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O deficiente auditivo na escola regular: um estudo do reconhecimento de alunos(as) e de professores(as) do ensino público fundamental em Monte Carmelo, MG

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Academic year: 2021

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ADRIANA NAVES RESENDE RIBEIRO

O DEFICIENTE AUDITIVO NA ESCOLA REGULAR: um estudo do

reconhecimento de alunos(as) e de professores(as) do ensino público

fundamental em Monte Carmelo, MG

UBERABA - MG 2012

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O DEFICIENTE AUDITIVO NA ESCOLA REGULAR:

um estudo do reconhecimento de alunos(as) e de professores(as) do

ensino público fundamental em Monte Carmelo, MG

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Educação da Universidade de Uberaba, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação, sob a orientação da Profª. Drª. Fernanda Telles Márques.

UBERABA - MG 2012

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O DEFICIENTE AUDITIVO NA ESCOLA REGULAR:

um estudo da percepção de alunos(as) e de professores(as) do

ensino público fundamental em Monte Carmelo, MG

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Educação da Universidade de Uberaba, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação.

Aprovada em 28/03/2012.

BANCA EXAMINADORA

____________________________________ Profa. Dra. Fernanda Telles Márques

Universidade de Uberaba - UNIUBE

____________________________________ Prof. Dr. Ailton de Souza Aragão

Universidade Federal do Triângulo Mineiro - UFTM

____________________________________ Profa. Dra. Valéria Oliveira de Vasconcelos Universidade de Uberaba - UNIUBE

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Aos sujeitos Surdos, que são

meus grandes companheiros de

trabalho.

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A concretização deste trabalho aconteceu por meio da colaboração e apoio...

Das Escolas pesquisadas, juntamente ao corpo docente e discente que permitiram e se disponibilizaram quanto à realização desta pesquisa.

Dos colegas do mestrado, pelos bons momentos que passamos juntos, vivenciando sobre a arte de aprender e ensinar.

Dos professores do mestrado, e em especial à Prof. Drª. Valéria Oliveira Vasconcelos, que foi a supervisora do estágio em docência, e ainda pelas contribuições na banca de qualificação.

Da Prof. Drª. Luciana Beatriz de Oliveira Bar Carvalho, por fornecer tantas opções de trabalhos acadêmicos, leis, diretrizes e documentos, os quais vieram para melhorar a qualidade da dissertação após a banca de qualificação.

Da colega de sala e de muitas viagens Rosimeire Merotti Crippa, por tudo que vivenciamos juntas em mais uma jornada de estudantes, sem me esquecer do companheirismo de Mara Ignácio Leite.

Da bolsa da Capes, pois sem sua concessão este sonho não teria se concretizado. Dos (as) amigos(as) e colegas de trabalho, pelo apoio e paciência com minhas ausências mesmo estando presente.

Dos familiares pela compreensão e incentivo em mais uma trajetória acadêmica, transmitindo-me segurança e possibilidade de estudar. Com carinho e amor agradeço ao Fausto, Nathália, Maria Izabel, papai e mamãe por estarem ao meu lado.

De todos que direta ou indiretamente contribuíram para a realização desta pesquisa, os quais não foram diretamente identificados.

Da Prof. Dr.ª Fernanda Telles Márques, pela competência, sabedoria, paciência e dedicação durante a elaboração deste trabalho. Pessoa extraordinária que esteve presente em cada momento desta pesquisa, em todos os passos e páginas da dissertação. Tendo paciência e cautela para orientar em minhas dúvidas, incertezas e inquietações, o que contribuiu para o meu crescimento como pessoa e pesquisadora, aguçando minhas observações e criticidade.

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Trata-se de uma pesquisa sobre a condição de alunos não-ouvintes na escola pública regular. O trabalho tem como objetivos investigar, a partir de três escolas da cidade de Monte Carmelo, MG, as percepções de professores(as) e de alunos(as) ouvintes e surdos sobre a diversidade em geral e sobre a condição de pessoa identificada como “deficiente auditiva” em especial. A investigação foi realizada a partir de uma perspectiva etnográfica, dando destaque à imersão em campo e à observação sistematizada do cotidiano escolar. O aprimoramento teórico das questões de fundo realizou-se a partir de um programa de leituras que envolveram as discussões da educação para a diversidade e da existência de uma cultura surda. Além da pesquisa em fontes bibliográficas e documentais, e da observação direta, o levantamento dos dados realizou-se ainda por meio da aplicação de questionários mistos e de entrevistas semiestruturadas, utilizando-se, assim, a técnica da Triangulação. No capítulo 1 é feito um levantamento do tratamento historicamente reservado aos surdos no Ocidente, com ênfase: na ação de ideologias negadoras da diversidade; na existência, no Brasil, de uma disputa de entre Oralismo e Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS); e, nos processos que levaram à fundação das Associações dos Surdos em diversas regiões do país e em especial em Minas Gerais. No capítulo 2 faz-se a apresentação do lócus da investigação, iniciando com uma contextualização sócio-histórica e cultural da cidade de Monte Carmelo, MG até a apresentação das escolas e de aspectos de seus Projetos Político Pedagógicos diretamente referentes ao tema. No capítulo 3 são apresentadas e discutidas percepções de professores(as) e de alunos(as) ouvintes acerca da surdez e da criança/adolescente surdo inserido no ensino regular. Ao final, a partir de entrevistas com os(as) alunos(as) surdos e seus familiares propõem-se uma discussão da normalização das diferenças observável na negação das identidades surdas (também) no âmbito escolar.

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This research looked at the condition of deaf students in state schools. The work aims to investigate the understanding of teachers and normal hearing and deaf students about the diversity in general and the condition of the person identified as “hearing handicapped” in special in three state schools from the city of Monte Carmelo, state of Minas Gerais. The investigation was accomplished from an ethonographic perspective, highlighting the field immersion and systematized observation of the school everyday life. The theoretical improvement of background questions was done through a reading programmer which involved discussions on education for the diversity and the existence of a deaf culture. Besides researching on bibliographic and documental sources and direct observation, the data survey was also made through mixed questionnaires and semi-structured interviews, applying the Triangulation technique. In the first chapter a survey is made of the treatment historically reserved to deaf people in the Western countries, highlighting: the action of diversity refuting ideologies; the existence, in Brazil, of a dispute between Oral and Brazilian Sign Language (LIBRAS) and the processes which lead to the foundation of Deaf People Associations in several parts of the country and specially in Minas Gerais state. In chapter 2 the presentation of the lócus (site) of investigation is made, starting with the socio-historical and cultural contextualization of the city of Monte Carmelo, Minas Gerais state, and finishing with the presentation of the schools and aspects of their Pedagogical Political Projects directly regarding the theme. In chapter 3 the perception of teachers and normal hearing students are presented and discussed about deafness and deaf children and teenagers inserted into the regular school system. Finally, based on the interviews with deaf students and their families, a debate is proposed on the normalization of the noticeable differences in the denial of the eat identities (also) in the school environment.

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AASI Aparelho de Amplificação Sonora Individual.

APAC Autorização de Procedimento Ambulatorial de Alta Complexidade. APAE Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais.

ASD Associação dos Surdos de Divinópolis. ASMG Associação de Surdos de Minas Gerais. ASU Associação dos Surdos de Uberaba. ASUL Associação dos Surdos de Uberlândia. APASUL Associação de Pais dos Surdos de Uberlândia. ASPM Associação dos Surdos de Pará de Minas. ASL Associação dos Surdos de Lavras.

CAS Centro de Capacitação de Profissionais de Educação e Atendimento às EJA Educação de Jovens e Adultos.

FENEIS Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos. FUCAMP Fundação Carmelitana Mário Palmério.

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

IC Implante Coclear.

INES Instituto Nacional de Educação de Surdos. LIBRAS Língua Brasileira de Sinais.

MEC Ministério de Educação e Cultura.

PAP Plano de Ação Pedagógica.

PPP Proposta Política Pedagógica - Projeto Político Pedagógico. PUC Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

SUS Sistema Único de Saúde.

UEMG Universidade do Estado de Minas Gerais. UFU Universidade Federal de Uberlândia. UNIBH Centro Universitário de Belo Horizonte. UNIPAC Universidade Presidente Antônio Carlos. UNITRI Centro Universitário do Triângulo Mineiro. UNIUBE Universidade de Uberaba.

