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PSICANÁLISE E SUBJETIVIDADE NA SOCIEDADE TECNOLÓGICA CONTEMPORÂNEA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES A PARTIR DE HERBERT MARCUSE

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PSICANÁLISE E SUBJETIVIDADE NA SOCIEDADE TECNOLÓGICA CONTEMPORÂNEA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES A PARTIR DE

HERBERT MARCUSE

Eduardo Lenzi1 (PUC – Campinas) Francina Evaristo de Sousa2 (CEREST/DDOS)

RESUMO:Em 1963 Herbert Marcuse proferiu uma conferência intitulada The Obsolescence of Psychoanalysis (A Obsolescência da Psicanálise), a qual

posteriormente foi publicada sob o título The Obsolescence of the Freudian Concept of

Man (A Obsolescência do Conceito Freudiano de Homem). Neste texto, Marcuse sem

desconsiderar o conteúdo de verdade da teoria psicanalítica, questiona-se sobre a pertinência da psicanálise frente aos desdobramentos da sociedade de massa, ou, mais precisamente, o filósofo aborda a atualidade da concepção freudiana de sujeito individual diante das tecnologias contemporâneas de subjetivação. Pare ele, o indivíduo transformado em átomo social “já não apresenta aquelas qualidades atribuídas por Freud ao objeto psicanalítico”, contudo, “a verdade da psicanálise não é por isso invalidada; pelo contrário, a obsolescência do seu objeto revela a extensão na qual o progresso [social] foi na realidade regressão”. Assim, o intuito aqui ao trazer à discussão este texto de Marcuse, um filósofo que praticamente caiu no esquecimento após os eventos de 1968, é apresentar alguns argumentos ao debate acerca de uma suposta “crise da psicanálise” – um momento em que as críticas transcendentes a ela, tanto de um ponto de vista antropofilosófico quanto neurobiológico, parecem ganhar força –, demonstrando, no rastro das idéias marcusianas, o quão desta crise não se deve às imanentes qualidades da teoria psicanalítica, mas sim a uma mudança no contexto social.

1 edu_lenzi@hotmail.com

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Em fins dos anos de 1960 os escritos de Herbert Marcuse tornaram-se conhecidos do público em geral, quando então ele próprio passou a figurar como uma espécie de meître a penser dos movimentos contra-culturais e estudantis que ganhavam força. Entre seus livros, Eros e Civilização (Eros and Civilization) foi, naquela época, provavelmente o mais lido e com certeza o mais polêmico. Nesta obra publicada originalmente em 1955, Marcuse pretende efetuar uma historicização dos principais conceitos freudianos e, partindo da configuração histórica do princípio de realidade, o filósofo chega à dimensão histórica, e portanto transitória, da própria repressão.

Assim, para salientar aquilo que considera como vicissitudes sócio-históricas das pulsões, Marcuse efetua uma duplicação terminológica que resulta nos conceitos de princípio de desempenho (performance principle) e mais-repressão

(surplus-repression). O primeiro destes termos designa o princípio de realidade historicamente

prevalecente na sociedade capitalista; o segundo termo, isto é, a mais-repressão, define “as restrições necessárias para a dominação social” vigente, distinguindo-se desta forma da repressão básica, a qual seria a modificação elementar das pulsões, “necessária para a perpetuação da raça humana em civilização” 3.

É claro que esta apropriação e reelaboração dos conceitos freudianos realizada por Marcuse não passou incólume, sendo objeto de crítica de um amplo espectro de pensadores, incluindo aí psicanalistas. Jean Laplanche, por exemplo, mesmo admitindo que O Mal-estar na Civilização de Freud abra espaço para tal interpretação, não deixa de ressaltar o risco que ela carrega consigo, pois, segundo Laplanche, esta interpretação marcusiana está atravessada de normatividade subjetiva, a qual estabelece a diferença entre uma boa repressão (a repressão básica) e uma má repressão (a mais-repressão)

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fundamentando-se exclusivamente em um ponto de vista particular de Marcuse4. Porém, sem se aprofundar aqui neste tema, o que parece ter ocorrido no debate entre psicanalistas e Marcuse foi que os primeiros deixaram de acompanhar os desdobramentos do pensamento marcusiano, isto é, os psicanalistas, mesmo aqueles simpáticos às interpretações de Marcuse, como é o caso de Michel Plon5, detiveram-se em analisar apenas Eros e Civilização, não considerando os escritos posteriores do filósofo a respeito de Freud.

