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O EMPREGO DAS FORÇAS ARMADAS COMO GARANTIA DA LEI E DA ORDEM DO ESTADO BRASILEIRO

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Academic year: 2021

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O EMPREGO DAS FORÇAS ARMADAS NA GARANtIA DA LEI E DA ORDEM DO EStADO BRASILEIRO

Rodrigo Lima França*

Luciano Melo de Oliveira Júnior** Orlando Mattos Sparta de Souza*** Mariana Montez Carpes**** RESUMO

A pesquisa visa responder à seguinte pergunta: O emprego das Forças Armadas (FA) na garantia da lei e da ordem representa a solução para os problemas de segurança pública no Brasil? O emprego das FA em Operações de Garantia da Lei e da Ordem de forma episódica e pontual, conforme prescrevem os documentos de Defesa do Brasil, em ações que envolvam a agenda da Segurança Pública, particularmente no Estado do Rio de Janeiro, sugere uma análise em relação aos possíveis reflexos para a Defesa Nacional, tendo em vista que, em linhas gerais, sua missão precípua apresenta mais afinidade com assuntos de defesa do que com assuntos relacionados à segurança. Além disso, a situação atual que o país atravessa exerce papel relevante para que ocorram esses empregos com maior frequência. A necessidade de se manter o grau de operacionalidade e prontidão das Forças Armadas (FA) conduz a uma observação no tocante ao seu emprego em ações de segurança pública, que tem sido provocado, em certa medida, pelo alargamento do conceito de segurança citado nos documentos de Defesa Nacional. Desta forma, o trabalho pretende identificar os aspectos que devem ser observados para adoção do emprego das Forças Armadas nesse mister, alicerçado no entendimento da relação entre a Política de Defesa Nacional e o emprego do Poder Militar, nas ações de garantia da lei e da ordem. Ao final, pretende-se constituir mais uma ferramenta para auxiliar na gestão de defesa em todos ____________________

* Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Militares da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (PPGCM/ECEME). Contato: <lfpqdt@gmail.com>.

** Mestrando do da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (PPGCM/ECEME). Contato: <m.junior1612@hotmail.com>.

*** Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Militares da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (PPGCM/ECEME). Contato: <osparta@hotmail.com>.

**** Professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Militares (PPGCM) do Instituto Meira Mattos (IMM) da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME). Bacharel em História pela Universidade Federal Fluminense (2003), Mestre em Relações Internacionais pela PUC-RJ (2006), Doutora em Relações Internacionais pela Universidade de Hamburgo (2015). Foi bolsista PROMOB/PNPD do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) no projeto “O papel das questões de defesa, paz e segurança na inserção internacional brasileira” (2016). Foi pesquisadora associada ao Instituto de Relações Internacionais (IREL) da Universidade de Brasília (UnB), onde realizou estágio pós-doutoral em 2015 sobre processo decisório em Defesa no Brasil. Contato: < mariana.montez.carpes@gmail.com >.

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os níveis e oferecer material para auxiliar a tomada de decisões, no âmbito das Forças Armadas.

Palavras-Chave: Forças Armadas. Segurança. Garantia da Lei e da Ordem.

THE EMPLOYMENT OF THE ARMED FORCES AS GUARANTEE OF LAW AND ORDER OF THE BRAZILIAN STATE

ABSTRACT

The research aims to answer the following question: does the use of the Armed Forces (FA- acronym in Portuguese) to guarantee law and order represent the solution to public security problems in Brazil? The use of FAs in Law and Order Assurance Operations in an episodic and timely manner, as prescribed by the Brazilian Defense documents, in actions involving the Public Security agenda, particularly in the State of Rio de Janeiro, suggests an analysis in relation to the possible consequences for the National Defense, considering that in general terms, its primary mission has more affinity with defense matters than with matters related to security. In addition, the current situation that the country is undergoing plays a relevant role in making these employments occur more frequently. The need to maintain the degree of operationality and readiness of the FA leads to an observation regarding its use in public security actions, which has been provoked to a certain extent by the extension of the concept of security cited in the National Defense documents. This work intends to identify the aspects that must be observed for the adoption of the use of the Armed Forces in this task, based on the understanding of the relationship between the National Defense Policy and the use of the Military Power, in the actions of guarantee of law and order. At the end, it intends to constitute another tool to assist in the management of defense at all levels and to offer material to assist decision making within the Armed Forces.

Key Words: Armed Forces. Security. Guarantee of Law and Order.

