• Nenhum resultado encontrado

Rompimento de vínculos: o processo psíquico do luto

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Rompimento de vínculos: o processo psíquico do luto"

Copied!
34
0
0

Texto

(1)

TAILA ANDRESSA HAUSCHILD MÜLLER

ROMPIMENTO DE VÍNCULOS: O PROCESSO PSÍQUICO DO LUTO

(2)

TAILA ANDRESSA HASCHILD MÜLLER

ROMPIMENTO DE VÍNCULOS: O PROCESSO PSÍQUICO DO LUTO

Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito parcial ao curso de Psicologia da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – Unijuí, para obtenção do título de Psicólogo.

Orientadora: Sílvia Cristina Segatti Colombo

(3)

“Embora eu saiba que após tamanha perda o estado agudo de luto acabará por dissipar-se, também sei que permanecemos inconsoláveis e nunca encontraremos um substituto. Seja o que for que venha a preencher a lacuna, e ainda que a preenchesse completamente, continuaria sendo, não obstante, uma outra coisa. E, na realidade, é assim que deve ser. É a única maneira de perpetuar aquele amor a que não queremos renunciar."

(4)

AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer a todas as pessoas, que de alguma forma ou de outra, contribuíram no meu percurso acadêmico para que eu pudesse chegar até aqui.

Não existem palavras para agradecer os inúmeros ensinamentos que me foram passados pelos professores e colegas através momentos compartilhados em sala de aula e/ou supervisão.

Agradeço principalmente à minha irmã Taina, que é a minha família, meu porto seguro. Saiba que mesmo nossa vida estando/sendo de cabeça para baixo, a certeza que tenho você é a alegria dos meus dias.

Também, um agradecimento especial que gostaria de fazer é aos meus amigos que me emprestaram suas famílias, suas casas e compartilharam das suas vidas comigo. Sem vocês, nada disto seria possível.

Agradeço imensamente à professora Sílvia Colombo que me orientou neste Trabalho de Conclusão de Curso, a qual com sua compreensão, ajuda e principalmente o encorajamento que me deu, fez tornar-se possível este trabalho.

(5)

RESUMO

O presente Trabalho de Conclusão de Curso tem por objetivo situar o luto e seus rituais nas diferentes épocas e culturas, bem como nas suas expressões. Também em teorias que trabalham tal conceito, como é o caso da psicologia, da antropologia e a filosofia hermenêutica. Em um segundo momento, tratar do conceito de luto como uma ferramenta de desenvolvimento dos sujeitos sob a ótica da psicanálise, para conseguir explicações sobre o processo e seus desfechos na esfera do psiquismo. Para isso também descrever o processo de luto a partir da teoria da vinculação afetiva, desenvolvida por John Bowlby, a fim de compreender as reações e efeitos do rompimento dos vínculos nos sujeitos, com base no fator de comportamento etológico, comum aos homens e animais.

Palavras-chave: rompimento; vínculo; luto; desenvolvimento

ABSTRACT

The purpose of this Course Conclusion Work is to situate mourning and its rituals in different times and cultures, as well as in their expressions. Also in theories that work such concept, as is the case of psychology, anthropology and hermeneutic philosophy. In a second moment, to treat the concept of mourning as a tool of development of the subjects under the optics of psychoanalysis, to get explanations about the process and its outcomes in the sphere of the psyche. For this purpose we also describe the process of mourning from the theory of affective bonding developed by John Bowlby in order to understand the reactions and effects of the rupture of the bonds in the subjects, based on the factor of ethological behavior, common to men and animals.

(6)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 07

1. O LUTO EM PERSPECTIVAS DISTINTAS ... 09

1.1 O LUTO NA HISTÓRIA E CULTURA ... 09

1.2 O LUTO NA PSICOLOGIA ... 15

1.3 OUTRAS TEORIAS E O LUTO ... 17

1.3.1 Teoria do Suporte Social ... 17

1.3.2 Teoria Antropológica ... 18

1.3.3 Filosofia Hermenêutica ... 18

2. O LUTO E A REALIDADE PSÍQUICA ... 21

2.1.1. NA PSICANÁLISE ... 21

2.1.2. NA TEORIA DA VINCULAÇÃO AFETIVA ... 27

CONCLUSÃO ... 31

(7)

INTRODUÇÃO

Uma indagação pertinente a respeito da morte, diz respeito à relação que o homem estabelece com ela, seja ela simbólica ou física. Durante grande parte do meu percurso acadêmico, as questões que se relacionam à morte e/ou o rompimento de vínculo de relação me fizeram questão, por este motivo escolhi o tema do luto para trabalhar nesta monografia.

Durante meus estudos, pude perceber o quanto esta questão é pertinente, complexa e levantada por vários autores de diversas áreas a fim de compreender o que se passa com os seres/sujeitos ao fim de determinada relação na qual participaram como atores.

Neste trabalho buscarei reunir algumas das formas pelas quais podemos ter uma visão geral de como os processos de morte e luto se apresentam para os sujeitos e como estes lidam com esta angústia humana básica.

Em um primeiro capítulo, acho interessante serem ressaltadas as perspectivas históricas e culturais do luto e suas diversas manifestações em determinadas épocas, tais como a religião, os rituais e as diferentes formas com que o homem enxerga este tema, desde muito cedo.

Também neste primeiro capítulo buscarei dar conta do tema do luto em psicologia, de como os teóricos da área descrevem o processo de luto, suas implicações e resultados.

Ainda neste primeiro capítulo, tratarei de mais três abordagens que trabalham o tema do luto, uma de suporte social, a outra antropológica e uma última filosófica hermenêutica.

No segundo capítulo, busquei dar conta do conceito de luto como uma ferramenta de desenvolvimento dos sujeitos. Para isso, em um primeiro ponto, recorri à ótica da psicanálise, para conseguir explicações sobre o processo e seus desfechos na esfera do psiquismo. A partir desta teoria, entender o que se dá a nível de maturação psíquica nos sujeitos ao suceder-se uma perda de algo que lhe é valioso.

(8)

Neste segundo capítulo também busquei descrever o processo de luto a partir da teoria da vinculação afetiva, desenvolvida por John Bowlby, a fim de compreender as reações e efeitos do rompimento dos vínculos nos sujeitos, com base no fator de comportamento etológico, comum aos homens e animais.

Assim, com base na pesquisa bibliográfica de alguns autores, pretendo elucidar de forma breve e clara a relação entre o luto e o desenvolvimento psíquico dos sujeitos.

(9)

1. O LUTO EM PERSPECTIVAS DISTINTAS

1.1 O Luto na História e na Cultura

Para podermos dar conta de um trabalho que visa evidenciar o conceito de luto, acredita-se que seja de suma importância situá-lo na história dos homens.

O luto está ligado historicamente à morte. Pensar sobre o luto é pensar sobre a morte, sobre a perda de alguém significativo (Azevedo &Pereira, 2013). A dor acompanha as mortes e o processo do luto se faz necessário. Desde os primórdios, o luto é caracterizado por um período de profunda tristeza e adaptação pela qual um sujeito passa ao perder um ente querido. Segundo Matos-Silva (2011) a elaboração psicológica do luto está atrelada à maneira como um grupo social pensa sobre a morte e se comporta diante dela.

Vários rituais se realizam diante desta perda, a fim de proclamar ao morto a afeição por ele sentida e como forma de se lidar com este decesso. Segundo Azevedo & Pereira (2013), tal iniciativa organiza o seu estar-no-mundo com suas exigências e imposições socioculturais, como também ressignifica o seu mundo, agora transformado pela dor da perda. Esta organização acontece para perceber-se, e, sobretudo, ser um ser capaz de viver plenamente cada dia oportunizando o princípio da alteridade.

