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EXERCÍCIO DA AUTONOMIA RELATIVA DO PROFESSOR resenha de: LAURINDO, Tânia Regina. O Ensino Apostilado e suas Frestas. São Carlos : Pedro & João Editores, 2016, 276 p.

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Revista de Humanidades e Letras

ISSN: 2359-2354 Vol. 3 | Nº. 2 | Ano 2017

João Wanderley Geraldi

RESENHA

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EXERCÍCIO DA AUTONOMIA

RELATIVA DO PROFESSOR

resenha de:

LAURINDO, Tânia Regina. O Ensino Apostilado e suas

Frestas. São Carlos : Pedro & João Editores, 2016, 276 p.

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Site/Contato

www.capoeirahumanidadeseletras.com.br

capoeira.revista@gmail.com Editores deste número

Bas’Ilele Malomalo

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RESENHA

EXERCÍCIO DA AUTONOMIA RELATIVA DO

PROFESSOR

LAURINDO, Tânia Regina. O Ensino Apostilado e suas Frestas. São Carlos : Pedro & João Editores, 2016, 276 p.

João Wanderley Geraldi No exercício de algumas profissões, a autonomia relativa do trabalhador aumenta; noutras, obviamente, diminui. Chaplin imortalizou nos gestos repetidos da velha esteira de produção a ação mecânica a que os corpos dos operários são reduzidos.

Como já estamos bastante longe da produção em esteira, em série dos tempos do fordismo, e vivemos hoje um clima em que superintendentes e gerentes pedem que seus subordinados os “surpreendam”, uma relativa autonomia começa a reaparecer até mesmo no meio fabril.

Quer dizer, quando neste meio ainda sobrou presença humana, porque a mecatrônica industrial trabalhou apressadamente para dispensar qualquer presença humana na produção de bens de consumo. Sem operários, lucrou mais a empresa. Só que em pouco tempo não teve para quem vender, e apareceu a crise do capitalismo dos anos 1970. Keynes ficou para trás.

No mundo atual, a presença do homem é uma constante na área de serviços. É nesta que os gerentes querem “surpresas”, “liderança”, “altivez” e, paradoxalmente, submissão às metas fixadas longe mesmo dos supervisores e gerentes... E então reaparece uma relativa autonomia do trabalhador.

Mas há uma área de atividade humana, que não se deixa reduzir ao objetivismo como já afirmou Kant, em que a autonomia relativa do trabalhador nunca deixou de existir, apesar dos esforços para esfacelá-la. Trata-se da área da educação.

O livro de Tânia Regina Laurindo analisa um dos aspectos deste processo de destruição da autonomia do trabalhador em educação, particularmente o professor. Toma o “ensino apostilado”, que tem o sonho de ser à prova de professor, isto é, sua figura seria mera sombra em sala de aula, como objeto de reflexão com base numa experiência dentro de uma escola particular que, como muitas outras, vendeu sua própria autonomia para se definir pedagogicamente incorporando-se a um sistema apostilado de ensino.

Neste sistema, como explica a autora, recebem os alunos os cadernos com os conteúdos, com os exercícios e recebe o professor o seu caderno, com os mesmos conteúdos e exercícios, mas já com o gabarito para a correção de “desvios” de respostas de seus alunos.

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Tudo para uma aula vem adrede preparado. E a alienação do professor emerge desde a desnecessária preparação da aula até a avaliação das respostas de seus alunos.

Acontece que a profissão de professor resiste, mesmo nestas condições de ensino apostilado. Fechada a porta da sala de aula, os agentes – professor/a e alunos – podem compactuar muita coisa, desde um pacto de mediocridade em que o professor dá pouco, exige pouco e os alunos se satisfazem com este pouco para não terem que se esforçar demais para dominar conteúdos um pouco complexos. Mas pode haver também um pacto distinto, aquele de um trabalho que vá além do programado. Nos interstícios dos tempos e espaços vigiados pela instituição, sempre é possível quebrar a regra, avançar no conhecimento, desenvolver ações não previstas, aumentar o senso crítico. A estas possibilidades, a autora denomina de “frestas”.

