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A Junta de Governo Provisório de Minas Gerais (1821-1822): um governo liberal ou autoritário? / The Provisional Government Board of Minas Gerais (1821-1822): a liberal or authoritarian government?

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A Junta de Governo Provisório de Minas Gerais (1821-1822):

um governo liberal ou autoritário?

The Provisional Government Board of Minas Gerais (1821-1822):

a liberal or authoritarian government?

Recebimento dos originais: 25/11/2018 Aceitação para publicação: 28/12/2018

Marcus Caetano Domingos

Doutorando em História Política pela UNESP – Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho"/ Franca, SP

Instituição: Professor do CEFET/MG – Unidade de Araxá/MG.

Endereço: Av. Ministro Olavo Drummond, 25 – Amazonas, Araxá – MG, Brasil E-mail: mcdomingos2010@yahoo.com.br

RESUMO

O presente artigo versa a respeito da natureza política da primeira Junta de Governo Provisório (JGP), que governou Minas Gerais (MG), entre os anos de 1821 e 1822. A JGP de MG foi um órgão de governo provincial, criado dentro da lógica liberal, no caudal das mudanças trazidas pela vitoriosa Revolução do Porto, de agosto de 1820. Pretende-se contrapor duas decisões díspares, tomadas pela JGP de MG, que, se crê, teriam feito aquele governo oscilar, entre liberal e o autoritário: a destruição do marco de ignomínia que estava plantado na casa de Tiradentes, em Vila Rica, desde 1793, uma atitude liberal, de amplo significado e desdobramento posterior, e, a aprovação e aplicação da lei de 26 de novembro de 1821, pela mesma JGP; uma lei autoritária que restringiu o exercício, e até reverteu os novos direitos constitucionais de parte da população mineira.

Palavras-Chave: Self government; Liberalismo; Autoritarismo;

ABSTRACT

This article deals with the political nature of the first Provisional Government Board (PGB), which ruled Minas Gerais (MG), between the years of 1821 and 1822. MG's PGB was a provincial government body created within the logic liberal, in the flow of changes brought by the victorious Porto Revolution of August 1820. It is intended to counter two disparate decisions, taken by MG PGB, which, it is believed, would have made that government oscillate between liberal and authoritarian: destruction of the ignominy that was planted in Tiradentes, Vila Rica, since 1793, a liberal attitude, of broad significance and later development, and the approval and application of the law of November 26, 1821, by the same PGB; an authoritarian law that restricted the exercise, and even reversed the new constitutional rights of part of the population of Minas Gerais.

Key Words: Self government; Liberalism; Authoritarianism;

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No dia 22 de setembro de 1821, dois dias após a sua eleição, os membros da Junta de Governo Provisório de Minas Gerais (JGP), em uma de suas primeiras decisões à frente do governo da província, ordenaram a abolição de um “infame monumento”, que se achava colocado, desde 1793, na Rua de São José, no local onde fora outrora a residência de Tiradentes, em Vila Rica1. O “execrando monumento”, assim chamado pelos membros da JGP, parecia-lhes “detestável à vista da liberdade” que estava sendo promovida no contexto da revolução constitucional, iniciada na cidade portuguesa do Porto, em agosto de 1820, então em curso nas províncias do Reino do Brasil2. O governo mineiro amparou a ordem que deu para retirar o símbolo do suplício do Inconfidente Tiradentes nos direitos recém-inaugurados, sitos no artigo doze das Bases da Constituição Política da Monarquia Portuguesa, aprovadas pelas Cortes de Lisboa naquele mesmo ano de 1821, no dia 10 de Março. As tais “Bases da Constituição” haviam sido aceitas e juradas pelo monarca D. João VI, assim como pelas demais autoridades, e pela população em geral, seja em Portugal, no Brasil, em Minas Gerais, no caso, pelos dez membros que compunham a JGP3. O referido artigo doze também amparou a ordem para que se fizesse a devolução dos bens do Alferes aos seus herdeiros4.

É plausível pensar, enquanto hipótese, que uma decisão política tão significativa tomada pelos membros da JGP de Vila Rica possa ter dado grande visibilidade àquele governo aos olhos da sociedade mineira, sinalizando para as mudanças liberalizantes que se iniciavam na província. O ato indica que a punição dada aos participantes da Inconfidência Mineira, em especial, a Tiradentes, era uma lembrança ainda pungente na memória da população. O ‘marco de ignomínia”, plantado na casa do antigo Alferes, ao que tudo indica, era percebido pela população, ou parte dela, como um símbolo do despotismo dos antigos governantes coloniais,o absolutismo régio, que os novos tempos prometiam sepultar.

1 Arquivo Público Mineiro. Fundo: Seção Provincial – Livro 03. Registro de Cartas do Governo a diversas autoridades

da Província. Página 1. “Officio para o Juiz de Fora desta Villa (Senhor Doutor Juiz de Fora Cassiano Spiridião de Mello Mattos) = do Governo”.

2 A respeito da Revolução do Porto (1820), e da crise luso-brasileira dela decorrente, assim como do pensamento

político do período, conhecido como Vintismo, vide: ALEXANDRE. Valentim. Os sentidos do Império: questão

nacional e questão colonial na crise do Antigo Regime português. Porto: Afrontamento, 1993; ver, ainda: SANTOS.

Fernando P. Geografia e economia da Revolução de 1820. Lisboa: Europa-América, 1980; assim como: BERBEL. Márcia R. A nação como artefato: deputados do Brasil nas Cortes portuguesas, 1821-1822, São Paulo, Hucitec/FAPESP, 1999; e, ainda: TOMAZ. F. "Brasileiros nas Cortes Constituintes de 1821-1822", in: MOTA. Carlos G. (org.), 1822: dimensões, São Paulo, Perspectiva, 1972.

3 Membros: Presidente - D. Manoel de Portugal e Castro. Vice-Presidente – Desembargador, Ouvidor de Sabará José

Teixeira da Fonseca Vasconcellos. Secretário - Coronel João José Lopes Mendes Ribeiro. Demais membros (título: Deputados da JGP): Desembargador Manuel Ignácio de Mello e Souza; Tenente Coronel Francisco Lopes de Abreu; Vigário da Piranga, Joaquim José Lopes Mendes Ribeiro; Vigário de Pouso Alegre José Bento Leite Ferreira de Mello; Coronel José Teixeira Pacheco; Capitão-Mór José Bento Soares; Doutor Theotônio Álvares de Oliveira Maciel; Coronel Antônio Thomaz de Figueiredo Neves.

4 “Artigo 12: Nenhuma lei, e muito menos a penal, será estabelecida sem absoluta necessidade. Toda a pena deve ser

proporcionada ao delito, e nenhuma deve passar da pessoa do delinquente. A confiscação de bens, a infâmia, os açoites, o baraço e pregão, a marca de ferro quente, a tortura e todas as mais penas cruéis e infamantes ficam em consequência abolidas”. (Grifos do autor).

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O suplício e as demais punições infringidas a Tiradentes haviam sido fatos públicos, de conhecimento geral das populações, em especial do povo do Rio de Janeiro e de Minas, onde os restos de Joaquim José da Silva Xavier foram expostos. O evento parece ter sido muito simbólico, indicativo de que o nome de Tiradentes, e da “sedição de 1789”, ainda reverberava na memória dos membros da sociedade vilariquense, dos políticos, das tropas, que estiveram presentes nos atos públicos que envolveram a decisão da JGP pela retirada do monumento. O Alferes foi alçado, já pelos seus pelos seus algozes, a maior símbolo da sedição de 1789, desde o início da investigação do movimento, até o seu suplício, em 1793, que imortalizou-o nesse papel simbólico5.

Segundo opinião de José Ivan Calou Filho, a destruição do referido marco de ignomínia teria sido um importante momento na constituição dos direitos individuais dos cidadãos no Brasil, tendo marcado o início da reabilitação póstuma de Joaquim José da Silva Xavier. Para Calou Filho aquele ato ajudara a tornar o “ignóbil criminoso”, Tiradentes, em “símbolo das tradições libertárias mineiras” e em um precursor da independência do país6.

