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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS - UNISINOS UNIDADE ACADÊMICA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NÍVEL MESTRADO

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Academic year: 2019

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As fotografias da capa remontam algumas das práticas cotidianas que marcaram a cultura escolar da Escola Normal Evangélica, entre os anos de 1950 e 1966. Apresenta, também, parte da arquitetura escolar frente à Praça do Imigrante, na cidade de São Leopoldo. Os documentos iconográficos para esta arte fazem parte do arquivo pessoal de: Helga Porcher, Roswitha Dreher e Veleda Arendt.

Arte da Capa: Roberta Santos E-mail: roberta.saantos@gmail.com

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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS - UNISINOS

UNIDADE ACADÊMICA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

NÍVEL MESTRADO

ESTELA DENISE SCHÜTZ BRITO

MEMÓRIAS DE EX-ALUNOS(AS) DO INTERNATO DA ESCOLA NORMAL

EVANGÉLICA EM SÃO LEOPOLDO/RS:

práticas cotidianas e cultura escolar (1950-1966)

São Leopoldo

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ESTELA DENISE SCHÜTZ BRITO

MEMÓRIAS DE EX-ALUNOS(AS) DO INTERNATO DA ESCOLA NORMAL EVANGÉLICA EM SÃO LEOPOLDO/RS:

práticas cotidianas e cultura escolar (1950-1966)

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação, pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS Orientadora: Prof.ª Dr.ª Luciane Sgarbi Santos Grazziotin

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Bibliotecário: Flávio Nunes – CRB 10/1298)

B862m Brito, Estela Denise Schütz.

Memórias de ex-alunos(as) do internato da Escola Normal Evangélica em São Leopoldo/RS : práticas cotidianas e cultura escolar (1950-1966) / Estela Denise Schütz Brito. – 2018.

181 f. : il. ; 30 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de Pós-Graduação em Educação, 2018.

“Orientadora: Prof.ª Dr.ª Luciane Sgarbi Santos Grazziotin.”

1. Educação – História. 2. História oral. 3. Escola Normal Evangélica (São Leopoldo, RS). I. Título.

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ESTELA DENISE SCHÜTZ BRITO

MEMÓRIAS DE EX-ALUNOS(AS) DO INTERNATO DA ESCOLA NORMAL EVANGÉLICA EM SÃO LEOPOLDO/RS:

práticas cotidianas e cultura escolar (1950-1966)

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação, pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS

Aprovada em:

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. José Edimar de Souza – Universidade de Caxias do Sul

Prof.ª Dr.ª Maria Cláudia Dal’Igna – Universidade do Vale do Rio dos Sinos

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Transcorrido o tempo da pesquisa, das leituras e escritas, chegou o tempo de agradecer! Agradeço àqueles que fizeram parte desta minha caminhada e que colaboraram com a realização deste estudo, pois esse trabalho não teria sido possível sem a ajuda de muitas pessoas.

Agradeço inicialmente ao Magnus, ao Luiz, ao Danilo, à Roswitha, ao Hermedo e à Helga, alunos da Escola Normal Evangélica que, gentilmente, acolheram aos meus questionamentos, abrindo seus “baús das memórias”, compartilhando comigo suas histórias e vivências do tempo de Internato. Sem vocês, este estudo não ganharia vida!

À Capes e à Unisinos, pela bolsa de estudos, sem a qual este trabalho, dificilmente, encontraria condições de acontecer.

À querida professora Luciane Grazziotin, que abraçou comigo esta pesquisa, orientando este trabalho com um olhar crítico e sensível, dando-me o apoio necessário para sua construção, ouvindo minhas dúvidas, medos e inseguranças ao longo da escrita.

Aos professores José Edimar de Souza e Maria Cláudia Dal’Igna que aceitaram participar da banca de qualificação e defesa deste trabalho, dedicando seu tempo na leitura minuciosa de minha escrita, contribuindo de forma grandiosa com seus apontamentos e qualificando ainda mais este estudo.

Ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Unisinos. Aos professores, pelas aulas ministradas, dúvidas plantadas e conhecimentos partilhados. Aos funcionários deste PPG – da secretaria, da informática e da recepção –, sempre prontos para esclarecer dúvidas e solucionar problemas.

À professora Beatriz Fischer, por me apresentar a metodologia de História Oral e o trabalho com memórias, fazendo com que eu me encantasse com essa forma de fazer pesquisa.

À professora Dóris Almeida, pela oportunidade de participar do seu seminário ministrado sobre Memória e História Oral, enriquecendo minhas reflexões com as discussões e leituras propostas.

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experiências, construindo diferentes conhecimentos.

Aos colegas e amigos do grupo de pesquisa EBRAMIC: Ariane, Dafne, Darciel, Deise, Eduardo, Fabiane, Mara, Marlos, Maria, Ranyelle e Raquel. Agradeço pelas tardes em que juntos construímos conhecimento, pelas discussões, pelo olhar amigo, pelas críticas e sugestões ao meu trabalho. Com vocês, aprendi a fazer pesquisa, e, neste grupo, encontrei apoio e ajuda sempre que precisei.

Ao Colégio Sinodal e aos colegas e amigos desse espaço – local no qual, diariamente, encontro acolhida, onde aprendo e ensino juntamente com os pequenos. Agradeço o apoio e a compreensão nas ocasiões em que precisei sair para assistir às aulas da pós-graduação ou para participar de algum evento relativo à pesquisa.

Ao Instituto Ivoti, nomeadamente o diretor Everton Augustin e os professores Lucas Breunig e Derti Gomes, pela acolhida durante este tempo de estudo e por permitirem o acesso ao acervo documental.

À amiga Estela, pela ajuda no início dessa caminhada, por sanar minhas dúvidas e questionamentos, pelo empréstimo de materiais, pelo apoio e carinho.

À querida amiga Vanessa, pelo ombro amigo, pelas palavras de conforto e apoio, pela preocupação constante e por simplesmente me ouvir quando eu precisava somente falar.

Às amigas Ariane e Mirian: agradeço os momentos de conversa, seja presencialmente com um chimarrão, seja à distância. Obrigada pelo empréstimo de materiais e pelas inúmeras dúvidas respondidas, aliviando minha ansiedade em relação à escrita e à construção deste trabalho.

Ao Gabriel, meu querido esposo. Sem o seu apoio e incentivo em continuar buscando novos conhecimentos, essa caminhada ficaria, certamente, mais árdua e cansativa.

Aos meus pais, irmão, avó e demais familiares, pela compreensão nos momentos em que estive ausente, pela preocupação e cuidado.

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RESUMO

Este estudo investiga as práticas cotidianas e analisa as representações sobre a cultura escolar de um Internato evangélico entre os anos de 1950 e 1966. Tem como objeto de estudo a Escola Normal Evangélica (ENE), localizada neste período na cidade de São Leopoldo/RS. A Escola Normal deu continuidade às atividades iniciadas pelo Seminário Evangélico de Formação de Professores fundado no ano de 1909, na cidade de Taquari/RS. Após mudanças de região, a instituição chegou à cidade de São Leopoldo no ano de 1926, permanecendo até o ano de 1966, quando se transferiu para a cidade de Ivoti/RS – localidade onde se encontra em funcionamento atualmente. Devido ao período de nacionalização, o Seminário encerrou suas atividades no ano de 1939, reiniciando-as somente em 1950, sob o nome de Escola Normal Evangélica. Desta forma, o recorte temporal desta investigação recai sobre seu período de reabertura, na cidade de São Leopoldo, até o ano de sua transferência. O estudo encontra-se no campo da História da Educação e tem, como referencial teórico, a História Cultural. Seu objetivo é identificar, descrever e analisar as representações acerca da cultura escolar estabelecida nessa instituição, por meio da memória de alunos que estudaram nessa escola no período estabelecido como recorte temporal. Para isso, utilizou-se a metodologia da História Oral, que entende a memória como documento. A documentação para análise compreendeu basicamente as narrativas de memórias dos seis alunos entrevistados. Juntou-se à empiria, também, algumas edições do periódico estudantil “O Arauto” e documentos iconográficos cedidos pelos entrevistados. As narrativas foram analisadas com base nos estudos de Maurice Halbwachs, Roger Chartier, Michel de Certeau e Michel Foucault. Foi possível compreender que as representações que se fizeram presentes nas memórias desses seis sujeitos recompõem o tempo e o espaço do Internato como uma casa e uma grande família. Foi, segundo eles, um período de estudo e aprendizagem, formando vínculos entre colegas e professores, em uma relação de fraternidade e coleguismo. As práticas rememoradas salientaram atividades que envolviam a mente, o corpo, a arte e a fé. O esporte, a música e as meditações diárias foram práticas também destacadas. As voltas na Praça do Imigrante, as saídas ao cinema e a representação de uma liberdade vigiada foram também identificadas nas rememorações. Além disso, foi possível observar as diferentes táticas elaboradas pelos alunos como uma forma de resistência à norma estabelecida. Tais representações abarcam, assim, a cultura escolar gerada nessa instituição de ensino.