Tais ritos cumprem o relevante papel de restauração de uma ordem que foi abalada pela morte, com suas dores, temores e perigos. Do ponto de vista antropológico a morte física não é suficiente para consumar a própria morte. Do ponto de vista psicológico também não o é. E tampouco o é existencialmente. (Freitas, 2013)

Muito antes dos homens entenderem a morte como hoje ela é concebida, utilizavam-se dela apenas como um meio de acabar com uma vida e valiam-se disso para exterminar os inimigos. Porém não muito depois, começam a se deparar com a morte de um ente querido e passam a sofrer, tanto porque um pedaço seu ia-se com outro, tanto porque se davam conta de que também podiam morrer. (Oliveira, 2001)

Quando o homem prímevo viu morrer alguém que lhe pertencia - a esposa, o filho, o amigo a quem indubitavelmente ele amava como amamos os nossos, já que o amor não pode ser muito mais jovem do que a volúpia de matar. Então, em sua dor, foi forçado a aprender que cada um de nós pode morrer, e todo o seu ser revoltou-se contra a admissão desse fato, pois

(10)

cada um desses entes amados era, afinal de contas, uma parte do seu próprio eu amado (Oliveira, 2001, p. 28 apud Freud).

Vários registros comprovam o quanto a dolorosa experiência de perder um ente querido é algo ao qual até os povos mais antigos se detiveram a elucidar, seja através de relatos escritos, pinturas ou canções. Por se tratar de angústia humana básica, as manifestações culturais, em todas as épocas, expressas nas mais diversas formas, tais como os mitos, a literatura, arte, a filosofia, a história, as religiões e a ciência, enfocam esse tema (Oliveira, 2001. p.27).

É extensa a produção mitológica dos povos antigos, os quais deixam transparecer o desagrado e a não aceitação da morte. Entre os gregos, em certa época, era possível barganhar com ela conseguindo alguém para morrer no lugar. (...) A morte não era atraente aos alguns povos, assim como as outras existências eram descritas como vazias e sombrias (Oliveira, 2001, p.29)

Conforme Kovács (1992), desde os tempos das cavernas há inúmeros registros sobre a morte como perda, ruptura, desintegração, degeneração, mas, também, como fascínio, sedução, uma grande viagem, entrega, descanso ou alívio.

Segundo Oliveira (2001), houve um tempo em que entre os egípcios, em que os mortos mereciam as mesmas atenções que os vivos, necessitando ser alimentados, presenteados e homenageados.

Concluímos então, que a crença em outra vida e os rituais decorrentes dessa crença - alimentação para o morto, a manutenção da chama na tumba, as cartas e os presentes - ajudavam os vivos a elaborar a separação dos entes queridos que morriam. (...) naquela civilização, os mausoléus e túmulos eram bastante valorizados, podendo-se conhecer muito de sua cultura através deles; entretanto, o lugar dos mortos era fora das cidades. (Oliveira, 2001, p.31-32).

No século I, se tem registros de uma epístola escrita por um filósofo estoico romano para um discípulo a consolá-lo pela perda de um amigo. Também os antigos romanos haviam instituído o luto de um ano às mulheres não porque elas devessem chorar exatamente por um ano, mas para que não chorassem ainda por mais tempo.

Na Roma antiga, o luto era expresso por enlutados que vestiam a toga pulla (toga negra), embora em alguns momentos pudesse representar um perigo ou ansiedade pública, ou ainda, um tipo de protesto. (...) Ou seja, o ano de

(11)

luto e a cor negra como seu símbolo remontam à Antiguidade. Todos os caminhos ainda levam a Roma (Costa, 2014).

Também são manifestações da cultura, as religiões predominantes de cada lugar do mundo. Segundo Oliveira (2001, p.30), as religiões e filosofias altamente elaboradas só surgiram em épocas bem posteriores ao homem primitivo. A muralha que o homem ergueu para defender-se da natureza selvagem não dava conta de controlar a morte e o sexo (Oliveira, 2001, p.36). Podemos pensar que quanto mais elaboradas tais religiões, nas quais a vida no além é bastante atraente, tanto maior é o medo em relação ao desconhecido, ao vazio, ao nada.

O medo da morte e angústia dele advinda mobilizaram o homem a reflexão, resultando, então, nas religiões e nos sistemas filosóficos, recursos por meio dos quais procura-se um sentido, um significado, um destino para a vida (Oliveira, 2001, p. 31).

Ainda segundo a autora, o processo de dar destino ao cadáver, por meio de rituais do luto, legislar sobre os casamentos e descendentes reconhecidos foram maneiras encontradas pelo homem para “domesticar a morte” e garantir a continuidade da espécie. A ritualização da morte é a forma encontrada pela humanidade para aprisioná-la, transformando-a em espetáculo público com a participação de todos (Oliveira, 2001, p. 37).

A crença na sobrevivência se impõe a partir do momento que o homem conheceu o significado da morte como término da vida e viu-se, então, diante da exigência de buscar meios para garantir sua continuidade. (...) As religiões e as filosofias que falam de uma outra vida atendem a esse desejo, pois a crença na sobrevivência pós-morte prolonga o intervalo entre o fim da vida e a eternidade. Segundo Ariès (1990), para o cristianismo, a morte seria, então, um período de repouso em que se aguarda o juízo final, cuja ideia está contida nas palavras do Credo, oração que o católico moribundo ouve, como parte da cerimônia da extrema-unção: “Creio em Deus Pai [...] Na remissão dos pecados, na ressurreição da carne, na vida eterna”. (Oliveira, 2001, p. 37).

A partir do momento em que o homem viu a morte como o fim da vida, viu-se obrigado a buscar meios para garantir a sua continuidade e com isso surge o que Oliveira (2001) chama de crença na sobrevivência.

Em grande parte do Oriente, o Budismo é a doutrina seguida pelo povo. Esta é cheia de simbolismos relacionados a inúmeros domínios da vida de seus adeptos, sendo que uma delas diz respeito à morte. Segundo Oliveira (2001), no que diz

(12)

respeito à cultura dos budistas tibetanos que são dados ao recolhimento e a reflexão, os orientais exercitam por excelência o autoconhecimento.

Os conhecimentos ensinados por Buda - o idealizador desta religião antiga das mais elaboradas - acrescidos dos depoimentos das experiências com a morte relatadas pelos monges tibetanos moribundos foram reunidos em um livro chamado o Bardo Todol. O ritual da morte deve ser realizado por um iniciado que conheça profundamente os ensinamentos do bardo e os tenha incorporado em sua vivência, pois não deve ser lido, mas reproduzido nas palavras de cada um. Envolve uma série de procedimentos com o moribundo, orientando por meio de toques físicos em alguns pontos e de instruções verbais. A ciência da Morte e do renascimento, ensinada no Bardo, é repleta de simbolismo e propõem-se a estudar as questões essenciais do homem: Quem sou? Porque estou aqui? Para onde vou? Sendo que o objetivo ultimo dos tibetanos era evitar a reencarnação. O cumprimento desse ritual implicava na lembrança viva do morto e também constituir uma via para lidar com a sua ausência (Oliveira, 2001, p. 32-33).

Segundo Kóvacs (1992), para os budistas, a morte seria o momento de máxima consciência, e os homens iluminados lembram suas mortes e suas outras vidas.

Com o passar do tempo, junto das mutações de comportamento, associadas às épocas e sociedades distintas, a relação do homem para com a morte e a vivência do seu luto também vem se modificando pouco a pouco. Enquanto em certos lugares a morte tratava-se de algo natural e a cultura dos povos carrega este traço, em outras, a morte e seus aspectos não denotavam tanta importância, não eram atraentes e eram descritas como vazias e sombrias.

Segundo Oliveira (2001), os povos antigos, na sua maioria, embora celebrassem os seus mortos, não conviviam próximos a eles. Seus cemitérios eram construídos fora das cidades para que os mortos lá fossem enterrados. Por mais que honrassem as sepulturas e os cultos funerários, estes tinham como objetivo impedir que os defuntos voltassem. Isto porque, o “mundo dos vivos deveria ser separado do mundo dos mortos”. (Azevedo & Pereira, 2013 apud Ariès, 1977). Já o povo que viveu na época medieval foi quem melhor lidou com seus mortos, deixando-os próximos, nos locais de circulação social.

O homem medieval, por sua vez, exumava seus mortos nas igrejas, em seus átrios, usados também como praça pública para celebrar festas e realizar o comércio. Os cemitérios misturavam-se, então, a paisagem das cidades. Esse homem da idade média aproximou-se tanto da morte, que verdadeiramente, o protagonista era o moribundo. Foi o tempo em que a

(13)

morte era domesticada, termo usado por Ariès (1990) para expressar o domínio pleno da morte pelo homem (Oliveira, 2001, p. 24).