Porém, algumas semanas depois, agindo em um sentido oposto, de forma antiliberal, se não, autoritária, a mesma JGP de Vila Rica, no dia 26 de Novembro de 1821, “fulminou” um “severo artigo contra os mal intencionados”, que, segundo a opinião dos membros do governo, estavam a converter “a verdadeira Liberdade em demasiada soltura, ou Licenciosidade”7. Segundo os

governantes “alguns indivíduos mal intencionados com o especioso pretexto da Liberdade Civil, e Direito da propriedade”, estariam faltando aos seus deveres, se recusando a obedecer as “Authoridades Constituídas, e a satisfazer impostos estabelecidos pelas Leys”8.

Para coibir a suposta licenciosidade, supostamente observada no exercício dos novos direitos estabelecidos a partir das Cortes de Lisboa, a Junta criou a lei de 26 de Novembro de 1821, redefinindo alguns direitos garantidos pelas Bases, tais como o direito à liberdade civil, à livre circulação, à propriedade, o direito de reunião, entre outros. A JGP, a partir de então, teria agido de forma mais autoritária, restringindo direitos e endurecendo a aplicação das leis, logo, atuando em

5 “O Alferes da tropa paga das Minas Joaquim José da Silva Xavier foi quem espalhou a sediciosa proposição de que

podiam as Minas ser independentes, livres da sujeição Real e rica República, porque tinham em si todas as riquezas, todas as produções e que toda a América podia ser livre; com estes discursos entrou a querer persuadir o povo a desejar com ânsia que se proceda em execução o seu desígnio”. Trecho dos Autos da Devassa, 1789. Tiradentes, teu nome é

liberdade. Máxima Comunicação Limitada. SANT’ANNA. Afonso Romano de & SANTOS. Ângelo Oswaldo de A.

(outros). Orelha do Livro.

6 FILHO. José Ivan Calou. “Versões clássicas da Inconfidência Mineira”. Acervo. Revista do Arquivo Nacional. V.4, n.

1, jan. jun. 1989, p. 148 a 174. “De todos os mitos encontrados na literatura da Inconfidência, o mais importante é, sem dúvida, o de Tiradentes. Seu processo de criação se confunde com a própria historiografia do movimento. O culto ao mito parece ter origem em 1821, uma ano antes da Independência, quando foi derrubado o padrão de infâmia em Ouro Preto, erguido para intimidar a população da cidade”.

7 A proposição de lei pelos membros da JGP de Vila Rica feria os 24 e 25 das Bases, que definiam, respectivamente, “a

lei é a vontade dos Cidadãos declarada pelos seus Representantes juntos em Cortes” e “a iniciativa directa das leis somente compete aos Representantes da Nação juntos em Corte”.

8 Arquivo Público Mineiro. Fundo: Seção Provincial – Livro 03. Registro de Cartas do Governo a diversas autoridades

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sentido contrário aos seus primeiros atos à frente do governo mineiro, em especial, à destruição do marco de ignomínia, na antiga residência de Tiradentes, atuando em sentido contrário aos princípios liberais, aprovados nas Bases da Constituição Política da Monarquia Portuguesa e jurados pelos membros da JGP.

Com essa interferência, a JGP teria passado a definir quem poderia (ou não poderia) exercer os novos direitos, assim como, quais seriam os direitos a serem, ou não, exercidos. Foram definidos, por exemplo, novos termos e limites para o exercício do direito de ir e vir. No artigo 5º da “Lei” da JGP de MG, de 26 de Novembro de 1821, está posto que “toda a pessoa, que vier a entrar nesta Província será obrigada, logo que chegar a qualquer Villa, a apresentar ao respectivo Juiz o Seu Passaporte”. Mesmo aos habitantes da província, que desejassem circular pela mesma, ou seja, através de suas cinco comarcas, caso não fossem conhecidos por pessoas de probidade dos lugares por onde desejasse circular, caberia a obrigatoriedade do uso de um passaporte9.

Já, os numerosos “vagabundos, e errantes pelos lugares desertos, e ermos”, definia a mesma lei, teriam que se arranchar. O mesmo valia para o caso dos ciganos e suas famílias, que tiveram que deixar “o modo de vida errante”. Para esse caso, a JGP foi além, afetando não apenas esse aspecto do modo de vida tradicional dos ciganos, que era fundado na mobilidade através do território, mas, também, seus negócios, seus ofícios e o seu modo de vida familiar10. O controle da população volante que havia na província era um antigo desejo dos governos despóticos do período colonial mineiro, que antecederam a ‘liberal’ JGP. Com a aprovação e a aplicação da “Lei” de 26 de Novembro de 1821 a JGP de MG parece ter procedido a uma verdadeira reforma nas Bases da Constituição portuguesa11.

A Junta de Governo Provisório de Minas Gerais agia como um governo de natureza liberal, tendo sido capaz de derrubar um símbolo do despotismo, porém, parece ter sido, ao mesmo tempo, um governo despótico, capaz de redigir, e de aplicar uma como a de 26 de Novembro de 1821, à qual já se fez referência. Afinal, qual teria a natureza do governo da 1ª JGP de Minas Gerais

9 “Igual obrigação de Passaporte se entende não só nos que entrarem, ou sahirem de cada Comarca para outra, como

também os moradores que pretenderem Viajar dentro dela, e não forem conhecidos de pessoas de probidade moradoras nos lugares para onde, e por onde se dirigirem, podendo requerer, ou Passaporte as Justiças respectivas, ou Guia aos Comandantes das Ordenanças nos lugares distantes”.

10 Artigo 9º, parte II: “Pela mesma razão os Siganos e sua famílias durarão o modo de vida errante, e qualquer

negociação de bestas, gados, e escravos, e ao viajarem em ajuntamento, e com armas, e logo procurarão o seu estabelecimento, e arranchação em diferentes lugares separadamente, entregando seus filhos menores a Mestres de Offícios mechanicos, para os ensinarem, conservando as mulheres recolhidas, e com recato, ocupadas nos Serviços próprios do seu sexo, pena de serem pela mais leis falta processados, sumariamente, e degra(e)dados na forma da Ley”.

11 Artigo 9º, parte I: “Os Vagabundos, e errantes pelos lugares desertos, e ermos se arranchem, e firmem suas habitações

nas Villas, e Povoações maiores com todas as circunstâncias, e de baixo das penas estabelecidas na Carta Régia de 22 de Julho de 1766, podendo qualquer Fazendeiro e Tropeiro e particulares no caso de contravenção apprehende-las, e conduzi-las a Cadeia mais vizinha para serem remetidas, e acompanhadas, com os summarios, e testemunhas a Cabeça da Comarca”. Este artigo da lei mineira atentava contra direito definido no artigo 4º das Bases (portuguesas), segundo o qual “nenhum indivíduo deve jamais ser preso sem culpa formada”.

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(09/1821 – 05/1822), teria sido realmente, o primeiro governo liberal da província, ou teria sido mais um governo despótico, como na antiga capitania? O que teria levado a JGP, que tomar uma atitude considerada libertária, em 22 de setembro de 1821, e a agir de forma diversa, em especial, contra os direitos dos mais pobres e desvalidos, logo a seguir, em novembro? Seria possível traçar um paralelo entre as disparidades notadas nas atitudes da JGP e o fim que teve o mesmo governo, que foi destituído em abril de 1822 pelo Príncipe Regente D. Pedro, in loco, durante sua “viagem” a Minas (entre março e abril de 1822)?