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Figura 1: Igreja Matriz ... 44

Figura 2: Ginásio e Escola Normal N. Sra. do Amparo... 45

Figura 3: Grupo Escolar “Melo Viana”... 47

LISTA DE QUADROS Quadro 1: professores(as) abordados(as) – legenda... 20

Quadro 2: alunos(as) ouvintes abordados – legenda... 21

Quadro 3: alunos(as) surdos(as) abordados(as) – legenda... 24

Quadro 4: relação população/setores da economia... 46

Quadro 5: alunos(as) ouvintes em relação aos não ouvintes... 61

Quadro 6: alunos(as) não ouvintes – caracterização... 63

LISTA DE TABELAS Tabela 1: docentes/escolas – distribuição por sexo... 58

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INTRODUÇÃO... 14

Metodologia: fundamentos e processo da pesquisa... 16

1 A DEFICIÊNCIA AUDITIVA NO CONTEXTO DA DIVERSIDADE: CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS... 26

1.1 Surdez e Deficiência Auditiva no Ocidente... 26

1.2 O Surdo no Brasil... 33

1.3 O Surdo em Minas Gerais... 40

2 O CONTEXTO INVESTIGADO... 43

2.1 Do Diamante ao Barro: aspectos da história de Monte Carmelo... 43

2.2 O campo da investigação: a diversidade nas diretrizes institucionais... 47

2.3 Do ideal ao real: perfis de professores e alunos ouvintes das escolas investigadas. 56 2.3.1 Sobre os docentes... 56

2.3.2 Sobre os alunos ouvintes... 60

2.4 Os sujeitos não-ouvintes... 63

3 PERCEPÇÕES DE PROFESSORES(AS) E DE ALUNOS(AS) OUVINTES... 66

3.1 Os alunos não-ouvintes vistos pelas lentes dos professores... 69

3.2 Os alunos não-ouvintes pelo olhar dos alunos ouvintes... 88

4 OS(AS) SURDOS(AS) NO ENSINO REGULAR... 99

4.1 Surdez e Normalidade... 99 4.2 Língua e Comunicação... 109 4.3 O “Ser Surdo”... 115 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 121 REFERÊNCIAS... 125 APÊNDICES... 132

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No início de minha carreira profissional, ainda apenas fonoaudióloga, fui trabalhar em uma Escola Especial (APAE) com atendimento especializado a todos os tipos de deficiências (motora, mental, visual, auditiva e múltipla). Era esperado do setor de fonoaudiologia a oralidade dos(as) surdos(as), que, segundo as expectativas sociais e institucionais, deveriam tornar-se aptos a falar e usar Libras1 (Língua Brasileira de Sinais). Nessa mesma escola havia uma professora que era regente da sala dos alunos deficientes auditivos, a qual buscou especialização e tornou-se intérprete.

À medida que os anos iam passando esses alunos chegavam à faixa etária em que deveriam ser encaminhados a Escolas Regulares, não podendo mais permanecer na Instituição de Educação Especial. As famílias passaram a exigir a inclusão de seus filhos nas Escolas Regulares, o que passou a ser feito, em diversos outros contextos, sem que as instituições de ensino estivessem realmente preparadas para acolher socialmente e educar estudantes não-ouvintes. Enquanto isso nós, os profissionais da equipe clínica e pedagógica da instituição especial, íamos sempre a essas escolas esclarecer dúvidas e orientar professores e funcionários acerca de alguns aspectos dessa realidade que até então era muito pouco conhecida pelos profissionais das escolas regulares.

Ao deparar com essa realidade, ainda pouco conhecida por mim enquanto fonoaudióloga recém formada e preparada, por um paradigma biomédico, restritamente para o atendimento clínico (não para a ação educativa), fui à procura de uma especialização em Psicopedagogia que resultou na elaboração de uma monografia com o tema da Prevenção Fonoaudiológica e de suas contribuições para a prática escolar. Iniciava-se assim uma jornada rumo ao estudo da surdez pela perspectiva da educação, primeiro com foco nas questões da aprendizagem e, mais adiante, na convivência entre diferentes identidades, pessoais e coletivas, no ambiente escolar.

Com a vigência dos direitos estabelecidos pela Lei nº 9394/96 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, depois na Constituição Federal de 1998 e na Lei nº 10.436/02, a inserção dos surdos nas Escolas Regulares tornou-se realidade indiscutível. Mas, juntamente a esse processo, começou uma nova demanda de um profissional que ainda faltava em nossa

1

A língua brasileira de sinais é uma língua visual-espacial articulada através das mãos, das expressões faciais e do corpo. É uma língua natural usada pela comunidade surda brasileira. Estudos sobre essa língua foram iniciados no Brasil por Gladis Knak Rehfeldt (A língua de sinais do Brasil, 1981). (MEC, 2004)

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necessária para atender aos alunos(as) surdos(as) eles acabavam copiando o que lhes era apresentado, nem sempre compreendendo os objetivos do que faziam.

Daí o interesse da escolha pessoal e profissional para realizar esta pesquisa de campo nas Escolas Regulares a serem mencionadas: uma Escola Regular que tinha o maior número de alunos(as) surdos(as), os quais eram quatro e tinha a presença do profissional intérprete e a outra Escola Regular, reconhecida oficialmente como inclusiva, com um único aluno surdo.

Antes de apresentar os resultados da pesquisa, acho importante revelar que todo esse processo representou uma verdadeira mudança dos meus paradigmas como profissional e pessoa, permitindo que fosse feito um paralelo de antes e depois. As vivências provocadas pela pesquisa de campo, a imersão no cotidiano das escolas, a escuta de professores, alunos ouvintes, alunos surdos, mães... foram tão importantes quanto as leituras para que eu percebesse e ao mesmo tempo passasse a refletir de outra forma sobre o “ser humano” em sua totalidade, o qual age e vive em sociedade, e sobre a importância da escola na construção da sociedade que queremos.

Em alguns momentos comentava com a minha orientadora o verdadeiro sentido da representação pessoal deste mestrado; em outros momentos, sozinha, refletia o meu crescimento profissional e pessoal por meio dessa oportunidade. Coisas que ficavam mais claras quando, devido à oportunidade de ser bolsista da CAPES, me dava conta de que diferente de colegas que ansiavam pela conclusão do curso com vistas em benefícios profissionais e materiais relacionados à mudança de status (de aprendiz para mestre), eu podia viver um momento único desse processo de formação: o presente – sem a angústia das mensalidades, mas também sem ambição financeira e social para o futuro.

Não sei se consegui expressar nas frases acima o que senti e o que tocou em mim, mas hoje reconheço que o convívio de quase um ano dentro das escolas com os sujeitos investigados, proporcionou-me participar de um verdadeiro processo de mudança e acredito que a educação deve representar isto em nossas vidas, a capacidade de transformação que todos temos, não só intelectual, cognitiva, mas a reflexiva e pessoal.

A cada anotação no diário de campo, a cada visita, as muitas dificuldades e empecilhos em quase todas as etapas não me fizeram desanimar e tampouco desistir. Eles permitiram-me pensar que isso me faria mais resistente e preparada para discutir não só os dados visíveis, anotados e discursáveis em pesquisa ou com ênfase no meu tema de discussão, objetivos e problema, como também forneceram subsídios para um ser em contínua

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importante.

A elaboração escrita desta pesquisa representa pelos menos parte da materialidade vivida no cotidiano escolar e focada nos(as) alunos(as) surdos(as) em uma trajetória profissional e acadêmica que faz parte de mim, envolvendo o meu interesse por esses sujeitos e em suas relações entre si e com o ouvinte. Mas, mesmo tendo dedicado meus estudos ao tema de meu interesse: “a surdez”, isso não fez com que minha atuação como educadora fosse ancorada na perspectiva clínica ou especialista, pois tive a oportunidade de cursar disciplinas com assuntos diversos, o que possibilitou a ação reflexiva voltada ao interesse de um grupo considerado minoria: “os(as) surdos(as)”.

Eu vivi com muita dedicação cada dia de pesquisadora na elaboração desta dissertação.

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INTRODUÇÃO

[...] O Homem seria Homem se não fosse surdo, se não fosse cego, se não fosse retardado mental [...]. Nada mais absurdo (SKLIAR, 2001, p.12).