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ABSTRACT

This study investigates everyday practices and analyzes the representations about the school culture of an evangelical boarding school between 1950 and 1966. Its object of study is the teacher training school called Escola Normal Evangélica (ENE) which was located in the city of São Leopoldo/RS at that time. The Escola Normal school continued the activities initiated by the teacher training seminary called Seminário Evangélico de Formação de Professores, founded in 1909 in the city of Taquari/RS. After changes of regions, the institution was settled in the city of São Leopoldo in 1926, where it remained until 1966, when it was transferred to the city of Ivoti/RS, where it is currently operating. Due to the period of nationalization, the Seminary ended its activities in the year of 1939, restarting them only in 1950 under the name of Escola Normal Evangélica. In this way, the time frame of this investigation encompasses the period of the school’s reopening in the city of São Leopoldo until the year of its relocation. The study is in the field of History of Education and its theoretical framework is the Cultural History. Its aim is to identify, describe and analyze the representations about the school culture established in this institution, through the memory of students who studied in this school during the time frame selected. For this purpose, the methodology used was the Oral History, which understands the memory as a document. The documentation for analysis was basically the memory narratives of the six students interviewed. Besides the memories, there were also some editions of the student newspaper "O Arauto" and iconographic documents provided by the interviewees. The narratives were analyzed based on the studies of Maurice Halbwachs, Roger Chartier, Michel de Certeau and Michel Foucault. It was possible to understand that the representations that were present in the memories of these six individuals recompose the time and space of the boarding school as a house and a large family. It was, according to them, a period of study and learning, building bonds with classmates and teachers in a relationship of fraternity and fellowship. The recalled practices emphasized activities that involved mind, body, art, and faith. Sport, music and daily meditations were also outstanding practices. The walks around the square named Praça do Imigrante, going to the cinema, and the representation of a controlled freedom were also identified in the remembrances. Besides, it was possible to observe the different strategies elaborated by the students as a way of resistance to the established norm. Such representations thus encompass the school culture generated in this educational institution.

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LISTA DE FIGURAS

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LISTA DE FOTOGRAFIAS

Fotografia 1 - Caixas com documentações encontradas na primeira visita ao Instituto

Ivoti (2016). ... 21

Fotografia 2 - Álbum de fotografias e diários de recordações (Décadas de 1950 e 1960)... 41

Fotografia 3 - Certificado de melhor companheira da ENE (1962) ... 46

Fotografia 4 - Instalações do Seminário de Formação de Professores junto aos Asilos Pella-Bethânia – Taquari/RS (1909) ... 71

Fotografia 5 - Instalações do Seminário de Formação de Professores na cidade de Santa Cruz do Sul/RS (1910-1925) ... 73

Fotografia 6 - Prédios que receberam o Seminário Evangélico final do século XIX .. 80

Fotografia 7 - Prédios do Seminário de formação de professores em São Leopoldo no início do século XX ... 81

Fotografia 8 - Praça do Imigrante e prédios da ENE em São Leopoldo (década de 1930)... 82

Fotografia 9 - A Escola Normal Evangélica se despede de São Leopoldo ... 89

Fotografia 10 - O esporte na Escola Normal Evangélica (década de 1960) ... 100

Fotografia 11 - Time de futebol do Internato da ENE (década de 1950) ... 101

Fotografia 12 - Coral e orquestra da ENE durante apresentação (década de 1960) ... 103

Fotografia 13 – Apresentação do coral da ENE no Rio de Janeiro/RJ (1959) ... 104

Fotografia 14 - Primeira excursão artística da ENE (1951) ... 105

Fotografia 15 - Excursões professores e alunos da ENE (Década 1960) ... 108

Fotografia 16 - O Refeitório na Escola Normal Evangélica (década de 1950) ... 119

Fotografia 17 – Desfile Cívico na rua Independência com participação dos alunos da Escola Normal Evangélica (década de 1960) ... 122

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LISTA DE QUADROS

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LISTA DE TABELAS

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LISTA DE SIGLAS

ANPED Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação ANPUH Associação Nacional de História

ASPHE Associação Sul Rio-Grandense de Pesquisadores em História da Educação BDTD Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CFE Conselho Federal de Educação

EBRAMIC Educação no Brasil Memórias, Instituições e Cultura Escolar EEI Escola Evangélica Ivoti

ENE Escola Normal Evangélica GT Grupo de Trabalho

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IBICT Instituto Brasileiro de Informação em Ciências e Tecnologia IECLB Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil

IEI Instituto de Educação Ivoti

IFPLA Instituto de Formação de Professores de Língua Alemã IHGRGS Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul

II Instituto Ivoti

IPHAE Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado IPT Instituto Pré-Teológico

ISEI Instituto Superior de Educação Ivoti PEC Projeto de Educação Continuada

PPGEDU Programa de Pós-Graduação em Educação RBE Revista Brasileira de Educação

RBH Revista Brasileira de História

RBHE Revista Brasileira de História da Educação RBHO Revista Brasileira de História Oral

RS Rio Grande do Sul

SEC Secretaria de Educação e Cultura

SBHE Sociedade Brasileira de História da Educação SCIELO Scientific Eletronic Library Online

UFBA Universidade Federal da Bahia

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SUMÁRIO

1 ALINHAVOS INICIAIS ... 15

2 LINHAS E AGULHAS DE UMA PRODUÇÃO ESCRITA: APORTES TEÓRICOS E METODOLÓGICOS ... 31

2.1 Entrevistas e entrevistados: relatos da experiência em História Oral ... 35

2.2 Um estudo sobre práticas e cultura escolar ... 48

2.3 História Oral, memórias e representações de um internato ... 53

3 TRAÇOS E CONTORNOS DE UMA ESCOLA INTERNATO ... 59

3.1 A formação docente em questão ... 66

3.2 Os primeiros passos para a Escola Normal Evangélica ... 69

3.3 A Escola Normal Evangélica em São Leopoldo ... 74

4 ENTRELAÇANDO MARCAS QUE MERECEM DESTAQUES: AS MEMÓRIAS DE EX-ALUNOS(AS) ... 90

4.1 Mente e corpo, arte e fé: as práticas cotidianas na Escola Normal Evangélica ... 95

4.2 “A gente tinha uma liberdade vigiada” ... 116

5 ARREMATANDO ALGUNS FIOS: A COSTURA ... 133

REFERÊNCIAS ... 139

APÊNDICE A - MODELO DE TERMO DE CONSENTIMENTO ... 149

APÊNDICE B – ROTEIRO DA ENTREVISTA EM HISTÓRIA ORAL ... 150

APÊNDICE C– IMAGENS UTILIZADAS COMO EVOCADORES DE MEMÓRIAS152 APÊNDICE D – QUADRO COM A REVISÃO DE TESES E DISSERTAÇÕES PARA O ESTADO DA ARTE ... 153