No ano de 1821 a sociedade luso-brasileira experimentou a inauguração de uma série de novos direitos sociais e políticos, frutos da Revolução do Porto, ocorrido no ano anterior. Foram inauguradas práticas e direitos inspirados nos princípios do Liberalismo, que se deu na forma de um constitucionalismo, chamado de Vintismo, em Portugal. O constitucionalismo Vintista foi erigido sob as bases de um racionalismo jusnaturalista, que não era estranho a Portugal, pelo menos, desde meados do século XVIII12. Nele, sob a bandeira de um novo paradigma - o liberal – se buscou, através das Cortes, a implantação de reformas na estruturação dos poderes e nas funções do Estado, em suma, um novo pacto social13. A convocação de Cortes em Portugal, projeto cogitado por

setores da nobreza portuguesa desde a partida de D. João VI para o Brasil, foi encampado pelo grupo organizador do movimento ocorrido na cidade do Porto, em agosto de 1820, o Sinédrio14. Os portugueses liberais e os adeptos do absolutismo nutriam diferentes concepções acerca da natureza das Cortes que foram convocadas em 1820, e dos limites da “regeneração política” que desejavam levar a cabo com a convocação das mesmas15.

Não foi apenas no centro da monarquia que houve a inovação institucional e social, as mudanças também atingiram as periferias do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, onde, pela primeira vez, as elites locais tiveram a chance de governar as suas pátrias, e o povo, de

12HESPANHA, Antônio Manuel & XAVIER, Ângela Barreto, “A representação da sociedade e do Poder”, in

MATTOSO, José (dir.), História de Portugal. O Antigo Regime, Lexi Cultural, Rio de Mouro, 2002, pp. 145-172.

13 De acordo com Andréa Slemian foram adotadas novas concepções de representação e de soberania, com a

supremacia do legislativo e a adoção de princípios constitucionais que significaram uma valorização dos direitos individuais, enfim, mudanças profundas nas concepções de sociedade e poder, que terminaram em uma grave ruptura na qual se deu a separação definitiva entre Brasil e Portugal. SLEMIAN. Andréa, Sob o Império da Lei. Constituição e

unidade nacional na formação do Brasil (1822-1834). Hucitec, São Paulo, 2009, pp.57-77.

14 No entanto, os membros do Sinédrio não desejavam a convocação das “velhas” Cortes ( a reunião de representantes

do Clero, Nobreza e Povo), desejavam convocar “Cortes” no sentido de uma assembleia constituinte, aos moldes liberais.

15 Apesar de amparados nos ideais liberais da Europa de 1820, nas conquistas sociais da Revolução Francesa, os liberais

portugueses tinham uma concepção política amparada na tradição. Acreditavam estar restaurando uma liberdade, anterior ao despotismo, que se instalara por volta do século XVIII na monarquia lusitana. A nobreza nacionalista também acreditava nesta “Regeneração Política”, porém, cada grupo divergia em relação aos limites e natureza da assembleia que se reuniria, dos direitos a serem garantidos, da monarquia que desejavam, e do papel que os portugueses e o monarca teriam neste novo regime que se instaurava. A respeito do termo Regeneração Política: PEREIRA DAS NEVES, Lúcia Maria Bastos. Corcundas e constitucionais: a cultura política da independência (1820-1822). Rio de Janeiro: Revan: FAPERJ, 2003.

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experimentar direitos inéditos16. Os termos pátria, nação, país, entre outros, tinham significado muito distinto, naquele período, daquele que atribuímos aos mesmos hoje. Hoje o Brasil é, para os brasileiros, sua pátria e sua nação. Naquele período, era diferente. O termo pátria se referia, em 1820-1821, a sentimentos de pertencimento identitário de cunho regional, e não nacional, como hoje. Para o pernambucano a sua pátria era a capitania/província de Pernambuco. A Bahia er a pátria, para os baianos. São Paulo, para os paulistas. Minas Gerais, para os mineiros. Para todos eles a nação era a portuguesa, até 1821/1822, o sentimento de pertecimento era àquela nação, mesmo havendo uma dicotomia luso-brasileira, após 1808-1816. Não havia brasileiros, até 1822, havia portugueses nascidos, ou erradicados na América.

O Decreto de criação das Juntas de Governo Provisório, em março de 1821, e os Decretos de número 124 e 125, de setembro-outubro de 1821, criados pelas Cortes de Lisboa, reuniram os esforços dos legisladores para desvincular as antigas capitanias da Corte, sediada no Rio de Janeiro até 1821 - desde 1808 -, e transformá-las em províncias do Reino de Portugal, centralizadas a partir de Lisboa. Foram criados novos entes políticos que iriam atuar na governança dos espaços regionais, as Juntas de Governo Provisório.

Para forma-los, primeiramente, a população de cada unidade teve que aderir ao constitucionalismo, era a constitucionalização, a porta aberta para a formação de Juntas de Governo Provisório provinciais, e para a formação das bancadas constituintes. Foi assim que se inaugurou, uma a uma, entre 1821 e 1822, uma nova e, de certa forma, inédita esfera de poder, a provincial. A maioria dos governos provinciais foi escolhida por aclamação, do povo e da tropa, entre janeiro e junho de 1821. A situação em Minas Minas Gerais foi mais complexa. Em diversas ocasiões as tentativas de aclamação de um governo foram obstatadas, segundo consta, pela ação do antigo Governador-General da capitania, D. Manoel de Portugal e Castro. Apenas em 20 de setembro de 1821 é que houve a escolha da JGP de MG, através de uma eleição. Não houve uma aclamação, mas sim, uma complexa eleição17.

16 Segundo Jancsó & Pimenta, “(...) foi na porção europeia do Império que irromperam em revolução as tensões geradas

pelas contradições acumuladas em seu interior, desencadeando uma sucessão de eventos que destroçaram seu formato longamente maturado”. Segundo os mesmos “a Revolução liberal de 1820, iniciada no Porto e rapidamente espalhada pelo Império, tem merecido renovado interesse dos historiadores, interesse traduzido em estudos pontuais contemplando a diversidade de seus desdobramentos nos dois hemisférios e revelando o turbilhão de forças centrífugas que então foi ativado no espaço americano”. JANCSÓ, István & PIMENTA, João Paulo Garrido. “Peças de um mosaico (ou apontamentos para o estudo da emergência da identidade nacional brasileira)". In: Mota, Carlos Guilherme (org) – A Viagem Incompleta. A experiência brasileira (1500-2000). Formação: histórias. São Paulo, Editora Senac São Paulo, 2000, pp. 127- 175. Trecho: P. 424.

17 Após muitos tumultos, e tentativas frustradas de aclamação de uma JGP na capitania, nas quais o Governador

-General D. Manoel de Portugal e Castro interferiu, impedindo a sua formação, para o que postergou providências, realizou prisões, deportações, devassas, aplicou punições aos civis e aos militares da Tropa de Linha, entre junho e setembro de 1821. Em agosto, após a intermediação do Príncipe D. Pedro de Alcântara, que havia se tornado Regente do Reino do Brasil, após o retorno de seu pai, o monarca D. João VI a Lisboa, em abril de 1821, foi marcada uma eleição, para compor uma JGP em Minas, eleição que deveria ocorrer em 1º de outubro. Porém, uma movimentação da tropa e dos cidadãos mais exaltados, e desconfiados em relação aos planos que envolviam a eleição controlada por D.

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Segundo opinião de diversos historiadores que tem participado de uma revisão, ainda em curso, como é o caso de Wlamir Silva, “a historiografia vem-se referindo a uma adesão automática da província de Minas à figura de D. Pedro”, no entanto, estes historiadores entendem que esta adesão, cada vez mais tem sido percebida como fruto de complexas negociações. Segundo o mesmo Wlamir Silva, “em verdade, parte da elite mineira pôs em dúvida a opção pedrina e, talvez, a própria opção monárquica”, tendo sido constituído o “apoio provincial no embate e na negociação entre o príncipe e as vilas de Minas” 18. Ainda, segundo Wlamir Silva, a Junta de Governo

Provisório criada em Vila Rica teria sido formada por uma maioria de políticos liberais, e teria buscado afirmar a autonomia provincial, com base no governo provisório, “no sentido pleno do

self-government” 19.

