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ROSA MARIA EGIPCÍACA DA VERA CRUZ: UMA AFRICANA MUITO ESPECIAL resenha de: MARANHÃO, Heloísa. Rosa Maria Egipcíaca da Vera Cruz, a incrível história de uma escrava, prostituta e santa. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1997.

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Revista de Humanidades e Letras

ISSN: 2359-2354 Vol. 3 | Nº. 2 | Ano 2017

Isabel Cristina dos S. Teixeira

RESENHA

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ROSA MARIA EGIPCÍACA DA VERA

CRUZ: UMA AFRICANA MUITO

ESPECIAL

resenha de:

MARANHÃO, Heloísa. Rosa Maria Egipcíaca da Vera Cruz, a incrível história de uma escrava, prostituta e santa. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1997.

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Site/Contato

www.capoeirahumanidadeseletras.com.br

capoeira.revista@gmail.com

Editores deste número

Bas’Ilele Malomalo

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RESENHA

ROSA MARIA EGIPCÍACA DA VERA CRUZ: UMA

AFRICANA MUITO ESPECIAL

Izabel Cristina dos Santos Teixeira1

Tomando por base o ensaio do antropólogo Luiz Mott, Rosa Egipcíaca: Uma Santa Africana no Brasil (1993), a romancista potiguar Heloísa Maranhão escreve Rosa Maria Egipcíaca da Vera Cruz, a incrível história de uma escrava, prostituta e santa (1997).

A autora tem fama de dar destaque à temática feminina, e publica este romance por uma

editora independente, a “Rosa dos Tentos” – criada por Rose Marie Muraro, nos anos de 1980. Assim sendo, para além de uma escrita voltada à problemática de mulheres, seu texto conta ainda com o destaque da Lei 10.539;03 que, por versar sobre a inclusão de estudos sobre África e afro-descendência no Brasil, torna oportuna a leitura dessa obra em que Heloísa Maranhão constrói uma narrativa que se vale de outros discursos (literários ou não), para recontextualizar fragmentos de textos já produzidos (documentos históricos).

Trazendo à tona a vida de uma negra escravizada (Rosa Egipcíaca, século XVIII), cuja importância e destaque está ligado ao fato de ela ter escrito um livro – Sagrada Teologia do Amor Divino das almas peregrinas – tido como o mais antigo já escrito por uma mulher negra na história do Brasil, elabora a rota da personagem-título, nascida na Costa da Mina (1719).

Ela chega ao Brasil (Colônia Portuguesa na América), aos seis anos de idade, na condição de escrava, tendo desembarcado em São Sebastião do Rio de Janeiro, onde permanece até os quinze anos. Daí, violada sexualmente, é vendida para as Geraes, onde vive sob a custódia da família do poeta Santa-Rita Durão, durante dezoito anos, praticando também a prostituição, meio que a leva a conseguir recurso para a própria alforria. Retorna ao Rio de Janeiro (1751), aí permanecendo por doze anos, quando é levada presa ao tribunal do Santo Ofício, em Lisboa, por suas práticas religiosas, e desaparece.

Todos esses dados serão aproveitados na escrita de Maranhão, proporcionando o debate

entre a documentação histórica e a escrita ficcional, brasileira, contemporânea, a dita

1 Possui graduação em Licenciatura Em Letras pela Universidade Federal de Santa Catarina (2000), graduação em

Geologia pela Universidade Federal do Ceará (1990), mestrado em Literatura pela Universidade Federal de Santa Catarina (2002) e doutorado em Curso de Pós-Graduação em Literatura pela Universidade Federal de Santa Catarina (2011). Atualmente é professor adjunto IV da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), dedicando-se às literaturas de língua portuguesa (portuguesa, brasileira e africanas). Tem experiência na

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moderna. Rosa é a personagem, situada à margem da história oficial, no contexto do período colonial e início do Império no Brasil, que se desloca para o centro da trama ficcional. Com seu protagonismo, transita em espaços geográficos distintos, extemporâneos, em que se destaca o seu olhar de mulher que se apropria do discurso, elevando-se socialmente, em lugares de domínio predominantemente masculino, em meio a uma mistura de referências históricas, jogadas no meio da ficção.