Segundo Azevedo & Pereira (2013), a morte era percebida, encarada e experienciada como um acontecimento muito comum, um preceito natural da vida.

A morte domada desenha-se diante de nós como um evento, um acontecimento coletivo em que o ritual é organizado pelo próprio moribundo e para tal é convocada a presença de parentes, amigos, vizinhos e até curiosos sem restringir de todo o cerimonial, a presença de crianças (p. 56).

Kovács (1992) elucida que no século XIX a morte romântica era tida como uma ruptura insuportável, porque representa a morte do outro. É o período das grandes explosões sentimentais, a tristeza e a dor cantadas em verso ou prosa. Era muito frequente morrer de amor, se o outro morre, morro também. Está aí estabelecida a relação entre as perdas e o suicídio (p. 151). Segundo Azevedo & Pereira (2013), é neste período que o homem volta sua atenção não para a sua própria morte, mas para o acontecimento da morte do outro, de forma dramática, exaltando-a e desejando-a para si.

Com o advento da modernidade, essas mudanças na relação do homem com a morte ficam ainda mais evidentes. Kovács (apud Ariès) apresenta o século XX como o momento onde ocorre a representação da “morte invertida”.

É a morte que se esconde e que é vergonhosa, o grande fracasso da humanidade. Há uma supressão da manifestação do luto, a sociedade condena a expressão e a vivência da dor, atribuindo-lhes uma qualidade de fraqueza. Há uma exigência de domínio e controle. A sociedade capitalista, centrada na produção, não aguenta ver os sinais da morte. Os rituais do nosso tempo clamam pelo ocultamento e disfarce da morte como se ela não existisse (1992, p. 151).

Conforme Oliveira (2001), a medicalização da morte destituiu o enfermo do seu lugar, qual seja, o de sujeito ativo no processo de morrer, junto da chegada de uma ciência que se caracteriza pela busca da imortalidade onde há um excesso de cuidados com a saúde e grandes investimentos em pesquisas cujo principal objetivo é, certamente, tornar o homem um ser imortal.

(14)

Segundo Azevedo & Pereira (2013), a morte no hospital passa ser vista como um privilégio. O médico torna-se a única pessoa capaz de avaliar e decidir ou traçar o momento certo da morte daquele que está sob o domínio do saber científico. Configura-se dessa forma o hospital como sendo o local da morte solitária, num processo mecânico e desumanizado (p. 57).

O produto de tudo isso parece ser a intensificação da alienação do homem diante da morte, numa tentativa de excluí-la do processo de desenvolvimento, do ciclo da vida. As defesas psíquicas por ele empregadas para esse fim se traduzem em comportamentos e atividades que resultam na abolição dos rituais dos lutos, em uma completa assepsia dos vestígios dela: a cremação do corpo, por exemplo, logo em seguida à morte, dispensa o ritual do velório e do enterro. Com isso, os familiares ficam sem meios de expressar o luto e o pesar, tão necessário nessas circunstâncias (Oliveira, 2001. p. 24-25).

Kovács (1992) traz esse apagamento da consciência da finitude humana como uma espécie de retrocesso, já que tal característica seria o que diferenciaria os homens dos animais, que não possuem esta consciência. A autora diz ainda, que se trata de uma ilusão acreditarmos que buscamos pela vida eterna, já que a velhice eterna vem carregada de perdas, feiuras e dores; na verdade ansiamos pela juventude eterna com seus prazeres. Segundo Oliveira (2001, p. 25-26, apud Fuks apud Mannoni, 1995) no inconsciente de cada homem não existe a representação da morte; lá, somos todos imortais, pois por sermos mortais, somos levados a buscar, no desejo, a imortalidade.

A partir da década de 60, constatamos a preocupação e o interesse de diferentes setores da cultura ocidental pelo tema da morte. Segundo Oliveira (2001, apud Ariès, 1990) a morte assinala uma passagem da vida e, a exemplo de suas outras etapas, também esta é marcada por rituais, o que, necessariamente, envolve a comunidade.

Três momentos marcam a solenidade da morte: aceitação do moribundo como ativo nessa cerimônia, a cena do adeus, e a cena do luto. Cada momento dessa solenidade expressa uma convicção. (...) A morte era vivida como uma experiência que enfraquece a comunidade e ameaçava a sobrevivência da espécie. Nessa medida, a perda não tinha um significado pessoal, mas social (Oliveira, 2001. p. 36).

Apesar desse envolvimento social na morte e processo de luto, a sociedade ocidental tende a afastar (e cada vez mais) a morte. Já não se faz mais uma pausa

(15)

na vida das pessoas, além dos mais próximos, ou seja, já não há mais espaço para uma disponibilização espontânea de estar junto ao finado e presente com os que necessitam de acolhimento.

(...) levando-nos a pensar na morte como algo a ser esquecido, afastado de quem sente a dor do luto, algo a não ser sentido, vivenciado. Encontrando-se diante da morte, o homem depara-Encontrando-se com a possibilidade de sua própria morte; desta forma, a morte e o sofrimento do outro se tornam um incômodo (Azevedo & Pereira, 2013).

Assim, a dor aparece banalizada, como algo que não tem valor. E enquanto esta dor não pode ser sentida, o processo de luto não pode se elaborar, trazendo assim prejuízos pra saúde psíquica desses sujeitos sob os quais esse social tem influência.

Como se pode observar, a questão do luto vai se apresentar de várias formas em diferentes culturas sob a forma de variados rituais. Devido à complexidade deste tema, todos os povos de que se tem conhecimento se detiveram em organizar tais ritos, sendo que de nenhuma forma se passa em branco a perda de um ente da família ou da comunidade. Vemos as muitas diferenças nas formas com que cada sociedade trata este assunto e também como em nossa cultura esta relação do homem para com a perda vem se modificando ao longo do tempo.

1.2 O Luto na Psicologia

Várias teorias que estudam o comportamento e a saúde humana se ocuparam do tema do luto. Algumas delas, como a psicologia, a teoria do suporte social, a antropologia e filosofia hermenêutica serão tratadas a partir deste ponto.

O luto é uma reação ao rompimento de um vínculo, não necessariamente associado á uma morte. Qualquer perda que possa ser considerada significativa resulta nessa experiência de vida inevitável, imprevisível, não resolúvel ou possível de ser “superado”. É um evento que se torna parte da vida de maneira única, mutável ao longo da vida e de mudança de vida. Ele consiste em um processo normal e esperado de ressignificação e transformação da relação com a pessoa perdida, tarefa que permite sua elaboração. Deste modo, ele não finaliza com uma

(16)

“resolução”, com a volta à normalidade, mas sim com a incorporação da perda na vida do enlutado, de tal modo que possa seguir a vida adiante com uma conexão contínua com o falecido, mas que possibilite também continuar a avançar na vida. (Buosso, 2011)

Nos primórdios, quando o homem ainda não valorizava sua subjetividade, o pesar sentido por ele diante da perda de um ente que lhe era querido não era compreendido, talvez nem pensado. Segundo Oliveira (2001), foi através da ambivalência de sentimentos experimentados pelo homem com relação à morte, onde, ao mesmo tempo em que experimentavam certo prazer na morte do outro, já que não era ele quem morria, sofria a profunda dor da perda. Podemos considerar, a partir de Freud, o luto como sendo o momento inaugural da psicologia, já que o homem conhecendo o conflito precisava resolvê-lo.

Para a psicologia, o luto é um fenômeno universal decorrente de perdas e envolve diversas reações voltadas à adaptação à nova realidade com que o enlutado se depara (Nascimento et al, 2015). Segundo os autores, o luto foi entendido como o processo decorrente da relação que existe entre o organismo e o seu ambiente e isso foi analisado a partir das influências dos três níveis de seleção de comportamento (filogenético, ontogenético e cultural), a forma como o indivíduo encara esses eventos que acompanham o processo de luto.

Para os autores (idem, apud Worden), o luto é classificado como um processo universal resultante da perda de um objeto de apego, que produz diversos sentimentos e comportamentos voltados ao restabelecimento da relação com o objeto perdido, como também é presente em animais. Supõe-se que há influências biológicas para que a separação influencie respostas instintivas de reparação. Quando se trata de humanos, fatores culturais também moldam a maneira como cada um reage à perda, mas a tentativa de reencontro com o falecido é uma frequente em praticamente todas as civilizações, como, por exemplo, por meio de rituais religiosos ou apego a pertences do falecido (Worden, 2013).