Outros autores entendem que a JGP mantinha-se fiel a Lisboa. É o caso de Waldemar de Almeida Barbosa, segundo o qual, “para dar uma ideia do pensamento que dominava a maioria dos eleitores presentes” (na criação da JGP, em 20 de setembro de 1821), “basta o seguinte final da ata de eleição: ‘ficando este governo diretamente responsável às Cortes Gerais e Extraordinárias e

Constituintes da Nação Portuguesa’ ”20. De toda forma se desprende que a JGP de Vila Rica teria

sido um foco de oposição ao pedrismo (apesar de haverem vozes dissonantes no governo mineiro), o que justificaria a atuação de D. Pedro em 1822, quando veio a Minas para desbaratar, pessoalmente, o foco de oposição, plantado em Vila Rica.

Segundo opinião expressa por Wlamir Silva, “com a Revolução do Porto vitoriosa e as determinações de criação de uma Junta de Governo Provisório”, a velocidade com a qual havia sido reacesa a “chama liberal na capital da província”, sugeriria que sempre havia tido “fogo sob as cinzas” 21. O que significaria, entenda-se, que o desejo pela busca da autonomia provincial,

perseguida pelos inconfidentes mineiros, em 1789, segundo a compreensão de Wlamir Silva, jamais teria se apagado por completo. Levando em consideração o entendimento proposto por Silva, é de se crer que a destruição do marco de ignomínia plantado na casa de Tiradentes (22 de setembro) tenha sido ato de profundo sentido liberal. A atitude da JGP, naquela ocasião, parece colaborar na corroboração de sua propositiva, e fortalece o entendimento de que o ato possa ter sido profundamente significativo, ainda mais, se levar em conta que a assembleia que criou a JGP também decidiu que a JGP mineira seria deliberativa e executiva, e que somente deveria obediência

Manoel de Portugal e pelo Regente, adiantou a eleição, que acabou se dando no dia 20 de setembro de 1821. Eleição tardia, em relação às principais províncias brasileiras, que haviam escolhido seus governos entre janeiro e junho daquele ano. SILVA. Wlamir. Liberais e povo: a construção da hegemonia liberal-moderada na província de Minas Gerais

(1830-1834). São Paulo: Aderaldo & Rothschild; Belo Horizonte, MG: Fapemig, 2009. Pp. 79-83.

18 SILVA. Wlamir. Op. Cit. P. 79. 19 SILVA. Wlamir. Op. Cit. P. 81.

20 BARBOSA. Waldemar de Almeida. História de Minas. 3º Volume. Belo Horizonte/MG: Editora Comunicação,

1979. Página 626.

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às Cortes de Lisboa, negando a autoridade do Príncipe enquanto Regente. Durante toda a sua existência a 1ª JGP de MG tratou D. Pedro por Sua Alteza Real o Príncipe Real D. Pedro de

Alcântara, herdeiro presuntivo da Coroa, enquanto, por exemplo, a JGP de SP, que o tratava por Sua Alteza Real o Príncipe Hereditário Regente do Reino do Brasil, logo reconhecendo sua

condição de regente do Reino do Brasil. A definição de uma posição contrária da regência pedrina, que se deu no dia 21 de setembro de 1821, se alinha com a atmosfera que pairava ao mesmo respeito, nas Cortes, em Lisboa, naqueles mesmos dias. No último dia do mês os deputados aprovariam dois decretos, de números 124 e 125, que decidiriam o destino de todos: da Regência e da família de D. Pedro; da JGP de MG; do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.

A JGP teria sido, no tocante ao tipo de soberania que a embasava, um governo de cunho liberal, pois, foi formado de forma revolucionária, a partir de uma eleição, na qual o povo e a tropa, mesmo que ausentes do pleito, tiveram um papel importante. Um governo revolucionário, formado pelo poder de representação, recém reconhecido, que deu à população, o poder originário, dentro da nova ideologia do poder, que passava a emanar da população, não mais da tradição, ou do Direito Divino dos Reis. Logo, a JGP era um governo de cunho liberal, termo que não era empregado no período, assim como os seus congêneres “brasileiros”, que apenas diferiam por terem sido aclamados, e não eleitos.

A destituição do marco de ignomínia foi tomada em conformidade com “o artigo doze das Bazes da Constituição Política decretadas pelas Cortes Geraes, e Constituintes da Nação Portugueza” (sic). O “monumento execrando, e detestável à vista da liberdade em que se vai promovendo a nossa Regeneração” foi retirado, em nome, e com base nos novos direitos, as Bases da Constituição da monarquia portuguesa, de 1821. Os direitos referidos são aqueles que estavam contidos na “Secção I – Dos Direitos Individuais do Cidadão”. Mas, foi em sentido oposto ao apontado pelas Bases da Constituição da Monarquia portuguesa, que se baixou a Lei mineira de 26 de novembro de 1821. Como dito, a JGP de MG e as Cortes caminhavam lado a lado, o afastamento da JGP em relação a Lisboa somente aconteceria, mesmo assim de forma parcial, incompleto, e nunca declarado, após o governo mineiro se negar a dar o cumprimento ao decreto 124, de 1º de outubro de 1821, que prescrevia as regras para a eleição de novas juntas de governo nas províncias. O decreto 125, da mesma data, ordenava a partida de D. Pedro para a Europa. Seria o fim da Regência Pedrina.

Ambos os decretos foram mal recebidos, pelo menos no Centro-Sul do país, RJ-SP-MG, ajudando a mudar a “opinião pública” em favor do Regente, em detrimento de Lisboa. Ao contrário do governo vizinho de São Paulo, a JGP de MG não defendeu a permanência de D. Pedro no Brasil. A partir de 9 de janeiro de 1822, quando o Regente D. Pedro anunciou publicamente, no Rio de

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Janeiro, que ficava no país, episódio que entrou para a história do Brasil como o Dia do Fico, a JGP de Vila Rica, isolada de Lisboa, tendeu a oscilar em relação ao seu posicionamento em relação ao Rio de Janeiro. O governo de Vila Rica socorreu o Príncipe D. Pedro com tropas, no final de janeiro de 1821, porém, ao mesmo tempo, tendeu a afastar-se de seu governo, em especial, quando houve uma mudança nas pastas dos Ministérios que compunham a Regência de D. Pedro. O Vice-Presidente da JGP de SP assumiu importante papel no novo ministério: José Bonifácio de Andrada e Silva. A mudança parecer ter dinamizado as iniciativas legislativas da Regência Pedrina, em especial, a criação do Decreto de 16 de fevereiro de 1822, iniciativas que teriam desagradado, e isolado, ainda mais, a JGP de Vila Rica22.

2 AS CONDIÇÕES SOCIAIS NA PROVÍNCIA DE MINAS GERAIS: A PARTICIPAÇÃO POPULAR

Os membros do governo mineiro alegaram que certas condições sociais, e políticas – em especial, casos nos quais teria houvido o exercício de novos direitos, por determinados grupos sociais –, específicas da situação provincial, teriam gerados a necessidade do governo “fulminar” a (despótica) lei 26 de novembro. A quais condições se referiam os membros do governo, que atuaram como poder legislativo, na ocasião?

Primeiramente, de acordo com os autores analisados e, principalmente, segundo os coetâneos, durante o processo de adesão ao constitucionalismo, que se deu ao longo de 1820 e 1821, teria acontecido uma intensificação do processo de participação popular, assim como uma aceleração do processo político, em toda a sociedade luso-brasileira. Pela primeira vez na história luso-americana a política ganhou o espaço público, em Minas Gerais não foi diferente23.

