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Análise da obra Einspielung I de Emmanuel Nunes

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Academic year: 2021

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Análise da obra Einspielung I de Emmanuel Nunes

Said Athié Bonduki

1 ECA/USP - sabonduki@hotmail.com

Resumo: Exposição sobre o pensamento musical do compositor português

Emmanuel Nunes através da análise da obra Einspielung I.

Palavras-chave: Emmanuel Nunes; Composição musical; Música contemporânea; Einspielung I; Violino; Pares rítmicos.

Breve biografia de Emmanuel Nunes

Emmanuel Nunes nasceu em Lisboa, Portugal, em 31 de agosto de 1941. Por negligência médica em seu nascimento adquiriu uma severa deficiência motora, condição que o acompanha até hoje, a atetose. No seu parto teve danificados os seus gânglios basais, que têm por função suavizar os movimentos grosseiros provenientes do cérebro. Aos 13 começou a ter aulas particulares de piano e harmonia. Em 1959, Emmanuel Nunes começou a ter aulas de contraponto e harmonia com a professora belga Francine Benoît, com quem teve aulas por 4 anos, na Academia de Música de Lisboa, em Portugal.

Em 1961-62 ele estudou música com Louis Saguer, compositor francês que vivia em Lisboa, colocando-o em contato com a música da 2a

Escola de Viena e com a música de Karlheinz Stockhausen e Pierre Boulez. Também, nesse período foi aluno de composição de Lopes-Graça. Emmanuel Nunes passou os verões de 1963/64/65 em Darmstadt. Considera os cursos de composição com Henri Pousseur em 1964 e Boulez em 1965 particularmente importantes. Em 1963 em Darmstadt, sua primeira visita, que se deu conta da falta de informação sobre a música contemporânea que ele possuía, e contando com suas afinidades estéticas adquiriu diversas partituras da segunda escola de Viena, de Boulez, Stockhausen e uma de Ligeti. Em 1964, aos 23 anos, após o curso de Darmstadt foi a Munique ter aulas introdutórias de música eletroacústica com Pousseur. Em setembro de 1965 se mudou para Colônia, onde morou por dois anos, para ter contato e aulas com Pousseur, Luciano Berio, Stockhausen, Georg Heike, Herbert Schernus e Boulez. Entre 1965 e 1967 Nunes participou de cursos na Rheinische Musikhochschule Köln onde estudou composição com Pousseur e Stockhausen, música eletrônica com Jaap Spek, e fonética com Heike. No curso Stockhausen analisou sua obra Momente, que para Nunes foi a etapa mais importante de sua primeira iniciação à composição. Em 1967 se fixou em Paris, na França.

Desde então foi professor da Universidade de Pau, possuindo bolsa da fundação Calouste Goulbenkian nos anos de 1976 e 1977 e desde 1982 Nunes ministra um seminário anual de composição na fundação Calouste Goulbenkian. Foi professor da Universidade de Freiburg de 1986 até 1992, deu aulas de composição e música de câmara no Conservatório de Romainville em 1990 e de 1992 a 2006 foi                                                                                                                

1 Formado em composição musical pela faculdade Santa Marcelina no ano de 2009, onde desenvolveu

seu projeto de iniciação científica sobre a poética de Emmanuel Nunes sob a orientação do prof. Dr. Silvio Ferraz, com apoio de bolsa FAPESP. Esse artigo é derivado dos relatórios elaborados ao longo do vínculo com FAPESP.

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professor do Conservatoire National Supérieur de Musique de Paris. Trabalha regularmente no IRCAM e com o ensemble Intercontemporain. Em 2000 recebeu o Prêmio Pessoa em Portugal, tendo também recebido a condecoração de Oficial das Artes e das Letras na França e sendo também condecorado como Comendador da Ordem de Santiago da Espada pelo presidente da República português.

Ciclos de composições e pares rítmicos

Uma característica importante do processo composicional de Emmanuel Nunes é a procura de todas possibilidades que os parâmetros estabelecidos em suas obras permitem, e dessa vontade de explorar o potencial de seu material composicional que surgem seus ciclos de composições.

