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Corpos débeis e mentes fracas: a educação física nos Annaes brasilienses de medicina (1872 - 1879)

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Rev. Bras. de Iniciação Científica (RBIC), Itapetininga, v. 6, n.3, p. 22-33, jul./set., 2019.

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CORPOS DÉBEIS E MENTES FRACAS: A EDUCAÇÃO

FÍSICA NOS ANNAES BRASILIENSES DE MEDICINA (1872 -

1879)

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HEAVY BODIES AND WEAK MINDS: A PHYSICAL

EDUCATION IN THE BRAZILIAN ANNAES OF MEDICINE

(1872 - 1879)

CUERPOS DÉBALES Y MENTES FRACAS: UNA

EDUCACIÓN FÍSICA EN LOS ANNAES BRASILIENSES DE

MEDICINA (1872 - 1879)

Yuri Santos de Menez2

Felipe Lameu dos Santos3

Resumo: O século XIX apresentou mudanças significativas para o Rio de Janeiro. A realidade da cidade foi discutida e nos periódicos médicos foram registradas as possíveis soluções para os problemas que assombravam a sociedade do Rio de Janeiro. Movimento Higienista, educação física, ginástica foram artifícios utilizados para melhorar a qualidade de vida de quem vivia na capital brasileira da época. Os médicos recomendavam a ginástica para todas as pessoas, independentemente da idade, mas com diferentes aplicações. O presente texto traz um panorama do que os médicos da década de 1870 estavam articulando e dialogando sobre a Educação Física e a sociedade.

Palavras-chave: Educação física. Ginástica. Rio de Janeiro. Higienismo. Saúde.

Abstract: The nineteenth century presented significant changes for Rio de Janeiro. The reality of the city was discussed and the medical journals were registered the possible solutions to the problems that haunted the society of Rio de Janeiro. Movement Hygienist, physical education, gymnastics were artifice used to improve the quality of life of those who lived in the Brazilian capital of the time. Doctors recommended gymnastics for all people, regardless of age, but with different applications. The present text presents an overview of what the doctors of the 1870s were articulating and discussing about physical education and society.

Keywords: Physical education. Gymnastics. Rio de Janeiro. Hygienism. Health.

1 O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

- Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

2 Graduando em Licenciatura em Educação Física pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. E-mail:

ysmenez@hotmail.com.

3 Doutorando em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Docente do curso de Educação Física

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Resumen: El siglo XIX presentócambios significativos para Río de Janeiro. La realidad de laciudadfue discutida

y enlos periódicos médicos se registraronlasposibles soluciones a los problemas que asombraban a lasociedad de Río de Janeiro. Movimiento Higienista, educación física, gimnasiafueronartificios utilizados para mejorarlacalidad de vida de quienesvivíanenla capital brasileña de la época. Los médicos recomendabanlagimnasia para todas las personas, independientemente de laedad, pero con diferentes aplicaciones. El presente texto traeun panorama de lo que los médicos de la década de 1870 estaban articulando y dialogando sobre laeducación física y lasociedad. Palabras-clave: Educación Física. Gimnasia. Rio de Janeiro. Higienismo. Salud.

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Introdução

O presente estudo buscou compreender as propostas de Educação Física por parte dos médicos na cidade do Rio de Janeiro na década de 1870. O contexto da década de 1870 foi elegido como foco do estudo por ser um período de mudanças sociais e científicas significativas. No âmbito social, era o momento de crise do Império, da crise da escravidão e de fortalecimento dos movimentos republicanos (Alonso, 2002). No âmbito do pensamento médico, foi um período de renovação das Faculdades de Medicina, de uma maior aproximação da medicina experimental e de uma busca de soluções nacionais para os problemas médicos nacionais (Edler, 2011). Nesse contexto de mudanças que lançamos luz no nosso objeto.

Os documentos tornados fontes do conhecimento histórico (Lara, 2008) foram os artigos publicados nos Annaes Brasilienses de Medicina, impresso veiculado pela Academia Imperial de Medicina (AIM). O critério para seleção dos documentos pesquisados foi a presença do termo “educação physica” no título ou no corpo do texto do documento. No período de 1870 até 1879 foram encontrados 8 documentos que se enquadravam nos critérios sendo o primeiro no ano de 1872 e o último em 1879.

Os Annaes Brasilienses de Medicina, impresso oficial da Academia Imperial de Medicina, publicava matérias, artigos de opinião e atas das reuniões da AIM. Esses documentos podem dar indícios das propostas sobre diversos assuntos relacionados com a saúde e a medicina, no nosso caso, a Educação Física.