O presente trabalho traz reflexões elaboradas a partir das percepções de professores(as) e alunos(as) ouvintes e surdos(as), acerca da educação de crianças e adolescentes não-ouvintes na escola regular. Nesse sentido, o estudo da diversidade manifestada no ambiente escolar torna-se importante por vários motivos, sendo o principal deles a necessidade de se garantir, nesse espaço fundamental à formação da cidadania, a prática democrática de reconhecimento e respeito às diferenças.

No caso específico, em que a diversidade advém de uma condição que o olhar biomédico identifica como patológica, acredita-se que sejam maiores as dificuldades de se estabelecer uma relação positiva com os sujeitos identificados como diferentes. Isso porque a deficiência auditiva e a surdez nem sempre são admitidas como condições que levam não ao alheamento da cultura, mas à elaboração de um ethos específico, como bem explica Berger (1999). E assim, a criança e o adolescente surdos tendem a ser vistos, na escola, apenas como pessoas que têm uma deficiência relacionada a uma limitação física de um órgão (o ouvido), e não como sujeitos cuja maneira de ver e de estar no mundo foi construída também a partir de condições colocadas por referida deficiência. Maneira essa, poucas vezes percebida e respeitada no ambiente escolar.

Ao falar da educação dos surdos sempre vem à memória algo ligado à educação especial que atribui a esse grupo características relacionadas à falta de algo, uma anormalidade, isso não só no Brasil, mas, em grande parte do mundo. As práticas educacionais mais realizadas são as relacionadas à cura de doenças e patologias, ou seja, terapias com profissionais especializados para a aprendizagem da fala, dependendo do profissional a língua de sinais e a língua escrita. Tornando para esses sujeitos, seus familiares e educadores, um fardo muitas vezes pesado por não ser “igual” aos seus pares, os ouvintes.

Com a Declaração de Salamanca, de 1994, muita coisa mudou em relação à Educação Especial. Esse documento foi elaborado com o objetivo de promover a Educação para todos examinando as mudanças políticas fundamentais necessárias para favorecer o enfoque da educação integradora, capacitando concretamente as escolas para atender as

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crianças, sobretudo as que têm necessidades educativas especiais (CONFERÊNCIA MUNDIAL DE EDUCACIÓN SOBRE NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS, 1994: IV).

A partir daí foram e têm sido muitas as discussões sobre as categorias integração2 e

inclusão3 social como fins da Educação Especial. A questão já não se restringe ao ensino da criança surda de como comunicar-se com ouvintes. O que se coloca em pauta – e que aqui se ressalta como justificativa social para a pesquisa ora proposta –, é a efetividade e a extensão desta pretendida acolhida (seja pela medida de inclusão, seja pela integração), o que se relaciona também à qualidade do ensino ofertado, ao enfrentamento da segregação (que não se faz sem que se reconheça seus determinantes socioculturais) e à problematização tanto de diretrizes formais quanto de práticas sócio-educativas.

Assim, alguns questionamentos foram levantados com relação aos alunos(as) surdos no ensino regular, entre eles, como o(a) aluno(a) surdo(a) é percebido pelo ensino público regular; e como esta identidade, de pessoa deficiente, segue sendo construída no ambiente escolar. Afinal, como explica Gusmão (1999, p.43), “educar, antes de mais nada, envolve interesses, dominação, exploração, revelando a existência do poder e seu exercício sobre indivíduos, grupos ou sociedades tidas como diferentes”.

Nesse sentido o objetivo geral da pesquisa é: investigar, a partir de três escolas que têm alunos(as) em referidas condições, como são as percepções de professores(as) e alunos(as) acerca da diversidade em geral e da condição do surdo em especial. Como objetivos específicos constam: descrever o processo histórico de implementação do ensino inclusivo no município de Monte Carmelo, MG; conhecer, nas três instituições estudadas, o imaginário e a cultura escolar acerca da diversidade em geral e da surdez em especial; compreender como os(as) professores(as) percebem a deficiência e seus(suas) alunos(as) identificados(as) como deficientes auditivos e compreender como crianças e adolescentes com deficiência auditiva são percebidos por alunos ouvintes da mesma escola.

2 “Inserção escolar de alunos com deficiência nas escolas comuns, o aluno tem acesso às escolas por meio de um

leque de possibilidades educacionais, que vai da inserção às salas de aula do ensino regular ao ensino em escolas especiais. Trata-se de uma concepção de inserção parcial, porque o sistema prevê serviços educacionais segregados” (MONTOAN, 2003, p.14).

3

“Prevê a inserção escolar de forma radical, completa e sistemática. Todos os alunos, sem exceções, devem frequentar as salas de aula do ensino regular. A inclusão implica uma mudança de perspectiva educacional, pois não se limita aos alunos com deficiência e aos que apresentam dificuldades de aprender, mas a todos os demais, para que obtenham sucesso na corrente educativa geral.” (MONTOAN, 2003, p.14). A inclusão deve constituir um processo gradativo que respeite as diferentes necessidades e interesses de cada criança. (REDONDO & CARVALHO, 2000).

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Metodologia: fundamentos e processo da pesquisa

Como um estrangeiro, caminhava no meio deles apreciando as rodinhas de conversa, dos grupos de amigos, os casais, as conversas [...]; pelo fato de não dominar a língua de sinais, não me prendi a nenhum grupo, nem procurei decifrar o que diziam; interessava-me, nesse momento, fazer uma imersão nesse ambiente novo, cujo código básico de comunicação me era estranho. [...] Completamente ignorado por todos, restavam-me outros códigos e outros planos de observação. [...] Aos poucos vai-se adentrando no universo do outro, que acaba perdendo essa capacidade de maravilhar, e termina tornando-se familiar ao observador. (MAGNANI, 2009, p. 144).

Ainda que não se tratando de uma etnografia propriamente dita, a pesquisa que resulta nesta dissertação foi elaborada a partir de uma perspectiva etnográfica, o que significa que a imersão em campo e a observação receberam lugar especial dentre os procedimentos metodológicos.

O aprimoramento teórico das questões de fundo realizou-se a partir de um programa de leituras que envolveram a discussão da educação para a diversidade4, o que foi feito operando com as categorias diversidade, alteridade e identidade no ambiente escolar.

Além da pesquisa bibliográfica, o levantamento dos dados realizou-se por meio da observação direta, da leitura de documentos, da aplicação de questionários mistos e de entrevistas. Dessa forma, foi utilizada a técnica da triangulação que, conforme Triviños (1995, p.138), "tem por objetivo básico abranger a máxima amplitude na descrição, explicação e compreensão do foco em estudo".

Trata-se de um tipo de pesquisa em que é levado em conta o não-isolamento de cada fato, o que privilegia as raízes históricas e os fenômenos sociais pré-existentes à questão em discussão.

A pesquisa, a princípio, seria realizada em duas escolas que tinham alunos(as) não-ouvintes matriculados e frequentando o ensino regular. A escolha das escolas para a realização da pesquisa se deu a partir de observações no cotidiano profissional5, em que uma escola do ensino regular tinha uma grande concentração de alunos(as) surdos(as) e a presença do profissional intérprete, e a outra escola, dita inclusiva, também apresentava aluno surdo

4

“Educar para a diversidade implica introduzir no processo pedagógico o conhecimento do ‘outro’, pois uma das formas mais resilientes do preconceito e da exclusão e o desconhecimento do distinto e do diferente. O conhecimento do ‘outro’ é um dos principais fatores que contribuem para o fim da segregação, pois, ao nos conhecermos uns aos outros, passamos não somente a nos familiarizar com o que e diferente, como também aprendemos a respeitar e admirar a diversidade.” (TELES, 2006).

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A pesquisadora atuava com esses alunos(as) em uma Escola de Educação Especial – APAE, ao serem incluídos no ensino regular, tinha uma preferência pelos familiares em matricular seus filhos em uma das escolas escolhidas para realizar a pesquisa. Outras escolas também tinham um ou outro aluno surdo, mas estas eram as que apresentavam em maior quantidade.

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matriculado. Contudo, durante o processo das observações em campo, um dos alunos em referida condição foi matriculado em uma terceira escola, gerando, assim, a necessidade de acrescentar mais uma escola aos loci da pesquisa.