APÊNDICE E – QUADRO COM A REVISÃO DOS ARTIGOS DE PERIÓDICOS PARA O ESTADO DA ARTE ... 161

ANEXO A – DECRETO FEDERAL Nº 7212, DE 08 DE ABRIL DE 1938, QUE REGULAMENTA O REGISTRO E FISCALIZAÇÃO DAS ESCOLAS PARTICULARES ... 163

ANEXO B – DECRETO ESTADUAL DO RIO GRANDE DO SUL, Nº 7614, DE 12 DE DEZEMBRO DE 1938, QUE REGULAMENTA O ENSINO PARTICULAR... 165

ANEXO C – DECRETO DE CRIAÇÃO DA ESCOLA NORMAL (ATO Nº 10 DE 10 DE ABRIL DE 1836) ... 170

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1 ALINHAVOS INICIAIS

Neste instante, me senti uma artesã, bordando um grande pano de linho branco, tentando seguir um esboço, incipiente, feito de traços e contornos que, aos poucos, vão tomando forma e sentido. Não foram poucos os momentos em que me vi desfazendo pontos já costurados ou, em tantos outros, reforçando marcas que mereciam o devido destaque. Do conjunto, porém, eu conseguia visualizar um projeto tomando forma. Restrições, limites, obstáculos, tudo agora passava a ser encarado como parte inerente ao processo criativo, em busca de possíveis harmonias, ainda que estas fossem feitas de pontos e contrapontos. (FISCHER, 2004, p. 545-546).

O trabalho de pesquisa que aqui se apresenta construiu-se a partir de narrativas de memórias de ex-alunos(as) que estudaram em regime de Internato na Escola Normal Evangélica (ENE), localizada no município de São Leopoldo/RS, entre os anos de 1950 e 1966. As palavras iniciais de Fischer (2004) inspiraram-me na realização desta escrita, uma vez que elas traduzem meu sentimento enquanto pesquisadora na produção deste trabalho. Para a realização das costuras, faço uso das memórias narradas e dos conceitos e estudos desenvolvidos pelos teóricos e pesquisadores com os quais optei por dialogar. O tema central que envolve esta investigação é a análise das práticas desenvolvidas na ENE, bem como a apreciação da cultura escolar desenvolvida nesta Instituição de ensino, no contexto da temporalidade elencada.

O recorte temporal escolhido para esta pesquisa, 1950-1966, justifica-se porque, no ano de 1950, essa instituição reiniciou suas atividades na cidade de São Leopoldo/RS, passando a ser reconhecida sob o nome de Escola Normal Evangélica, permanecendo nesse local até o ano de 1966, quando ocorreu sua transferência para a cidade de Ivoti/RS. Nesse sentido, a ênfase recai no período em que a instituição funcionou em São Leopoldo/RS.

A escolha por esse objeto de pesquisa, a Escola Normal Evangélica, ocorre, entre outros fatores, pela percepção de que há um desconhecimento, por muitos moradores da cidade de São Leopoldo/RS, sobre o fato de essa instituição de ensino, hoje em funcionamento na cidade de Ivoti/RS1, ter pertencido ao município décadas atrás. Observei esse aspecto durante minha busca por documentos e registros da história dessa escola na cidade. Nesse sentido, a presente pesquisa visa a contribuir, também, com a historiografia da educação de São Leopoldo. Além

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disso, vale destacar que a entidade foi uma das primeiras instituições confessionais com Internato a propor, aos seus alunos e à comunidade que atendia, uma coeducação2 já nas primeiras décadas do século XX – algo que pode ser considerado muito raro, se analisarmos as Histórias das Instituições Educativas do nosso Estado nesse período.

A história da ENE nos remete para o período entre o fim do século XIX e o início do século XX, quando imigrantes alemães, após chegarem ao Brasil, começaram a perceber uma ausência de escolas nas regiões nas quais estavam localizados. Houve, então, uma organização entre eles, entendendo que, para oferecerem aos seus filhos uma educação como recebiam na Alemanha, ofertada pela igreja ou pelo governo de forma gratuita, teriam de aqui criar e manter instituições que formassem professores teuto-brasileiros.3 Em 1909, iniciaram-se as atividades do Seminário Evangélico de Formação de Professores Alemães junto aos asilos Pella e Bethânia, na cidade de Taquari/RS. Esse seminário é que, com o passar dos anos e após transferências de cidades, passou a se denominar, em 1950, Escola Normal Evangélica4.

A instituição que apresento como meu objeto de pesquisa continua a escrever sua história nos dias atuais, entretanto em outra cidade e com outra nomenclatura, conforme apontado anteriormente. Sendo assim, a ENE já não existe mais no espaço e no tempo, a não ser nas memórias daqueles que a conheceram e vivenciaram seu ambiente em tempos pretéritos. Essa é uma das justificativas para a escolha da metodologia que utilizo nesta investigação, a História Oral.

A História Oral, enquanto metodologia de pesquisa, não tem a pretensão de encontrar respostas para os questionamentos referentes à vida dos alunos nesse espaço do Internato evangélico em São Leopoldo, uma vez que “a História Oral é capaz apenas de suscitar, jamais de solucionar questões; formula as perguntas, porém não oferece as respostas”. (AMADO; FERREIRA, 1998, p. xvi, grifo dos autores).

2 Segundo o dicionário português, a coeducação, também conhecida como educação mista ou ensino misto. É a designação dada aos modelos educativos em que, pelo menos do ponto de vista organizativo, não é tido em conta o sexo do educando ou educanda na determinação do percurso escolar e acadêmico. Os modelos coeducacionais tiveram um rápido avanço nos últimos decênios, em parte devido à aceitação da premissa de que esses modelos podiam facilitar a igualdade de oportunidades entre gêneros. (COEDUCAÇÃO, [2017?]).

3 Conforme Hoppen ([19--]).

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Para além de levantar questionamentos, e organizar perguntas sobre essa instituição, a escolha por essa metodologia ocorreu, dentre outros motivos, por ser "um dos meios que promovem aproximações entre a História e a memória", de modo que "possibilita certo afastamento da documentação de caráter oficial das instituições educativas, que muitas vezes não traduzem as experiências vividas no contexto escolar". (GRAZZIOTIN; ALMEIDA, 2012. p. 36). Desta forma, as memórias que foram narradas pelos sujeitos da pesquisa e que, posteriormente, passaram pelo processo de transcrição e análise, tendo como meio a História Oral, tornaram-se os documentos base que compõem o corpus empírico desta investigação.

Não tomarei as memórias narradas como sendo únicas e verdadeiras deste tempo de internato, por entender que documentos oficiais ou memórias orais produzem regimes de verdade5. Ambos possibilitam uma construção histórica a partir de um ponto de vista. Além disso, conforme aponta Amado (1995), a memória é subjetiva; as narrativas de memórias possuem uma certa dose de criação, imaginação e ficção. Portanto, minha pretensão é de escrever uma história possível, com base em relatos, registros escritos e imagens do período a ser estudado.

É importante pontuar que minha própria história entrelaça-se à história da Escola Normal Evangélica. Minhas memórias de infância remetem-me ao cenário de um internato, não por ter sido aluna interna, mas pelas histórias que me eram narradas pela minha avó materna, Valesca Hepp Schütz, sobre sua experiência em ter trabalhado em uma instituição com internato em São Leopoldo. Recordo-me de recorrentes histórias que ela contava, relatos estes que incluem: o seu primeiro dia na função de merendeira da escola, quando ela não conseguiu terminar a alimentação a tempo da janta dos internos; as festas que ela e suas colegas de trabalho faziam quando era período de férias escolares; ou ainda os alunos de que ela se lembrava, os quais vinham de cidades distantes para ali estudar e morar. Foi nessa escola, também, que meus avós se conheceram. Meu avô, que na época era entregador de leite, entregava os pedidos da escola para a minha avó, que, por sua vez, trabalhava na cozinha dessa instituição e, assim, os recebia. Foram muitas

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outras histórias e momentos que ela rememorava sobre esse local, juntamente com suas irmãs e amigas nas rodas de chimarrão; contudo, somente com o passar dos anos, fui percebendo que suas memórias tinham, como pano de fundo, o cenário da ENE e seu internato.