Apesar do “povo” ter emergido na cena pública durante o processo revolucionário em Minas, a participação popular na política foi um ponto crítico na política provincial do período. Os Inconfidentes mineiros teriam antevisto e discutido o problema da participação popular na multiétnica Minas Gerais, uma geração antes daquela24. Se, a princípio, a participação de uma parte

22 O Decreto estabeleceu a criação do Conselho de Procuradores Gerais das Províncias, um órgão de representação

provincial, a ser eleito nas províncias que compunham o Reino do Brasil e que poderia servir para estabelecer, de forma concorrencial às Cortes de Lisboa, uma estância representativa no Rio de Janeiro. O órgão, em junho de 1822 serviu de base para a convocação de uma Assembleia Constituinte brasileira, que se reuniu em 1823.

23 As diversas Províncias do Reino americano tornaram-se cenários de intensa atividade política abertamente

contraposta às regras até então vigentes, com grupos, partidos, classes, ordens, corporações e personalidades (com suas clientelas), antes contidos na esfera da política local, disputando posições que lhes permitissem influir no desenho da nova ordem que viria a emergir com a re-fundação, exaltada como regeneração, do Estado português com o qual se identificavam com renovado entusiasmo na nova conjuntura("). Esse processo, que vinha carregado de antagonismos de vários tipos, traduziu-se em acentuada aceleração dos ritmos da vida política, aceleração magnificada com a decretação da liberdade de imprensa pelas Cortes. JANCSÓ & PIMENTA. “Peças de um mosaico”, Op. Cit. P. 426.

24 PEREIRA. Luísa Rauter. “Povo/Povos”, pp. 203- 225. In: JÚNIOR. João Feres. (org). Léxico da história dos

conceitos políticos do Brasil. Belo Horizonte, Editora UFGM, Belo Horizonte, 2009. Pp. 207-208. Com a recepção, a

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do povo na política, nas ruas de Vila Rica, foi motivo de alguns aplausos, por volta de setembro de 1821, depois, logo a seguir, foi vista com reticências pela JGP, e por fim, combatida, já em 26 de novembro de 1821.

Para os governantes do período, inclusive os membros da JGP, povo era sinônimo de plebe. Não haveria, em sua visão, um povo apto para a política25. No entanto, houve um aumento perceptível da participação popular na cena política, não estando apenas os membros das velhas elites, presentes nos acontecimentos políticos, que passaram a ser públicos, e não privados, como eram antes do advento da revolução. É aceito pela atual historiografia que a sociedade política na “nova situação”, trazida pelo advento da vinda da Corte Joanina para o Brasil, em 1808, já havia ampliado “grandemente” a esfera dos que participavam da vida pública, tendo aumentado o número de personagens que compunham a esfera política na América portuguesa26. Segundo Jancsó &

Pimenta, o novo quadro, após a Revolução de 1820, se confrontava com o quadro emergente de 1808, pois seria exponencial o aumento da sociedade política no segundo momento27. Mas, com o constitucionalismo, em quanto mais teria ampliado a sociedade política?

Talvez ajude a entender a ampliação da sociedade uma situação regional, a de Pernambuco, em 1817, que antecedeu, e ajudou a preparar a situação revolucionária de 1820. Segundo Pereira, em 1817 os pernambucanos teriam visto emergir uma nova percepção do conceito de povo, desenvolvida com a crise do Antigo Regime português; “o povo armado como elemento de atuação explosiva na vida pública” 28. Na eleição da JGP de Vila Rica, a mesma ‘virada’ pode ser percebida,

pela primeira vez na história de Minas. A mesma reunião entre o povo e a tropa. Com a lei de 26 de novembro a JGP de Vila Rica criou meios de dissuadir a participação dessa parcela da população,

“uma nova conceituação de povo: conjunto de indivíduos detentores de direitos inatos e constituidores da sociedade civil”. Segundo Rauter, “no movimento mineiro de 1789, composto basicamente por membros da elite urbana nascente, padres e intelectuais, embora conclamasse genericamente o “povo” para participar da luta contra a tirania, não se viu o povo pobre e mestiço, a plebe, como participante legítimo da nova sociedade a ser criada”, ao contrário, na Conjuração Baiana de 1798, entretanto, houve maior participação de membros de menor condição social e de cor ligados ao artesanato urbano, sendo que o desejo de igualdade “em todos os níveis” teria sido mais radical e o povo “aparecia claramente como uma realidade constituída”.

25 PEREIRA. Op. Cit. Pp. 209-210. (Iberconceptos - Humanitas Pocket). Segundo Schwartz, conforme lembra a autora,

“autoridades coloniais apontavam o problema de que nos territórios brasileiros havia uma população, mas não um povo”, pois nunca tendo sido completamente instituídas na colônia as “tradicionais instituições representativas portuguesas – as cortes”. Logo, o conceito de “povo” como terceiro estado na sociedade de ordens era “frágil ou ausente em decorrência do sangue impuro e dos costumes da população”, logo “o termo ‘plebe’ (ou vulgo, canalha) e não povo passou a ser cada vez mais utilizados pelas autoridades coloniais em referência à população da colônia”. (205-206).

26 O conceito de "sociedade política" adotado por Jancsó & Pimenta, segundo os autores, remete a Antonio Gramsci,

em, Maquiavel, a política e o Estado moderno. Segundo alegação dos autores, a adoção do conceito teria visado a um afastamento do conceito de "elite política", tal qual utilizado por J.M. de Carvalho, em A construção da ordem. A elite

política imperial. Rio de Janeiro / Brasília, Campus, Ed.UnB., 1980, especialmente pp. 16 e 48. JANCSÓ &

PIMENTA.

27 JANCSÓ & PIMENTA. Op. Cit. P. 412.

28 PEREIRA. Luísa Rauter. Op. Cit. Teria surgido a figura do “povo-soldado” e do povo unido à “tropa”. A autorra

ressalta, no entanto, que “o movimento em Pernambuco teve, porém, um caráter fortemente aristocrático”, e que um espírito de Ancien Régime pairava sobre os revolucionários das “classes superiores”.

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proibindo, ou condicionando o porte de armas, e as reuniões, nas quais comumente se dava a reunião de populares, de onde partiam para suas ações públicas29.

A atitude preventiva da JGP corrobora opinião expressa por Pereira, segundo a qual, a Revolução Constitucional de 1820 teria ensejado “um processo de transformação mais profundo e abrangente do significado do conceito” (Povo). Naquele momento de instauração de “um novo pacto” entre povo e rei, o povo não era mais entendido apenas como vassalo e súdito, “mas como povo cidadão, origem e lugar de soberania, o que se expressaria numa constituição livre”. Entretanto, mais uma vez, este “livre consentimento dos povos” teria se tornado um problema “para as elites políticas favoráveis às liberdades constitucionais” 30. Sob a pena da desordem, era

imprescindível estabelecer quem era a plebe a ser excluída do processo31. É exatamente o que

parece ter havido em Minas Gerais. Apesar da condicionante, segundo Pereira, teve início, na crise analisada, o início da definição de um conceito de povo-nação brasileiro, ou “brasiliense”, diferente do português 32. Em sua opinião, “a partir de 1822, o povo passou a ser uma identidade coletiva política, cultural ou social e não mais apenas de moradia e nascimento”33. A autora destaca, porém,

que a “emergência do ilustrado povo-cidadão dos anos de 1820 na linguagem política não fora hegemônica”. O fato é que as “elites” se atemorizavam quando o espaço público era tomado pela “gente turbulenta”.

Teria sido assim, em Minas, em 1821 e início de 1822, assim como no Rio de Janeiro, pairava no ar um grande temor de uma revolução escrava e popular. Para a JGP de Vila Rica, ao que tudo indica, povo e plebe se aproximavam, como se percebe em diversos documentos consultados. Por isto era tão necessário estabelecer quem era a plebe, que deveria ser excluída do processo, e quem era o povo, que podia participar da política.