Contudo, entre 1955, data de Eros e Civilização, e 1963, ano no qual Marcuse profere e, posteriormente, publica uma conferência cujo título é A Obsolescência da

Conceito Freudiano de Homem (The Obsolescence of the Freudian Concept of Man) 6,

ocorre um redirecionamento crucial na apropriação feita por ele dos conceitos psicanalíticos. O filósofo então praticamente deixará de se referir a uma mais-repressão e passará a enfatizar uma dessublimação repressiva (repressive desublimation). A análise desta idéia de dessublimação repressiva é justamente aquilo que interessa aqui, entretanto, para compreendê-la de forma mais plena, faz-se necessário o retrocesso de alguns passos.

Para Marcuse, a sociedade capitalista tardia é fundamentalmente uma sociedade de massas. Partindo deste pressuposto, para que tal sociedade de massas possa existir é preciso que haja uma forte sublimação da libido, ou melhor dizendo, uma forte inibição do objetivo (Ziel) das pulsões sexuais. Esta forte inibição é aquilo que Marcuse chama

4 LAPLANCHE, J. Problemáticas III: A Sublimação. Trad. Álvaro Cabral. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 143. Para um apreciação mais ampla da maneira como Marcuse se apropria da teoria freudiana em Eros e Civilização ver: BARBOSA, C A. A Leitura de Freud por Marcuse em Eros e Civilização: Alguns Elementos. São Paulo: PUC, 1996. (Dissertação de Mestrado).

5 Ver: PLON, M. As duas faces da morte. Sobre o estatuto da agressividade e da pulsão de morte em O

Mal-estar na Civilização. In: Le RIDER, J. et al. Em torno de O Mal-estar na Cultura, de Freud. Trad.

Carmen L. M. V. de Oliveira. São Paulo: Escuta, 2002. pp. 69-98.

6 MARCUSE, H. The Obsolescence of the Freudian Concept of Man. In: _____. Five Lectures: Psychoanalysis, Politics, and Utopia. Boston: Beacon Press, 1970. pp. 44-61. Ainda nesta coletânea encontram-se outras conferências de Marcuse a respeito da psicanálise freudiana, proferidas nos anos de 1950.

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de mais-repressão ou de sublimação repressiva, a qual não seria apenas a sublimação exigida para se manter a vida em sociedade, mas sim a sublimação necessária para criar e manter a vida no capitalismo de massa. A conseqüência lógica desta interpretação marcusiana é a de que uma “nova sociedade” – que é aquilo que Marcuse de fato pretende – deveria iniciar-se com um sublimação não-repressiva, ou seja, iniciar-se a partir de uma maior liberdade das pulsões libininais, a qual possibilitaria a emergência de indivíduos distintos da massa, possuidores de egos mais fortes e integrados. Esta é, em linhas gerais, a argumentação de Eros e Civilização. Note-se que a distinção recai sobre uma sublimação repressiva e uma sublimação não-repressiva, isto é, para Marcuse, assim como para a psicanálise, se o homem quiser continuar vivendo em sociedade a sublimação é, em certo grau, fundamental.

Porém, a partir dos anos de 1960, Marcuse se depara com uma situação social que aparentemente inviabiliza a argumentação de Eros e Civilização. A partir destes anos a sociedade capitalista tardia começa a possibilitar uma maior liberdade sexual aos seus membros. No entanto, para o filósofo, esta maior liberdade sexual não resultava em um fortalecimento da individualidade frente às massas e, para tentar entender o porquê, ele então retomará o celebre texto de Freud sobre a psicologia das massas7.