A primeira etapa da pesquisa foi a observação sistematizada da rotina escolar das três instituições, realizada como parte da investigação daquilo que Triviños chama de “processos e produtos do meio socioeconômico e cultural”. Este procedimento foi importante para o mapeamento das instituições pesquisadas quanto à cultura escolar, considerando-se que nelas estão em interação direta crianças/adolescentes e adultos, pessoas ouvintes e não-ouvintes, profissionais administrativos e professores, funcionários da limpeza e familiares de alunos. As observações foram realizadas em situações de rotina, durante as reuniões pedagógicas (professores), em sala de aula bem como no pátio ou recreio livre.

Esse estudo envolvendo o imaginário, a cultura, história e educação do(a) surdo(a) requer um maior conhecimento desta comunidade em que estão inseridos, neste caso o contexto escolar que foi observado, bem como as relações interpessoais necessárias para um melhor envolvimento como pesquisadora. Conforme proposto por Ludke e André (1986) o confronto entre os dados, as evidências, as informações e o conhecimento teórico a respeito do assunto, são de grande relevância para se realizar a pesquisa.

Neste sentido, o convívio e a participação direta com o grupo investigado tornaram-se elementares para as obtornaram-servações das ações e manifestações de valores, cultura, identidades, entre outros aspectos necessários a esse tipo de pesquisa, de base etnográfica. Assim, Oliveira e Stotz (2004) ressaltam que a participação na pesquisa é realizada pela convivência, conviver seria mais que simplesmente visitar, não pode ser delegado, requer um envolvimento por inteiro, pessoal, que faz perguntas, questiona e observa. Isso traz confiabilidade à pesquisa e ajuda a entender alguns posicionamentos políticos que explicam ações e mesmo contradições.

Ressaltando a importância ao instrumento de pesquisa utilizado, Oliveira (2009, p. 13) pondera que:

[...] durante o pesquisar, em cada diário de campo, na análise dos dados, na elaboração dos resultados e das contribuições da pesquisa essa visão é retomada, para ampliá-la, questioná-la, reposicioná-la, ressignificá-la. Essa visão, se não reconhecida durante o processo de pesquisa, pode embotar nossa compreensão, nosso olhar atento aos detalhes, pois certamente é mais confortável entender para olhar, do que olhar para entender.

Nesse sentido, Magnani (1996) vem mostrar o quanto é importante o caderno ou diário de campo, em que se escreve o contexto em que os dados foram colhidos, permitindo obter

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informações que, muitas vezes, os documentos, as entrevistas, os dados censitários conseguidos por meio da gravação e das transcrições não trazem.

As escolas investigadas, locais das referidas observações sistematizadas serão, para fins de compreensão6, denominadas no corpo do texto como Escola 1, Escola 2 e Escola 3.

A Escola Estadual “Padre César” (Escola 1), que foi fundada em 05 de março de 1964, oferece ensino fundamental com duração em oito anos organizado em três ciclos, atendendo a crianças com idades a partir de sete anos, nos turnos matutino e vespertino.

Fundada dez anos mais tarde, a Escola Estadual “Professor Vicente Lopes Perez” (Escola 2), originalmente chamada de “Polivalente”, foi construída a partir de uma parceria entre o Ministério da Educação e Cultura, o governo do estado de Minas Gerais e a Prefeitura Municipal. Em 1979 a escola deixou de ser “Polivalente”, passando após esta data a ter o nome pelo qual é hoje conhecida. Atualmente a escola funciona em três turnos (matutino, vespertino e noturno) e atende em média 1700 alunos dos Ensinos Fundamental e Médio. Trata-se de uma instituição de ensino que recebe alunos de diversas classes sociais.

A terceira escola regular onde se realiza a educação inclusiva de crianças e adolescentes surdos é a Escola Estadual “Gregoriano Canêdo” (Escola 3), a qual foi fundada em 1961 com o nome de Ginásio Estadual e instalada em fevereiro de 1966 no mesmo prédio onde ainda se encontra. Atualmente funciona em três turnos (matutino, vespertino, e noturno), tendo 1803 alunos matriculados no Ensino Fundamental e Médio, na Educação de Jovens e Adultos (PEP e EJA) e no curso Profissionalizante em Gestão de Pequenas Empresas.

As visitas feitas a essas instituições de ensino possibilitaram a descrição no diário de campo, com o registro de reflexões pertinentes ao assunto abordado. Ao final do percurso, com o intuito de registro no diário de campo, haviam sido feitas oito visitas na Escola 1, quatorze na Escola 2 e quatro na Escola 3 – excetuando, portanto, as vezes em que a ida à escola não teve por intento a observação sistematizada, mas “apenas” a pesquisa documental ou a aplicação de questionários.

Em todas as visitas para fins de observação foram acompanhadas especificamente as salas que tinham alunos surdos. Na Escola 1 foram observadas uma sala com 25 alunos(as), outra com 20 alunos(as) e a sala de recursos. Na Escola 2, foi observada uma sala, no ano de 2010, com 35 alunos(as) e depois, no ano de 2011, uma sala com 15 alunos(as). Na Escola 3, foi observada uma sala com 41 alunos(as).

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Esse procedimento visa apenas facilitar a leitura, uma vez que entre instituições de ensino e pesquisadora foi acordado que poderia ser feita menção ao nome da escola e à sua história.

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A segunda etapa da pesquisa, que constituiu o procedimento metodológico chamado por Triviños de análise de “elementos produzidos pelo meio”, foi feita por meio da leitura de documentos que permitiram depreender novas informações e/ou interpretações acerca do fenômeno pesquisado, neste caso: Leis, Diretrizes e Projetos Político Pedagógicos.

Nessa etapa dos trabalhos foram estudadas Leis como a Constituição Federal, que no art. 208 ressalta o dever do Estado com a Educação e sua garantia (descrevendo no inciso III que deverá ser oferecido o atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, de preferência na rede regular de ensino) e a Lei 10.436 de abril de 2002, que específica a educação das pessoas surdas regulamentando a permanência dos(as) alunos(as) com surdez no ensino regular. Além disso, também foram consultados os Projetos Político Pedagógicos das instituições, o que teve que se dar no próprio ambiente de cada uma das escolas7. Nas Escolas 1 e 2 foram necessárias várias visitas até que o documento fosse disponibilizado para leitura e, depois disso, quatro visitas para que fosse consultado na biblioteca (Escola 1) e na sala da supervisora (Escola 2). Na Escola 3 esse processo foi mais acessível, pois foi possível consultar os documentos na sala da supervisora, em um processo que levou apenas duas visitas.

A terceira etapa da pesquisa, que constituiu o terceiro “vértice do triângulo”, envolveu o levantamento e a análise de “produtos centrados no sujeito” (Triviños, 1995, p.), o que se deu a partir de questionários mistos e entrevistas semiestruturadas junto a professores(as) e alunos(as), estes ouvintes e não ouvintes.

Com relação aos(às) professores(as), uma vez obtida a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), o primeiro procedimento foi a aplicação de questionários mistos junto a uma amostra que, em princípio, seria constituída por 18 docentes de cada escola, mas ao final, devido à não adesão ao projeto por parte de vários, terminou sendo constituída por 10 professores(as) de cada escola, totalizando, assim, 30 sujeitos. Em respeito à abordagem de base etnográfica, esse instrumento só foi elaborado quando a observação sistematizada já se consolidava, o que se justifica no fato de que, para essa perspectiva metodológica, a elaboração de um instrumento deve sempre se dar em respeito às especificidades do ethos da investigação.

Conforme o quadro que segue, os(as) professores(as) foram identificados(as) ao longo do texto pela letra P seguida de um número de dois dígitos, sendo o primeiro associado ao número atribuído à escola (1, 2 ou 3)8.

7

As três escolas não permitem a retirada do documento bem como a realização de fotocópias. 8

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Escola 1 Escola 2 Escola 3 P10 P20 P30 P11 P21 P31 P12 P22 P32 P13 P23 P33 P14 P24 P34 P15 P25 P35 P16 P26 P36 P17 P27 P37 P18 P28 P38 P19 P29 P39

Quadro 1: Professores(as) abordados(as) – legenda.

