liberdade política; b) na resistência contra as forças que ameaçam a liberdade política, tanto exterior como interiormen-te; c) naqueles atos revolucionários que fundam as novas instituições da liberdade: ‘o que investe de poder as instituições e as leis de um país, é o apoio do povo, que por sua vez é a continuação daquele consenso original que produziu as instituições e as leis [...] Todas as instituições políticas são manifestações e materializações do poder; elas se petrificam e desagregam no momento em que a força viva do povo deixa de apoiá-las” (HABERMAS, 1980, p. 103).

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5 Por texto, aqui, não me restrinjo ao produto da linguagem escrita, mas uso a

palavra para me referir a todo e qualquer tipo de forma simbólica que produza sentido e, assim, se preste à apropriação social.

6 Não vejo necessidade de justificar epistemologicamente a opção metodológica. Por mais

importante que seja o método, ele não passa de uma ferramenta construída para atingir determinados fins. Uma opção metodológica não pode ser concebida, portanto, de forma metafísica ou absoluta, como se apenas o método escolhido seja capaz de realizar os fins desejados na pesquisa. A semiótica greimasiana por mim praticada tem, também, suas peculiaridades em relação à apropriação da mesma por outras e outros pesquisadores.

7Uso o termo no seu sentido habermasiano (HABERMAS, 1982).

8 Não se vejam estas opções, porém, como um ecletismo teórico ou metodológico,

mas como reconhecimento da transdisciplinaridade inevitável do saber e de um modo pós-metafísico de saber científico, no qual a unidade (ou coerência) não é uma necessidade ontológica, mas uma construção dialógica.

9Seria uma interessante discussão a ligação do cântico com a versão em prosa da batalha

contra Sísera, em Juízes 4 – ligação semelhante à do cântico de Miriã (Êx 15), com o relato em prosa da fuga do Egito (Êx 14). Infelizmente, porém, foge ao escopo deste artigo.

10 A sentença é de difícil compreensão e tradução. A opção aqui feita se refere a um

costume antigo, adotado por pessoas que se consagravam à religião, em alguns textos mencionados como nazireus, que deixavam os cabelos crescerem e mantinham-nos presos no dia-a-dia (cf. o exemplo famoso de Sansão, no próprio livro de Juízes). Soltar os cabelos seria, então, símbolo de sua disposição para ir à guerra.

11 A palavra hebraica é ‘am, que pode ser traduzida como “família”, “povo”, “exérci

to”, conforme o contexto em que é usada. Nenhuma dessas três opções me parece a melhor em Juízes 5. Claramente, não se trata de família se apresentando para a guerra e, de forma semelhante, não se deveria traduzir por “povo”, na medida em que o escopo de possíveis significados dessa palavra não nos ajudaria a entender a respeito de quem se fala no cântico. “Exército“ seria errado na medida em que o Israel do cântico não tem ainda uma estrutura estatal e seu exército profissional. As opções seriam: “milícia” ou “combatentes”, como preferi. Evitei “milícia”, por entender que o cântico não tematiza, ainda, instituições “fixas” em Israel, de modo que termos técnicos devem ser evitados. Por outro lado, o uso da palavra aponta para a representação de Israel como um agrupamento de parentes, uma “família”.

12 A raiz hebraica, tsdq, pode ser entendida como justiça. No contexto do cântico,

porém, a ênfase recai no aspecto libertador da ação de Javé, que guerreia as guerras de seu povo, Israel. A opção pela tradução “justas vitórias” visa manter ligados os dois aspectos – justiça e vitória – que são fundamentais na nova identidade israelita em construção. As vitórias de Javé são as vitórias de Israel!

13 Literalmente, no original, “um útero, dois úteros”.

14 Na etimologia popular (Gn 32.28/29), o nome é explicado como “El luta”. A pesquisa

filológica, porém, sugere o significado El reina ou El é supremo, na qual El é o nome de uma divindade masculina em Canaã (ZOBEL, 1990, p. 399-400).

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15 Cf. o uso de “governantes”; literalmente, “os que se assentam”.

16Embora não se possa ter certeza definitiva, a pesquisa histórico-crítica tende a

identificar os quenitas com “ferreiros” - dada a vinculação de seu nome com Caim e Tubal-Caim, que é descrito em Gn 4,22 como um ferreiro. Ver, por exemplo Dreher (1984, p. 92) e notas correspondentes.

17 Na pesquisa histórico-crítica, costuma-se entender o nome Sísera (identificado,

ou com uma divindade minóica, ou com uma divindade luviana – em qualquer dos casos, uma divindade das águas e chuvas) como sendo de origem dos “povos do mar”, de modo que Sísera teria sido um chefe militar filisteu. Mais recente-mente, entretanto, Schneider (1992, p. 192, 260)argumentou pela natureza semítica do nome, de forma que não se pode usar esta palavra com segurança para identifi-cação étnica.

18O uso do termo “revolta” aponta para a tese de Mendenhall, desenvolvida por

Gottwa ld; enquanto o termo “indispõem”, aponta para a tese mais nuançada de W. Dever sobre a reação dos camponeses cananeus contra as cidades-estado. (Ver, para uma síntese atualizada e pertinente dos modelos interpretativos das origens de Israel, Dever (2003, p. 12-166). Para a posição do próprio Dever, ver a obra de 2003, p. 167-222.

19 Cf. os textos de Smith (2001, 2002) e Dever (2005), na bibliografia deste artigo. 20Cf. a posição clássica de Noth sobre Israel como uma espécie de anfictionia. 21Não era intenção deste artigo tratar dos aspectos circunstanciais da identidade

israelita. Mas é bom notar que o texto aponta como um dos elementos do contex-to originador da batalha contra os reis de Canaã a cessação das caravanas (v. 6), com reflexos negativos paraas vilas israelitas (v. 7).

22Diferente de Soggin (1981, p. 88): “O cântico a ser cantado não é o cântico de

Débora, mas o cântico que as mulheres, que permaneciam no acampamento, costu-mavam cantar durante a batalha”. Diferente, também, de Boling (1975, p. 111), que cita Gaster: “a referência não é a este cântico, mas aquele costumeiramente cantado pelas mulheres quando os guerreiros retornam com os despojos – cf. I Sm 18,7-8 e Sl 68,12; Jz 11,34". Estas interpretações fazem Débora idêntica à mãe de Sísera, rom-pendo com um dos grandes contrastes que o texto apresenta entre a “mãe de Israel” e a “mãe de Sísera”.

23Ver a interessante discussão por ela apresentada no cap. 7 de seu livro Death and

Dissymetry, da qual sou devedor neste ensaio.

24 Sou devedor a BAL, 1988, p. 210 para este contraste.

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Abstract: this article deals with the representations of the ethnic identity of Early Israel, according to the so-called Song of Deborah, Judges 5, written by the second half of xii th century BCE. Its methodology is based on the theory of Roger Chartier and it adopts a post-metaphysical notion of identity.

Key words: Early Israel, Identity, Ethnicity, Cultural History

JÚLIO PAULO TAVARES ZABATIERO

Doutor em Teologia pela Escola Superior de Teologia de São Leopoldo. E-mail: jzabatiero@uol.com.br

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