Algo que deve ser destacado é que este estudo se inscreve na perspectiva historiográfica da História Cultural, de modo que entendo a memória como documento. A fim de compor um conjunto de documentos, juntamente com as narrativas de memória dos(as) ex-alunos(as) da instituição, realizei buscas por diferentes espaços institucionais. As buscas por documentações da Escola Normal Evangélica foram longas, iniciando-se antes mesmo do meu ingresso no Mestrado em Educação na Unisinos, uma vez que este também foi objeto de pesquisa do meu trabalho de conclusão de curso (TCC)6, que realizei nesta mesma universidade, entre os anos de 2009 e 2010.

Ao me encaminhar para as últimas disciplinas do curso de graduação em Pedagogia, no qual ingressei em 2005, na última produção da disciplina “Ambiente de aprendizagem”, ministrada pela Prof.ª Dr.ª Marita Redin, minhas colegas e eu fomos desafiadas a apresentarmos fotos, relatos e/ou produções de diferentes espaços de educação, com que tivéssemos contato direto ou não, para o restante da turma. Incentivada pela minha mãe, apresentei, pela primeira vez, fotos guardadas pela minha avó e alguns desses relatos que ouvia dela sobre a Escola Normal Evangélica. Iniciaram-se, nessa ocasião, meus primeiros passos na pesquisa, tendo essa escola como objeto de estudo.

O primeiro contato com a metodologia da História Oral aparece vinculado à minha pesquisa de trabalho de conclusão de curso, no qual, orientado pela professora Dra. Beatriz Fischer, utilizei narrativas de cinco senhoras, funcionárias da ENE, que desempenharam suas atividades na limpeza e na alimentação, entre as décadas de 1950 e 1960, a fim de compreender suas relações com o espaço do internato, bem como com a escola, professores e alunos da instituição. Desse estudo, destaco a narrativa de Veleda Arendt, quando apresentou, em sua fala, a afirmação: “a gente era funcionária, mas nem por isso..., a gente sabia que tinha alunos lá que estavam lá porque ganharam bolsa de estudos, então eu me dei muito

bem com as alunas.” (Entrevista Veleda Arendt, 2009). Nelsi Hepp, que também

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entrevistei na ocasião, apresentou um outro elemento de destaque sobre seu vínculo com a escola: “Meu relacionamento com os professores foi sempre de colega, [...] a gente ia na casa deles, isso unia muito, [...] mas também foi a música, porque eu

gostava de música” (Entrevista Nelsi Hepp, 2009)7.

Ao concluir esse estudo, fui convidada pela orientadora deste trabalho a participar do 16º Encontro de Pesquisadores em História da Educação, promovido pela ASPHE (Associação Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em História da Educação), que ocorreu na cidade de Porto Alegre/RS, no ano de 2011. Nesse evento, tive a oportunidade de socializar a investigação realizada em um simpósio temático, bem como de ouvir sobre estudos e achados de outros pesquisadores que trabalharam com a metodologia da História Oral, sentindo-me impulsionada a continuar nesse caminho, trabalhando com memórias a partir dos relatos orais.

Mesmo não me graduando em História, desenvolvi familiaridade com determinados procedimentos vinculados à historiografia, através de algumas disciplinas da graduação e da escrita do trabalho de conclusão de curso. Esse percurso estimulou meu interesse no campo da História da Educação, fazendo com que retornasse à pesquisa, agora em nível de Mestrado. Por entender que alguns caminhos para pesquisa ficaram em aberto com esse primeiro trabalho realizado em 2010; por perceber o envolvimento afetivo que desenvolvi ao longo dos anos com esta instituição, desde a minha infância, pelas histórias que me eram narradas pela minha avó materna; e por compreender que ainda há muitas possibilidades de pesquisa com essa instituição de ensino, senti-me motivada em dar continuidade a esse estudo, tendo a ENE como meu objeto de pesquisa.

Durante o trabalho investigativo executado na graduação, realizei o levantamento de alguns livros que retratam a história da escola por parte de pessoas que a vivenciaram em algum período, como alunos, professores, funcionários e gestores. Esse levantamento, que resultou em um total de três livros memorialísticos, ajudou-me a conhecer e me aproximar da história dessa instituição pelos olhares de quem por ali passou. Entretanto, a parte documental para esta nova pesquisa não poderia se limitar a apenas esses livros. Assim, entre os anos de 2016 e 2017, realizei as entrevistas de história oral com seis ex-alunos(as) que estudaram em regime de internato nessa instituição, sendo quatro homens e duas

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mulheres, a saber: Luiz Bencke (72 anos); Danilo Streck (69 anos); Hermedo Wagner (81 anos); Magnus8 (78 anos); Roswitha Dreher (72 anos) e Helga Porcher (74 anos)9. Após realizar as devidas transcrições, as narrativas orais se transformaram em documento escrito, contendo um total de 111 páginas, possibilitando-me a organização de algumas categorias de análise que emergiram após a leitura e o olhar minucioso sobre cada uma dessas narrativas. Tais narrativas configuram-se na documentação-base deste estudo.

Minha “caça” por outros documentos e marcas da história dessa instituição continuou no decorrer desses dois anos de pesquisa no Mestrado, com a finalidade de fortificar o corpus empírico deste trabalho. Primeiramente, procurei por vestígios da história da instituição pela cidade de São Leopoldo, local em que a entidade permaneceu em funcionamento no período do estudo em questão. Visitei o museu municipal Visconde de São Leopoldo em outubro de 2016. Para minha surpresa, verifiquei que não existem registros da escola no museu; apenas foi encontrado um livro que conta a história da escola, porém o mesmo já era do meu conhecimento. Fui ao museu da cidade, na expectativa de encontrar algum periódico, fotografias, ou atas de reuniões realizadas na escola, mas não obtive sucesso nessa primeira busca.

Ainda nesse processo de busca, contatei a escola em Ivoti, mediada por uma professora da instituição. Trocamos e-mails durante algumas semanas e, ao final de uma tarde de quinta-feira, em novembro de 2016, fui recebida na escola por ela. Marcamos a visita ao arquivo para o final do dia, pois, segundo a professora, o local onde se encontravam os documentos era muito quente e possuía pouca ventilação. Realmente, o dia estava muito abafado, o local estava quente e as poucas janelas da sala em que as caixas de arquivos se encontravam não ajudavam na circulação de ar do ambiente.

Deparei-me com a segunda surpresa inesperada deste trabalho de pesquisa. Segundo a professora, a escola não possui registros do período em que estou pesquisando. Ela me contou que a instituição se desfez de muitos arquivos ao longo dos anos, porque ficava inviável guardar todos os registros de alunos que por ali já passaram. Questionei sobre os registros fotográficos, e tamanha foi minha terceira surpresa para esta pesquisa: a professora me relatou que o álbum contendo as fotos

8 Nome fictício escolhido pelo entrevistado.

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antigas da escola havia desaparecido; alguém o havia solicitado, porém o material acabou se extraviando, não retornando para a escola. Ela então ressaltou que as fotografias eram eventos das décadas sobre as quais estou procurando vestígios. A escola chamava um fotógrafo para tirar as fotografias, e quem tivesse interesse podia, então, adquiri-las por meio de um mural no qual elas eram expostas. Algo que também chamou a minha atenção foi o fato de a escola não dispor de um museu escolar contendo registros de sua história e preservando as memórias da instituição. Segundo essa professora, o museu havia sido desativado, e muito material acabou voltando para essa sala de arquivos.