EL EMPLEO DE LAS FUERZAS ARMADAS COMO GARANTÍA DE LA LEY Y DEL ORDEN DEL ESTADO BRASILEÑO

RESUMEN

La investigación pretende responder a la siguiente pregunta: ¿El empleo de las Fuerzas Armadas (FFAA) en la garantía de la ley y del orden representa la solución para los problemas de seguridad pública en Brasil? El empleo de las FFAA en Operaciones de Garantía de la Ley y del Orden de forma episódica y puntual, según prescriben los documentos de Defensa de Brasil, en acciones que involucran la agenda de la Seguridad Pública, particularmente en el Estado de Río de Janeiro, sugiere un análisis en relación con los posibles reflejos para la Defensa Nacional, teniendo en cuenta que en líneas generales, su misión precipua presenta más

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afinidad con asuntos de defensa que con asuntos relacionados a la seguridad. Además, la situación actual que el país atraviesa desempeña un papel relevante para que ocurran estos empleos con mayor frecuencia. La necesidad de mantener el grado de operativo y prontitud de las FFAA conduce a una observación en cuanto a su empleo en acciones de seguridad pública, que ha sido provocado en cierta medida por la ampliación del concepto de seguridad citado en los documentos de Defensa Nacional. De esta forma, el trabajo pretende identificar los aspectos que deben ser observados para la adopción del empleo de las Fuerzas Armadas en ese cometido, basado en el entendimiento de la relación entre la Política de Defensa Nacional y el empleo del Poder Militar, en las acciones de garantía de la ley y del orden. Al final, se pretende constituir otra herramienta para auxiliar en la gestión de defensa en todos los niveles y ofrecer material para auxiliar la toma de decisiones, en el ámbito de las Fuerzas Armadas.

Palabras clave: Fuerzas Armadas. Seguridad. Garantía de la Ley y del Orden. 1 INtRODUÇÃO

O emprego do Poder Militar em Operações de Garantia da Lei e da Ordem (Op GLO) vem-se incorporando de maneira crescente na agenda da Segurança Pública dos estados brasileiros nos últimos anos, principalmente no Estado do Rio de Janeiro. Desta forma, o presente trabalho pretende responder à seguinte pergunta de pesquisa: O emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem representa a solução para os problemas de segurança pública do Brasil?

O período pós-Guerra Fria assinalou um novo cenário no âmbito das relações entre os países, a perda da proeminência da paz westfaliana, que provocou uma mudança nos papéis atribuídos às Forças Armadas. Fuccille e Rezende (2013) afirmam que esse é o momento a partir do qual a América do Sul deixou de ser área prioritária para atuação dos norte-americanos. Para Kissinger (2015), a queda do muro de Berlim, conjugada com o acelerado processo de globalização, abriu espaço para que as relações internacionais adquirissem um viés cada vez mais multipolar, provocando ao mesmo tempo, uma revolução nos assuntos civis-militares e a ampliação no conceito de Segurança.

Dessa forma, o fim de um grande evento, como foi a Guerra Fria, abriu espaço para uma nova era na política internacional, restabelecendo parâmetros nas relações internacionais, colocando o indivíduo como ente a ser protegido (ROTHSCHILD, 1995).

Rodrigues e Souza (2012) afirmam que o fim do conflito bipolar colocou em evidência outras formas de exercício da violência, provenientes de acontecimentos que já ocorriam, como os processos revolucionários e guerras civis; o terrorismo e os movimentos guerrilheiros; o tráfico transnacional, configurando-se como novas ameaças.

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O rearranjo no cenário internacional, particularmente na América do Sul, implicou uma mudança da postura no que se refere ao setor de defesa brasileiro. Aquelas que eram consideradas como principais ameaças externas e internas, foram aos poucos, perdendo a importância. A Argentina, que tradicionalmente representou o potencial perigo externo no Cone Sul, e o inimigo interno, que até então levantava a bandeira da subversão, paulatinamente foram substituídos por novas ameaças, que provocaram uma guinada no que diz respeito ao preparo e emprego da expressão militar do Poder Nacional. Após o início do século XX, o Brasil “tornou-se essencialmente uma potência status quo, preferindo uma ‘via diplomática’ e com um interesse fortemente vestido da estabilidade regional” (BUZAN; WÆVER, 2003, p. 314).

A América do Sul caracteriza-se por considerável estabilidade, o que, segundo teóricos, está ligada mais à hegemonia brasileira do que à interferência dos Estados Unidos da América (FUCCILLE; REZENDE, 2013). No entanto, o fato de o Brasil possuir fronteira com outros dez países, dentre os quais figuram os principais produtores de cocaína do mundo - Colômbia, Peru e Bolívia1, constitui ameaça considerável e que impacta diretamente nas questões de maior relevância que decantam a segurança do país, o que, por sua vez, tem provocado recorrentes empregos das Forças Armadas para conter problemas de segurança pública, nas chamadas operações para garantia da lei e da ordem. Ultimamente, esse tipo de emprego tem sido o responsável por caracterizar a atuação marcante do estamento militar brasileiro na esfera da segurança.

Dessa forma, o trabalho foi acomodado sob o formato de uma pesquisa bibliográfica e documental que investigou os autores que abordaram os temas: defesa e segurança; securitização; segurança na América do Sul; e regionalização da segurança. Em seguida, pesquisou os trabalhos de autores que escreveram acerca das operações de garantia da lei e da ordem e dos dispositivos legais para emprego das Forças Armadas, para observar de forma ampliada o objeto de estudo da aplicação do Poder Militar, seguindo as bases do procedimento apresentadas por Raymond Quivy e Luc Van Campenhoudt, no livro “Manual de Investigação em Ciências Sociais” (QUIVY; CAMPENHOUDT, 2013).