O Ensino Apostilado e suas Frestas se inicia com uma introdução em que a própria

autora se apresenta contando sua história de escolaridade e sua história de professora. Uma narrativa desta ordem, para além de exigir de qualquer autor uma coragem nem sempre encontrada em textos de estudos como este, põe em movimento uma forma de fazer pesquisa que se lastreia na experiência vivida. Com a narrativa, a autora dispensa de vez os chatos capítulos de livros que explicam sua metodologia, seu modo de se constituir. Indo direto para a experiência e assumindo que todo o livro será uma narrativa de um vivido, a autora se filia à investigação narrativa, num de seus vértices: não se trata de narrar experiência de outro. Trata-se de tomar sua própria experiência e a partir dela buscar explicações no mundo da teoria. Neste sentido, o capítulo introdutório do livro ao expor o sujeito da experiência - no caso, a autora – já indica os caminhos que se seguirão: nenhuma suposta neutralidade, mas um agenciamento do vivido e de sua memória que, exposto, leva à busca de parceiros de reflexão, isto é, a busca de teóricos que possam iluminar para o próprio sujeito – e para os leitores de sua narrativa – as compreensões possíveis de um vivido que não se deixa jamais aprisionar em limites estreitos da afirmação da última palavra, da última compreensão.

Assim, o primeiro capítulo trará precisamente estes interlocutores que serão chamados depois para construir uma compreensão das ações feitas no vivido da escola, no chão da sala de aula, na relação entre professoras e coordenadora pedagógica que ao invés de cobrar o cumprimento restrito do previsto na apostila, incentiva as professoras a construírem nos espaços existentes, os “inéditos viáveis” defendidos por Paulo Freire. Os companheiros de reflexão de

Tânia Regina Laurindo serão Celestin Freinet e Mikhail Bakhtin.

A pedagogia de Freinet, cuja aposta máxima está no conceito de potência, é apresentada no livro a partir de seus fundamentos, muito além das técnicas freinetianas a que muitas vezes professores aderem sem visitar a consistência teórica que as construiu. Às vezes, o fracasso da

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simples aplicação metodológica de propostas se deve precisamente à incapacidade do professor investir em sua própria potência para inovar, para criar nas circunstâncias concretas caminhos viáveis para aumentar a adesão e a aprendizagem de seus alunos. Supõe-se, infelizmente, que a pedagogia de Freinet seja o conjunto de técnicas que elaborou durante seu próprio exercício do magistério primário. Quem assim pensa não compreendeu seu pensamento pedagógico nem o exemplo que produziu com seu próprio exercício da autonomia de professor. Creio que lutando contra esta incompreensão, a autora se estende na apresentação desta pedagogia e de suas invariantes, levando o leitor a uma compreensão mais ampla e ao mesmo tempo mais profunda da obra de Celestin Freinet.

Do segundo teórico, a autora vai buscar categorias de compreensão da história vivida e aqui narrada. A relação entre a professora e a coordenadora é interpretada levando em conta os excedentes de visão de uma e outra que permitem completudes provisórias e com isso, a possibilidade de tomada de uma decisão no presente, com vistas para o futuro que aparece aqui pela categoria de “memória de futuro” elaborada pelo pensador russo no interior de sua estética, já que esta memória do futuro é que conduz cada cinzelada do escultor que extrai da pedra uma obra. Se não tivesse presente o futuro, como garantir o acerto das mãos que tecem, das mãos que escrevem, das mãos que cinzelam? O conceito seguinte extraído do pensador é o de cálculo de horizontes de possibilidades, que feito no presente, tem por pano de fundo um passado que construiu as condições de existência do presente, mas que somente o futuro define os critérios que fazem escolher uma das possibilidades calculadas. Aqui, seguindo o que ensina o filósofo russo, trata-se de quebrar a rotina, dentro da qual inexistem cálculos de possibilidades, mas apenas caminhos únicos sempre já traçados. A abertura de sentidos para todas as experiências vividas é analisada a partir da ideia de acabamento (e não de fechamento, encerramento) temporal e espacial e pelo encontro de vozes que falam sobre a experiência a que tem acesso somente pela narrativa (e que tem por experiência, sempre instransferível, precisamente este acesso via narrativa).