Meu tempo com ela na sala de arquivos da escola não durou muito, não mais que meia hora. A professora mostrou-me algumas caixas arquivos que estavam sobre uma mesa separada, contendo pastas com atas de algumas reuniões que ocorreram entre 1950-1960, como também algumas comunicações oficiais trocadas entre a escola, o Sínodo ou algum outro representante do Conselho da época. Ela manuseava aquelas folhas, que eram muito antigas e que realmente me pareciam bem frágeis, muitas delas registradas em um papel fino e delicado, estilo papel vegetal. Confesso que não tive muito tempo para ler aqueles documentos; meus olhos corriam pelos papéis, tentando encontrar algo de familiar em seus escritos, enquanto ela os folhava. Entre uma passada de documento e outra, realizei, com

Fonte: arquivo pessoal da autora.

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sua permissão, alguns registros fotográficos, porém poucos. Surpreendeu-me também o fato de todos os arquivos guardados desse período estarem armazenados em não mais do que duas caixas arquivos. Em uma delas, lia-se na etiqueta de identificação: “ASSOCIAÇÃO EVANGÉLICA DE ENSINO, DOCUMENTOS HISTÓRICOS 1946 A 1990”.

Outro ponto que também me chamou a atenção, nessa rápida visita ao arquivo, foi o fato de a escola possuir mais registros em décadas anteriores à minha pesquisa do que nos anos sobre os quais eu estava à procura de documentos. Esses registros de décadas anteriores a 1950 estavam organizados em pequenos livros, e neles se encontravam dados referentes ao número de alunos, indicando quantos eram internos e externos; registros de matrículas, gastos com o internato, compras, pagamento e demais registros orçamentários. Entretanto, todos esses livros contendo tais registros estão escritos em alemão gótico. Segundo a professora, eles eram organizados pelo diretor em gestão, como uma espécie de organização da escola para o ano seguinte, e que os registros em alemão eram algo comum para as décadas de 1920, 1930 e 1940 – ainda mais para uma escola de origem germânica.

Como a ENE é vinculada ao Sínodo Rio-Grandense e à Igreja Luterana, entrei em contato via e-mail com o arquivo da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB). Visto que não tive retorno do contato virtual, realizei uma visita, em setembro de 2017, ao arquivo, localizado em uma sala da Faculdade de Ensino Superior de Teologia (EST), a fim de encontrar registros de professores, alunos, planos de aula, ou outros registros da escola. Fui recebida pelo professor Me. Osmar Witt, que gentilmente ouviu sobre a minha pesquisa e minha busca pela documentação, mas que, infelizmente, não teve como contemplar minha procura. Explicou-me que ali encontram-se mais documentações da igreja, e não das escolas filiadas a ela. Os poucos registros encontrados foram de atas de solicitação de ajuda financeira para a construção do Seminário Evangélico e outros registros de diretores antes da Escola Normal, algo que não compreendia o período o qual pesquiso.

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certificados e a boletins escolares de seus períodos enquanto alunos da instituição, o que, de maneira grandiosa, veio a enriquecer a empiria desta pesquisa. Nesses guardados, pude perceber a forma como cada um(a) desses(as) ex-alunos(as) arquivava a sua vida (ARTIÈRES, 1998), seja em uma caixa, em sacos plásticos ou em álbuns fotográficos confeccionados com folhas sulfite – o modo pouco importa, mas, a cada fotografia revisada, ou recado (re)lido, uma emoção/recordação nova surgia.

No decorrer desta escrita, apresento, então, alguns dos documentos iconográficos arrecadados ao longo desse tempo da pesquisa. Algumas imagens foram cedidas pelos entrevistados, outras são parte de meu arquivo pessoal, assim como também há informações obtidas por meio dos livros que retratam a história da instituição. Tratando-as como documentos de memória, utilizo as fotografias, pois elas, segundo Burke (2004, p. 17), “nos permitem ‘imaginar’ o passado de forma mais vívida”. Vidal e Abdala (2005) reforçam a importância de se utilizar as fotografias como fontes para o estudo da História da Educação. Nesse sentido, entendo as imagens como representações “tanto das coisas visíveis como das invisíveis”. Desta forma, não utilizarei as imagens apenas como complemento do texto, mas sim de forma que o conjunto desses registros seja “protagonista da mensagem escrita, ao trazer à escola o mundo tal qual ele deve ser percebido.” (BASTOS; LEMOS; BUSNELLO, 2007, p. 44).

Em agosto de 2017, tomei conhecimento de um periódico intitulado “O Arauto”, criado por alunos da Escola Normal Evangélica na década de 1950, período que abarca minha investigação. Entrei em contato com o professor que pesquisou, em seu trabalho de conclusão de curso10, esse periódico, a fim de ter acesso a tais registros. Após muitos e-mails trocados, ao longo de três meses, estive, em uma segunda oportunidade, no Instituto Ivoti, desta vez em novembro de 2017. Nesta ocasião, fui recebida pelo professor de História da instituição, Lucas Breunig, que intermediou minha visita, e pelo diretor da instituição, Everton Augustin. Nessa oportunidade, pude relatar a ambos meus insucessos nas buscas por documentações da escola e ter acesso aos periódicos que foram digitalizados durante a pesquisa desse professor.

Após selecionar alguns exemplares desse jornal estudantil, utilizando, como critérios de seleção, os assuntos abordados pelos ex-alunos em suas narrativas e as

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categorias de análise pré-estabelecidas por mim, tive o acesso a esses arquivos liberados, os quais totalizam vinte e quatro exemplares do periódico e se juntam ao corpus documental desta pesquisa.

É importante salientar que não podemos fazer uso da imprensa de forma ingênua, caindo na “ideia de que o jornal cumpre a nobre função de informar ao leitor o que se passou, respeitando rigorosamente a ‘verdade dos fatos’.” (LUCA, 2015, p. 138). Entretanto, tendo um olhar crítico sobre a documentação, sabendo que é um ponto de vista sobre determinada situação, espaço ou objeto, a utilização do periódico estudantil, artefato preservado da cultura escolar, ajuda-nos a ampliar o campo de discussão acerca da rotina, do dia a dia e do espaço da ENE, a partir do olhar e da escrita dos alunos, levando em consideração que “os impressos estudantis, apresentados como fonte, podem representar uma possibilidade de recriação de um dos objetos intensamente abordados nas pesquisas em História da Educação, qual seja as instituições educacionais.” (AMARAL, 2002, p. 120).

A seguir, apresento a relação dos documentos que consegui reunir para análise:

Tabela 1 - Relação dos documentos selecionados ao longo da pesquisa

QUANTIDADE DESCRIÇÃO DO DOCUMENTO

03 Livros memorialísticos da instituição11 01 Livro didático de Língua Portuguesa

01 Trabalho manual realizado na Escola Normal

03 Boletins escolares

01 Dissertação de Mestrado sobre a Instituição12

23 Registros fotográficos de distintas temporalidades da ENE

24 Periódicos “O Arauto” do período de 1954 a 1964 06 Narrativas de memórias de ex-alunos(as) da Instituição

Além da procura por documentos, outro processo já realizado para a escrita do projeto de qualificação desta pesquisa foi o Estado da Arte. Esse percurso, na

11 HOPPEN, Arnildo. Formação de professores Evangélicos no Rio Grande do Sul I Parte (1909-1939). São Leopoldo: Gráfica Sinodal, 19??, 71p. MUSSKOPF, Egon Hilario. Construindo. Formação de Professores Evangélicos no Rio Grande do Sul II parte (1939-1999) – São Leopoldo – Ivoti. Novo Hamburgo: Echo, 1999. NAUMANN, Hans Günther. Se você não assumir... Recordando a caminhada de um professor de professores. São Leopoldo: Sinodal; Novo Hamburgo: Echo, 2009. 391p.

12 GOMES, Derti Jost. Seminário Evangélico de Formação de Professores: origem e trajetória da Instituição e perfil dos egressos. Dissertação de Mestrado em Teologia. São Leopoldo: EST, 2005.