Essa temática evidencia a interdisciplinaridade, uma vez que a base do trabalho está alicerçada nas Ciências Militares, que neste caso é perpassada por diversas áreas do conhecimento, tais como a Ciência Política, as Ciências Sociais e as Relações Internacionais.

Quanto à estruturação, o trabalho está dividido em seis partes: 1. Introdução; 2. Agenda de Segurança & Defesa no Brasil; 3. A Política de Defesa do Brasil; 4. 1 “A Colômbia é o principal produtor na região”, acrescentou o representante da UNODC no país, Bo

Mathiasen, mencionando que o Peru e a Bolívia, os outros produtores da América Latina, totalizam juntos cerca de 60.000 hectares. Disponível em: <https://exame.abril.com.br/mundo/onu-confirma-colombia-como-principal-produtor-de-cocaina-do-mundo/>. Acesso em: 01 out. 2017.

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Segurança X Defesa; 5. O emprego das Forças Armadas em Garantia da Lei e da Ordem, e 6. Considerações finais. Assim sendo, pretende-se concluir se o emprego das Forças Armadas como instrumento do Poder Militar do Estado representa a solução para os problemas de Segurança Pública nacional.

2 A AGENDA DE SEGURANÇA & DEFESA NO BRASIL

A sistemática do artigo está direcionada às Ciências Militares perpassando pelas áreas das Relações Internacionais e dos estudos de Segurança e Defesa, estabelecendo uma simbiose entre o emprego do poder militar e os principais fatores que orientam a segurança e a defesa no Brasil, substanciando o conceito entendido por Clausewitz (1984, p.87) em que “a guerra é a continuação da política por outros meios[...]”. Neste sentido, Buzan (2012) ressalta que os estudos atinentes ao conceito de segurança internacional surgiram, após a Segunda Guerra Mundial, de debates sobre como proteger o Estado contra ameaças externas e internas. Para Kissinger (2015), o fim da “Guerra Fria” promoveu uma multipolaridade nas relações internacionais, acelerada pelo processo de globalização. Processo este que influenciou diretamente o aparecimento de um ambiente operacional difuso e extremamente complexo, onde as ameaças se configuraram de formas diversificadas, provocando instabilidades e o consequente surgimento de conflitos locais e regionais.

Tal apreciação fomentou o surgimento do conceito de “multidimensionalidade” da segurança, para fazer face ao aparecimento de novas ameaças aos Estados Nacionais, particularmente no período que sucedeu a Guerra Fria. Saint-Pierre (2011) conceitua ameaça como uma representação, um sinal, uma disposição, gesto ou manifestação percebida como o prenúncio de uma situação não desejada ou de risco para a existência de quem percebe.

Neste sentido, estabelece-se um alargamento do conceito de Segurança Nacional, ratificado pelos documentos de Defesa do Brasil, implicando dessa maneira o aumento considerável do emprego das Forças Armadas em Operações para garantir a lei e a ordem no país, decorrente da debilidade e/ou fragilidade dos órgãos de Segurança Pública, requerendo, portanto, melhor preparo, no que se refere às táticas, às técnicas e aos procedimentos. Esse aumento tem causado preocupação no estamento militar do país, por provocar a sobreposição das atividades desempenhadas pelos entes responsáveis pela defesa, em relação às atividades e assuntos que originalmente são da competência daqueles responsáveis pela segurança.

Saint-Pierre (2011) afirma que, em caso de inadequação ou insuficiência de uma das instituições armadas responsáveis pela segurança do Estado, o governo deve assegurar sua recuperação, adotando uma tendência cada vez mais utilizada com a substituição de uma delas pela outra. Assim sendo, o monopólio da violência legítima baseada, no conceito weberiano de Estado, perde espaço neste artigo

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para as necessidades requeridas pela sociedade, na qual os instrumentos da força devem ser empregados de forma eficiente, eficaz e transparente, provendo os bens e serviços esperados pela sociedade.

Considerando as vicissitudes do termo “Segurança”, mesmo levando em consideração o significado adquirido na era moderna, abordaremos o assunto com um viés liberal, balizado por ideias de Thomas Hobbes, que defende que a segurança do indivíduo é obtida a partir do fortalecimento da autoridade do Estado.

Neste contexto, o emprego das Forças Armadas para garantia da lei e da ordem, está alinhado com o pensamento de Aron (2002), segundo o qual existe uma forte ligação entre os poderes político e militar, evidenciando assim uma relação de subordinação entre eles, uma vez que a política condiciona e norteia a formulação da estratégia, que, por sua vez, vai orientar a execução da tática.

3 POLÍtICA DE DEFESA DO BRASIL

A Defesa é uma atividade típica de Estado, tendo em vista que sua finalidade é constituí-lo e preservá-lo como ator. De acordo com Ceron (2012), ao longo da história, o uso da força militar teve papel preponderante na constituição do Estado como ator político e permanece como aspecto relevante para preservação de seu

status quo. Por esse ponto de vista, associa-se a defesa de um Estado e todas as

providências que ela exige, às suas Forças Armadas.