Seu segundo ciclo intitulado de “A Criação”2 se inicia em 1978 com a obra

Nachtmusik I. O elemento trabalhado por Nunes nesse ciclo é o que ele chamou de

par rítmico, o que basicamente consiste de duas pulsações sobrepostas, e de seus pontos de intersecção, obtendo assim séries de proporções com propriedades particulares, que veremos com mais detalhes a seguir.

Podemos afirmar que Nunes coloca diferentes perspectivas sobre um mesmo tema não somente com o intuito de explorar diversas vezes um mesmo material mas também como um modo de refinar sua técnica.

Nunes ilustra seu trabalho com pares rítmicos com uma imagem baseada nos exemplos que Paul Klee utilizava em seus cursos na Bauhaus:

Imagine que duas pessoas se movem de um ponto a outro. Eles partem ao mesmo tempo e chegam ao mesmo tempo, mas enquanto um fez em sete passos iguais, o outro fez em onze. O interessante é conhecer a distância e a proporção entre cada passo. E assim confrontar de um sobre o outro, as linhas de suas trajetórias, obtendo um movimento não mais regular.3 (Bioteau 2001: p.119)

Os pares rítmicos criam então séries de proporções variáveis, capazes de integrar diferentes espaços rítmicos dentro de um formalismo matemático. Em La

Création Nunes utiliza quatorze pares principais e nove pares secundários:

Pares principais

27/20 – 27/16 – 19/16 – 19/12 – 19/10 – 17/15 – 17/12 – 16/15 – 15/14 – 15/8 – 10/7 – 9/8 – 9/5 - 8/5

Pares secundários

7/5 – 6/5 – 5/4 – 5/3 – 4/3 – 3/2 – 7/1 – 5/1 – 3/1

Para exemplificar utilizaremos o par secundário de sete contra cinco. A idéia dos pares rítmicos é estabelecer um ritmo consequente da sobreposição de duas periodicidades distintas que para o exemplo citado seria a sobreposição de um ciclo                                                                                                                

2 “La Création”.

3 Imaginez que deux personnes se déplacent d’un point à un autre. Elles partent en même temps et

s’arrêtent en même temps, mais alors que l’une fait sept pas égaux, l’autre en fait en onze. Ce qui est intéressant c’est de connaître la distance et la proportion entre chaque pas. Et si l’on rabat l’une sur l’autre les lignes de leur trajectoire, on obtient un mouvement qui n’est plus régulier.

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que se repete a cada sete elementos contra outro ciclo que se repete a cada cinco elementos (a semínima é utilizada meramente como meio ilustrativo):

Confrontando os dois ciclos e considerando cada inicio de qualquer uma das duas periodicidades como um novo divisor da unidade escolhida obtemos então um novo agrupamento de elementos, e no caso especifico do par rítmico de 7/5 obtemos então a proporção de:

Pela proporção acima vemos que existe uma simetria no resultado obtido, cujo centro de espelhamento é o número 5 central, uma vez que partindo dele obtemos a mesma série de números se seguirmos tanto para a esquerda quanto para direita. Esse espelhamento pode ocorrer de duas maneiras. Quando a diferença entre os números que constituem o par rítmico é um número par, então existirá um elemento pivô para o espelhamento, que será sempre o número equivalente ao menor número do par rítmico, onde a diferença para o maior número do par estará dividido igualmente e posicionado em cada lado do elemento central da série numérica, como podemos ver na figura acima. Em uma diferença entre os números do par rítmico cujo resultado é um numero ímpar teremos uma simetria sem um elemento central. Podemos concluir então que toda proporção gerada por uma par rítmico será simétrica, assim como os ritmos não retrogradáveis de Messiaen, e então possuindo um eixo comum, que une portanto a periodicidade e uma sequência métrica dentro de um mesmo espaço.

É importante destacar que os pares rítmicos não são elementos unificadores de seu ciclo La Création, e sim um “temperamento rítmico”, que possui um potencial para gerar peças independentes entre si e que seja capaz de unir outros elementos musicais que não só o ritmo. Um material sobre a qual Nunes pode aplicar todo seu aprendizado e conhecimento sobre o serialismo, adquirido em suas aulas com Pierre Boulez, Karlheinz Stockhausen e Henri Pousseur, como vimos no relatório anterior, sobre essas séries numéricas não retrogradáveis obtidas com seus pares rítmicos. Nunes obtém um série suscetível à todos os parâmetros musicais de suas obras, sem estar atrelado à harmonia serial. Exemplos dessa prática serão expostos nas análises que seguem.