A AIM era composta por membros da elite médica que poderiam ocupar cargos dentro da Instituição como de presidentes e redatores (esse último diretamente relacionado com a produção dos Annaes Brasilienses de Medicina). Os impressos da AIM estavam voltados para assuntos médicos e/ou para a classe médica. A análise desses documentos foi realizada considerando os escritores e redatores dos impressos e o meio social em que os impressos circulavam, pois, a AIM e seus integrantes são figuras importantes para a compreensão dos documentos analisados nesse texto.

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Uma cidade que deveria ser higienizada pela educação física

A representação mais usual do pensamento médico do período sobre a cidade do Rio de Janeiro era de uma cidade suja, com diversas enfermidades, sem mobilidade, cortiços espalhados por todos os lados e repleta de miasmas (Costaet al., 2014; Melo, 2014a, 2014b). De acordo com o artigo do Médico Luiz Corrêa de Azevedo4 publicado nos Annaes:

Deu-se pois, por berço, a esta interessante geração brasileira, uma cidade mal delineada, mal construída, mal ventilada, úmida, quente, fétida, insalubre, mesquinha em proporções arquitetônicas e defeituosíssima no tocante a trabalhos de higiene pública, a polícia médica e à educação higiênica (Azevedo, 1872, p. 419).

Diante desta problemática, a qual enfatizava ser necessário que a cidade precisava ser higienizada, diversas eram as estratégias que os médicos propunham, uma delas era a educação física. Uma educação física que não era entendida como uma disciplina escolar, mas como uma dimensão da educação intelectual, moral e física (Gondra, 2004). A alimentação, a arquitetura dos edifícios, os exercícios físicos, a vestimenta, o asseioetc, tudo que estivesse ligado ao corpo poderia ser enquadrado dentro da Educação Física (Santos, 2016, 2017; Melo, 2014b). Tanto era amplo o conceito de Educação Física que Piragibe5 (1876) propõe a preocupação com a

vacinação das pessoas como forma importante de se alcançar a educação do físico. Essa Educação Física era baseada em um movimento começado na Europa que buscava promover a saúde pela modificação de hábitos e costumes, o Movimento Higienista (Soares, 2004). Embora as inspirações tenham sido das experiências europeias, era argumento entre os médicos de que no Brasil era preciso criar uma higiene a partir das especificidades nacionais. Argumento nesse sentido que pode ser observado nas páginas dos Annaes:

Se em lugar de se consultar gazetas médicas estrangeiras e listas farmacêuticas, tivesse a maior parte dos médicos clínicos a paciência de nacionalizar, de localizar suas investigações, poder-se-ia admirar o esforço supremo, a pertinácia inimitável do nosso ilustre presidente, o Sr. Conselheiro José Pereira Rego, que ultimamente mimoseou o mundo científico com o

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Luiz Corrêa de Azevedo foi um médico, nascido em Portugal e casou-se no Brasil. Em 1859 foi eleito membro titular da Academia Imperial de Medicina.

5 Alfredo Piragibe foi um médico nascido na cidade do Rio de Janeiro, em 1847. Em 1873 foi eleito

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brilhantismo trabalho de trinta e tantos anos de observações médicas do Rio

de Janeiro (Azevedo, 1872, p. 419).

A medicina encarava a higiene como forma de melhorar a saúde da população brasileira e acreditava que a Educação Física seria um meio para alcançar esse objetivo. O ambiente escolar passou a ser visto como local de disseminação dos conhecimentos, hábitos e costumes higiênicos. Para os médicos pesquisados, um hábito higiênico era a atividade física sistemática, mas especificamente e a ginástica. Segundo o Dr. José Pereira Rego Filho6:

Pois bem; quando todos os pensadores são de acordo em considerar de muito valor o ensino da ginástica, quer no ensino primário, quer no secundário, seja dado ao homem ou a mulher, entre nós, custa a crer, há quem duvide de sua importância, qualificando-o de imoral, como ainda não há muito se disse do alto da tribuna (Rego Filho, 1874, p. 296).

A Educação Física era encarada, por muito pensadores da década de 1870, com importância para a população que vivia no Rio de Janeiro, porém, a sua importância era questionada e duvidada por alguns, como foi relatado acima pelo Dr. José Pereira Rego Filho. A relação da Educação Física com o trabalho braçal, e do trabalho braçal com o elemento escravo, fazia com que parte das elites visse com maus olhos as atividades relacionadas ao corpo. As mesmas impressões podem ser percebidas em artigo de Góis Junior (2013):

Embora pudéssemos entender que o interesse público na introdução de uma educação física fosse razoável, muitos obstáculos se contrapunham a sua efetiva institucionalização. Por exemplo, nas escolas públicas o mais comum era a resistência da elite brasileira em permitir que seus filhos fizessem tarefas físicas, que para eles eram associadas ao trabalho manual [...] (Góis Junior, 2013, p. 154).