Dessa forma, por entender que se trata de questões muito específicas, a transferência dessa responsabilidade a outro setor governamental ou privado seria inviável, acarretando assim em dificuldades para sua gestão. Em contrapartida, as Forças Armadas, principal instrumento de defesa, estão engajadas em ações características das outras áreas do governo (CORRÊA, 2014).

Por seu turno, a Segurança Nacional é a condição que permite a preservação da soberania e da integridade territorial, a realização dos interesses nacionais, livre de pressões e ameaças de qualquer natureza, e a garantia aos cidadãos do exercício dos direitos e deveres constitucionais (BRASIL, 2016 b, p.5).

A Política de Defesa está intimamente ligada à expressão militar do poder de um país, o que não exclui a responsabilidade dos setores político e administrativo, nem tão pouco a participação da sociedade, constituindo-se num poderoso instrumento para a conquista e consolidação dos interesses da nação.

O ano 1995 marcou o início da empreitada brasileira para produzir uma Política de Defesa Nacional, que de fato se materializou em 1996, no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Em 1999, a criação do Ministério da Defesa (MD) evidenciou a existência formal de uma política civil de Defesa e fortaleceu a imagem do Brasil no cenário internacional (WINARD; SAINT-PIERRI, 2010). Com isso, o documento elaborado em 1996 sofreu um processo de revisão, com vistas a torná-lo mais exequível e abrangente (CORRÊA, 2014).

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O Decreto no 5.484, de 30 de junho de 2005, aprovou a Política de Defesa Nacional (PDN), na vigência do mandato do Presidente Lula, incluindo o conceito de segurança, seguindo os padrões da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização dos Estados Americanos (OEA), alargando a visão de segurança coletiva e cooperativa, em relação ao documento de 1996 (PEREIRA, 2010).

A PDN aprovada em 2005 foi uma continuação do documento lançado no governo de Fernando Henrique Cardoso, ao passo que a inovação do governo Lula foi a Estratégia Nacional de Defesa (END), lançada em 2008. Dessa forma, a PDN representa o documento de maior hierarquia da defesa nacional, enquanto que a END se constitui no desdobramento essencial dessa política visando à consecução das ações no campo da defesa nacional (ALMEIDA, 2010).

Neste prisma, Nye (2010) afirma que a política é o instrumento que dirige o poder, tanto no que se refere aos recursos, quanto ao que se refere ao comportamento, para que sejam obtidos os resultados pretendidos. O Poder Nacional (PN) manifesta-se em cinco expressões: política, econômica, psicossocial, militar e científico-tecnológica e, por definição “é a capacidade que tem o conjunto dos homens e dos meios que constituem uma Nação, atuando em conformidade com a vontade nacional, de alcançar os objetivos nacionais” (BRASIL, 2007, p. 15).

Entende-se com isso que a Política de Defesa deve ser um dos instrumentos de que dispõe o Estado, para orientar e direcionar a aplicação do Poder Nacional em acordo com as expressões supracitadas.

Em 2012, já na vigência do mandato da Presidente Dilma Rousseff, a Política de Defesa Nacional foi atualizada, passando a se chamar Política Nacional de Defesa (PND), partindo do princípio de que o Brasil é um país pacífico, porém não indefeso, ressaltando a importância dos campos do Pré-Sal, das riquezas da Floresta Amazônica e das maiores reservas de água doce do mundo. Além disso, surgiu no mesmo ano, o Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN), que tem por objetivo esclarecer a sociedade brasileira e a comunidade internacional acerca das ações relativas à Defesa do Brasil.

A Política Nacional de Defesa tem como premissas os fundamentos, objetivos e princípios dispostos na Constituição Federal e encontra-se em consonância com as orientações governamentais e a política externa do país e, juntamente com a END e LBDN constituem os documentos estratégicos de mais alto nível do País em questões de Defesa.

Em 2016, os documentos de Defesa passaram por outra atualização, missão atribuída às Forças Armadas, uma vez que a END 2016 trata do emprego do Exército Brasileiro em operações de garantia da lei e da ordem prevendo a atuação de forma episódica e pontual nesse tipo de operação (BRASIL, 2016a). Piletti assim destaca a atenção da Defesa brasileira para com as novas ameaças:

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[...] um conjunto disperso e múltiplo de fenômenos e atores, predominantemente não estatais e transnacionais, vem se tornando cada vez mais um importante alvo das políticas de segurança norte americanas e ocidentais, fato este que tem provocado um obscurecimento da tradicional distinção moderna entre conflitos externos e segurança interna. Estes novos atores e fenômenos de caráter não tradicional são definidos na política de defesa dos EUA como as “novas ameaças”. O conceito envolveria atividades diversificadas, tais como o terrorismo e o crime organizado em geral, destacando-se, por exemplo, o narcotráfico, o tráfico de armas e o de pessoas. (PILETTI, 2008, p. 8).