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busca por outras pesquisas que investigassem temática igual ou semelhante à minha, também se fez importante no processo de pensar a Escola Normal Evangélica como objeto de estudo. Ao realizar o Estado da Arte, percebi que a temática da cultura escolar, das práticas cotidianas e dos internatos já vem sendo debatida por outros pesquisadores na área da História da Educação, tanto na região sul do Brasil, como em outras regiões: centro-oeste, sudeste e nordeste.

Segundo Pesavento (2004, p. 67), “o método fornece ao historiador meios de controle e verificação, possibilitando uma maneira de mostrar, com segurança e seriedade, o caminho percorrido [...]”. Na intenção de realizar e apresentar com segurança o caminho investigativo que percorri nesse processo, escolhi acessar diretamente dois repositórios13 de teses e dissertações e apresentar os resumos dos trabalhos selecionados14, a fim de auxiliar futuros pesquisadores que se interessem por esse assunto ou por temas semelhantes. Nessas buscas e seleções, elenquei previamente seis descritores: Internato, Internato Escolar, Cultura Escolar, Memórias, Narrativas de memórias e Escola Normal Evangélica. Cabe destacar que, dos trabalhos encontrados e selecionados, apenas um utilizava o mesmo objeto de pesquisa – ou seja, tratava-se da mesma instituição que pesquiso, porém com objetivos, propostas e análise que se diferem das minhas nesta dissertação.

Os trabalhos que foram selecionados para leitura e discussão neste projeto totalizaram nove, divididos entre três dissertações e seis teses, as quais foram realizadas entre o período de 2005 e 2016. Em síntese, os trabalhos elencados me ajudaram a refletir e problematizar a pesquisa que estou desenvolvendo em muitos aspectos: a revisão histórica sobre internatos no Brasil, realizada por Conceição (2012); a trajetória da Escola Normal Evangélica, revisada por Gomes (2005); os estudos sobre a escola confessional, a história cultural, as práticas escolares e a cultura escolar, feitos por Santos (2012), Ortiz (2014), Souza (2015) e Velasquez (2016); bem como a revisão teórico-metodológica referente a memória e História Oral, explanada nos trabalhos de Almeida, D. (2007), Dalpiaz (2005), Diefenbach (2013) e Souza (2015).

Uma informação interessante, e que deve ser considerada nessa busca por outras pesquisas, é o fato de que, ao realizar o levantamento de trabalhos que

13 Banco de teses e dissertações da CAPES. Disponível em: <http://bancodeteses.capes.gov.br/banco-teses/#/>. Acesso nos meses de outubro a dezembro de 2016. Banco de teses e dissertações do IBICT. Disponível em: <http://bdtd.ibict.br/vufind/>. Acesso em dezembro de 2016.

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pesquisassem a cultura escolar em Internatos, mistos ou distintos em gênero, não foram encontrados trabalhos, além de Gomes (2005), que envolvessem instituições confessionais evangélicas e/ou luteranas. Todos os trabalhos que foram encontrados e selecionados, e que fazem referência a Internato, foram realizados com instituições confessionais católicas ou de outras origens, como escola pública ou Instituto Federal.

Este processo também me fez perceber que muitas das instituições que foram pesquisadas como internatos, dos trabalhos selecionados, são distintas em gênero, ou seja, destinadas ou para meninos ou para meninas. Além disso, a grande maioria dos trabalhos dedicou-se em pesquisar Internatos de origem confessional católica, destacando-se apenas o trabalho de Gomes (2005) como Internato evangélico, o que mostra a relevância desta investigação em pesquisar a cultura e as práticas desenvolvidas em uma escola/Internato mista, confessional evangélico-luterana, no período de 1950 a 1966 na cidade de São Leopoldo/RS.

Para a realização do Estado da Arte, também acessei a plataforma de alguns periódicos online, na busca de artigos que abordassem o assunto relativo a esta investigação. Escolhi os mesmos descritores para procurar artigos em quatro periódicos selecionados no repositório da Scielo15: Revista Brasileira de História, publicação da ANPUH16; Revista Brasileira de Educação, publicação da ANPED17; e Revista História da Educação, publicação da ASPHE. Os dois demais periódicos escolhidos para a pesquisa não estão disponíveis no portal da Scielo; desta forma, acessei os exemplares diretamente em seus sítios: Revista Brasileira de História da Educação (RBHE)18, publicação oficial da SBHE19; e Revista Educação Unisinos20, publicação do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEDU) da Unisinos. Foram selecionados nove artigos21 desses periódicos, de modo a ampliar a discussão neste trabalho.

Além da pesquisa documental e do levantamento de outros trabalhos na realização do Estado da Arte, também se fez importante o processo de escolha por

15 Scientific Eletronic Library Online. Disponível em: <http://www.scielo.br/?lng=pt>. Acesso em: outubro e dezembro de 2016.

16 Associação Nacional de História.

17 Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação.

18 Revista Brasileira de História da Educação. Disponível em: <http://www.rbhe.sbhe.org.br/index.php/rbhe/index>. Acesso entre outubro e dezembro de 2016. 19 Sociedade Brasileira de História da Educação.

20 Revista Educação Unisinos. Disponível em: <http://revistas.unisinos.br/index.php/educacao/index>. Acesso em: dezembro 2016.

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conceitos que nortearam e conduziram minhas reflexões ao longo dessa escrita. Para discutir o conceito de História Oral como metodologia de pesquisa, tomo como base os estudos desenvolvidos por Thompson (1992), Alberti (2004), Portelli (2016) e Ferreira e Amado (1998). Para abordar o conceito de Memória, utilizo as reflexões levantadas por Bosi (1987, 2003) e Halbwachs (2003). Considero a memória como uma representação do passado, e, para a discussão desse conceito de representação, faço uso dos estudos desenvolvidos por Chartier (1987, 1991, 2011). Já em relação ao conceito de práticas, parto das discussões levantadas por Certeau (1994); e, para o conceito de cultura escolar, utilizo os estudos desenvolvidos por Vidal (2005, 2009), Frago (1995, 2000, 2006), Julia (2001) e Benito (2017). Esses escritos formam a base teórica principal que sustenta o presente estudo.

Os estudos referentes a uma escola/Internato vão para além de considerar apenas a organização de sua rotina de aulas, ou as propostas de atividades, pois a escola, funcionando enquanto Internato, acaba responsabilizando-se por seus alunos durante todo o tempo em que estes lá se encontram, tornando-se, conforme Goffman (1974), uma instituição formativa total.

Seguindo nessa mesma ótica, Magalhães (2004) percebe as instituições que atendem em regime de Internato como instâncias educativas totais, ajudando-nos a pensar e a problematizar os tais estudos envolvendo as escolas/Internatos, discorrendo sobre algumas possibilidades a serem consideradas no decorrer das pesquisas:

Quando funcionando em regime de internato, a instituição escolar é uma instância educativa total, na qual é possível: considerar entre outros, os fatores de integração e de acompanhamento; analisar as instâncias de socialização, alteridade, autonomização, mobilização; reconsiderar os conceitos de aprendizagem, ativismo pedagógico, experiência emocional. Mas a influência da instituição educativa vai para além dos seus muros e defere-se no tempo, seja pelas transformações de caráter material, seja especificamente como representação, referência e memória dos indivíduos e dos grupos. (MAGALHÃES, 2004, p. 116)

Com relação ao que se considerar nas pesquisas sobre escolas/Internatos, Felgueiras (2008), explica que não temos como pensar as instituições em regime de Internato sem problematizar a relação espaço-tempo e sem pensar a relação da instituição com o meio no qual ela se insere. Assim, a autora pondera que

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respectivas obrigações dentro de uma quadrícula espácio-temporal, presente em documentos, estatutos, regras internas, etc... O que nos permite conhecer as rotinas a que as crianças estavam sujeitas, inferir as orientações pedagógicas e os objectivos proclamados da instituição, mas não nos deixa ver os espaços de conflito e negociação e os ritos perpetuados por rotinas. Conduz-nos para um campo mais formal da organização e actuação dos adultos com vista à educação das crianças, cuja existência é intuída. O que pressupõe que a análise do tempo, neste caso em internato, deve ser complementada com o estudo dos espaços e das relações internas nas instituições e destas com o meio local onde se inserem, tendo em conta os diferentes ritmos e tempos sociais. (FELGUEIRAS, 2008, p. 106).