O capítulo seguinte é destinado a uma discussão tipicamente acadêmica: quando se narra a própria experiência e a partir daí se parte para a construção de uma compreensão, o autor está fazendo investigação narrativa? Mas como a experiência vivida é uma ação realizada, trata-se de uma pesquisa-ação? A autora vai preferir trata-se situar no interior da narrativa, mas não pode deixar de apresentar as facetas de intervenção que, na experiência que se narra, aconteceram. Daí um hibridismo metodológico, um entrecruzamento de fronteiras que, mostra este livro, é benéfico para um mergulho mais profundo na compreensão dos processos pedagógicos, particularmente quando esta compreensão se lastreia na prática efetiva da escola.

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Por fim, aparece o convívio cotidiano com a sala de aula, que se realiza através da relação entre a coordenadora pedagógica e as professoras. Descrevem-se as ações pontuais realizadas, as possibilidades aventadas, que fugiram por completo da atuação prevista para a coordenação, de controle do cotidiano. Construir um cotidiano outro no interior de um ensino ditado de fora para dentro a partir das apostilas produzidas bem longe da escola e reproduzidas na rede de escolas conveniadas foi um trabalho possível a partir da constituição de uma cumplicidade produtiva entre as professoras e a coordenadora. Se esta lhes sugeria ações para além do previsto, aquelas somente poderiam agir contando com o apoio estratégico e teórico que lhes oferecia a coordenação ao tempo em que as próprias professoras iam adquirindo maior potência vital para o exercício de sua autonomia relativa dentro da sala de aula.

Considerando a natureza do trabalho realizado na experiência e considerando a vontade de saber que conduziu a construção de compreensões sobre o trabalho feito, é de estranhar a praticamente ausente referência a Paulo Freire que muito poderia ter contribuído para melhor compreender a natureza política da ação desenvolvida, política no seu sentido mais profundo, aquele da contribuição coletiva para o desenvolvimento da autonomia do professor, do aluno e do cidadão.

Este livro é daqueles que se pode ler de um fôlego. Escrito numa linguagem simples, sem o rebuscamento tão comum em livros cujas origens são teses acadêmicas, o leitor pode acompanhar tanto a narrativa quanto as reflexões que ela provoca com uma facilidade surpreendente.

No prefácio ao livro, escrito pela Profa. Luíza Cortesão, da Universidade do Porto, lê-se:

Nas complexas condições que, atualmente, rodeiam e constrangem os diferentes processos educativos e os educadores, este livro apresenta-se, não só como um exemplo de uma prática de pesquisa/intervenção, mas também oferece uma leitura muito interessante e estimulante a que se poderá recorrer em situações de formação. É que, pelo constante cruzamento que a autora faz da experiência e uma arguta reflexão teórica, este texto é um importante e útil exemplo de atuação que nos mostra que, por vezes, é possível mudar, mesmo quando o contexto co0nvida a baixar os braços e a reconhecer que “não se pode fazer nada”. Trata-se de um belo depoimento, de uma interessante reflexão, que nos leva a pensar, com Freire, que o diferente, o“inédito”, por vezes, é “viável”.

Barequeçaba, fevereiro de 2017. João Wanderley Geraldi

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João Wanderley Geraldi possui graduação em Letras pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ijui (1980), graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal de Santa Maria (1970), mestrado em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas (1978) e doutorado em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas (1990). Foi Diretor do Instituto de Estudos da Linguagem e Pró-Reitor de Assuntos Comunitários da Unicamp. Foi presidente da ALB por uma gestão e colaborou significativamente para com o crescimento e consolidação de trabalho da entidade.-__________________________________________

Referências

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