29 Artigo 4º: “Toda a pessoa de qualquer qualidade, ou condição, que seja não poderá usar de armas totalmente

prohibidas, ou sejão ofensivas, ou defensivas, e as permitidas em certas circunstâncias não poderão trazer se fora das mesmas, nem os negros, e pessoas de baixa condição poderão já mais trazer espada, e os criados somente em quanto acompanharem seus amos. Qualquer transgressão, ou seja de facas, pistolas, zagaias ou espadas fora da marca ou espingardas com fechos dentro das Villas, e Arraiais será processada sumariamente e castigados (havidos Rios) imediatamente no Juízo respectivo e outros remetidos a Juntas na forma da Ley e Ordens Régias Igualmente se procederá contra todos os que constar fazem conventículos, sedições, ferimentos, mortes insultos, ou forem libertinos , mal procedidas, de costumes escandalosos, jogadores de Offício, de jogos prohibidos, ou derem caza para semelhantes jogos”.

30PEREIRA. Luísa Rauter. Op. Cit. P. 208-209. 31 PEREIRA. Luísa Rauter. Op. Cit. P. 210.

32 Luísa R. Pereira analisou como a noção de povo-cidadão, ao longo de cem anos, como o lugar da soberania política.

Para ela, “entretanto, os significados ligados ao Antigo Regime – o conjunto de súditos, vassalos, e o terceiro estado – ainda se mostravam atuantes na linguagem política, a mesmo tempo em que a distinção entre o povo legítimo e a plebe – ou canalha, patuleia, populaça – marcou todo o período. Tais elementos deram contornos e limites dos projetos de liberdade e igualdade e soberania popular, relegando a noção de um verdadeiro povo de cidadãos ao futuro. Com a unidade nacional – o conceito de povo-nação – foi então concebida pelas elites em torno da noção de unidade de cultura, geografia e raça, num vínculo menos com a vida política do que com a natureza física do país”. PEREIRA. Luísa Rauter. Op. Cit. P. 219.

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O problema da separação entre plebe e povo foi enfrentado em Minas, desde o início de 1821. A lei de 26 de novembro permite uma visualização da intenção do governo mineiro de excluir a plebe do jogo político. Já, a participação das pessoas do povo (aceito) nos atos políticos é de difícil visualização. Porém, pode-se observar alguns dos membros de grupos sociais de baixa estatura social em ação no ato da eleição da JGP de Vila Rica. No caput da ata da eleição há uma divisão binária: a JGP teria sido eleito por “Cidadãos” e pelos “Bons do Povo”. Termo de uso imemorial, o uso do termo “Bons do Povo” deve indicar a presença de membros das antigas elites vilarengas, acostumados a participar da governança local, seja como eleitores ou como Vereadores, e demais membros das Câmaras Municipais. Eles tinham o direito de participar da governança local, e, através da Câmara, de peticionar ao monarca, em Lisboa, ou, depois de 1808, no Rio de Janeiro.

Entre os pouco mais de setenta eleitores que escolheram a JGP os “Bons do Povo” compõem a imensa maioria. É fácil identifica-los, pois são os membros conhecidos das elites vilarengas provinciais e os membros do Governo da Capitania, cuja sede era Vila Rica, ou, ainda, os altos prelados do Bispado, cuja sede era a Cidade de Mariana. O que os une é a sua condição de homens brancos e proprietários, bacharéis, detentores de riqueza e de altos cargos.

Já, os chamados “Cidadãos”, segundo as micro-biografias que tenho cruzado seriam menos de dez eleitores. São pessoas de menos estatura social. Seriam tidos por membros do povo? Tenho apresentado os resultados das pesquisas em micro-história em comunicações orais, nos congressos de História, desde 2012. Os chamados “Cidadãos” são difíceis de ser biografados34. Eram pessoas

do sexo masculino, filhos de ‘barrocas famílias’, de menor porte social do que seus colegas de eleição. Eram militares, de baixas patentes, padres pobres e do baixo funcionalismo público. Dois são os Cidadãos que, até o presente, pude biografar com alguma exatidão. Apesar de terem famílias mestiças, “barrocas”, pobres ricas, eram homens socialmente inseridos. Um era padre35, o outro, um

funcionário público e militar36, contra-parentes, que também se uniam-se através do estigma de

cor-raça37.

34 Há poucos dados sobre seus antepassados, traço comum aos que eram mestiços, muitas vezes, fruto de uniões ilícitas,

ou instáveis, instáveis, cujos casos se multiplicavam aos milhares nas Minas Gerais.

35 Antônio José da Silva. Em Uberaba é conhecido como Vigário Silva, apelido com o qual dá nome a um logradouro

público.

36 João Joaquim da Silva Guimarães. Pai do escrito Bernardo Guimarães. Ao contrário das biografias existentes, através

de um grande esforço, pude comprovar que Antônio e João Joaquim eram cunhados, eram pobres, mestiços, sendo que Antônio era irmão da esposa do outro, Constância Beatriz de Oliveira, mãe do autor de Escrava Isaura, e que ela e o irmão eram mestiços, tendo inclusive sido criados como enjeitados.

37 DOMINGOS, 2013, 10-14. Padres-Políticos do Sertão da Farinha Podre na travessia Capitania - Província – Minas:

1820-1822. ANAIS DO IV ENCONTRO NACIONAL DO GT HISTÓRIA DAS RELIGIÕES E DAS RELIGIOSIDADES – ANPUH - Memória e Narrativas nas Religiões e nas Religiosidades. Revista Brasileira de História das Religiões. Maringá (PR) v. V, n.15, jan/2013. ISSN 1983-2850. Disponível em http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pub.html, acesso em 15-08-2017. Ver, ainda: DOMINGOS. “Rosaura, a enjeitada:

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Ambos teriam feito parte da sociedade política, enquanto membros do povo, ao contrário da imensa maioria da população, a plebe. Em relação a eles seriam privilegiados, pois, ao contrário da ‘massa’, que era excluída do processo eleitoral, tendo sido computada apenas para efeito de cálculo numérico, tomaram parte na eleição dos deputados da bancada mineira às Cortes de Lisboa, e da JGP. O termo cidadão era oriundo do vocabulário do jacobinismo38.

Economicamente os dois biografados, Antônio José da Silva, e Joaõ Joaquim da Silva Guimarães, coincidentemente, tio e pai do escritor Bernardo Guimarães, segundo constata a pesquisa, não estariam acima da massa da população39. Porém, ocuparam uma posição social e política relevante na cena política provincial, e mesmo, nacional. O fato está em acordo com aquilo que pensa Flávio Heinz (2006), para quem as “elites” não seriam apenas econômicas40. Segundo

ele, “antigamente”, na historiografia, isto foi muito aceito, relacionar elite econômica à elite política, quando muito se escrevia sobre as elites, de forma heroica e heroicizante. Atualmente, há outra história das elites, que, segundo Heinz, estaria sendo buscada, e nela, o objetivo passou a ser a leitura de regularidades, de sinais comuns, de condicionamentos sociais e culturais que podem ter influído na vida de homens e coletividades41.

A questão da tensão trazida pela presença de grande número de mestiços, na província, e nas manifestações políticas, em Minas Gerais foi antevista e instrumentalizada, para uso político pelo governador de Minas D. Manoel de Portugal e Castro. Ele especulou com a exclusão, ou não, dos mestiços dos direitos da cidadania, durante aquele ano de 1821. O tema foi, recorrentemente, analisado por Ana Rosa Cloclet da Silva. Porém, seu foco é na análise de possíveis manipulações da participação de populares nas manifestações anti-liberais promovidas pelo governador absolutista, as “turbas”, cujo fomento é atribuído a D. Manoel. A novidade trazida pela presente pesquisa, ainda em curso, é a questão da participação dos setores populares mais politizados de não-brancos na eleição da JGP, pois no caso, a questão da exclusão destes segmentos da eleição se mostraria, possivelmente, politizada. Seria uma ação orientada para um resultado de uma parte dos

efígie ou esfinge de Bernardo Guimarães”. Comunicação apresentada oralmente no XV Congresso Internacional da

Associação Brasileira de Literatura Comparada, ABRALIC. UERJ, agosto de 2017.