De acordo com Andrade (et al, 2008), citando Stroebe (2001), cada pessoa tem um papel determinante na construção da sua realidade e o luto é entendido quando enquadrado numa situação geográfica, temporal e de grupo.

(17)

A sua vivência depende do acordo entre a cultura e suas crenças. Esta sinergia irá permitir-nos compreender e justificar os diferentes padrões de significação acerca da morte, partindo do pressuposto que estes são indelevelmente influenciados pelos contextos socioculturais. A expressão do luto pode ser influenciada pelas condicionantes inerentes à vida do indivíduo, enquanto ser social e cultural, o que pode manifestamente influenciar o índice de sintomatologia associado a este processo (p. 272)

Sobre a teoria da vinculação afetiva, desenvolvida por Bowlby, que consiste no resultado do comportamento social de cada indivíduo de uma espécie, diferindo conforme o outro individuo de sua espécie com quem ele esteja tratando; a característica essencial desta teoria é a de que dois parceiros tendem a manter-se próximos um do outro (Bowlby, 1907, p.97). Na abordagem do conceito de luto, traz que após a perda existe um sentimento de ansiedade de separação e que a vivência do luto é a reação resultante da ruptura da vinculação. Matos-Silva (2001, apud Bowlby, Worden, Parkes e Rando) caracteriza o enlutamento como um processo constituído por diferentes momentos que o enlutado atravessa até que se restabeleça do abalo causado pela perda.

1.3 Outras teorias e o luto 1.3.1 Teoria do Suporte Social

As teorias de suporte social conceitualizam o luto como a perda de um elemento significativo para alguém, ao nível da sua rede de suporte social e familiar.

O suporte social é, atualmente, um dos principais conceitos na psicologia da saúde (Dunbar, Ford & Hunt,1998). Como referem Rodin e Salovey (1989) o suporte social alivia o distress em situação de crise, pode inibir o desenvolvimento de doenças e, quando o indivíduo está doente tem um papel positivo na recuperação da doença (Ribeiro, 1999).

Existem dois modelos que vão caracterizar o processo do luto dentro desta teoria, os subdividindo entre do efeito direto e efeito amortecedor:

O primeiro modelo, do efeito principal ou direto, preconiza que o indivíduo ao apresentar um bom suporte social consegue vivenciar a perda de um modo mais funcional e adaptativo. Este modelo procurou igualmente explicar as diferenças entre géneros, no que diz respeito às respostas de cada um, durante o processo de luto. Os estudos indicaram que as mulheres têm uma maior rede de suporte social e como tal conseguem resolver o luto de forma mais eficiente que os homens (Antonucci &

(18)

Akiyama, 1987). O segundo modelo considera que o suporte social dos indivíduos funciona como uma espécie de “amortecedor” contra os acontecimentos de vida adversos, indutores de stress, protegendo-os de possíveis complicações de saúde. Estudos que sustentam este modelo constataram que os indivíduos, aquando de um evento estressante, revelam como indicador de coping a efetivação de um profícuo suporte social (Andrade et al, 2008).

1.3.2 Teoria Antropológica

Segundo Franco (2008), foi a partir das duas grandes guerras mundiais que o interesse pela pesquisa com o tema do luto surgiu. Neste momento a psicologia teria ignorado a natureza social do luto, por outro lado, a visão antropológica da morte e da perda como fenômenos essencialmente sociais contrastava fortemente com os modelos psicológicos de luto, visto como uma experiência individual aberta para a possibilidade de um desenvolvimento patológico. Sendo assim, nós não só morremos de acordo com o modelo médico de doença e morte, como também ficamos enlutados segundo esse mesmo modelo.

“(...) os ´sintomas´ associados ao luto nos deixam com a clara impressão de que o luto é mais uma doença do que uma experiência universal. A patologização do luto é sintoma de sua individualização. Ao colocarmos o pesar associado ao luto no âmbito da mente e do corpo do indivíduo, podemos com maior ênfase acusá-lo por sua própria desgraça pessoal.” A partir dessa descrição do luto como uma doença, com sintomatologia facilmente identificável, os profissionais da saúde passaram a adotar este modelo (Franco, 2008, p. 04).

1.3.3 Filosofia Hermenêutica

Baseadas em Heidegger, filósofo alemão, Azevedo & Pereira (2013) trazem a percepção da morte e do luto para a filosofia hermenêutica. Segundo as autoras, é a partir da criação do conceito do Dasein que Heidegger vai formular sua teoria:

Heidegger cria o conceito de Dasein em que possui condição ontológica de ser um ser-no-mundo, sendo o homem esse ente cujo ser está sempre acontecendo, manifestando-se a cada instante no existir temporal. Sendo assim, o Dasein é o modo de ser do homem, sendo a nossa existência, uma existência que é pontuada pela condição de que o ser-aí é histórico e situado. O ser-aí para Heidegger é o ente dotado da diferença ontológica, pois é o único ente que se relaciona com seu próprio ser. Sendo assim, o Dasein é um ente cujo modo de ser é abertura. Essa condição de abertura é que lhe permite compreender-se como ser-no-mundo (p. 63).

(19)

As autoras (idem apud Heidegger, 2004) elucidam que o Dasein também aparece como o ser-para-a-morte, visto que só empreende o seu ser-si-mesmo no instante que ele não é mais, quando deixa de ser. O Dasein resguarda a possibilidade inerente de construir sua historicidade aliada à temporalidade finita e única de cada ser-aí em especial (p.63). O Dasein é sempre ser-para-a-morte (sein zun tode) por existir numa temporalidade primordialmente futura marcada por sua finitude (p.64).

Para Heidegger (2004), por meio da morte dos ‘outros’, o homem pode ‘observar’ ‘objetivamente’ o findar da presença do Dasein no mundo. É a revelação de que o outro alcançou sua totalidade como um ser “finado”, aquele que chegou ao seu fim. Tal observação sempre será sobre a experiência da morte do outro, semelhante à experiência de nascer, como uma experiência solitária de vida por aquele ente (p.64).

A partir do pensamento do filósofo, estaríamos lidando com a morte de forma imprópria no nosso cotidiano, acreditando que ela só aconteça com a chegada da velhice, com isso pensamos e sentimos a morte dos outros, porém sem nos dar conta da nossa finitude (p.64).

A morte de um ente querido, ainda que revele o seu desaparecimento como ser presente no mundo, tem outra significação para os que ficaram. Heidegger explicita assim: “O ‘finado’ que, em oposição ao morto foi retirado do meio dos que ‘ficaram para trás’, é objeto de ‘ocupação’ nos funerais, no enterro, nas cerimônias e culto dos mortos” (2004, p. 18). É quando o autor se refere aos “que ficaram para trás, aqueles que têm laços e vínculos com o finado permanecendo com ele, não só dentro de um contexto, de um modo, de uma preocupação referencial ou da apreensão fenomenal do não-mais-estar-presente do finado, mas ao contexto onde a morte desentranha como perda e, mais do que isso como aquela perda experimentada pelos que ficam” (Azevedo & Pereira, 2013, p.64 apud Heidegger, 2004, p. 19).

As autoras, a partir de Heidegger, trazem que o fato de experenciar uma perda faria com que algumas constatações sejam suscitadas naqueles que ficam e vivenciam tal sofrimento de forma peculiar e singular. A dor que se estampa no rosto e o dilaceramento da alma expresso através dos depoimentos desses sujeitos revelam o que sentem e deixam de sentir com o não-mais-estar-presente do ente querido. A perda de sentido de estar com os outros esvazia o peito e a alma, restando apenas o lamento e a saudade (p. 64-65)

Diante do exposto, constatamos que para o Dasein a morte encontra-se, como possibilidade, subentendida nas outras possibilidades inalienáveis e

(20)

irremissíveis como ser-para-a-morte. Embora o homem seja consciente dessa possibilidade inalienável de ser-para-o-fim, tem em sua cotidianidade uma tendência de evitar o sentimento de angústia que revela o seu modo essencial de ser e estar-lançado no mundo, ou seja, o Dasein sempre é o ser-para-a-morte. Assim, o autor torna claro como o homem, em seu dia a dia, busca ter e manter um equilíbrio em suas “ocupações” na vida, tendo a compreensão de ser um ser-para-a-morte e elaborar projetos de vida, enquanto sua própria morte não lhe bate a porta. Acreditamos que a própria elaboração do luto, diante da perda de um ente querido, faça parte dessa busca de equilíbrio através de novos projetos de vida, visto que, com o desaparecimento do ente querido, a dor desperta e faz vir à tona a finitude, em sua forma tácita (Azevedo & Pereira, 2013, p. 65).