Muitas são as possibilidades que as instituições de ensino oferecem para pesquisa. O tempo e o espaço das escolas são ricos produtores daquilo que podemos chamar de habitus22, a partir do qual pessoas que vivenciam esses estabelecimentos, em regime de Internato ou não, se reconhecem pela sua formação (BENITO, 2017). Esse habitus, que é internalizado pelos indivíduos e pela sociedade como um todo, e que faz com que nos reconheçamos por meio de movimentos, postura e práticas desenvolvidas, é desencadeado pela marca cultural, provocado através do ambiente escolar o qual frequentamos enquanto alunos.

O conjunto dos processos, momentos, tempos e objetos utilizados e desenvolvidos pelas instituições educativas é o que podemos denominar como a cultura desses espaços (FRAGO, 1995). A partir da observação e análise de ritos, regras, currículo, vestimenta, práticas, bem como de objetos materiais – mobiliários, cadernos, livros didáticos, símbolos, objetos punitivos e de coação –, conseguimos caracterizar a produção da cultura escolar estabelecida nos espaços educativos em pesquisa, sendo esse um dos objetivos desta investigação.

Minha pretensão, nesta pesquisa, não é de apenas descrever a trajetória da ENE, sua origem, transferências de municípios, ou simplesmente os percursos e percalços de sua história. A leitura dos trabalhos de pesquisa selecionados no Estado da Arte, como também as considerações realizadas por Magalhães (2004) e Felgueiras (2008), possibilitaram-me elaborar a seguinte questão norteadora deste trabalho: quais as representações presentes nas memórias dos ex-alunos internos

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da Escola Normal Evangélica, que estudaram entre os anos de 1950 a 1966, acerca da cultura escolar produzida nesse tempo vivido e nesse espaço compartilhado?

Dessa forma, a presente pesquisa tem como objetivo geral: identificar, descrever e analisar, a partir da narrativa de memória de ex-alunos(as), as

representações acerca da cultura escolar e as práticas cotidianas, produzidas no

Internato da Escola Normal Evangélica, na cidade de São Leopoldo, entre o período

de 1950-1966.

Destaco, ainda, os objetivos específicos para esta investigação:

a) Analisar as narrativas de memória de ex-alunos(as), no intuito de compreender as práticas desenvolvidas nesse espaço;

b) Problematizar a organização, a rotina e as relações estabelecidas entre o tempo e o espaço nessa escola;

Buscando organizar a escrita de forma a apresentar o resultado das análises e alcançar os objetivos pré-estabelecidos, o trabalho encontra-se estruturado em cinco partes, partindo destes meus “Alinhavos iniciais”, nos quais apresento minhas motivações para a pesquisa, minhas implicações com o objeto de estudo, as primeiras imersões na pesquisa documental e as seleções realizadas no Estado da Arte.

O segundo capítulo, intitulado “Linhas e Agulhas de uma produção escrita: aportes teóricos e metodológicos”, tem como objetivo apresentar e discutir os fundamentos teóricos que sustentam esta pesquisa; assim, começo escrevendo sobre a temática da História Cultural e suas implicações em relação a este trabalho. Esse capítulo está dividido em três subcapítulos, a saber: 2.1 “Entrevistas e entrevistados: relatos da experiência em História Oral”; 2.2 “Um estudo sobre práticas e cultura

escolar” e 2.3 “História Oral, memórias e representações de um Internato”. No primeiro, apresento os sujeitos da pesquisa, bem como a realização das entrevistas e a experiência que tive em cada uma delas. Nos dois últimos subcapítulos, discorro sobre os conceitos e teóricos que orientam e organizam este estudo.

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subcapítulos, a fim de organizar a reflexão. No 3.1 “A formação docente em questão”, tenho como propósito apresentar alguns aspectos referentes à formação docente no Brasil, partindo do século XIX, período em que foi instituída a primeira Escola Normal no País, na cidade do Rio de Janeiro, até o início do período Republicano, uma vez que a ENE era formadora de professores e teve sua origem nesse período. No 3.2 “Os primeiros passos para a Escola Normal”, apresento a formação da instituição e os anos iniciais de trabalho; finalmente, no 3.3 “A Escola Normal Evangélica em São Leopoldo”, discuto aspectos relevantes da cidade, bem como o período de instalação e funcionamento da instituição nesse município, até 1966, ano que ocorre sua transferência para a cidade de Ivoti/RS.

No quarto capítulo, “Entrelaçando marcas que merecem destaques: as

memórias de ex-alunos” apresento, então, as duas categorias que emergiram a partir das narrativas de memórias dos(as) seis ex-alunos(as) entrevistados(as) e suas respectivas análises, tendo como base os aportes teóricos escolhidos para esta pesquisa. Assim, elas aparecem subdivididas em: 4.1 “Mente e corpo, arte e fé: as práticas cotidianas na Escola Normal evangélica” e 4.2A gente tinha uma liberdade vigiada”.

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2 LINHAS E AGULHAS DE UMA PRODUÇÃO ESCRITA: APORTES TEÓRICOS E

METODOLÓGICOS

Este capítulo tem como objetivo apresentar os referenciais sobre os quais realizei minhas leituras, buscando embasamento para a realização desta pesquisa, com o propósito de dar legitimidade e credibilidade, no campo científico, à temática das memórias dos(as) ex-alunos(as) do Internato da Escola Normal Evangélica. As ideias dos autores e teóricos – bem como a metodologia que, ao longo deste capítulo e dos subcapítulos, será apresentada – foram escolhidas para serem os instrumentos na produção do meu estudo, tal qual um artesão elenca suas linhas e agulhas como instrumentos para a realização de um bordado em um grande pano de linho branco.

Tratando-se de uma pesquisa historiográfica, inscrita na área da História da Educação, a presente investigação busca delinear seus caminhos na perspectiva da História Cultural. Quanto a esse aspecto, vale destacar as palavras de Cinthya Veiga, quando atenta para as origens distintas entre a História da Educação e a História Cultural, fazendo duas observações importantes. A primeira é que “a história cultural é um método, uma concepção de abordagem, ao passo que a história da educação tem sido compreendida como uma ‘especialização’ da História.” (2003, p. 16). A segunda observação que a autora realiza, e na qual o trabalho se identifica, é que “a História da Educação está sendo entendida aqui enquanto um campo de investigações em que se torna cada vez mais necessário dar visibilidade aos seus diferentes objetos: a escola, o professor os alunos, materiais escolares [...]” (p. 19).

Partindo das considerações de Veiga (2003) e valendo-me de sua provocação a partir da argumentação de Hunt (1992), por meio da qual a autora observa que “não há como fazer história cultural sem discussão teórica sobre as relações entre cultura e sociedade” (p. 16), busco apresentar dois conceitos importantes referentes a essa abordagem: cultura e sociedade. Cabe ressaltar o alerta realizado pelo historiador Peter Burke (1992) quanto à dificuldade, cada vez maior, em se precisar o que é cultura.

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Peter Burke reflete sobre as múltiplas facetas admitidas pelo termo cultura nos últimos tempos, apontando, como alguns exemplos, os termos “cultura da pobreza”, “cultura do medo” e “cultura das armas”. Segundo ele, temas que hoje em dia muitas pessoas caracterizam como “cultura”, décadas atrás, eram acompanhados pelo substantivo “sociedade”. Devido a essa grande proporção que a terminologia adotou, Burke (2008, p. 09) afirma que fica “cada vez mais difícil dizer o que não faz parte da ‘cultura’”.

Benito Escolano (2017) também trata do fato de o conceito de cultura assumir grandes dimensões. Segundo o autor, o termo cultura foi uma grande construção intelectual, social e histórica que recebeu muitas definições ao longo do tempo.