Muitos médicos acreditavam que o enfraquecimento dos corpos da população da cidade do Rio de Janeiro estava relacionado com a importação de hábitos estrangeiros que não seriam adequados a realidade brasileira, seu clima e seus costumes. Luiz Corrêa Azevedo apresenta argumentos nesse sentido:

6 José Pereira Rego Filho foi um médico. Em 1870 tornou-se membro titular da Academia Imperial de

Medicina. Era filho do Dr. José Pereira Rego (Barão do lavradio) que também era médico e importante higienista.

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Aquela antiga simplicidade de vestuário, aqueles alimentos simples e de fácil

digestão, aqueles costumes tropicais, trocaram-nos por absurdos hábitos. E este céu, sempre azul, esta natureza eternamente verde, de estio perene, não conseguiram amenizar o quadro nosológico de uma população que, para gozar saúde e robustez, só precisava consultar as vozes da natureza, que só por si desenvolve e alimenta muito, saturando o homem desse calor invariável que põe o seu organismo interno em constante permuta com o vivificante ambiente, tão suave e útil ao desenvolvimento (Azevedo, 1872, p. 421). A partir dessa interpretação, o clima da cidade do Rio de Janeiro não era o responsável pelo surgimento de doenças e sim os hábitos, o vestuário e a alimentação dos europeus que não eram favoráveis para o clima tropical encontrado na cidade. “A casaca de pano preto e o descomunal e incompreensível chapéu alto, das cortes de Europa, vieram a seu turno aumentar a temperatura desta zona, já quase tórrida em si” (Azevedo, 1872, p. 421).

Esses médicos defendem que, no passado, o Rio de Janeiro era agraciado pelo clima, e os hábitos dos nativos proporcionavam uma vida saudável. A alimentação era de fácil digestão, as vestimentas eram adequadas ao clima e os costumes dos nativos proporcionavam saúde, porém, com a chegada dos europeus e com os nativos fazendo uso dos hábitos, costumes, vestimentas e alimentação da Europa, fizeram com que as pessoas que viviam no Rio de Janeiro ficassem debilitadas (Azevedo, 1872). O clima, item de preocupação da higiene, também deveria ser levado em conta na construção de uma educação física adequada a realidade brasileira.

Esse ponto parece ser determinante para se pensar o papel da Educação Física nesse contexto. Não se tratava mais em se pensar que o brasileiro era fraco por natureza, seu estado debilitado estava relacionado com os hábitos não higiênicos e não adequados ao seu clima. A partir disso, cabia a higiene criar uma gramática do viver saudável que deveria ser ensinada na Educação Física. O Brasil não estava fadado ao fracasso, ele estava doente e assim a medicina deveria agir sobre a doença.

Um elemento relacionado à Educação Física que tinha relação direta com o clima era a arquitetura das construções. Ela apresentava uma grande importância para a formação do indivíduo saudável, na visão desses médicos, principalmente a arquitetura das casas, uma vez que o indivíduo passaria grande parte da sua vida nela. De acordo com o Dr. Luiz Corrêa de

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Azevedo (1872), as casas que eram construídas no Rio de Janeiro não apresentavam sistema de

ventilação, eram úmidas e quentes, sendo assim, as pessoas estavam expostas ao adoecimento, diferentemente das construções da Grã-Bretanha que além de ser um país agraciado pelo vento, a arquitetura privilegiava a ventilação dentro das casas (Azevedo, 1872). Aqui percebemos que a arquitetura européia servia de modelo para a ideal arquitetura higiênica do Rio de Janeiro. Mas vale atentar-se que servir de modelo não é o mesmo que propor uma cópia. A arquitetura deveria ser adequada ao clima quente e úmido do Rio de Janeiro.

A ginástica e a educação física do homem e da mulher

Uma das partes mais importantes da Educação Física era a ginástica. A Academia Imperial de Medicina propôs uma discussão sobre a ginástica nas escolas primárias e foram escolhidos como responsáveis por escrever um relatório sobre a questão, os médicos Rego Filho, Cesar e Santos (1874). Esse relatório foi aprovado por unanimidade pelos membros da AIM (Rego Filho, 1874-1875).

Segundo consta no relatório, para se obter o desenvolvimento da moral, era necessário também desenvolver o físico das crianças pela ginástica. Para atingir tal fim, as crianças deveriam ser educadas fisicamente pelas mães e pela escola. Na visão desses médicos, a ginástica ganhava destaque como exercício corporal ideal. Pode-se perceber no relatório que os médicos defendiam a inquestionabilidade das suas propostas.