Para Marcuse, na sociedade capitalista tardia o objeto da psicanálise, isto é, “o ‘indivíduo’, como encarnação do id, ego e superego, tornou-se obsoleto” 8, não porque aquilo que a psicanálise havia afirmado sobre ele fosse falso, mas porque as mudanças sociais fizeram tal indivíduo praticamente desaparecer. Entretanto, Marcuse sabe que,

7 As referências feitas aqui a este texto de Freud será sempre baseada na tradução para o português das obras de Freud publicadas pela editora Imago, na qual ela aparece sob o título de Psicologia de Grupo e

Análise do Ego. Reserva-se aqui, porém, a liberdade de alterar a tradução sempre que assim achar-se

conveniente. Cf. FREUD, S. Psicologia de Grupo e Análise do Ego. In:_____. Edição Eletrônica

Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro, Imago: s/d. Cd

Room. 8

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de acordo com Freud, “os processos e conflitos mentais básicos não são ‘históricos’” 9 e que, portanto, eles não podem simplesmente desaparecer, devendo na verdade, prevalecer sobre formas diferentes.

Segundo Marcuse, algumas destas formas diferentes de configuração do processo de formação psíquica foram vislumbradas por Freud em Psicologia das

Massas e Análise do Eu, no qual o próprio Freud teria “aplicado a psicanálise às

condições nas quais o modelo clássico de formação do ego, sem modificações essenciais, parecia inválido” 10. Para Marcuse, o indivíduo (se é que esta designação ainda seja válida) descrito por Freud neste texto seria a regra na sociedade capitalista contemporânea. Suas característica seriam apontadas por Freud ao citar Le Bon:

“[...] desaparecimento da personalidade consicente, a predominância da personalidade inconsciente, a modificação por meio da sugestão e do contágio de sentimentos e idéias numa direção idêntica, a tendência a transformar imediatamente as idéias sugeridas em atos [...]. Ele não é mais ele mesmo, mas transformou-se num autômato que deixou de ser dirigido pela sua vontade.” 11

Segundo Freud, esta formação psíquica ocorreria quando o indivíduo renunciasse ao seu ideal de ego (Ichideal), e o substituísse pelo ideal do grupo, tal como encarnado na figura do líder. Este, por sua vez, agiria a partir do exterior, impondo a sublimação (repressiva) necessária à criação dos vínculos libidinais do grupo: o afeto e a identificação. O resultado final para o indivíduo seria um achatamento do espaço de ação de seu próprio ego, ou, como afirma Freud: uma “submissão à emoção torna-se extraordinariamente intensificada, enquanto que sua capacidade intelectual é acentuadamente reduzida”12.

Em relação a estas considerações de Freud, Marcuse está plenamente de acordo, com a diferença de que o filósofo as aplica à sociedade capitalista tardia como um todo, e não apenas à grupos específicos dentro dela. Entretanto Marcuse se coloca duas

9 Idem, p. 48. 10 Idem, ibidem.

11 FREUD, S. Psicologia de Grupo e Análise do Ego. In: Op. cit. 12 Idem.

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questões. A primeira delas é aquela que se refere ao líder da sociedade capitalista tardia, ou melhor: quem é, na atualidade, o hipnotizador, aquele que toca a flauta encantada? A segunda questão é: como uma sociedade de massas pode permitir uma dessublimação sem colocar-se em risco, já que a formação das massas depende da forte inibição dos objetivos da pulsão sexual para poder engendrar o afeto e a identificação necessária?