No questionário foram abordadas duas categorias de questões: questões relativas diretamente ao processo de formação acadêmica e ao exercício da docência – necessárias para esboçar um perfil social e profissional – e questões referentes aos temas da inclusão do sujeito com necessidades especiais, da prática docente em geral e da diversidade tal como concebida pelos sujeitos. A sistematização dos dados provenientes dessa etapa foi obtida pelo processo de tabulação acrescido do agrupamento de declarações com significados semelhantes, que depois foram configurados em classes de respostas.

A entrega dos questionários aos(às) professores(as) se deu de maneira diferenciada em cada escola, respeitando-se suas regras internas e os termos estabelecidos no momento de firmar a autorização para a pesquisa. Na Escola 1, foram distribuídos no período matutino dez questionários e no vespertino oito. Para recolhê-los, foram necessárias dez visitas à escola, posto que alguns esqueciam, outros(as) alegavam terem perdido, outros(as) não estavam na escola no período das visitas para a entrega. Só após essas visitas é que se chegou a uma amostra de 10 questionários.

Na Escola 2, o processo se deu de outra forma. Foi possível entregar os dezoito questionários no final de uma reunião pedagógica dos períodos matutino e vespertino. Foram respondidos dez questionários, o que se tornou o objetivo final para cada escola. Foi necessário comparecer a outras duas reuniões pedagógicas para que, ao término da terceira reunião, a pesquisadora obtivesse dez questionários – tendo os restantes alegado esquecimento, extravio e falta de tempo.

Na terceira escola, os questionários foram entregues aos(às) professores(as) durante o intervalo para o café do período vespertino. A escolha por esse período se deu em razão de essa ser uma escola em que só há um aluno surdo, que está matriculado no período vespertino. A pesquisadora fez três visitas posteriores à entrega, com o intento de recolher o instrumento,

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contudo, foi preciso que a supervisora se dispusesse a recolhê-los para que, uma semana mais tarde, dez questionários fossem apresentados.

A etapa seguinte da pesquisa junto aos(às) professores(as) envolveu um “afunilamento” da quantidade de sujeitos com vistas à obtenção de dados restritamente qualitativos. Isto posto, foram realizadas junto a três professores(as) – um de cada escola – entrevistas em profundidade. O principal critério de inclusão dos sujeitos nessa amostra foi a experiência do(a) professor(a) em suas turmas, ou em sala de apoio pedagógico, com crianças/adolescentes surdos.

Para essa etapa, a entrevista foi marcada de acordo com a disponibilidade de cada professor(a), em local desejado pelo mesmo. As entrevistas foram gravadas e depois transcritas para posterior análise. Para garantir o acordo firmado no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, os(as) docentes entrevistados(as) foram identificados ao longo do texto de acordo com o numeral já referido a cada escola, ou seja: PE1 (Professor(a) Entrevistado(a) da Escola 1), PE2 (Professor(a) Entrevistado(a) da Escola 2) e PE3 (Professor(a) Entrevistado(a) da Escola 3).

Esses mesmos procedimentos – aplicação de questionário misto e realização de entrevistas – foram utilizados para a obtenção de dados junto aos(às) alunos(as), o que envolveu um delicado processo de explicação dos objetivos da pesquisa e de obtenção de consentimento familiar.

À exemplo do caso dos(as) professores(as) (identificados ao longo do texto pela letra P), os(as) alunos(as) ouvintes são aqui identificados pelas letras AO seguidas de um número de dois dígitos, o primeiro associado ao número atribuído à escola (1, 2 ou 3), como se vê no quadro 2:

Escola 1 Escola 2 Escola 3

AO10 AO20 AO30 AO11 AO21 AO31 AO12 AO22 AO32 AO13 AO23 AO33 AO14 AO24 AO34 AO15 AO25 AO35 AO16 AO26 AO36 AO17 AO27 AO37 AO18 AO28 AO38 AO19 AO29 AO39

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Na Escola 1, por indicação da equipe pedagógica os questionários foram aplicados junto a uma turma indicada com a faixa etária de nove a 10 anos, capaz, portanto, de compreender o texto. Essa turma convive na sala de recursos9 e na recreação com uma criança surda10. A sala de aula é frequentada por 25 alunos(as), mas no dia escolhido para a realização dessa etapa da pesquisa estavam presentes 2111. A professora leu os questionários para os alunos e a pesquisadora esclareceu as poucas dúvidas que foram manifestadas. Feito isso, as crianças levaram o material para casa juntamente aos TCLEs que, entretanto, nem sempre voltaram assinados pelos responsáveis. Assim, a amostra foi redimensionada, nas três escolas, para 10 crianças/adolescentes, de forma a se garantir uma amostra homogênea em cada escola e, ao mesmo tempo, a utilização de questionários vinculados ao consentimento formal dos adultos responsáveis pela criança abordada.

Na Escola 2, diferente da escola antes citada, estavam inicialmente matriculados quatro alunos surdos (sendo que em 2011 esse número foi reduzido para dois). Para a aplicação dos questionários foi selecionada uma turma, na faixa etária entre 12 e 14 anos, com 35 alunos. Nessa turma estavam inseridos todos os alunos não-ouvintes da escola. No início de 2011, entretanto, a turma observada até então foi dividida em duas turmas menores, o que resultou na necessidade de aplicação dos questionários junto a essas duas turmas.

Os alunos foram orientados pelo(a) professor(a) quanto à execução da atividade a ser realizada em casa com a devida autorização dos responsáveis. A pesquisadora manteve-se nas salas à disposição para esclarecimentos e a intérprete se dispôs a recolher referido material ao longo da semana. Ao todo foram distribuídos 30 questionários e TCLEs e recolhidos 10 (devidamente documentados) para análise.

Na Escola 3 a turma escolhida foi a mesma frequentada regularmente pelo único aluno surdo daquela instituição de ensino. Assim como nos outros casos, os questionários foram entregues pela professora na presença da pesquisadora, que ficou à disposição para esclarecimentos. A turma em questão é constituída por 41 alunos(as), sendo que a faixa etária dos sujeitos oscila entre 11 e 13 anos. No dia em que a atividade foi proposta foram entregues 36 questionários, tendo sido utilizados para análise os 10 primeiros recolhidos pela

9

A sala de Recurso desta escola é frequentada por alunos(as) com necessidades pedagógicas especiais em horários alternados, e nela realizam-se diversas atividades, abordando suas dificuldades específicas.

10

Alguns destes alunos também foram colegas de referida criança em sala regular.

11 Os questionários respondidos, mas que não tinham os TCLE, ficaram retidos com o(a) professor(a) que se dispôs a recolhê-los e não foram, portanto, utilizados na pesquisa. Nem todos os questionários foram preenchidos.

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supervisora com a documentação devidamente assinada (TCLE). O material restante foi descartado pela supervisora escolar.

Ao final, os dados referentes a essa etapa dos trabalhos foram obtidos por meio de 30 questionários mistos, respondidos por 10 alunos(as) de cada uma das três escolas investigadas. Depois de sistematizados e analisados esses dados, na etapa seguinte foram realizadas entrevistas semiestruturadas com três dessas crianças/adolescentes, sendo uma de cada escola.

Os critérios de inclusão para essa amostra foram, inicialmente, a autorização formal (TCLE) e a participação na etapa anterior. Como critério secundário adotou-se a ordem de aceite: a pesquisadora obteve em cada escola três endereços de crianças ouvintes que atendiam aos dois primeiros critérios e fez a entrevista com a primeira delas cujos familiares autorizaram por escrito. No caso dos(as) alunos(as) das Escolas 2 e 3, as entrevistas foram realizadas em ambiente familiar, na presença dos responsáveis. A entrevista do(a) aluno(a) da Escola 1 foi realizada na escola, após a autorização formal dos pais.

Ainda que no começo dos trabalhos de campo, por ocasião das observações sistematizadas, tenham participado da pesquisa cinco sujeitos surdos, na etapa restrita à realização de entrevistas estiveram presentes apenas três desses sujeitos, uma vez que dois deles saíram da escola: um por estar em vias de mudar-se de cidade e outro por problemas pessoais. Dois dos sujeitos entrevistados são alunos(as) da Escola 2 e o outro é aluno(a) das Escolas 1 e 3, sendo que na primeira ele frequenta a sala de recurso duas vezes por semana e na segunda ele faz seus estudos regulares.