O espaço que essa temática conquistou nas últimas décadas deu-se a partir das mudanças paradigmáticas ocorridas no campo da história, ao longo do século XX. Durante muito tempo, havia, por parte dos historiadores, uma visão positivista sobre os acontecimentos – período da história tratado como pertencente a um paradigma tradicional, o que Burke (1992, p. 10) caracteriza também como “visão do senso comum da história [...] considerado a maneira de se fazer história, ao invés de ser percebido como uma dentre várias abordagens possíveis do passado”.

O paradigma tradicional, adotado pela história ao longo dos séculos, é caracterizado pelas narrativas “dos grandes homens e dos grandes feitos”, de heróis e heroínas, governantes e membros de destaques das igrejas, ou seja, pessoas que apresentavam algum tipo de poder sobre a população. Outro ponto a destacar desse paradigma é o fato de os historiadores apresentarem uma história objetiva, narrando para as pessoas somente os aspectos considerados importantes dos acontecimentos – ou seja, era uma escrita da história ‘vista de cima’, com base em dados e informações obtidos por meio de documentos e registros ditos oficiais, afirma Burke (1992).

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intitulada “A ética protestante e o espírito do capitalismo” (1904), e o sociólogo Norbert Elias, com seu livro “O processo civilizador” (1939). Da mesma forma, Pesavento (2004) explica que, entre os séculos XIX e XX, outras formas bem diferentes de pensar o mundo, vindas de outras áreas que não a da história, aproximar-se-iam e se entrelaçariam a esse campo da ciência.

Já na França, o processo de percepção de uma História Cultural ocorreu distintamente ao da Alemanha, uma vez que, nesse país, evitava-se o termo cultura até bem pouco tempo atrás. O foco de estudos e pesquisas estava voltado a aspectos como civilização, mentalidades e representação coletiva (Burke, 2008). O marco inicial ocorreu nas primeiras décadas do século XX, com os historiadores Marc Bloch e Lucien Febvre. O historiador Ronaldo Vainfas (2011) destaca que tais pesquisadores lideravam um movimento denominado Annales e lutavam contra uma história a qual caracterizavam como historicizante ou événementielle23, uma história que não mantinha diálogo com outras áreas das ciências humanas e que buscava a verdade dos fatos em documentos ditos verdadeiros e autênticos.

Em 1929, foi criado, na França, por Bloch e Febvre, o periódico Annales d’Histoire Économique et Sociale, como mais uma forma de combater a velha história e renovar as pesquisas na busca por uma “história total”24. Propiciou o nascimento da história das mentalidades25, envolvendo os participantes desse movimento em uma “história problematizadora do social, preocupada com as massas anônimas, seus modos de viver, sentir e pensar.” (VAINFAS, 2011, p. 120).

O Movimento da École des Annales foi dividido em três gerações, conforme aponta Vainfas (2011), sendo a primeira liderada por Marc Bloch e Lucien Febvre, dedicando-se aos estudos de mentalidades, sentimentos, crenças e costumes na historiografia ocidental. Esses historiadores são considerados por muitos de seus contemporâneos como marcos da Nova História produzida na França. A segunda geração, liderada por Fernand Braudel – o qual dedicou seus estudos e problematizações a espaço e tempos históricos –, foi seguida pela terceira geração, liderada por historiadores como Jacques Le Goff, Emmanuel Le Roy Ladurie, Philippe Ariès e Alain Corbin, os quais aprofundaram os estudos referentes às mentalidades.

23 Événementielle = Evento

24 Expressão utilizada por Burke (1992).

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Burke (2008) apresenta dois historiadores sociais ingleses que exerceram grande influência para a chamada cultura popular: Edward Thompson e Eric Hobsbawm. O primeiro deles foi Hobsbawm, com a publicação da obra “História social do Jazz” (1959); e, em seguida, Thompson, a partir de seus estudos envolvendo a classe operária, publicou a obra “A formação da classe operária inglesa” (1963). Segundo o estudo realizado por Burke (2008), o historiador Thompson, ao longo da década de 1960, realizou conferências, fundou revistas e, devido ao grande número de seminários e artigos publicados, influenciou muitos historiadores a realizarem pesquisas, perspectivando e escrevendo uma história a partir de uma “visão de baixo”. Conforme explica Vainfas (2011), o estudo das mentalidades começou a entrar em declínio a partir de críticas de pessoas de fora, que rejeitavam os temas das mentalidades, e pelas críticas das pessoas de dentro, isto é, dos que faziam pesquisas nesse campo. Foi então que, a partir da década de 1980, novos temas e problemas de pesquisa começaram a ganhar o espaço destinado antes às mentalidades:

[...] o grande refúgio da história das mentalidades foi, contudo, o da chamada história cultural, refúgio este sim mais consistente, posto que, em suas principais versões, procurou defender a legitimidade do estudo do “mental” sem abrir mão da própria história como disciplina ou ciência específica -– o que não é de somenos importância – e buscando corrigir as imperfeições teóricas que marcaram a corrente das mentalidades dos anos 1970. (VAINFAS, 2011, p. 137).

A chamada História Cultural, também conhecida como Nova História Cultural, proporcionou a procura por novos objetos e novas abordagens, conforme o apontamento de Fonseca (2003, p. 61): “entre os chamados novos objetos, predominam a história da leitura e dos impressos, sobretudo os escolares, a história da profissão docente, os processos de escolarização, a cultura escolar e as práticas educativas e pedagógicas”. Nessa perspectiva, Lopes e Galvão (2001, p. 39) afirmam que a Nova História Cultural proporcionou aos pesquisadores a investigação de temas “antes considerados pouco nobres no interior da própria História da Educação”.

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etc.), de países, lugares e espaços cuja pesquisa era antes inimaginável. O “micro” ganha, assim, espaço nas novas formas de ver e de se fazer história.

A partir dessa mudança paradigmática, muitas foram as possibilidades de pesquisas ancoradas por meio da História Cultural. Caminhos e fontes a serem pesquisados se abrem aos historiadores de forma quase inesgotável, em que, conforme justifica Pesavento (2004), aos olhos e às mãos de pesquisadores, tudo pode vir a ser transformado em documento, dependendo apenas de qual questionamento será levantado a esses objetos.

2.1 Entrevistas e entrevistados: relatos da experiência em História Oral

As primeiras aproximações que tive com os ex-alunos que estudaram em regime de Internato na ENE e com suas narrativas de memórias ocorreram durante o ano de 2016. Passo, a seguir, a apresentar os sujeitos da pesquisa e a descrever como ocorreram as entrevistas de História Oral.

No mês de abril de 2016, por intermédio de uma senhora moradora da cidade de Ivoti e que participou do meu trabalho de conclusão de curso, Nelsi Hepp, consegui o contato de um ex-aluno dessa instituição, Hermedo Wagner, também morador da mesma cidade. Ele prontificou-se em me auxiliar com a pesquisa, participando de uma entrevista, contando-me sua experiência no Internato e, também, enviando-me uma lista de contatos via e-mail de antigos(as) ex-alunos(as) que ele sabia terem estudado nessa instituição. No total, eram onze pessoas nessa lista, com as quais entrei em contato por e-mail. Dos(as) onze ex-alunos(as) que contatei, apenas dois me retornaram e, infelizmente, eles não se enquadravam na temporalidade desta pesquisa.

No dia 28 do mês de agosto do mesmo ano, participei do “Dia do Ex-Aluno”26 no Instituto Ivoti, instituição que deu seguimento aos trabalhos iniciados pelo Seminário Evangélico de Formação de Professores, seguida pela Escola Normal

Imagem

Tabela 1 - Relação dos documentos selecionados ao longo da pesquisa  QUANTIDADE  DESCRIÇÃO DO DOCUMENTO
Figura 1 – Fotografia dos sujeitos da pesquisa
Figura 2 - Recorte do Periódico “O Arauto” (março e abril de 1960, número 053)
Figura 3 - Localização geográfica da cidade de São Leopoldo/RS (2016)
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Referências

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