Elucidar como cada povo e cada teoria trata o tema do luto é de suma importância para entendermos como o sujeito lida com as suas perdas. A partir disso, fazer uma amarragem do que trazem a este respeito as várias áreas nas quais o processo de enlutamento é estudado nos faz ter uma visão ampla de sua complexidade e o quanto dele depende o nosso desenvolvimento psíquico. Sendo assim, falar sobre este tema nos ajuda a compreender o processo e seus efeitos em nossa subjetividade.

(21)

2. O LUTO E A REALIDADE PSÍQUICA

Em algumas teorias desenvolvidas dentro da psicologia, o processo denominado de luto apresenta a característica de ser concebido como uma maneira de o sujeito elaborar suas perdas e assim se desenvolver. Tratarei, neste segundo capítulo, sobre este olhar na teoria psicanalítica e também na teoria da vinculação afetiva.

2.1 Na psicanálise

Freud criador da psicanálise, segundo Oliveira (2001), ele foi além dos conhecimentos vigentes na sua época, a fim de trazer alívio para aos sofrimentos dos neuróticos. Conseguiu, através de uma escuta clínica dos seus pacientes, que transcendia o que é observável, identificar que a consciência não é soberana em nosso aparelho psíquico e, com isso, o inconsciente ganhou preponderância e passou a ser aquele que verdadeiramente rege o destino do homem. Com isso, disse Freud, o homem deixou de ser o senhor em sua própria casa (Oliveira, 2001, p.25).

Em 1917 Freud se dedica a escrever sobre o luto e também a melancolia, os quais seriam processos semelhantes, porém diferenciados por alguns aspectos. O luto é então, compreendido como, “de modo geral, a reação à perda de um ente querido, à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como o país, a liberdade ou o ideal de alguém, e assim por diante”. A melancolia seria a reação frente às mesmas situações, em consequência de uma disposição patológica, relacionada com uma identificação narcisista com o objeto e com ambivalência, em que prevalecem aspectos hostis ao objeto (Oliveira, 2001, p. 95).

O processo psíquico do luto, que foi descrito como um trabalho de elaboração, consiste em o enlutado retirar os investimentos do objeto porque a realidade impôs o seu veredicto. O objeto está morto. No entanto, ocorre ao enlutado uma resistência a abandonar essa posição, o que pode levar a uma alucinação do objeto. Porém, a realidade é respeitada; cada pensamento e cada lembrança são hiper-investidos, e o desligamento da libido vai-se realizando aos poucos. A perda do objeto é consciente por parte do enlutado: ele sabe quem foi perdido, e o mundo fica vazio. Quando o luto termina, o ego está livre para ocupar-se de outro objeto, e o consolo do que traz consigo traduz-se em “meu objeto amado não se foi, porque agora trago-o dentro de mim e nunca mais poderei perdê-lo” (Oliveira, 2001, p.96 apud Abraham, 1974-1970).

(22)

Segundo Oliveira (2001), a partir de uma perspectiva não linear de se pensar o desenvolvimento e/ou a constituição e funcionamento do psiquismo, a passagem de uma nova etapa exige o abandono da anterior, para que se dê conta das novas demandas internas e externas impostas ao sujeito. Isto ocorre no sujeito desde o seu nascimento até a morte (p.79-80).

A autora ainda coloca o fato de a palavra morte estar ligada ao pesar, o luto, a finitude, dor e desespero e como isto é visto como o contrário do conceito de vida e desenvolvimento, apesar de se acreditar que haja crescimento de espírito provocado pelas experiências dolorosas. Afirma ainda, de forma irrefutável, que não há mudança sem sofrimento, pois não há como nos inteirarmos do lado obscuro de nossas mentes e depois continuarmos os mesmos (p.80).

Não há como sairmos ilesos de experiências dolorosas, pois a experiência é uma professora severa porque é transformadora. (...) O fortalecimento interno do indivíduo é propiciado pelo resgate do amor, da tolerância, e da criatividade, após o reconhecimento da destrutividade, da inveja e do ciúme – manifestações da pulsão de morte dentro de si (Oliveira, 2001, p.80).

Freud percebeu e pontuou a resistência encontrada no funcionamento psíquico, quer em relação às zonas erógenas investidas libidinalmente, quer quanto à modalidade de relações de objeto, pois isso implica em um trabalho mental para vencer a tendência à fixação, à inércia e à ausência de excitação cujo modelo é a vida intrauterina (Oliveira, 2001, p.81).

Segundo a autora, Freud ainda refere-se ao trauma do nascimento como protótipo da angústia, a saída do paraíso, cuja vivência foi inscrita no psiquismo e isto junto ao complexo de Édipo constituem as fantasias originárias ou herdadas filogeneticamente. O homem conserva o desejo nostálgico de voltar para o útero, que seria o nirvana, onde há o apagamento do desejo sexual. A dor é evitada apesar de ser necessária para o desenvolvimento psíquico (p. 81).

As mortes e as perdas simbólicas são inerentes ao desenvolvimento, pois a compreensão da constituição e funcionamento do psiquismo abre uma nova perspectiva de relação com a morte e assim ela pode ser representada como própria da nossa existência (Oliveira, 2001, p.81).

(23)

Winnicott (1945) salienta a necessidade vital do bebê de abandonar o útero, completado o período gestacional. As condições de vida presentes ali após esse tempo são precárias, insuficientes para oferecer os nutrientes e o espaço físico necessários. Mesmo quando o nascimento ocorre em condições favoráveis, o bebê vive a primeira dor necessária, pois evitá-la seria a morte; a força de vida impulsiona o bebê para o mundo, no qual conta com a “mãe suficientemente boa, não necessariamente a própria mãe do bebê, é aquela que efetua uma adaptação ativa às necessidades do bebê, uma adaptação que diminui gradativamente, segundo a crescente capacidade deste de aquilatar o fracasso da adaptação e em tolerar os resultados desta frustração” (Oliveira, 2001, p.81 apud Winnicott, 1975, p.25).

Para Winnicott, é essencial a função materna para o desenvolvimento do ego, pois é nela que se encontram a angústia inicial do bebê, que são consequentes de um ego que precisa se desenvolver. É ela quem faz com que o ego se integre, se personalize e inicia as relações de objeto. Essas realizações do Ego não são consecutivas ou interdependentes, podem haver superposições entre elas, ou seja, elas não são consolidadas ao mesmo tempo mas alcançadas em momentos e perdidas em seguida. A cada realização necessita-se da função materna. A integração necessita que a mãe sustente o bebê com o empréstimo que faz do seu ego a ele, e permite que as partículas de excitação motora e de sensações possam, a partir de um trabalho inicial de elaboração imaginativa, reunir-se num todo - o eu; também para manusear o próprio cuidado do bebê ajuda na personalização, o sentimento de habitar o próprio corpo. Quanto à capacidade para se relacionar com os objetos, a mãe o ajuda quando permite que ele viva a ilusão de criar o primeiro objeto - o seio. A mãe permite então que a “experiência de onipotência” seja alcançada pelo bebê que quando realizar a adaptação quase perfeita as suas necessidades apresenta o seio no momento em que o bebê imagina um objeto que o alimente (Oliveira, 200, p.82).

Ainda citando Winnicott, Oliveira (2001) vai falar que o estudo do desenvolvimento do ego não pode nunca ocorrer separado do estudo da função materna, mesmo que ela não seja a responsável pelo processo, o qual é herdado através da tendência para a maturação; porém, a sua influência se manifesta ao favorecer, dificultar ou mesmo impedir essa realização, que necessariamente implica em lidar com as perdas próprias do desenvolvimento (p. 82).