Para a realização das entrevistas com os alunos não-ouvintes e seus familiares, as mesmas foram agendadas com antecedência, de acordo com a disponibilidade dos pais, e realizadas no ambiente familiar.

Como já foi dito, em respeito aos termos firmados no documento de Consentimento Livre e Esclarecido bem como ao estabelecido na Lei n. 8.069 de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), as verdadeiras identidades dos(as) alunos(as) abordados(as) não são reveladas ao longo do texto. No caso das crianças e adolescentes não-ouvintes, esses são identificados por meio de um pseudônimo atribuído aleatoriamente, conforme o quadro abaixo:

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ALUNO(A) IE João Escolas 1 e 3 Maria Escola 2 Izabel Escola 2 Rute Escola 2 Paulo Escola 2

Quadro 3: Alunos(as) surdos(as) abordados(as) – legenda.

Todos os depoimentos orais, de professores(as), alunos(as) e mães foram gravados e posteriormente transcritos. As impressões da pesquisadora durante o processo de coleta dos depoimentos também foram registradas no diário de campo. O registro do conteúdo dos depoimentos orais foi aliado ao registro das impressões da situação vivida durante as entrevistas, o que contribuiu para uma compreensão mais aprofundada das tramas que constituem a situação em discussão.

Tenta-se lançar, a partir desse momento a difícil missão de incentivar os sujeitos a apreciar, criticar, discordar ou concordar com o que se escreve a partir dos questionamentos e dúvidas, que a princípio nortearam esta pesquisa, vivida com muita intensidade, que representou uma colheita de uma imensa rede de observações e entrevistas das quais a pesquisadora também foi um sujeito atuante. Na expectativa de organizar a trajetória da pesquisa e de partilhar este processo, a dissertação foi organizada da seguinte forma:

No capítulo 1, A DEFICIÊNCIA AUDITIVA NO CONTEXTO DA DIVERSIDADE: CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS, é feita uma descrição do tratamento historicamente reservado aos surdos, conforme vários autores, permitindo observar-se tanto ideologias negadoras da diversidade quanto a existência de uma disputa de poderes entre Oralismo12 e Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS no Brasil. O capítulo contextualiza historicamente a fundação das Associações dos Surdos, em diversas regiões do País e em especial em Minas Gerais. A história nos mostra que a condição de não-ouvinte também já esteve fortemente associada à deficiência mental e, por isso, rotulada e tratada como um indicativo de incapacidade, ficando o sujeito alheio, por muito tempo, aos direitos à escolarização e à plena convivência comunitária.

O capítulo 2, O CONTEXTO INVESTIGADO, traz a realidade da pesquisa de campo, iniciando com a contextualização sócio-histórica e cultural da cidade de Monte Carmelo, MG. Em seguida é feita a descrição da rede de ensino em referida cidade até chegar às escolas onde

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“Visa à integração da criança surda na comunidade de ouvintes, dando-lhe condição de desenvolver a língua oral (no caso do Brasil, o português)”. (GOLDFELD, 2001, p.30)

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a pesquisa de campo se realiza. São, ao fim, apresentados aspectos dos Projetos Político Pedagógicos de cada escola que se relacionam mais diretamente ao problema da pesquisa. Para melhor conhecer a(s) cultura(s) em que estão inseridos os envolvidos no processo de escolarização dos surdos, verifica-se o perfil sociocultural dos(as) alunos(as) ouvintes e dos(as) não-ouvintes, além do perfil profissiográfico dos(as) professores(as).

No Capítulo 3, PERCEPÇÕES DE PROFESSORES(AS) E DE ALUNOS(AS) OUVINTES, observa-se as percepções dos(as) docentes sobre diversos aspectos relacionados ao tema proposto: a Língua utilizada pelos surdos, inclusão, deficiência, aprendizagem, propostas de avaliação e características atribuídas pelo ouvintes aos sujeitos não-ouvintes da escola. Além disso, também é observado como os(as) alunos(as) ouvintes veem os sujeitos surdos em sua diversidade e diferença, com relação a fatores como o relacionamento fora do ambiente escolar, a utilização de estratégias para a comunicação, o uso da língua de sinais, atributos de qualidade ou mesmo descréditos. Nesse sentido demonstra-se um panorama do universo em que estão imersos os sujeitos surdos durante o processo de escolarização regular. Observando assim, quais os padrões apresentados pelos ouvintes podem interferir ou mesmo contribuir para a construção da identidade surda dentro de um contexto escolar ouvinte.

No capítulo 4, OS(AS)SURDOS(AS) NO ENSINO REGULAR, analisa-se a construção das identidades surdas no ambiente escolar, dando-se ênfase à percepção da diferença, vivida pelos sujeitos surdos e trazida por seus familiares, e às influências das identidades ouvintes sobre os surdos. Sendo o ambiente escolar e os colegas ouvintes os principais agentes influenciadores no processo de visualizarem-se como diferentes, nesse sentido existindo uma tentativa de normalização pelos surdos.

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1 A DEFICIÊNCIA AUDITIVA NO CONTEXTO DA DIVERSIDADE: CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS

1.4 Surdez e Deficiência Auditiva no Ocidente

[...] a história desta educação é, portanto, trilhada por diferentes caminhos, apresentados como um reflexo do pensamento e dos interesses dominantes em cada época e em cada sociedade (THOMA, 2010, p.125).

A história da educação dos(as) surdos(as) será aqui abordada a partir de resultados das investigações de autores como Werner (1949), Pessoti (1984), Gugel (2007), Moura et.al (1997), Perlin (1998, 2003), Soares (1999), Moura (2000), Goldfeld (2001), Ferreira e Guimarães (2003), Rocha (1999), Lulkin (2010).

Por uma perspectiva histórica é sabido que a situação social e política do(a) surdo(a) já foi muito pior. De acordo com Moura (2000) na Antiguidade greco-romana as pessoas com déficit de audição não eram consideradas intelectualmente competentes, posto que se acreditava que o pensamento jamais poderia desenvolver-se sem a linguagem e que essa não se desenvolveria onde não houvesse a fala. Aristóteles, por exemplo, estava entre os pensadores gregos que consideravam a linguagem como o elemento determinante da condição de ser humano, sem a qual o falante, como os(as) surdos(as), era considerado como não-humano, como um ser a quem se poderia privar de direitos atribuídos aos “reconhecidamente” humanos, tanto que eram impedidos de obter heranças em testamento ou usufruir de qualquer direito legal (até mesmo o casamento), em situação análoga a dos deficientes mentais.

Ferreira e Guimarães (2003) destacam que a Antiguidade foi uma época marcada pela rejeição à pessoa com deficiência que, por vários séculos, permaneceu sendo privada do convívio social. Impedida de frequentar a escola, essa pessoa era responsabilizada

socialmente por sua condição, o que se dava com o respaldo de crenças religiosas:

Concebia-se a deficiência como obra da intervenção direta de Deus ou de algum ser superior que, por ação de sua vontade arbitrária, determinaria a algumas criaturas o destino da diferença. Esse período foi marcado pela rejeição à pessoa com deficiência, que, por muitos séculos não pôde usufruir do convívio social, devido a limitações e impedimentos (FERREIRA; GUIMARÃES, 2003, p. 65).

Tanto em Aristóteles, no livro A Política, quanto em Platão, no livro A República, o tratamento reservado pela sociedade grega aos “nascidos disformes” surge em meio aos relatos sobre o planejamento das cidades. Tratamento esse marcado pelo abandono, pela

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exposição, e mesmo pela “eliminação”, fosse essa o extermínio da pessoa, fosse sua total exclusão social.

Para Platão, em A República (livro IV), os filhos daqueles considerados superiores deveriam ser levados para morar em um bairro a parte da cidade, enquanto que os filhos dos homens considerados inferiores, assim como os considerados disformes deveriam ser escondidos em um lugar “interdito e oculto” (GUGEL, 2007). Gugel salienta ainda que Aristóteles, em A Política (Livro VII) também ressalta que deveria ser elaborada uma lei para que as crianças disformes não fossem criadas, evitando assim o excesso dessas.