Assim, o enredo não é apenas cortado pelo tempo histórico, como também os fatos históricos, mesmo que anacrônicos, servem de pano de fundo e/ou motivação primeira para a vida da personagem narradora, Rosa Maria Egipcíaca, bem como daqueles que estão à sua volta. O romance tem duas vozes narrativas em primeira pessoa, as quais, no decorrer da narrativa, se alternam, de forma que o romance é introduzido e encerrado por uma e tem o desenvolvimento do enredo sob o comando de outra, fundindo ficção e história, graças à memória fragmentada das personagens femininas. Dessa forma, as tramas se tornam ambíguas e a ficção explora o contraditório e o inverossímil, para fornecer um meio para o questionamento da denominada “história oficial”, usando recursos estilísticos como a paródia e os deslocamentos temporais e espaciais.

A primeira personagem que pode ser descrita como uma personagem-autora, que dá voz à “autora” do romance, funciona como alterego de Heloisa; a segunda voz, é a de Rosa Maria Egipcíaca da Vera Cruz, a narradora-protagonista.

No capítulo inicial, chamada à cena para escrever a obra, Heloisa depara-se com Rosa Maria, com padre Xota e o escravo Ismael. A personagem Rosa Maria, em espírito, dialoga com a “autora” e sugere a composição do romance, “ditando” os acontecimentos.

Em um segundo momento, ainda no início da narrativa, o narrador passa a ser Rosa Maria, protagonista do romance, levando o leitor a descobrir, por meio de suas lembranças, a vida que teve desde a infância e que, já no terceiro capítulo, cruza-se com a história do Brasil. Essa segunda narrativa abarca quase todo o tempo da história.

O romance apresenta-se estruturado em nove capítulos, cujos títulos exibem cronologicamente a trajetória de Rosa Maria: desde o começo da narrativa, quando Rosa Maria, em tom de exigência, estabelece um debate com a personagem autora sobre a necessidade de descrever a sua experiência de vida no papel, até seu desaparecimento em uma nuvem branca e o retorno da narração para a voz da personagem-narradora-autora.

área de Letras, atuando principalmente nos seguintEs temas: ecocrítica; meio ambiente; interdisciplinaridade; África, africanos e temas afins nas literaturas de língua portuguesa; ensino de literatura

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Na ficção, a escrava era uma princesa na África, filha de Ginuawa, um príncipe, e de Oyeomosan – do reino de Benin. Teria aprendido magia com sua avó Derumo e, por isso, tinha poderes especiais. Tomando como referência a data de sua chegada ao Brasil, 1725, da personagem histórica Rosa Maria Egipcíaca da Vera Cruz, observa-se que a autora Heloisa Maranhão não optou, ao produzir o romance, por seguir uma sequência linear dos fatos históricos contemporâneos à personagem histórica. Também não entrecruzou a existência vivida pelo personagem ficcional e suas relações com personagens secundários àqueles correspondentes aos da história “oficial”. O que se pode observar é que os dados recolhidos de diferentes fontes e documentos da história aparecem inúmeras vezes no decorrer do enredo mesclando-se à composição ficcional. Por exemplo: eventos compreendidos em cento e cinquenta anos da história do Brasil colonial – da invasão holandesa a Pernambuco, em 1630, à Inconfidência Mineira, em 1789 – se passam em um curto espaço de tempo, o que quebra a linearidade dos fatos históricos.

A Rosa Maria histórica, biografada por Luiz Mott, tem sua trajetória no Brasil registrada entre os anos de 1725 e 1762 e circunscreve-se aos atuais estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro. Na ficção, a autora resgata o Engenho de Cunhaú, situado no Rio Grande do Norte, importante referência na produção do açúcar, pertencente à família de Jerônimo de Albuquerque. As experiências de Rosa Maria no engenho, bem como o que o leitor sabe sobre o espaço desse lugar e de seu entorno, fazem parte de uma narrativa longa em que a narradora-personagem apresenta suas impressões da natureza do local – o engenho é um protótipo da vegetação brasileira e, também, das relações de poder. As descrições vão desde as frutas tropicais da colônia, aos lugares exuberantes da mata, à estrutura do engenho e à exploração do trabalho escravo, como se pode observar:

Colhi abius, sapotis, mangas, um belo melão. Nenhum fruto roído por passarinho. Perfeitos. (...) Na picada que sigo há grutas. Várias grutas as quais chamo de variados nomes. Majumbo, que na África são tripas, dessas que servem para cozinhar; Timbila, que é nome de um instrumento musical do Benim; Xicatauana, porque essa gruta parece com uma blusa justa, e assim por diante. (...) A trilha que leva à cachoeira não é tão fácil de andar. Há pequenas pedras pontiagudas que machucam meus pés nus. Tudo pela cachoeira. (...) Sou obrigada a descer por uma corda até a piscina natural formada pelas águas. (MARANHÃO, 1997, p. 26).

E ainda:

Distingo, perfeitamente, daqui de cima, quase todo o engenho. Olha a senzala maior, o pomar, o galinheiro, a senzala menor, o açude, o curral, a porteira. Ali estão a roda do engenho e a casa de purgar. Eis o picadeiro, a casa da caldeira, o encaixotamento, a casa da farinha e a estrebaria. Sem dúvida, acolá, é o tanque de mel e a destilação, bem como a casa de bagaço e a ponte. Só não gosto de olhar o cemitério de escravos. Corro tomando muito cuidado com meu balaio de frutas. (MARANHÃO, 1997, p. 29).

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O que se pode observar, a partir dos caminhos percorridos pela Rosa da ficção, é uma proposta narrativa que não apenas subverte a linearidade temporal como também reestrutura o espaço, por meio do olhar da personagem. Não é possível recompor as impressões de Rosa sobre o universo brasileiro sem que, a partir de sua experiência como narradora, o leitor compreendesse o espaço por ela perseguido/experienciado.

Ao deslocar Rosa Maria pelo universo brasileiro as experiências de vida com a escravaria, com seus pares, e com outros universos em que pode se revelar a “magia” das aparições se torna mais verossimilhante. Mesmo não apresentando um romance cuja narrativa se preocupa em ser fiel à história oficial para criar a vida da protagonista, alguns deslocamentos de Rosa Maria pelo interior do Brasil podem sugerir: a) aproximar a personagem ficcional de eventos históricos que aconteceram distantes um do outro no tempo, ou seja, anacrônicos fora do texto literário; b) fazê-la cruzar o Atlântico, por duas vezes: a primeira, ainda criança, como escrava – uma mercadoria lucrativa.; a segunda, como forra, porém não na condição de plena liberdade. Está presa e será julgada pelo Tribunal do Santo Ofício. Lá, do outro lado do mar, se encontram as últimas notícias de Rosa Maria. A ficção de Heloisa Maranhão se encerra com a afirmativa de que ela é produzida para um propósito: “resolver o que não foi resolvido, inventar para desabafar, consertar o desconsertado. Na hora em que consegui, deitei fora a personagem”. (MARANHÃO, 1997, p. 237).

REFERÊNCIAS

MARANHÃO, Heloísa. Rosa Maria Egipcíaca da Vera Cruz, a incrível história de uma

escrava, prostituta e santa. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1997.

MOTT, Luiz. Rosa Egipcíaca: uma santa africana no Brasil - resumo do livro. Rio de Janeiro: Editora Bertrand do Brasil, 1993, 750 p., resumo disponível na página do autor, acesso em 2 de fevereiro de 2011

Izabel Cristina dos Santos Teixeira

Possui graduação em Licenciatura Em Letras pela Universidade Federal de Santa Catarina (2000), graduação em Geologia pela Universidade Federal do Ceará (1990), mestrado em Literatura pela Universidade Federal de Santa Catarina (2002) e doutorado em Curso de Pós-Graduação em Literatura pela Universidade Federal de Santa Catarina (2011). Atualmente é professor adjunto IV da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira

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(UNILAB), dedicando-se às literaturas de língua portuguesa (portuguesa, brasileira e africanas). Tem experiência na área de Letras, atuando principalmente nos seguintEs temas: ecocrítica; meio ambiente; interdisciplinaridade; África, africanos e temas afins nas literaturas de língua portuguesa; ensino de literatura __________________________________________

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