38 SANTOS. Beatriz Catão Cruz & FERREIRA. Bernardo. Verbete: Cidadão. In: JÚNIOR. João Feres. (Org). Léxico da

história dos conceitos políticos do Brasil. Belo Horizonte, Editora UFGM, Belo Horizonte, 2009. Pp. 43-64.

39 Que pode ter usado temas da vida familiar na confecção do romance Rosaura, a enjeitada, conforme hipótese que

levantei na comunicação citada na nota 39.

40 Segundo Heinz, “nem sempre alguém que ocupa um espaço político, ou social, ou literário, caso do Brasil, que

emergiu de uma hierarquizada de sociedade de Antigo Regime, em situação colonial, na qual pesou por quase quatro séculos o escravismo, é rico, é oriundo de famílias ricas. É complexo e vago, apenas classificar como sendo da elite alguém que está no topo de algum grupo que detém poder, influência, privilégios”. HEINZ. Flávio M. (org). Por outra história das elites. Rio de Janeiro. Editora FGV, 2006.

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“populares”, em proveito próprio, na disputa de espaço político, em um momento oficial, em um espaço oficial42.

As condicionantes da macropolítica e o destino da JGP de Viva Rica.

Tem sido percebido, na historiografia, que teria sido no embate entre as decisões emanadas a partir de Lisboa, pelas Cortes, e do Rio de Janeiro, pelos Ministérios que compuseram a Regência Pedrina, e nas negociações entre a Regência de D. Pedro e os poderes situados na província de Minas, em especial, as Câmaras Municipais das Vilas e as suas “elites” vilarengas, que se decidiu a sorte da Junta de Governo de Vila Rica, e também, da própria Regência. Porém, não se tem percebido adequadamente outros fatores, como é o caso da forte vigilância que o governo mineiro estabeleceu sobre a população mineira, por exemplo, com a Lei de 26 de novembro de 1821. Até que ponto a aplicação, com mão de ferro, dos dispositivos da férrea lei podem ter ajudado no jogo da formação de um sentimento coletivo a respeito do governo mineiro.

A queda da JGP se daria pelas mãos de D. Pedro, em 1822, após a desobediência da JGP mineira ter se acentuado, nos meses antecedentes, em especial, após D. Pedro criar o Conselho de Procuradores de Províncias, uma espécie de Conselho de Estado, conforme confessaria em 1823, através do decreto de 16 de fevereiro de 1822. Durante o trajeto de D. Pedro através da província o Regente passou a capitanear esforços para destituir a JGP. A razão alegada para justifica-la foi uma alegada ilegalidade, que teria havido na eleição da mesma, justamente devido à participação dos já referidos “Cidadãos”, e, ainda, devido ao fato de que a eleição teria se dado de forma contrária às ordens pedrinas.

A questão da ilegalidade da eleição foi analisada por José da Silva Lisboa, Visconde de Cairú, em sua influente obra, em três volumes, publicada entre 1827 e 1830. Silva Lisboa fez ponderações a respeito da forma como se deu a escolha dos membros da JGP, que se deu através de uma complexa e tumultuada via eleitoral, considerando o processo ilegítimo, pois, o antigo “Governador expedio ordens circulares ás Villas da Provincia para a Eleição dos Membros da mesma Junta”, mas, “antes do dia aprazado para esse Acto, insurgirão vários Cabalistas da Cidade de Villa Rica, que se arrogarão a preeminencia de Constitucionaes, colloiados para formarem hum governo de sua facção” 43. O grupo que ele denominou como “Constitucionais”, seria o mesmo que

na ata da eleição está descrito como “Cidadãos”. Em outros documentos há uma referência ao grupo, no qual o mesmo recebe diferentes denominações.

42 DOMINGOS. ABRALIC, 2017, p. 4-5.

43 LISBOA. José da Silva. (Visconde de Cairú). História dos Sucessos Políticos do Império do Brasil, dedicada ao

Senhor Pedro I. Tomo2. Parte X, Secção II. !829. Página 106. A eleição era para ser dia 1º de outubro, a ser realizada

pelos representantes eleitos pelas Câmaras das Vilas. O modelo proposto foi o resultado de complexo e demorado acerto entre D. Manoel e D. Pedro.

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Os verbos e os substantivos utilizados por Silva Lisboa para descrever a eleição são significativos, e merecem uma pequena análise, são eles: insurgiram, arrogaram, conluiados – e, os substantivos: cabalistas e facção -, pois estão carregados de teor adjetivo, de tom negativo. São palavras que representam tomadas de posição, não assumidas pelo autor, pois criminalizam as ações da JGP, as desmerecem e aproximam de atos subversivos. Não deixa ser tom policialesco o tom da narrativa empregada por Silva Lisboa, um experiente e eficiente mestre na “arte da palavra”44. Silva Lisboa aparenta ter incorporado toda a lógica, os artifícios, os argumentos já ut ilizados por D. Pedro, pelos camaristas mineiros, pelo editor da Gazeta do Rio de Janeiro, entre outros, contra os membros e apoiadores da JGP.

De sua descrição se desprende uma aura de ilegalidade, mas também, de ilegitimidade, a respeito das ações da JGP. Segundo Marisa Saenz Leme, além da necessidade de legalidade, as Juntas teriam carecido de legitimidade45. No caso da JGP de Minas, após seu isolamento em Vila

Rica, devido à sua atuação, e a de seus opositores, parece ter aumentado a falta de legitimidade do governo provincial mineiro, o que poderia explicar, em parte, a facilidade com a qual D. Pedro destituiu o governo e substitui por outro, mais dócil, utilizando o argumento da ilegalidade de sua eleição.

A situação parece ter sido exacerbada na crítica contida na narrativa produzida por Silva Lisboa. A soberania popular, mal declarada, devido à ação ilegítima, ilegal e tumultuária do povo e da tropa, em 20 de setembro de 1821, teria tornado a sua eleição inválida. Observa-se um confronto entre duas formas distintas de soberania, uma ‘nova’, cuja origem seria o povo, e uma antiga, cuja autoridade emanaria do Rei. Ambas parecem se contrapor na narrativa de Silva Lisboa. O autor, por ser a sua obra uma história de caráter oficial, e áulica, por ser ele um ferrenho defensor da monarquia e adepto das antigas concepções, não titubeou em apontar qual o tipo de soberania que considerava legítima. O conjunto da obra deixa a impressão de que a JGP era um governo subversivo, ilegal e ilegítimo, argumentos que foram usados no decreto de 23 de março de 1822, usado para a destituição da JGP por D. Pedro.

Após perambular pelas Vilas da Zona da Mata Mineira, e do Sul de Minas, D. Pedro chegou a Vila Rica, onde permaneceu do dia 10 ao dia 20 de abril de 1822. Apesar de declarar que desejava ficar até dois meses na província, o Regente partiu rapidamente, pressionado pela situação que se

44 Creio que em seu texto o autor aproximou-se do modelo empregado nos discursos judiciais, uma das três espécies do

gênero do discurso retórico. É aquele que se emprega nos tribunais, pelos oradores, adequado ao tribunal da história que montara, no qual é o promotor e o leitor, o juíz. O discurso tem por auditório os juízes, e por intenção acusar, mostrando que a ação da JGP era injusta, e que sua destituição foi justa. O discurso se volta para julgar ações passadas, no tempo presente, que é o da leitura.

45 LEME. Marisa Saenz. A construção do poder de governo na província de São Paulo e o Estado em formação no

Brasil independente: entre a Revolução do Porto e a outorga constitucional. In: ODÁLIA. Nilo & CALDEIRA, João Ricardo de Castro. (org.). História do Estado de São Paulo, 2010, v. 1.