À primeira destas questões Marcuse reponde que, pelo fato de ainda não vivermos em uma sociedade sem pai, algum outro líder deveria apresentar-se às pessoas e, assim, substituir a função do pai doméstico. Porém, segundo ele, não haveria na sociedade capitalista tardia uma personalidade forte o suficiente para encarnar a figura de um líder, naquele sentido que a hipótese de Freud exigia. Para o filósofo, as celebridades televisivas, as estrelas do esporte e da política, são fungíveis demais para que possam ser investidas como personalidades e, por conseguinte, como líderes. Deste modo, Marcuse levanta a possibilidade de um líder desencarnado, despersonalizado, pois, segundo ele, o próprio Freud previu esta possibilidade ao tangenciar a questão “de um líder ser substituído por uma idéia dominante”13.

Contudo, para Marcuse, o líder desencarnado da sociedade capitalista tardia não é uma idéia ou uma abstração, ele é, na verdade, bastante concreto, apesar de não ser uma personalidade. Para o filósofo, tal líder – a autoridade máxima da sociedade – é o próprio aparato tecnológico de produção e distribuição, incluindo-se aí a ciência utilizada no processo14. Seria este aparato tecnológico que fascinaria as pessoas e que lhes serviria de substituto do ideal de ego, engolindo-lhes a consciência psicológica (Bewusstsein) e moral (Gewissen). Seria também, graças aos avanços deste aparato, que se possibilitaria uma liberação dos costumes sexuais. Esta liberação, contudo, não ofereceria riscos ao arranjo social de massa, desde que ela estivesse submetida aos

13 Idem.

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interesses de reprodução ampliada deste aparato, configurando-se, deste modo, como uma dessublimação repressiva. Assim, respondendo à segunda daquelas questões levantadas anteriormente, Marcuse afirma:

[Na] dessublimação tecnológica de hoje [ocorre] uma liberalização controlada, na qual se acentua a satisfação obtida com aquilo que a sociedade oferece. [...] Na medida em que a sexualidade é sancionada e até encorajada pela sociedade [...], ela perde a qualidade que, segundo Freud, é sua qualidade erótica essencial: a possibilidade de liberdade do controle social. [...] Agora, com a integração dessa esfera [a sexualidade] ao campo dos negócios e dos divertimentos, a própria repressão é recalcada: a sociedade não ampliou a liberdade individual, mas sim o seu controle sobre o indivíduo.15

Para Marcuse, a psicanálise, diante desta situação social, continua possuindo um papel fundamental, pois ela “pode ajudar o paciente a viver com uma consciência própria e um ideal de ego próprio, o que pode muito bem significar recusa e oposição à ordem estabelecida” 16. Talvez, exatamente por causa deste papel crítico desempenhado pela psicanálise, haja, na atualidade, uma questionável tentativa de substituí-la por tratamentos neuroquímicos, os quais são desenvolvidos justamente a partir daquela ciência que integra o aparato tecnológico. Cabe, então, aos psicanalistas sustentarem suas posições teóricas e práticas, por mais que, aos olhos da ordem tecnológica vigente, elas pareçam obsoletas.

15 Idem, p. 57.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARBOSA, C. A. A Leitura de Freud por Marcuse em Eros e Civilização: Alguns Elementos. São Paulo: PUC, 1996. (Dissertação de Mestrado).

FREUD, S. Psicologia de Grupo e Análise do Ego. In:_____. Edição Eletrônica

Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro,

Imago: s/d. Cd Room.

LAPLANCHE, J. Problemáticas III: A Sublimação. Trad. Álvaro Cabral. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

MARCUSE, H. Eros and Civilization: A Philosophical Inquiry into Freud. Boston: Beacon Press, 1974.

MARCUSE, H. The Obsolescence of the Freudian Concept of Man. In: _____. Five

Lectures: Psychoanalysis, Politics, and Utopia. Boston: Beacon Press, 1970.

PLON, M. As duas faces da morte. Sobre o estatuto da agressividade e da pulsão de morte em O Mal-estar na Civilização. In: Le RIDER, J. et al. Em torno de O Mal-estar

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