Ao mesmo tempo em que se considera a política de defesa parte importante das políticas de Estado ainda é notória a acanhada participação da sociedade nos assuntos de Defesa. Esse aspecto tem peso relevante, principalmente por se tratar de um estado democrático, onde a participação da sociedade viabiliza o aperfeiçoamento e a legitimidade das políticas adotadas. De acordo com Ceron:

A participação da sociedade nas questões de defesa pode ser considerada uma questão de cidadania, pois ao focar sua atenção nos temas governamentais, inclui a defesa. Como nas demais políticas públicas, que dizem respeito a todos os cidadãos e não apenas aos profissionais das respectivas áreas, assim também é a defesa, pois ultrapassa o campo de atuação do estamento militar e se inclui entre outros segmentos da sociedade. (CERON, 2012, p. 71)

Afinal, o emprego de tropa caminha no sentido da legitimidade à medida que a população compreende sua necessidade e o esforço empreendido pelo Estado para tal. Segundo Keynes (1970), esse esforço engloba ações de natureza política e econômica, que requerem lucidez e coragem:

A coragem estará próxima, se os líderes da opinião pública, em todas as partes extraírem da fadiga e da confusão da guerra, lucidez suficiente para compreenderem por si próprios, e explicarem ao público, o que é exigido e, então, proporem um plano concebido de acordo com o espírito de justiça social (KEYNES, 1970, p. 13).

Verifica-se que a legitimidade da atuação das Forças Armadas decorre do debate no campo político dos objetivos militares, de modo que essa atuação

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represente a manifestação dos objetivos políticos do Estado e, como tal, resultaria na divisão de responsabilidades em todos os níveis, implicando inclusive a divisão dos gastos gerados pelo emprego das tropas federais em Operações de GLO, para solução de problemas de segurança pública, ocorridos com grande frequência nos últimos anos.

4 SEGURANÇA X DEFESA

De maneira geral, observa-se que, após o fim da bipolaridade protagonizada pelos Estados Unidos da América e União Soviética, as agências responsáveis pela segurança externa em vários países do mundo passaram a atentar para as ameaças que se manifestam aquém das fronteiras, ao passo que as agências encarregadas pela manutenção da segurança interna passaram a enxergar, “do lado de fora”, seus inimigos organizados em redes, provocando uma convergência de ameaças que afetam o Estado (BIGO, 2000).

Essa convergência de ameaças, que combina agentes externos e internos, cria uma zona de convergência de responsabilidades nas duas dimensões da segurança: a que se volta para as ameaças externas e a que se ocupa com as ameaças internas, fazendo com que o Estado empregue seus instrumentos que eram até então, prioritariamente vocacionados para a atuação em questões de defesa, em questões de segurança interna, uma vez que o próprio Estado “detém o monopólio legítimo sobre os meios de violência dentro das fronteiras” (RUDZIT, 2010, p. 9).

O conceito ocidental de segurança explorado por Ayoob (1995) aponta que a segurança é o conjunto de medidas de proteção contra ameaças externas, contudo esse conceito não pode ser aplicado nos países atualmente denominados de “Sul”. Tal assertiva pode ser entendida pelo ponto de vista sob o qual as ameaças externas para os países de “Sul” ocorrem em menor escala, sendo suplantado pelas ameaças que se apresentam internamente, como narcotráfico, tráfico de armas, favelização, fragilidade da segurança pública (RUDZIT; NOGAMI, 2010).

No Brasil, após a queda do muro de Berlim, verificou-se uma modificação com relação às ameaças que compunham o cenário nacional. A fronteira sul, até então tida como área de tensão, cedeu lugar às novas ameaças tais como, terrorismo, narcotráfico, pobreza extrema, crescimento populacional desordenado, desigualdade de renda e questão ambiental, que com o passar do tempo trouxeram, para o ambiente brasileiro, características diferenciadas que podem ser descritas pelas iniciais em inglês VUCA (volatility, uncertainty, complexity and ambiguity)2.Esse ambiente provocou mudança 2 The VUCA concept seems to have been first introduced in the early 90s by the US Army War

College to refer to the multilateral world that emerged after the end of the Cold War and was characterised as being more Volatile, Uncertain, Complex and Ambiguous than ever before. Disponível em: <http://www.oxfordleadership.com/leadership-challenges-v-u-c-world/>. Acesso em: 27/09/17.

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nas hipóteses de emprego do Exército Brasileiro, que passou a atuar em diversas cidades do país, para fazer frente aos problemas internos gerados pelas falhas nas políticas de segurança pública dos estados da federação.