O comportamento do povo grego é explicado por Gugel (2007) com a devida contextualização daquela cultura. A autora destaca que, em Esparta, os gregos dedicavam-se à chamada arte da guerra, tinham grande preocupação com as fronteiras de seus territórios, que estavam expostas às invasões bárbaras – e em especial ao igualmente belicoso Império Persa. As crianças que nasciam com deficiências eram excluídas ou eliminadas, assim como eram deixadas à própria sorte as crianças fisicamente frágeis, de quem se suspeitava que não poderiam resultar em boas procriadoras ou em bons soldados a serviço do exército de Leônidas.

Se na Grécia antiga encontramos práticas fortemente excludentes, em Roma o filósofo Cícero recomendava aos cegos o uso e exploração dos ouvidos e aos surdos o uso e a exploração da visão. Esta nova perspectiva, pela qual outros sentidos deveriam ser melhor explorados objetivando uma compensação do sentido falho, pode ser identificada nas trajetórias de muitos surdos-mudos que, séculos mais tarde, se sobressaíram como pintores, entre eles Juan Fernández de Navarrete (1526-1579), Eelke Jelles Eelkkema (1788-1839) e outros (WERNER, 1949) 13.

O início da Idade Média é marcado por precárias condições de vida e de saúde das pessoas. A população desinformada via o nascimento de pessoas com deficiência como castigo de Deus. Os supersticiosos atribuíam a eles poderes malignos de bruxos ou feiticeiros. Quando tinham crianças sobreviventes, essas eram quase sempre ridicularizadas e separadas de suas famílias (FERREIRA;GUIMARÃES,2003;GUGEL,2007).

Os autores acima citados reforçam que o surgimento do cristianismo, cuja doutrina pregava o amor e a caridade entre os membros da sociedade, representou não apenas a acolhida aos mais pobres. Registros históricos evidenciam que o cristianismo teve forte

13 Segundo Werner (1949) Juan Fernández de Navarrete (1526-1579), cuja alcunha era “El Mudo”, foi pintor de

câmara de Felipe II; Eelke Jelles Eelkkema (1788-1839) tem três quadros expostos no Rijksmuseum de Amsterdam e aquarelas em Haarlen, e Eugéne-Jules-Joseph Laermans (1864) tem trabalhos expostos nos museus de Amberes, Bruxelas e Dresde.

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influência no fim da prática de eliminar crianças com deficiência, alterando as concepções e condutas romanas a partir do Século IV. Os primeiros hospitais de caridade, criados no âmbito das práticas cristãs, ofereciam não apenas cuidados aos doentes, mas também abrigo aos indigentes e às pessoas com deficiências.

Parte da história até aqui descrita nos permite observar que são muitas as lacunas na organização dos fatos históricos que envolvem as relações da sociedade com os(as) surdos(as). De algumas épocas e localidades, infelizmente, não se tem registros escritos que permitam uma adequada compreensão de como vivia e era tratado o sujeito com deficiência auditiva.

No século XV, a Igreja Católica não considerava a imortalidade da alma dessas pessoas, uma vez que, explica Moura (2000), elas não conseguiam proferir os sacramentos. Nesse sentido, enfatiza que naquele momento passou-se a contratar professores que ensinassem os surdos a falar, a ler e a escrever, medida essa necessária para que tivessem reconhecido o seu direito a herdar títulos e bens familiares.

Já no século XVI, o médico italiano Gerolamo Cardomo (1501-1576) inventou um código para ensinar pessoas surdas a ler e escrever. Esses métodos contrariaram o pensamento da sociedade da época, que não acreditava que pessoas surdas ou com deficiência auditiva profunda pudessem ser educadas (WERNER, 1949; GUGEL, 2007; SOARES, 1999; MOURA, 2000;GOLDFELD,2001).

Na Espanha, pouco depois, Pedro Ponce de Leon (1520-1584), criou uma metodologia que incluía datilogia, escrita e oralização, a partir da qual criou a Escola de Professores de Surdos. Essa metodologia foi, décadas depois, aprimorada por Juan Pablo Bonet14 (1579-1633) que, se apoderando dos escritos de Ponce de Leon, passou por inventor da “arte de ensinar o surdo a falar”, lançando mão do alfabeto digital, da língua de sinais e da manipulação dos órgãos fonoarticulatórios (SOARES,1999;GOLDFELD,2001).

Na Holanda, o gramático Van Helmont (1614-1699), estudioso da língua15 que publicou um livro sobre o “caráter primitivo da língua hebraica”, propunha a oralização do surdo através desse alfabeto, pois, em sua opinião, “a forma das letras hebraicas indicava a posição da laringe e da língua ao reproduzir cada som respectivo”. Décadas depois, na Suíça, um médico de nome Konrah Amman aperfeiçoou os escritos de Van Helmont e publicou, em 1704, um livro que serviu para a “construção do modelo alemão” para a educação do surdo. O

14 Escreveu um tratado de ensino aos surdos-mudos que conta os resultados conquistados por Manuel Ramírez de

Carrrión (1579- 1633), o qual fundou o método de soletração fonética.

15 Foi quem primeiro descreveu a leitura dos lábios e o uso do espelho para o ensino da fala (W

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trabalho de Amman foi considerado uma exceção por se tratar de um médico que não supervalorizava os recursos da medicina e que dedicava-se puramente à educação, em seu sentido pedagógico, dos surdos-mudos (WERNER,1949).

No final do século XVII John Wallis escreveu o primeiro livro em inglês relatando sobre a educação dos surdos, tendo por isso sido considerado fundador do oralismo na Inglaterra – o que se fez não sem a influência do método proposto por Bonet a partir de Ponce de Leon. Seguindo a proposta de trabalho apresentada por Wallis, Thomas Braidwood fundou em Edimburgo, por volta de 1760, a primeira escola britânica “para a correção da fala”. Iniciava-se assim um empreendimento que se disseminou pela Europa, em outras escolas organizadas e patenteadas pela família Braindwood e cuja originalidade dependia da manutenção do método em segredo (MOURA,2000).

É preciso ponderar que, no começo daquele mesmo século, o médico alemão Wilhelm Kerger já era conhecido por ter descrito a um professor da cidade de Leipzig todos os procedimentos por ele adotados para fazer com que sua filha surda emitisse a palavra falada. Utilizando desenhos e exercícios de leitura labial, Kerger conseguiu ensinar à menina um grande número de substantivos e de adjetivos. (Quirós & Gueler, 1966, apud Soares, 1999).

Um pouco antes de Thomas Braidwood fundar sua escola na Escócia, no ano de 1750, na França, o Abade Charles Michel de L’Epée já anunciava a criação do que era por ele chamado de “sinais metódicos”, aos quais chegou a partir do contato com duas gêmeas que, sendo surdas, comunicavam-se uma com a outra por meio de sinais gestuais partilhados. A sistematização de L’Epée lhe permitiu comunicar-se com surdos carentes aos quais a Igreja prestava assistência, o que foi decisivo para seu entendimento de que todos os surdos, independentemente do nível socioeconômico, deveriam ter acesso à educação pública e gratuita como forma de estarem aptos para receber os sacramentos cristãos e, assim, livrarem-se do inferno. Até sua morte, ocorrida em 1789, o Abade L’Epée foi responsável pela fundação de 21 escolas que faziam uso dos “sinais metódicos”, espalhadas pela Europa (WERNER,1949;PERLIN,1998;SOARES,1999;GOLDFELD,2001).

Enquanto isso, na Alemanha, Samuel Heinick era o fundador da primeira escola pública para a educação formal de surdos, usuária do método oral (GOLDFELD, 2001), configurando, assim, a formação de duas correntes distintas: os defensores de uma linguagem de sinais e os defensores do oralismo. Dentre os oralistas está também o português naturalizado francês Jacob Rodrigues Péreire (1715-1780), que se dedicava ao ensino da fala aos surdos-mudos por meio de um método que “consistia em ensinar a articulação de fonemas

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e palavras a partir da sensação tátil, visual e/ou auditiva e, principalmente, com base na memória dos movimentos dactilológicos” (PESSOTI, 1984, p. 31).

Este método, criado por Péreire, foi duramente criticado por L’Epée que, no mesmo país, contava com o apoio político e financeiro de Luís XVI para a criação do seu Instituto Nacional de Surdos-Mudos.