(24)

Para realizar o “luto pelo seio”, o bebê precisa suportar a dor proveniente da percepção de que os estragos que promoveu ao objeto de suas excitações - o seio – também atingiram a mãe real, que o gratifica; o bebê é tomado, então, de intenso sofrimento (Oliveira, 2001, p.83).

Por se tratar de um processo complexo e doloroso – a separação da mãe – o bebê é ajudado pelo objeto transicional. Winnicott (1975) definiu o objeto transicional como sendo a primeira possessão “não eu” do bebê. Trata-se de uma criação do bebê, a partir de um objeto real, como, por exemplo, o ursinho ou a ponta de um cobertor, que adquire características da realidade interna e externa (mãe real); entretanto, não é nem uma nem outra. O autor diz tratar-se de um paradoxo que não deve ser solucionado. Esse objeto é construído no espaço entre a realidade objetiva e a fantasia, denominado por ele de “espaço transicional”. Winicott pensa que todo processo de sonhar, simbolizar e viver ocorre neste espaço. A possibilidade de representar a mãe simbolicamente, podendo então suportar a sua falta, é que permite à criança viver o desmame, elaborando o luto pelo seio, o que evidencia a relação entre desenvolvimento e morte (Oliveira, 2001, p. 83-84).

Oliveira (2001) traz também o ponto de vista de Melaine Klein sobre as perdas no processo de desenvolvimento, reforçando de forma irrefutável a teoria de que novas conquistas exigem o abandono das anteriores, superando as de um funcionamento psíquico menos evoluído para um novo, mais evoluído e complexo (p.84).

Ela relaciona o desmame a posição depressiva, momento no qual a criança dá-se conta da importância da mãe como objeto de amor, reconhece a dependência em relação a ela e o seu temor em destruí-la, movido pelo sadismo. A criança sofre a perda do seio e também da mãe real “visto que a concepção do seio se estende à mãe; o sentimento de ter perdido o objeto de amor leva ao medo de ter perdido inteiramente a mãe amada, e isso não significa apenas a mãe real, mas também a boa mãe interna” (Oliveira, 2001, p. 84 apud Klein, 1952-1978, p.42).

Ainda Oliveira (2001), citando Melanie Klein, vai dizer que a elaboração da posição depressiva é que vai possibilitar o processo que culmina na relação objetal: a separação do eu/não eu; a diferenciação da realidade interna e da realidade externa; a vivência da incompletude, da frustração e da falta. A autora ainda diz coincidir o início desse processo de simbolização com a posição depressiva, sendo que este é posto em funcionamento pelo ego tanto para preservar o objeto interno quanto o próprio ego. ”O bebê desloca seus sentimentos para substitutos, a fim de

(25)

poupar o objeto amado e a si próprio” (Oliveira, 2001, p.84 apud Weininger, 1996, p. 71).

É a partir desse momento que a relação simbiótica que era necessária até agora, onde se viveu “um corpo para dois” vai se tornar mortífera e persistir nessa relação pode resultar na falência do psiquismo. É a capacidade de simbolização que vai permitir que, ao sentir temor pela perda do objeto ou na sua falta, ele possa ser recriado simbolicamente pelo sujeito (Oliveira, 2001, p. 84).

A autora se utiliza dos escritos de McDougall, o qual, segundo ela, encaixa perfeitamente, como sendo uma descrição desse momento feito de forma ímpar. Diz ela: “Nesse espaço entre o eu e o outro, ausência primordial da mãe, no ponto exato onde se inaugura a alteridade, origina-se a capacidade de “simbolizar” a ausência e criar as primeiras ilusões para mobiliar o espaço deixado pela falta do outro” (Oliveira 2001, p.84-85 apud Mc Dougall, 1991, p. 72).

Em um trabalho que visa demonstrar a relação que as perdas têm com o desenvolvimento, não poderíamos deixar de falar sobre o complexo de Édipo, o qual se caracteriza como “outro momento do desenvolvimento no qual o paradoxo vida/morte se impõe”. É na elaboração do Complexo de Édipo, descrito por Freud em 1909, em que se vivem perdas necessárias ao crescimento (Oliveira, 2001).

Trata-se de uma experiência estruturante da personalidade, de cuja elaboração dependerá o desenvolvimento psíquico saudável. O abandono, a renúncia e a morte do amor aos pais na infância é condição para um novo avanço na constituição da personalidade, pois significa aceitação da castração, incompletude e da falta, em que ocorre o abandono ao narcisismo infantil. Freud (1924) emprega o termo untergang, que significa

sepultamento, ao falar do abandono do amor incestuoso, deixando a libido

livre para investir em novos objetos. Caso essa morte não seja total, isto é, se houver predominância desse amor no ego, ocorreram as neuroses, patologias cuja etiologia caracteriza-se pela perturbação das relações interpessoais, num estágio do desenvolvimento no qual o sujeito já se relacionava com figuras totais (p.85).

Ainda segundo a autora são essas características do complexo de Édipo que assumem grande proporção em virtude da concretização das perdas reais que são referidas anteriormente: do útero, do seio e também das fezes. Ocorre, então, um trabalho psíquico na elaboração desse luto edípico, que compreende repressão do desejo em relação ao objeto do sexo oposto, na identificação com o objeto do

(26)

mesmo sexo e na sublimação da libido para a busca do conhecimento e de novos objetos (p. 85-86).

À elaboração do luto edípico segue-se um período de relativa tranquilidade, o qual é sucedido por novas perdas e, portanto, novos lutos são impostos ao indivíduo em desenvolvimento. A adolescência é um período marcado por intensos conflitos identificatórios, ao final do qual deverá resultar uma identidade (Oliveira, 2001, p.86).

As bases do conflito da adolescência são de um lado as aspirações à independência, de outro as tendências a se manter dependente dos pais. Há, nessa fase, um verdadeiro trabalho de luto no sentido em que se exige a retirada de investimentos. Por isso, a adolescência é muito mais do que uma crise passageira: ela é a passagem, ou não, para a maturidade (Oliveira, 2001, p.86).

É antes de tudo um processo estruturante que afeta o conjunto da vida psíquica, tanto na área da autoimagem quanto na esfera das relações. Ela envolve a admissão e a elaboração de perdas significativas (estatuto de criança, o corpo infantil, certas modalidades de relação com o outro), a aquisição de defesas novas e eventualmente mais plásticas, a integração de novas identificações, o acesso à novas modalidades de vínculo com os pais (de geração e de gênero). Todo esse processo de ruptura e de recomposição combina, normalmente, com a estabilização relativa que caracteriza a entrada na fase adulta (Oliveira, 2001, p.86 apud Mezan, 1988).

Os processos de luto pela perda do primeiro objeto (seio) fazem parte da estruturação do psiquismo, e o grau de elaboração dessa perda atingido pelo indivíduo é que vai determinar, futuramente sua postura diante da morte de seus entes queridos e mortes simbólicas, ou seja é o que determinará se irá desenvolver ou não quadros patológicos. Essa ideia é ilustrada por Winnicott (1953) quando diz que “o luto implica amadurecimento emocional e saúde” (Oliveira, 2001, p. 92 apud Winnicott 1975, p. 328).

A partir da visão que temos do processo de luto pela via psicanalítica, podemos nos utilizar do pensamento de Melanie Klein, que “em seu trabalho sobre o luto afirma que em toda a perda ocorre a reativação da posição depressiva infantil. Aqueles que conseguiram ultrapassar colocaram dentro de si os bons objetos

(27)

internos e tem condições, então, de elaborar o luto pelo objeto” (Oliveira, 2001, p. 105).

2. Na Teoria da Vinculação Afetiva

O teórico responsável por desenvolver esta teoria é John Bowlby. No livro intitulado “Formação e Rompimento dos Laços Afetivos” (1997), o autor discorre sobre a visão etológica da vivência do processo de luto.

Segundo o autor a teoria da ligação, é um modo de conceituar a propensão dos seres humanos a estabelecerem fortes vínculos afetivos com alguns outros, e de explicar as múltiplas formas de consternação emocional e perturbação da personalidade, incluindo ansiedade, raiva, depressão e desligamento emocional, a que a separação e perda involuntárias dão origem (p.168).