No estado atual dos conhecimentos humanos bem fácil era a comissão o demonstrar a vantagem do exercício da ginástica, cientificamente exercida, e de todos os seus ramos para o desenvolvimento físico e moral da infância, e por consequência sua utilidade e absoluta necessidade nos estabelecimentos de educação [...] (Rego Filhoet al., 1874, p.70).

A educação do físico pela ginástica passava por dois polos principais: o sexo e a idade do praticante. A relação da ginástica e da educação física da mulher estava diretamente relacionada com a educação física das crianças. Era, segundo os médicos, dever das mulheres cuidarem dos filhos e proporcionarem uma criação saudável, e para que isso pudesse ser feito, elas não podiam ser levadas pelos anseios da vaidade (Azevedo, 1872). As mães eram consideradas berços dos futuros homens e fundamentais na formação de uma sociedade forte e

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apta para representar o Brasil e a Educação Física feita por parte das mulheres auxiliava nessa

importante contribuição (Silva, 1879).

Às mulheres cabiam, na visão desses médicos, a dedicação integral ao seu papel de mãe. A Educação Física para as mulheres tinha um fim, criação de mães higiênicas e higienizadoras. A mãe educada fisicamente criaria, para a nação, filhos da nação fortes, produtivos e saudáveis. Defendia o médico Azevedo (1872, p. 102) “seja a mulher perante o medico o molde de perfeição fisiológica, tanto quanto exemplo de compostura, de amenidade e de amor da pátria.” Nos relatos médicos há argumentos fazendo uso da religião para defender o papel das mães na sociedade que, era criar e educar os filhos. É interessante analisar que a mãe está em todo momento envolvida com a criação dos filhos, de um modo geral, inclusive deveria deixar de cuidar de si própria para se dedicar à criação dos filhos, em que os pais não representavam tamanha importância. Também é importante notar a proximidade da dimensão moral ligada à educação física, em especial para as mulheres na documentação pesquisada, como pode observar a seguir:

É ali, nesse magnífico molde que se fundem todas as grandes qualidades da mulher; qualidades e faculdades de mestra e protetora da humanidade ainda infante ao perfazer a sua aprendizagem. Digna e divina missão para a qual concedera o Criador a mulher as dores da maternidade, as carícias suas, que, em cada sorriso e cada lágrima dão à criança um evangelho de sensibilidade, e põe em contato imediato o coração do menino adorado e as esperanças vastas e incompreensíveis do pensamento de sua mãe [...] (Azevedo, 1872, p. 95). No caso da ginástica voltada para os homens, os médicos defendiam que a prática não podia ser a mesma ginástica praticada pelas mulheres. Seus argumentos passam pela biologização da diferença entre os sexos para defender uma ginástica voltada para a suposta diferença natural entre homens e mulheres. O que pode explicar é o fato da composição corporal dos homens ser diferente da composição corporal das mulheres, e, a função que as mulheres ocupavam na sociedade era diferente da função que os homens ocupavam, sendo assim, precisavam exercitar o corpo de maneiras diferentes.

Era preciso que os homens tivessem o corpo forte para fazerem os trabalhos mais árduos e defenderem a pátria e a família. Já as mulheres, não podiam ter um corpo forte porque além de torná-las esteticamente fora do padrão de beleza da época, não era útil para a função exercida

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por elas, e, além do mais “[...] é a graça e não a força que a torna querida e poderosa [...]” (Rego

Filho et al., 1874, p. 74). Esses mesmos autores continuam argumentando sobre o assunto.

Passando a aplicação da ginástica em relação aos sexos diremos que se a natureza deu à mulher e ao homem uma organização diferente e disposta à missão que cada um tem de exercer na terra, é claro que nem a mesma educação e nem os mesmos exercícios convêm a ambos; a ginástica ativa, conveniente ao homem, que a providência dotou de força e coragem para proteger a família e defender a pátria não pode convir à mulher (Rego Filho et al., 1874, p. 74).

E não é somente entre os sexos que havia distinção da ginástica praticada: o mesmo ocorria entre diferentes faixas etárias. “Todos os trabalhos e todos os exercícios devem ser convenientemente aplicados em relação às forças e à idade de cada indivíduo [...]” (Rego Filho et al., 1874, p. 75). Da mesma forma que a ginástica podia auxiliar no desenvolvimento intelectual e moral do indivíduo, ela também poderia atrapalhar caso viesse a ser feita de forma demasiada e inadequada segundo o sexo e a idade.