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encontrava a oposição ao Ministério no Rio de Janeiro. Na partida o Regente fez a seguinte “Proclamação de Despedida”:

Mineiros. – As convulsões políticas, que ameaçavão esta Província, fizerão huma impressão tal em Meu Coração, que ama verdadeiramente o Brasil, que Me obrigarão a vir entre vós fazer-vos conhecer qual era a liberdade de que ereis senhores, e quem erão aquelles que a proclamavão a seo modo, para extorquirem de vós não serieis por muito tempo sofredores de similhante despotismos. Raiou em fim a liberdade, conservaia. Razões políticas Me chamão à Corte. Eu vos agradeço o bom modo, com que Me recebestes, e muito mais terdes seguido o trilho, que vos Mostrei. Conheceis os maos, fugi delles. Se entre vós alguns quiserem (o que Eu não Espero) empreender novas cousas, que sejão contra o Systema de União Brasílica, reputai-os imediatamente terríveis inimigos, amaldiçoai-os, e accusai-os perante a Justiça, que será prompta a descarregar tremendo golpe sobre monstros. Vós sois Constitucionaes, e amigos do Brasil, Eu não menos. Vós amais a liberdade, Eu adoro-a. Fazei por conservar o socego da vossa Província, de quem Me Aparto Saudoso. Uni-vos co-Migo, e desta união vireis a conhecer os bens, que resultão ao Brasil, he que he Grande, e Rico; e os Brasileiros são os que souberão conhecer os seos verdadeiros direitos, e interesses. Quem assim vos Falla, Deseja a Vossa fortuna, e os que isto contradisserem, amão só o vil interesse pessoal, sacrificando-lhe o bem geral. Se Me acreditardes, seremos felizes; quando não, grandes males nos ameação. Sirva-nos de exemplo a

Bahia. – Príncipe Regente.

D. Pedro declarou que vinha à província para debelar as convulsões políticas, e que com sua chegada, apenas, “raiou em fim a liberdade”, advertindo os mineiros “conserva-ia”. O profundo isolamento político ao qual se reduziu o governo da Junta Provisória, que perdeu o apoio das elites vilarengas, devido a diversas atitudes políticas, econômicas e militares, que não foram analisadas no presente artigo, pode servir para explicar a forma como as “elites” das mesmas descreveram a mesma: um governo despótico, que havia subvertido a liberdade das Vilas da província.

Possivelmente, a atmosfera pesada que D. Pedro teria ajudado a aliviar, pode se dever, ao menos, em parte, à lei de 26 de novembro de 1821. Sua existência ajudaria a explicar a recepção que o povo mineiro deu ao Regente. A chegada de D. Pedro pode mesmo ter significado um alívio, mesmo que momentâneo, para aquela parte da população. D. Pedro encontrou as cadeias lotadas, e libertou diversos presos. Perseguiu, no entanto, alguns elementos populares, caso do “Cidadão”, “Constitucional” João Joaquim da Silva Guimarães46, e do Juiz de Fora (e Ouvidor) de Vila Rica,

46 Arquivo Público Mineiro. Seção Provincial. Livro 06. SP-06. Página 28. “Manda S. A. R. O Príncipe Regente

participar ao Governo Provisório desta Província que nesta data tem expedido Ordem à Junta da Fazenda Pública desta Província para mandar imediatamente suspender dos seos Empregos, e Ordenados a João Joaquim da Silva Guimaraens, Contador da Contadoria da dita Junta, a Antônio José Ferreira Bretas, Escrivão da Pagadoria a José Bernardo Ferreira da Gama Laborão, 3º Escriturário da mesma Contadoria, a Caetano José Machado de Magalhaens, Fiel da Thezouraria Geral, devendo o primeiro, e Segundo até o dia de amanhã a partirem para a Corte do Rio de Janeiro assim como o quarto que vai prezo; e Ordena que o mesmo Governo assim a faça executar pela parte que lhe toca. Paço de Villa Rica 19 de Abril de 1822. Estevão Ribeiro de Rezende. Cumpra-se e Registre-se. Villa Rica 19 de Abril de 1822”. E, também: Arquivo Público Mineiro. Seção Provincial. Livro 05. Página 178: “João Joaquim da Silva Guimarães sobre a suspenção do Officio Ordenado e de marchar para a Corte. Resposta do Regente: Escuzado”.

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Cassiano Spiridião de Melo Matos, responsável pela ação que culminou na destruição do marco de ignomínia47. Na proclamação de D. Pedro o termo “Constitucionais” foi resignificado, englobando ele mesmo e todos os mineiros. Naquele contexto, no qual ele era acusado de estar criando um órgão (Conselho Geral de Procuradores das Províncias) que poderia vir a competir com o poder de legislar das Cortes, que era, então monopólio das Cortes (na teoria, é claro, pois tanto o Rio de Janeiro, quanto Vila Rica, conforme visto, legislavam). De acordo com as Bases da Constituição da Monarquia, D. Pedro carecia de legitimidade constitucional para legislar. A forma que ele reverteu as acusações que havia sofrido não deixa de ser habilidosa. Nas semanas seguintes ao seu retorno ao Rio de Janeiro D. Pedro, através da ação dos primeiros procuradores reunidos, criou uma constituinte exclusivamente brasileira.

Para Ana Rosa Cloclet da Silva, “num país das proporções do Brasil e com uma população cativa tão numerosa, a opção republicana significaria para as elites articuladoras políticas articuladoras do processo o perigo de desmembramento político e territorial e de uma revolução escrava”. Ambos os problemas cercaram de preocupações as elites políticas mineiras. Talvez, seja por isto que preferiram se acomodar junto à monarquia, caminho mais acertado, dentro de uma mentalidade pragmática, do que correr riscos desnecessários e potencialmente perigosos48. Uma

questão importante a respeito da vitória de D. Pedro, em detrimento da JGP, a diferença entre a crença em teorias e o peso da experiência49, em detrimento das quimeras do liberalismo50.

Ao final, D. Pedro se tornou o herói que fez a Independência, Tiradentes, o mártir que a anteviu. Já, os personagens que compunham a JGP, desapareceram da memória nacional, enquanto a Junta de Governo Provisório de Vila Rica passou para a História como um governo “monstruoso”, como uma “cabala”, um governo ilegal e ilegítimo. Devido, principalmente, ao fato de terem sido contrários ao poder do Rio de Janeiro, e não devido ao tratamento que dispensaram aos mais desvalidos entre os mineiros. Embora tenha sido formado através de certa forma de sufrágio popular, logo ter uma natureza revolucionária, ou, nos termos do período, constitucional, ou, em termos atuais, liberal, a 1ª JGP de Vila Rica foi um governo autoritário, no tocante ao trato com a população que o via como despótico, não sem alguma razão.

47 Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro. Localização: I-26,33,004 nº001. Autoridade: RESENDE, Estevão Ribeiro de.

Título: Aviso ao juiz de fora da cidade de Mariana para que ele tome conta da vara de ouvidor da comarca de Ouro Preto devido à suspensão do bacharel Cassiano Espiridião de Melo Matos. Local: Vila Rica. Data: 10/04/1822.

48 SILVA, Ana Rosa Cloclet da. “Identidades políticas e a emergência do novo Estado nacional: o caso mineiro”. In:

Jancsó, István (org.): Independência: História e Historiografia. São Paulo: Huditec: Fapesp, 2005.

49 A respeito do tema: JANCSÓ. István. Na Bahia contra o Império. História do ensaio de sedição de 1798, São Paulo,

Hucitec, 1996. Capítulo: “A experiência”. Bahia: de capitania a província, 1808-1823, em especial, p. 207.

50 OLIVEIRA LIMA. Op. Cit. P. 132. A questão era que as Cortes queriam tornar verdadeira ficção da soberania

popular e concentrar em si todos os poderes políticos e administrativos (...) nem lhe podia convir á frente de um Estado imenso como o Brasil o sucessor presuntivo da Coroa, dispondo de uma soma de poder e prestígio que facilmente eclipsaria a autoridade da representação nacional.

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