A posição geográfica do Brasil, que possui, entre seus dez países fronteiriços, os três principais produtores de cocaína do mundo (Colômbia, Peru e Bolívia)3, não só se constitui em ameaça considerável, como também é um fator de insegurança, uma vez que grande parte das questões que descalcificam a segurança pública nas cidades brasileiras está diretamente relacionada com o narcotráfico. No que se refere a narcotráfico, Rodrigues afirma que:

[...] o narcotráfico deixou de ser encarado apenas como um problema de segurança nacional estadunidense para ser, também, classificado como uma questão de segurança nacional de cada país que contasse com tráfico ilícito em seu território. Assim, despontava a avaliação, por parte dos Estados Unidos, de que o narcotráfico crescera ao ponto de ser, também, um problema de segurança regional. (RODRIGUES, 2012, p. 18-19). As crescentes ameaças tornaram ainda mais complexo o entendimento do conceito de segurança, o que fez Saint-Pierre explicar uma nova “segurança multidimensional”:

[...] mistura indiscriminadamente vários elementos de natureza diferente (como ameaça, perigo, desafio, inimigo), de origens variadas (como sociais, políticas, econômicas, ambientais, energéticas), que requerem vários tipos de respostas (econômicas, de saúde pública, culturais, educativas, militares, policiais), articuladas por diferentes agências do Estado (os diferentes ministérios e secretarias do Estado), da sociedade e das pessoas. (SAINT-PIERRE, 2011, p. 409).

No entanto, diante da tendência de expansão do conceito de segurança, deve-se considerar que nem todas as ameaças requerem uma resposta militar. O Estado possui outros instrumentos, além das Forças Armadas, para dar a resposta adequada para determinadas situações, englobando toda a essência do Estado (SAINT-PIERRE, 2011).

De acordo com Ayoob “uma situação de segurança/insegurança é definida em relação às vulnerabilidades, tanto internas quanto externas” (1995, p. 9). Considerando que “o Estado é a principal fonte de violência organizada, onde os agentes do Estado

3 Disponível em: <https://exame.abril.com.br/mundo/onu-confirma-colombia-como-principal-produtor-de-cocaina-do-mundo/>. Acesso em: 23 ago.18.

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caracteristicamente agem em quatro atividades distintas: fazer a guerra; formar o Estado; proteger a população; e extrair riquezas” (TILLY, apud RUDZIT; NOGAMI, 2010, p. 9), cabe a ele a adoção de medidas apropriadas para neutralizar essas ameaças, que, na maioria das vezes, necessitam de soluções rápidas.

Bigo (2000) aponta um caminho para se chegar à solução quando afirma que a segurança interna deve ser estudada como um processo de securitização, constituindo-se na capacidade de gerenciar e criar a insegurança. Porém, verifica-se que quanto maior a verifica-securitização, maior tende a verifica-ser a inverifica-segurança, afetando diretamente o bem-estar do indivíduo no âmbito da sociedade em que vive. Assim sendo, o ente responsável e capaz de reverter esse quadro é o Estado, que o faz apoiado em suas Instituições.

No entanto, na maioria das vezes, as respostas adequadas requerem muito tempo para se mostrarem efetivas, o que por intermédio do emprego das Forças Armadas isso é suplantado, tendo em vista que a “capacidade de mobilização, de manobra e a amplitude logística permitem respostas quase imediatas e espetaculares” (SAINT-PIERRE, 2011, p. 415).

Com isso, a solução encontrada para os problemas que afetam a segurança pública em vários Estados do Brasil tem, via de regra, convergido para o emprego das Forças Armadas em ações de Segurança Pública, exigindo cada vez mais, a flexibilidade e adaptabilidade dos chefes militares em todos os níveis.

5 O EMPREGO DAS FORÇAS ARMADAS PARA A GARANtIA DA LEI E DA ORDEM

A conjuntura nacional tem-se configurado em um ambiente com diversas ameaças nas quais as atividades ilícitas conjugadas com a ausência do poder público, concentração populacional, falta de políticas públicas e degradação ambiental provocam graves problemas de governança.

A Doutrina Militar Terrestre (2014a, p. 4-5) observa que o ambiente operacional se tornou congestionado, uma vez que as operações tendem a ser desenvolvidas prevalentemente em áreas humanizadas ou no seu entorno. Neste contexto, o crime organizado no Brasil encontrou um ambiente propício para ocupar o vácuo no poder, criado pela ausência do poder público nos grandes centros urbanos, com ênfase maior para a cidade do Rio de Janeiro, onde se observa o crescente emprego do Exército Brasileiro em Operações de Garantia da Lei e da Ordem, nas chamadas áreas não governadas.

As áreas não governadas podem ser descritas, portanto, como aquelas nas quais o poder central não é capaz de exercer o monopólio da violência, de controlar os limites

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fronteiriços, de influenciar a população e de manter a lei e os serviços básicos. Devido à falta de capacidade do governo central, as áreas não governadas passam a ser geridas por autoridades paralelas que preencham a lacuna estatal, muitas vezes conquistando apoio das populações locais. (GATES, 2010; LAMB, 2008; MENKAUS, 2007, apud MATEO, 2013, p.79).

O Ministério da Defesa (MD) define Operação de Garantia da Lei e da Ordem como uma operação militar determinada pelo Presidente da República, onde ocorre o emprego das Forças Armadas de forma episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado, em situações de esgotamento dos instrumentos para isso previstos, no Art. 144 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 ou em outras, em que se presuma ser possível a perturbação da ordem (BRASIL, 1988, p.90).