Embora incorpore muito do pensamento psicanalítico, a teoria da ligação difere da psicanálise tradicional ao adotar um certo número de princípios que derivam das disciplinas relativamente novas da etologia e teoria do controle. E, assim fazendo, está habilitada a dispensar conceitos como os de energia psíquica impulso, e a estabelecer estreitos laços com a psicologia cognitiva. Embora seus conceitos sejam psicológicos, eles são compatíveis com os da neurofisiologia e da biologia do desenvolvimento, e que, também, se conforma aos critérios habituais de uma disciplina científica (1997, p.168-169).

O autor ainda vai dizer que até meados da década de 1950 os vínculos eram concebidos através da ótica de que os indivíduos desenvolvem-se e descobrem que para satisfazer certos impulsos, como por exemplo, de alimentação na infância e de sexo na vida adulta, é necessário um outro ser humano. (p.169).

Em suma, o comportamento de ligação é concebido como qualquer forma de comportamento que resulta em que uma pessoa alcance ou mantenha a proximidade com algum outro indivíduo diferenciado e preferido, o qual é usualmente considerado o mais forte e (ou) mais sábio. Embora seja especialmente evidente durante os primeiros anos da infância, sustenta-se que o comportamento de ligação caracteriza os seres humanos do berço a sepultura (p.171).

(28)

Os padrões de comportamento de ligação manifestados por um indivíduo dependem, em parte, da sua idade atual, sexo e circunstâncias, e, em parte, das experiências que teve com figuras de ligação nos primeiros anos de sua vida (p.171).

No que se segue, o indivíduo que manifesta o comportamento de ligação é usualmente mencionado como criança, e a figura de ligação como mãe. Isso ocorre porque, até agora o comportamento só foi minuciosamente estudado em crianças. O que se expõem, entretanto, é aplicável também a adultos e a quem quer que esteja atuando para eles como figura de ligação - frequentemente um cônjuge, algumas vezes um dos pais e, com frequência maior do que se poderia supor, um filho (1997, p.174).

Quando a mãe está presente ou seu paradeiro é conhecido e ela está disposta a participar no intercâmbio amistoso, a criança geralmente deixa de apresentar o comportamento de ligação e prefere explorar o seu meio ambiente. Nessa situação, a mãe pode ser considerada como fornecedora de uma base segura a partir da qual a criança fará suas explorações, e a qual regressará, sobretudo quando se cansar ou se assustar. No restante de sua vida a pessoa é suscetível de manifestar o mesmo padrão de comportamento, afastando-se cada vez mais e por períodos cada vez maiores daqueles a quem ama, ainda que mantendo sempre o contato e regressando, mais cedo ou mais tarde. A base a partir de onde um adulto opera será a sua família de origem, ou então uma nova base que ele criou para si mesmo. Qualquer indivíduo que não possui a tal base é um ser sem raízes e intensamente solitário (p.174-175).

Bowlby vai trazer a ansiedade em torno de uma separação involuntária, de um rompimento de vínculo, como uma reação perfeitamente normal e saudável. O que pode ser difícil de explicar é porque tal ansiedade é despertada em algumas pessoas com uma intensidade tão grande e em outros com tão pouca intensidade. Ele faz alusão à situação de um comandante de uma força expedicionária quando as comunicações com suas bases são cortadas ou ameaçadas, seria o mesmo tipo de sensação.

Sobre ansiedade de separação involuntária com uma figura de ligação, se esta ligação com as figuras parentais for acontecer de maneira errônea, podem surgir diferentes formas de se lidar com essa vinculação, geralmente levando a uma patologia, se desenvolvendo crianças que anseiam por amor ou crianças com

(29)

autoconfiança exagerada, rejeitando o amor e os cuidados de quem deve fazer essa função de ligação (p.177-179). Para essas crianças a morte ou a separação confirmam as piores expectativas da pessoa e levam ao desespero e angústia. Nessas pessoas, o luto por uma morte ou separação poderá seguir um curso atípico (p.183).

Através da leitura dos escritos de Bowlby, podemos perceber o luto como um processo de adaptação a partir de uma perda que gera um rompimento de um vínculo. Este causando ansiedade e consternação, seguido do profundo e prolongado pesar sentido devido à morte ou separação destes entes queridos (1997, p.113).

O autor sugere que o curso deste processo pode se dividir em quatro fases principais, que são:

1) Fase do torpor ou aturdimento, que usualmente dura de algumas horas a uma semana e pode ser interrompida por acessos de consternação e (ou) raiva extremamente intensas.

2) Fase da saudade e busca da figura perdida, que dura alguns meses e, com frequência, vários anos.

3) Fase de desorganização e desespero.

4) Fase de maior ou menor grau de organização (1997, p.115).

Segundo o autor, se definem duas características do luto como sendo muito comuns, que são o choro e a raiva. Segundo ele, o choro e os gritos são os métodos pelos quais geralmente as crianças atraem e recuperam suas mães quando estas estão ausentes, e no luto estas reações ocorrem com os mesmos objetivos em mente, consciente ou inconscientemente (p.118).

Para Bowlby (1997), o efeito do rompimento de um vínculo por separação ou morte pode ter uma vasta gama de variações individuais de reação (p.109), mas geralmente acarretará em uma formação patológica, principalmente se ocorrida antes dos cinco anos de idade. As perdas na infância seriam as responsáveis por suscitar os sintomas de ao menos duas síndromes psiquiátricas, que são a personalidade psicopática ou sociopática e a depressão (p.100-101). O comportamento perturbado do adulto representa uma persistência, ao longo dos anos, de padrões desviantes do comportamento de ligação que se estabeleceram em consequência do rompimento de vínculos afetivos durante a infância (p.109).

(30)

(...) aqueles que acreditam ser causal a relação entre o rompimento de vínculos afetivos durante a infância e a deterioração da capacidade para manter os vínculos afetivos, típica das perturbações da personalidade na vida adolescente e adulta, apontam outras provas que a sustentam sua hipótese. Tais provas envolvem o modo pelo qual jovens primatas humanos e sub-humanos se comportam quando um vínculo afetivo é rompido por separação ou morte (1997, p.106).

Caracterizando um processo de luto sadio, o autor diz que é característica de todas as formas de luto, uma sequência de respostas após uma perda inesperada. Parece que sempre há uma fase de protesto durante a qual a pessoa que sofreu a perda se empenha em recuperar a pessoa perdida e a recrimina por sua deserção. Após, existe uma fase de desespero onde os sentimentos são ambivalentes, na qual o estado de ânimo e ação variam entre uma expectativa imediata, expressa numa intimação raivosa para que a pessoa regresse, até um profundo desespero expresso em suspiros contidos. E uma terceira fase seria o desligamento onde a esperança e o desespero alternados que se fizeram presentes por muito tempo acabaram por desenvolver-se e agora o comportamento se reorganiza com base na ausência permanente da pessoa (p. 74).

Ansiar pelo impossível, raiva desmedida, choro impotente, horror ante a perspectiva de solidão, súplicas lastimosas por compaixão e apoio - são esses os sentimentos que uma pessoa que sofre uma perda necessita expressar e, por vezes, primeiro descobrir, para que faça algum progresso (1997, p. 131).

O autor vai dizer que, no entanto, algumas pessoas não conseguem realizar essa explanação do seu sentimento de pesar, o que pode se tornar uma importante variante patológica (p.133). É muito importante para uma pessoa enlutada o apoio de familiares e amigos próximos para que possam saborear a oportunidade de repetir em sempre de novo o doloroso drama da perda que sofreram (p. 134).

Podemos a partir destas duas teorias, vislumbrar como os processos que se caracterizam como luto, não necessariamente por morte, são de suma importância para que o indivíduo esteja sempre em desenvolvimento, abandonando estados anteriores para alcançar aqueles mais elevados na sua constituição e à nível psíquico.

(31)

CONCLUSÃO

Com base neste trabalho, podemos perceber a universalidade com que o tema do luto se mostra nos diferentes campos. Por se tratar de uma angústia humana básica, elucidar tal tema de forma compreensível e trata-lo de forma com que se apresente aprazível foi um desafio.

Levando em conta os estudos realizados com diferentes povos, em diferentes épocas, a percepção de que existe unanimidade no que diz respeito a considerar o processo do luto, em levar em conta o pesar daqueles que sofrem com a perda e estipular ritos para dar conta desta falta, podemos nos dar conta da importância com que este tema se apresenta. Por este motivo também que várias teorias dos mais diferentes campos de estudo se detiveram sob este tema a fim de entender o processo e suas finalidades, tanto sociais, para a saúde, a nível psíquico, entre outros.