Outra questão importante era as relações entre a ginástica, a Educação Física e a infância. No final de 1875 estava sendo discutido pelos médicos na AIM o motivo da grande mortalidade infantil entre crianças de até 4 anos de idade. Por ser uma questão de higiene pública, ocorreram diversas especulações, como a falta de amamentação, aleitamento não materno, alimentação prematura ou insuficiente, a substituição da própria mãe pela ama

mercenaria7, ausência dos cuidados higiênicos, a fragilidade das crianças nessa idade em

adquirir doenças (Silva, 1875). Acreditava-se que a solução para a mortalidade infantil era uma educação física específica para os recém-nascidos, que deveria ser repensada e reformulada (Silva, 1875).

Educação física das crianças recém-nascidas é uma questão de economia social da maior importância, e que, desgraçadamente, não tem merecido dos poderes do Estado e da iniciativa particular a atenção e interesse que ela desperta, a pesar de sabermos que já entre alguns povos antigos a Educação Física dos filhos era para eles um verdadeiro sacerdócio (Silva, 1875, p. 122)!

7Ama mercenaria era uma mulher que era contratada para cuidar dos filhos da patroa. Era frequente a

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As crianças precisavam se exercitar, pois gozavam de muita energia que as tornavam

inquietas, dando assim o suporte para que pudessem conseguir enfrentar as suas futuras funções na sociedade (Rego Filho et al., 1874). Na puberdade, era necessário dar uma atenção maior para as meninas, uma vez que elas começariam a desenvolver os órgãos responsáveis pela fecundação, e também começaria o surgimento de diversas patologias que, por meio da ginástica, era possível evitá-las (Rego Filho et al., 1874).

Durante a velhice, as patologias relacionadas ao sistema nervoso são mais frequentes podendo afetar os músculos e o equilíbrio. Os exercícios ginásticos podiam trabalhar a musculatura e estimular o sistema nervoso fazendo com que ele lute contra as possíveis doenças e melhore a qualidade de vida do indivíduo. Exercitar o aparelho muscular podia trazer benefícios para o sistema nervoso e diminuir os danos causados pelas doenças (Rego Filho et al.,1874). Os autores relataram em seus documentos.

A medida que as impressões se multiplicam, que os nervos são vivamente impressionados, que a vida moral é mais enérgica, a ação muscular cai em languidez, a vida não se sustenta mais de uma maneira uniforme, e quando a falta de equilíbrio passa de certos limites, produz moléstias que não só acabam de alterar os órgãos enfraquecidos, mas também que perturbam e desnaturam a própria sensibilidade (Rego Filho et al.,1874, p. 75 e 76).

Os métodos ginásticos eram recomendados por todos os médicos como uma forma de manutenção da saúde, como exemplo disso, podia-se analisar a longevidade dos militares e agricultores que praticavam a ginástica ativa (Rego Filho et al.,1874). A ginástica, além de fortalecer o corpo, auxiliava no desenvolvimento intelectual e moral, e na diminuição de moléstias dos indivíduos, sendo assim, a prática dos movimentos era recomendada para ambos os sexos e para às diversas idades, de acordo com as aplicações específicas num processo de naturalização das desigualdades sociais entre os sexos e as idades. O saber médico, por meio da higiene e da educação física, buscava agir no corpo social e individual num projeto de construção da nação brasileira mais forte e saudável.

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Considerações finais

Os documentos pesquisados apontam os diversos meios que a Educação Física se fazia presente na época, da mesma forma de como ela era encarada como solução para alguns problemas que acometiam a sociedade naquele período.

Os artigos publicados no impresso pesquisado indicam que os médicos do Rio de Janeiro da década de 1870 representavam a cidade como um espaço pouco higiênico e repleta de miasmas. Pensando que a população brasileira estava fraca por ter uma educação higiênica inadequada, uma das estratégias para higienizar a população era a Educação Física.

A educação física não era entendida como uma disciplina escolar na documentação pesquisada. Ela era uma ferramenta da higiene para se alcançar a educação do físico na tríade da educação integral (física, moral e intelectual). A Educação Física abarcava uma gama ampla de aspectos, mas a que é dada grande atenção é aquela relacionada aos exercícios físicos, no caso a ginástica. Essa prática deveria ser adequada ao sexo e as diferentes idades do praticante. No caso da Educação Física da mulher, era prescrito um modelo de educação voltado para a formação da mãe e dos futuros filhos. Já os exercícios voltados para os homens tinha o objetivo de formar corpos fortes e produtivos. Ambos os modelos eram correlacionados com a formação da nação.

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Referências

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