O emprego das FA em Op GLO, segundo a Doutrina Militar Terrestre (BRASIL, 2014a), ocorre em uma situação de não guerra, que se caracteriza pelo não envolvimento do Poder Militar no combate propriamente dito, exceto em circunstâncias especiais, onde este poder é usado de forma limitada. Segundo Oliveira (2016), no que se refere às principais operações de não guerra implementadas pelo Ministério da Defesa, o cenário atual tem demandado um esforço recorrente em Op GLO.

A missão das Forças Armadas está definida na Constituição Federal da seguinte maneira:

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da

lei e da ordem. (BRASIL, 1988, p. 89, grifo nosso).

Nesta senda, verifica-se que o emprego do Poder Militar perpassa a agenda da Defesa e coaduna com o sentido mais amplo de segurança, conforme previsto na Política Nacional de Defesa (PND), atualizada em 2016. De acordo com Buzan, “segurança é um conceito intensamente político” (1991, p. 13). Saint-Pierre (2012) tenta explicar essa ideia baseado na filosofia de emprego levando em consideração o conceito de “multidimensionalidade” aplicada à segurança, na qual considera o emprego das Forças Armadas face às novas ameaças, potencializadas muitas vezes por problemas sociais e pelo tráfico de drogas ilícitas, armas e munições. Buzan e Wæver (1997) ressalta que os estudos de segurança devem incorporar tanto as ameaças militares quanto aquelas advindas das áreas política, econômica, ambiental e societal.

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Figura 1 – Emprego das Forças Armadas em Operações da Garantia da Lei e da Ordem

Comando Militar de Área GLO (1988 - 2017)

CMA 21 CMN 01 CMNE 32 CML 39 CMS 04 CMO 12 CMSE 06 CMP 14 tOtAL 129

Fonte: COMANDO DE OPERAçõES TERRESTRES (COTER), 2018

**Não estão computadas as Operações nos presídios

Observa-se, na figura acima, o considerável emprego das Forças Armadas em Operações de Garantia da Lei e da Ordem no período de 1988 a 2017, excetuando-se as ações de varreduras deexcetuando-sencadeadas nos presídios. Todavia, nota-excetuando-se maior quantidade de operações no Comando Militar do Leste, que abrange os Estados do Espírito Santo, Minas Gerais e do Rio de Janeiro. O Estado do Rio de Janeiro, por sua vez, tem sido o palco em que essas operações têm tido ocorrência mais frequente, com destaque para a Operação Arcanjo, ocorrida nos Complexos da Penha e do Alemão, entre os anos 2010 e 2012, Operação São Francisco, realizada no Complexo da Maré, no período compreendido entre os anos 2014 e 2015 e a Operação Carioca, sucedida na área metropolitana do Rio de Janeiro e Niterói, em 2017.

Pensar no ineditismo do emprego das FA em assuntos de segurança pública é renegar um passado não muito distante, onde o Poder Militar Nacional era utilizado para conter problemas sociais e políticos no cenário nacional, sendo este o último instrumento do poder repressivo do Estado. Segundo Carvalho (2001, p.18), “o estudo meticuloso da História Militar pode proporcionar uma valiosa visão em perspectiva para o exame crítico dos problemas contemporâneos”. O Art. 177 da Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946 indicava tal postura da seguinte forma “Destinam-se as forças armadas a defender a Pátria e a garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem” (BRASIL, 1946, p. 89). A Constituição de 1967, no seu§ 1° do Artigo 92, também estabelecia a missão das FA da mesma forma.

Todavia, admitir que as FA sejam as únicas instâncias institucionais com capacidade de mobilização nacional com que contam alguns países (SAINT-PIERRE, 2011), é de certa forma preocupante. Países como a França e Itália possuem subsistemas policiais de caráter militar, como a Gendarmerie francesa e a Carabinieri italiana, organizações que possuem uma abrangência nacional que podem atuar,

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segundo Sapori (2007, p.47), “em situações de distúrbios da ordem pública, além de realizarem policiamento ostensivo e investigações criminais [...]”.

Considerando que segurança e defesa são dois extremos de um mesmo sistema, forças como a Gendarmerie e a Carabinieri são conhecidas nas grandes democracias como forças de terceiro tipo (ALMEIDA, 2014, p.86). Sua natureza e seu propósito podem ser visualizados, para fins de entendimento, entre as duas extremidades do sistema e, com isso, podem atuar quando da insuficiência, inexistência ou incapacidade das forças tradicionais de segurança pública, nesse mister. O devido emprego das forças de terceiro tipo, tal como se observa na maioria dos países que a possuem, tem a finalidade de evitar que as Forças Armadas se transformem em forças de polícia.

No Brasil, as atuações da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP), como força de terceiro tipo, “deram provas de eficiência e eficácia” (ALMEIDA, 2014, p.86). Assim sendo, esse que é um programa de cooperação do Governo Federal do Brasil subordinado à Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça (SENASP/MJSP) pode assumir maior relevância no assunto em tela, contribuindo de maneira mais contundente para a solução desse problema nacional.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Abordando os aspectos conclusivos, observa-se que no que se refere à utilização das FA na garantia da lei e da ordem, embora recorrente instrumento adotado pelo Estado cabe uma análise mais criteriosa em relação ao seu emprego, face aos problemas de segurança pública no Brasil. De acordo com Carvalho (2009), o emprego das FA é, infelizmente, normal, pois na medida em que nos momentos de grande convulsão e imprevisibilidade em matéria de ameaças à segurança, a tendência habitual é o refúgio na instituição, que é o último garante do poder coercivo do Estado soberano.