Por esse célebre instituto francês passaram vários profissionais, mas nem todos efetivamente favoráveis aos métodos inicialmente empregados por L’Epée. O médico alienista Jean Marc Gaspart Itard (1774-1838) está entre os responsáveis por mudanças. Tendo sido chefe do Instituto na virada para o século XIX, Itard defendeu como metodologia para a reeducação dos surdos a leitura de lábios e a expressão oral – a primeira utilizada apenas secundariamente por L’Epée (MOURA, 2000).

Em 1815 um professor e advogado norte-americano, Thomas Hopkins Gallaudet, interessado na educação de surdos (desde que um encontro casual colocou em sua vida a pequena Alice Cogswell, surda de nascença, e sua família), foi para a Inglaterra encontrar a família de Braidwood para que estes lhe ensinassem a utilização da língua oral na educação de surdos. Como seu pedido lhe foi negado, em princípio com a imposição de custos muito altos, Gallaudet rumou para a França, onde, por um período de dois meses, estudou e aprendeu o método utilizado por L’Epée e seus seguidores, baseado em gestos e na escrita. Este aprendizado foi decisivo para que, junto a um ex-aluno de L’Epée, Gallaudet fundasse, no ano de 1817, a primeira escola norte-americana para surdos16.

A metodologia utilizada por Abade de L’Epée, fundador da escola de Paris, ganhou muitos adeptos na Europa e Estados Unidos, cuja missão seria a de ensinar por intermédio da língua de sinais. Essa metodologia tornou-se base para uma pedagogia especial, cujo currículo envolvia o ensino da religião, da moral, a formação profissional e a língua de sinais nacional com suas devidas variações da Europa para a América do Norte.

Na segunda metade do século XIX, o médico alemão Friedrich Bezold (1842-1908) apresentou minuciosas investigações com relação à surdo-mudez no Instituto de Surdos-Mudos de Munique, concluindo que era preciso separar os alunos que possuíam resíduos auditivos das instituições de surdos-mudos e, recomendando assim, que essas crianças fossem educadas em “classes especiais de audição” (SOARES, 1999).

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Com referida escola houve uma grande evolução no grau de escolarização dos surdos, que aprendiam com facilidade por meio da língua de sinais. Em 1864 foi fundada a primeira Universidade nacional para surdos, que, anos mais tarde, viria a ser dirigida por surdos. Essa instituição foi responsável pela divulgação da Filosofia da Comunicação Total. (PERLIN, 1998) Essa filosofia se preocupa com a aprendizagem da língua oral pela criança surda e defende também a utilização de recursos espaço-visuais como facilitadores da comunicação (GOLDFELD, 2011).

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Verificando neste contexto uma grande influência da medicina na educação dos surdos e a oralidade como a capacidade da expressão da inteligência e do cognitivo, a atuação dos médicos na educação de surdos modificou-se conforme se desenvolveram os estudos da anatomia humana e também de acordo com as mudanças ocorridas na arena específica da Educação.

Segundo Moura (2000), naquele período histórico o Instituto Nacional de Educação dos Surdos-Mudos, na França, entendia que a oralização dos surdos era importante para que esses tivessem uma identidade semelhante a dos ouvintes, o que não se dissociava de uma “centralização da identidade da França enquanto país” (Moura, 2000, p.44). O movimento a favor do oralismo era concomitante ao que acontecia nos Estados Unidos, na Inglaterra e na Itália17, onde o sacerdote e pesquisador Don Seraphino Balestra, defensor do oralismo, exteriorizava sua intenção de que fosse feita uma escolha entre os sinais e o oralismo.

O desenrolar destes acontecimentos teve como desfecho um evento que hoje é reconhecido como um marco polêmico na história da educação dos surdos. Trata-se da realização, entre 6 e 11 de setembro de 1880, do Congresso de Milão. Reunindo 173 congressistas ouvintes e um único congressista surdo, o evento foi caracterizado pela grande representatividade da Itália (dois terços dos presentes eram italianos) e pela dificuldade para se chegar a um consenso. Das oito resoluções, apenas a terceira delas foi decidida por unanimidade: “Os governos devem tomar medidas para que todos os surdos recebam educação”. As demais resoluções envolveram acirrados debates. São elas:

1) O uso da língua falada, no ensino e educação dos surdos, deve preferir-se à língua gestual; 2) O uso da língua gestual em simultâneo com a língua oral, no ensino de surdos, afecta a fala, a leitura labial e a clareza dos conceitos, pelo que a língua articulada pura deve ser preferida; 3) Os governos devem tomar medidas para que todos os surdos recebam educação; 4) O método mais apropriado para os surdos se apropriarem da fala é o método intuitivo (primeiro a fala depois a escrita); a gramática deve ser ensinada através de exemplos práticos, com a maior clareza possível; devem ser facultados aos surdos livros com palavras e formas de linguagem conhecidas pelo surdo; 5) Os educadores de surdos, do método oralista, devem aplicar-se na elaboração de obras específicas desta matéria; 6) Os surdos, depois de terminado o seu ensino oralista, não esqueceram o conhecimento adquirido, devendo, por isso, usar a língua oral na conversação com pessoas falantes, já que a fala se desenvolve com a prática; 7) A idade mais favorável para admitir uma criança surda na escola é entre os 8-10 anos, sendo que a criança deve permanecer na escola um mínimo de 7-8 anos; nenhum educador de surdos deve ter mais de 10 alunos em simultâneo; 8) Com o

17 A Itália era dividida em vários estados, na tentativa de unificação, houve uma mobilização para a alfabetização de todo o país, visando uma única língua. O surdo que falava era considerado “Símbolo de Progresso” (MOURA, 2000).

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objectivo de se implementar, com urgência, o método oralista, deviam ser reunidas as crianças surdas recém admitidas nas escolas, onde deveriam ser instruídas através da fala; essas mesmas crianças deveriam estar separadas das crianças mais avançadas, que já haviam recebido educação gestual, a fim de que não fossem contaminadas; os alunos antigos também deveriam ser ensinados segundo este novo sistema oral (Congresso de Milão,1880,apud CARVALHO, 2007, p.34).

Ao final deste evento, que contou também com a participação, ainda que minoritária, de franceses, ingleses, suecos, suíços, alemães e americanos, os defensores do oralismo comemoraram sua já prenunciada vitória sobre a língua gestual. Na prática educativa foi proibido o uso de sinais, os(as) alunos(as) surdos eram obrigados a sentar sobre suas mãos e proibidos de utilizar sinais para a comunicação com professores(as) e colegas. Os resultados disso encontram-se em diversos trabalhos, como o de Kyle (1999), que demonstra em detalhes como no Reino Unido as escolas puniam com crueldade as crianças surdas ou com deficiência auditiva acentuada que se expressassem por gestos, trancando-as em porões e armários, castigando-as fisicamente e também incentivando que fossem ridicularizadas em público. Poucos trabalhos, entretanto, enfatizam dificuldades relacionadas à educação gestualista e à inserção social (ou não) daquela criança que, no século XIX, aprendia a comunicar-se por gestos.

Essa breve recuperação histórica tem por finalidade contribuir para a compreensão, já reclamada por Bueno (1998), de que a polarização que coloca de um lado os “carrascos” favoráveis ao oralismo e de outro os “defensores dos oprimidos” personificados nos gestualistas, é também uma construção matizada por ideologias que contribuíram para que, aos primeiros, restassem

[...] as qualificações, ou melhor, desqualificações: de defensor os direitos dos filhos da nobreza (Ponce de Leon), de falta de originalidade (Bonet), de não trabalhar com os completamente surdos (Pereira), de copiador de ideias (Amman), de ocultador do método (Braidwood), de criador da concepção de surdez como doença (Itard), de não entender nada de surdez (Ordinaire), de comparar surdos a criminosos (Howe), de pior inimigo dos surdos e de salvar os ouvintes da convivência indesejável com grupos de surdos (Bell); para os segundos, as qualificações: de colocar os surdos na categoria de humanos (L'Epée), de brilhante professor (Clerk), de grandes iniciativas (E. Gallaudet). (BUENO, 1998, p.51).

Mas a história, como vimos, é feita de contradições e de superações. A partir de historiadores como Werner (1949) compreendemos que a deficiência de um modo geral, e a surdez em especial, era tida em um grande desafio. Desafio esse que foi alvo de atenção tanto religiosa quanto médica desde o início da Idade Moderna. A atenção religiosa esteve

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