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Einspielung I, Einspielung II e Einspielung III.

As obras Einspielung I (1979), para violino solo, Einspielung II (1980), para violoncelo solo e Einspielung III (1981), para viola solo, são as primeiras obras para instrumento solo de Nunes e fazem parte de um projeto inicial de compor nove peças para instrumentos solo, sendo que somente as três citadas foram concluídas. A idéia de Nunes era compor três obras para cada um dos instrumentos citados e portanto cada um deles possuiria três diferentes propostas de organização material e de discurso musical.

Einspielung I

Einspielung I, constituída por 27 sessões separadas por barras duplas, possui

um ré grave que permeia toda a obra como uma nota pedal, que serve de suporte para o desenvolvimento da obra, e a partir dessa nota surgem melodias e assim como nas suítes de Bach, dessas melodias surge uma polifonia gerada pela permanência ou retorno de certas alturas. Ao longo da obra a nota ré também surge como parte de melodias ou como apojatura, chegado a perder a sua função de nota pedal para a obra.

Podemos ver um exemplo de polifonia na figura 1, que consiste da quinta e sexta sessões da obra. Nos cinco primeiros compassos da figura, a quinta sessão da obra, temos a inclusão de outro eixo pedal além do eixo da nota ré já presente na obra, o pedal de si natural sexta maior acima do pedal em ré. A partir da barra dupla, a sexta sessão, temos a nota ré mantendo sua função de nota pedal, e a transposição de meio tom do pedal estabelecido na sessão anterior e a inclusão de fraseados melódicos que se iniciam ou pelo pedal da nota ré ou pelo pedal da nota si bemol. Na sétima e oitava sessões Nunes volta a trabalhar com duas vozes e na nona sessão uma voz, o que evidencia uma preocupação de criar momentos de densificação harmônica e melódica em oposição a momentos melódicos construídos em harmonias estáticas.

Fig. 1: Polifonia simulada.

Na figura 2 temos a nona sessão e os primeiros compassos da décima sessão. Podemos ver que a nota ré funciona novamente como base para o início de frases melódicas ascendentes, porém logo no segundo compasso da nona sessão existe uma cisão entre a direcionalidade da frase melódica e a nota ré, entre o terceiro e quinto tempos do compasso. Para entender melhor esse corte vamos analisar a elaboração do fraseado dos dois primeiros compassos que delimitam a nona sessão. Temos o gesto

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melódico dos dois primeiros tempos que podemos chamar de A. No terceiro e quarto tempos temos um A’ aonde a nota ré dobrou de duração e o ré bemol que anteciparia o fá agudo aparece após ele, sugerindo uma inversão de A, que não se concretiza uma vez que o modelo A se inicia novamente e termina na nota si. Temos então entre o terceiro e quarto tempos um A’ e A’’ com a nota fá aguda comum entre os dois, e as notas si bemol e ré bemol como transitórias, uma vez que harmonicamente pertencem ao modelo A. A nota ré bemol poderia ser considerada pertencente a A’ mas o espelhamento que ocorre no compasso seguinte sugere uma melodia A’’. No segundo compasso temos outro gesto melódico nos dois primeiros tempos, que chamarei de B. No segundo e terceiro tempos temos um B’, que se trata da inversão de B, com o acréscimo de um dó sustenido, nota que foi cortada de A’. Em B’ a nota fá ocorre entre as notas ré natural e mi bemol para se manter o ciclo que a ocorrência dessa nota estabeleceu, ocorrendo de dois em dois tempos. O acréscimo de dó sustenido e o deslocamento de fá gera um elemento C contido em B’, que se repete no quinto tempo do compasso, com o acréscimo de outra nota, a nota mi. Entre C e C’ temos uma nota ré, que também possui um ciclo de dois tempos, e que somente no quarto tempo do segundo compasso que os objetos A ou B na se iniciam ou terminam em ré, como se ocorresse um emancipação do gesto melódico em relação a nota ré, e como podemos ver no compasso seguinte, que inicia a décima sessão, temos novamente duas vozes, uma caracterizada por um fraseado melódico e a outra pelo pedal em ré. Na voz melódica temos a nota ré sem possuir nenhuma relevância estrutural, e no último tempo desse compasso o ré do fraseado melódico ocorre simultaneamente ao ré que possuiria função pedal no trecho, incorporando esse de vez para seu corpo melódico, voltando a possuir somente uma única voz.