A abordagem do tema do luto a partir da teoria psicanalítica nos faz vislumbrar o quanto este processo está presente em inúmeros momentos de nossa vida/constituição, não apenas no âmbito da perda pela morte. O abandono do útero e do seio como primeiras experiências de perda, mais tarde na adolescência, a perda dos pais da infância e o Estádio do Espelho, onde se realizam os processos de luto pelo corpo infantil, vão construindo o nosso Eu. A partir da perda, o processo vai se desenrolando até que haja o completo desligamento da libido deste objeto perdido e que se possam fazer novos investimentos.

Sob a ótica da teoria da vinculação afetiva, compreender a grande inclinação que temos de nos aproximarmos dos nossos semelhantes, e com eles estabelecermos profundos vínculos, nos leva a perceber o pesar, o luto, como um dos processos mais importantes pelos quais os sujeitos têm de passar para se constituírem. É a partir dele que podemos abandonar estágios anteriores de menor desenvolvimento, e alcançar, mais a frente, os de maior desenvolvimento psíquico.

Entender como se colocam os sujeitos perante a morte/rompimento de vínculo e realizam seus processos de luto a fim de estruturação psíquica, me faz compreender as diversas manifestações ocorridas após tais eventos. Como cada um lida com as suas perdas é o que vai construir o sujeito, levando em conta que para

(32)

se chegar a um nível mais elevado de organização psíquica é preciso abandonar o anterior e internalizar o que dele se pode aproveitar.

As mudanças nas relações, a adaptação que sofre todo sujeito ao se deparar com uma perda é o que fará com que este se movimente a fim de substituir o objeto desta falta, sendo assim, este processo é o qual passamos a repetir em nossas existências. Todos temos de elaborar os lutos, temos de aceitar as faltas e remanejar nossas vidas perante aquilo que nos é imposto.

Este processo, que nem sempre se realiza de forma saudável, vai marcar a nossa subjetividade e a partir dele é que podemos evoluir enquanto sujeitos desejantes. Uma morte de um ente querido ou uma grande perda nunca podem ser de fato superadas, nada poderá ocupar aquele mesmo lugar de vazio deixado, porém ao se realizar o processo de luto de forma saudável, o sujeito tem condições de se reposicionar subjetivamente frente a esta situação e, com o tempo, se reestabelecer. Reestabelecer sua vida e suas outras relações.

Concluindo, vemos as várias implicações, variações e funções deste processo denominado luto na esfera psicológica dos sujeitos. A partir deste estudo, tal tema se mostra de forma bastante interessante e de importância à ser estudado mais a fundo, já que com certeza, ainda há muito o que se pensar, estudar e escrever sobre esta questão.

(33)

REFERÊNCIAS

ANDRADE, A. et al. O LUTO NO CICLO DE VIDA: PARA UMA COMPREENSÃO APROFUNDADA DO FENÓMENO NO CONTEXTO DA SAÚDE. International

Journal of Developmental and Educational Psychology, [S.L], v. 4, n. 1, p.

269-276, mar. 2008. Disponível em:

<http://infad.eu/RevistaINFAD/2008/n1/volumen4/INFAD_010420_269-276.pdf>. Acesso em: 08 out. 2016.

AZEVEDO, Ana Karina Silva; PEREIRA, Maria Aldeci. O luto na clínica psicológica: um olhar fenomenológico. Clínica & Cultura, [S.L], v. 2, n. 2, p. 54-67, dez. 201. Disponível em: <https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&cad=rja &uact=8&ved=0ahUKEwjG4aiAkbjQAhXIDJAKHUbRDBEQFggaMAA&url=http%3A %2F%2Fwww.seer.ufs.br%2Findex.php%2Fclinicaecultura%2Farticle%2Fdownload %2F1546%2F1695&usg=AFQjCNFeY-1n0YsNKBf413MQkgK8cvLutw&sig2=iP8gITCplVl3Tb5LZFuHxQ&bvm=bv.13925028 3,d.Y2I>. Acesso em: 29 out. 2016.

BOUSSO, Regina Szylit. A complexidade e a simplicidade da experiência do luto.

Acta Paulista de Enfermagem, São Paulo, v. 24, n. 3, p. 7-8, 201. undefined.

Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-21002011000300001>. Acesso em: 06 set. 2016.

BOWLBY, John. Formação e rompimento dos laços afetivos. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

FRANCO, Maria Helena Pereira. Luto em cuidados paliativos. Conselho Regional

de Medicina do Estado de São Paulo, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 1-15, jan./jan. 2008.

Disponível em:

<http://www.4estacoes.com/pdf/textos_saiba_mais/luto_em_cuidados_paliativos.pdf >. Acesso em: 19 out. 2016.

FREITAS, Joanneliese De Lucas. Luto e fenomenologia: uma proposta

compreensiva. Revista da Abordagem Gestáltica, Goiânia, v. 19, n. 1, p. 97-105, jul. 2013. Disponível em:

<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-68672013000100013>. Acesso em: 06 set. 2016.

IDADE MÉDIA. A dor da perda: as mulheres e o luto na história. Disponível em: <http://www.ricardocosta.com/artigo/dor-da-perda-mulheres-e-o-luto-na-historia>. Acesso em: 06 set. 2016.

KOVÁCS, Maria Júlia. Morte e desenvolvimento humano. 3 ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1992. 244 p.

MATOS-SILVA, Mariana Santiago De. Teclando com os mortos: Um estudo sobre o uso do Orkut por pessoas em luto. 01 ed. Rio de Janeiro: PUC Rio, 2011.

(34)

NASCIMENTO, D. C. D. et al. Luto: uma perspectiva da terapia analítico-comportamental. Psicologia Argumento, [S.L], v. 33, n. 83, jan. 201. Disponível em: <http://www2.pucpr.br/reol/pb/index.php/pa?dd1=16204&dd99=view&dd98=pb>. Acesso em: 19 out. 2016.

OLIVEIRA, Tereza Marques De. O psicanalista diante da morte: Intervenção psicoterapêutica na preparação para a morte e elaboração do luto. São Paulo: Mackenzie, 2001. 209 p.

PSICOLOGADO. O processo de elaboração do luto diante da morte de pessoas

significativas. Disponível em:

<https://psicologado.com/atuacao/tanatologia/o-processo-de-elaboracao-do-luto-diante-da-morte-de-pessoas-significativas>. Acesso em: 19 out. 2016.

RIBEIRO, José Luis Pais. ESCALA DE SATISFAÇÃO COM O SUPORTE SOCIAL (ESSS). Análise Psicológica, [S.L], v. 3, n. 17, p. 547-558, jan. 1999. Disponível em: <http://www.fpce.up.pt/docentes/paisribeiro/testes/soCIALf.htm>. Acesso em: 19 out. 2016.

Referências

Documentos relacionados

A tem á tica dos jornais mudou com o progresso social e é cada vez maior a variação de assuntos con- sumidos pelo homem, o que conduz também à especialização dos jor- nais,

A placa EXPRECIUM-II possui duas entradas de linhas telefônicas, uma entrada para uma bateria externa de 12 Volt DC e uma saída paralela para uma impressora escrava da placa, para

O objetivo do curso foi oportunizar aos participantes, um contato direto com as plantas nativas do Cerrado para identificação de espécies com potencial

Os dados referentes aos sentimentos dos acadêmicos de enfermagem durante a realização do banho de leito, a preparação destes para a realização, a atribuição

A par disso, analisa-se o papel da tecnologia dentro da escola, o potencial dos recursos tecnológicos como instrumento de trabalho articulado ao desenvolvimento do currículo, e

Estaca de concreto moldada in loco, executada mediante a introdução no terreno, por rotação, de um trado helicoidal contínuo. A injeção de concreto é feita pela haste

Este estudo, assim, aproveitou uma estrutura útil (categorização) para organizar dados o que facilitou a sistematização das conclusões. Em se tratando do alinhamento dos

Ocorre o fenômeno da crase diante dos pronomes relativos “a qual” e “as quais”, quando o verbo da oração introduzida por esses pronomes exigir a