Almeida (2010) ressalta que não devem ser confundidas as demandas por defesa nacional com aquelas por maior participação das Forças Armadas no combate ao crime. Em 2017, o então Ministro da Defesa, Raul Jungmann, disse também em uma audiência no Senado, que existe uma “banalização” do uso das Forças Armadas para ações de segurança pública por meio de decretos de garantia da lei e da ordem, decorrente da crise da segurança pública4.

Todavia, é fato que o alargamento do conceito de Segurança, conforme consta nos documentos de defesa nacional, permitiu uma interferência maior dos assuntos de Segurança Pública na agenda da Defesa do país. Winand e Saint-Pierre (2010) ressaltam que a inocultável incapacidade de solucionar problemas de segurança

4 Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/ministro-diz-que-ha-banalizacao-do-uso-das-forcas-armadas-na-seguranca-publica.ghtml>. Acesso em: 23 mar. 2018.

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pública, que se abatem sobre a sociedade, provocou o governo brasileiro a bater com maior frequência, às portas dos quartéis, buscando soluções para a repressão do tráfico de drogas e do crime organizado, tendo em vista que os instrumentos constitucionalmente consagrados não as oferecem. Ressalta-se que preconizar o emprego do Poder Militar em questões de Segurança Pública sem a clara definição dos moldes em que estão calcadas a operação pode ocasionar dificuldades para alcançar uma especialização funcional, que, muitas vezes, as FA não devem possuir, e que por este motivo podem provocar consequências danosas ao preparo e emprego da força.

Observa-se que o emprego das FA em ações de GLO não constitui uma tendência atual, tendo em vista as diversas oportunidades nas quais as forças federais colocaram seu braço forte à disposição do país, para solucionar problemas de segurança internos. Essa atuação se constitui uma característica intrínseca à formação do Exército nascido em Guararapes, que teve suas participações direcionadas pelos artigos especificados nas Cartas Magnas do Estado brasileiro, promulgadas e outorgadas ao longo da história do país.

Clausewitz (1984, p. 723) afirma que “as transformações sofridas pela arte da guerra resultaram de transformações ocorridas na política. Longe de afirmar que as duas poderiam ser dissociadas uma da outra, estas mudanças são uma prova concreta de sua ligação indissolúvel”. Neste sentido, embora esteja previsto na Constituição Federal de 1988 que as FA devem atuar na GLO, esta atuação gera maior debate com a sociedade civil (LIMA et al., 2017), uma vez que a sociedade deverá estar preparada para os efeitos advindos de uma operação militar, desencadeada nos grandes centros urbanos do território nacional.

Ressalta-se ainda que o emprego da Força Nacional de Segurança Pública, tal como as forças de terceiro tipo verificadas nos subsistemas de polícia existentes no cenário internacional, para preceder a aplicação da expressão militar do poder nacional, apresenta-se como uma alternativa de grande relevância frente às novas ameaças que se apresentam no âmbito da segurança pública. Desde que, bem equipada, treinada, com estrutura adequada e capacidades necessárias para o cumprimento da missão que lhe for atribuída.

Assim, existiria uma força preparada para atuar no caso de inexistência, insuficiência ou incapacidade dos órgãos encarregados pela segurança pública dos Estados, antes de se lançar mão do último recurso de que a nação dispõe: as Forças Armadas. Além disso, o emprego da FNSP contribuiria para evitar que aconteça, no combate às ilicitudes internas, o que alerta Saint-Pierre:

Outros temem que o uso inconsequente dessa modalidade conceitual leve à “militarização” do sistema policial, em alguns países, esgotado e por níveis de criminalidade intoleráveis, ou sua contrapartida igualmente perniciosa para o Estado: a “policização” das suas Forças Armadas (SAINT-PIERRE, 2011, p. 416).

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Do exposto, conclui-se que o emprego da expressão militar do Poder Nacional em ações de GLO, de forma recorrente e muitas vezes de maneira prematura, em matérias onde não está em causa a defesa do território nacional, embora seja, mesmo que de forma temporária, uma eficiente alternativa de resolução dos problemas de Segurança Pública dos estados da federação, não pode ser considerada a única solução para um problema que transcende a esfera do campo militar do poder, e que em grande medida pode comprometer a efetividade, eficiência e eficácia das Forças Armadas diante de um “combate” contra um modelo de segurança pública considerado por muitos “desgastado”.

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Recebido em: 25 abr. 2018 Aceito em: 02 out. 2018

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Figura 1 – Emprego das Forças Armadas em Operações da Garantia da Lei e da Ordem Comando Militar de Área GLO (1988 - 2017)

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