Fig. 2: Pedal sobre a nota ré.

Na figura 3, vemos como Nunes utiliza seu conceito de pares rítmicos para organizar seu trabalho melódico. Consideraremos o primeiro motivo melódico, que parte da nota ré inicial e termina na colcheia que antecede sua repetição, como referência para localizarmos as proporções utilizadas nesse trecho da 25ª sessão para assim obtermos qual par rítmico foi utilizado por Nunes. A primeira repetição ocorrerá a partir da nota sol sustenido, a segunda nota do motivo inicial, e duas colcheias depois temos a terceira repetição a partir da nota ré. Todas as repetição se

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iniciam a parir de ré ou sol sustenido, e a continuação do motivo melódico sempre ocorrerá com alguma variação de ataque, articulação, dinâmica ou ordenação melódica, nunca se repetindo exatamente da mesma maneira, ocorrendo ainda paralelamente uma segunda voz com um ostinato pedal em ré e fá.

Dividindo cada uma dessas melodias em grupos de colcheias que cada uma possui, teremos a seguinte divisão:

17 – 2 – 14 – 5 – 11 – 8 – 8 – 11 – 5 – 14

Lembrando que as proporções obtidas pelos pares rítmicos serão sempre simétricas, concluímos que essa proporção obtida no trecho apontado se trata da parte central do resultado obtido com um par rítmico, e a partir da reconstrução dos ciclos envolvidos no exemplo se averigua que o par questão é o de 19/16. A partir dessa dedução obtemos uma proporção resultante da sobreposição do par rítmico diferente em relação à constatada, como podemos ver abaixo:

O isolamento do primeiro elemento apresentado na sessão 25 (não o primeiro valor resultante do par rítmico 19/16, uma vez que este está apresentado somente na parte central da série gerada), a nota ré, esclarece o fato da repetição melódica ignorar algumas vezes essa nota e começar a partir da nota sol sustenido, já que a nota ré é um elemento a parte dentro da proporção gerada pelo par rítmico 19/16, que precede a melodia trabalhada por Nunes.

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Em 26 das 27 sessões de Einspielung I a nota ré está presente, localizada no primeiro espaço suplementar inferior da clave de sol, o ré mais grave que o violino possui. Na quarta sessão o violino atinge um ré três oitavas acima, por um fraseado ascendente que passa pelas onze notas do total cromático antes de atingir esse ré. A exploração dessa frase fica restrita à sessão quatro, mas a nota ré no agudo se mantêm na peça, sendo utilizada pontualmente. Já no final da sessão 25 temos um glissando de oitava que parte da nota ré uma oitava acima do ré que inicia a obra. Então na vigésima sétima seção, constituída pelo último compasso da obra, Nunes cria uma expectativa pela nota ré. O compasso em questão, figura 4, possui o âmbito de uma sétima menor, uma vez que sua nota mais grave é um sol sustenido e a mais aguda um sol natural, e dentro desse âmbito Nunes vai preenchendo o total cromático, a partir do sol sustenido grave com um cromatismo ascendente e do sol natural agudo com um cromatismo descendente aonde as duas últimas notas são dó sustenido e mi bemol, deixando a nota ré de fora, nota essa que iniciará Einspielung II.

Fig. 4: Sessão 27 de Einspielung I.

Referências bibliográficas

SZENDY, Peter (org.). Emmanuel Nunes. Paris: Festival d’automne à Paris, 1992.

BOREL, Hélène, BIOTEAU, Alain, DAUBRESSE, Éric. Emmanuel Nunes – Compositeur

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