• Nenhum resultado encontrado

A república e o cidadão esclarecido: o regime republicano na América do Norte no final do século XVIII e o combateà ignorância, à pobreza e à opressão política

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "A república e o cidadão esclarecido: o regime republicano na América do Norte no final do século XVIII e o combateà ignorância, à pobreza e à opressão política"

Copied!
66
0
0

Texto

(1)

A REPÚBLICA E O CIDADÃO ESCLARECIDO: o regime republicano na América do Norte no final do século XVIII e o combate à ignorância, à pobreza e à

opressão política

(2)

UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - UNIJUÍ

PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

A REPÚBLICA E O CIDADÃO ESCLARECIDO: o regime

republicano na América do Norte no final do século XVIII e o combate à

ignorância, à pobreza e à opressão política

RAFAEL VIEIRA DE MELLO LOPES Orientador: Prof. Dr. Claudio Boeira Garcia

Texto apresentado ao Programa de Mestrado em Educação nas Ciências da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação nas Ciências.

(3)

A comissão abaixo assinada aprova a presente dissertação:

A REPÚBLICA E O CIDADÃO ESCLARECIDO: o regime

republicano na América do Norte no final do século XVIII e o

combate à ignorância, à pobreza e à opressão política.

elaborada pelo mestrando

RAFAEL VIEIRA DE MELLO LOPES

como requisito parcial para obtenção do grau de

MESTRE EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

COMISSÃO EXAMINADORA:

_______________________________________________ Doutor Cláudio Boeira Garcia (Orientador)

______________________________________________ Doutor Paulo Evaldo Fensterseifer

_____________________________________________ Doutor Djalma Cremonese

(4)

AGRADECIMENTOS

À minha amada filha Bibiana, o presente mais lindo que recebi.

Ao meu pai, sempre presente em cada momento de minha vida e a quem devo minha formação moral, o exemplo de honestidade, de caráter e de respeito ao próximo. De quem recebi ensinamentos republicanos tais como, responsabilidade, liberdade para pensar, agir e fazer escolhas.

À minha mãe, pelo apoio incentivo e companheirismo, por não me deixar esmorecer nos momentos mais difíceis destes últimos anos, não há palavras para medir a gratidão por tal mulher.

Aos meus avôs, que estão vivos e a minhas sempre amadas avós que já partiram nestes últimos anos, deste campo terreno, e que desejo estarem sempre na luz e na paz.

Ao meu orientador, que com profissionalismo me ensinou a distinguir o professor do amigo; agradeço por me guiar pelos caminhos da República, pelos conselhos acadêmicos, pelos ensinamentos literários e pela amizade iniciada nesses anos de convivência.

A meus colegas de mestrado, com quem muito aprendi e estabeleci novas amizades. Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências da UNIJUI e do Curso de Filosofia pelas contribuições à minha formação.

A Thais, pelo carinho, atenção e amizade.

À Ercília, pela revisão deste trabalho e por me acolher durante minhas idas a Ijuí e a Tapes durante a orientação.

À vida, que me incentivou, me ensinou a amar, a suportar a dor, o cansaço, a levantar a cabeça, a ter tolerância e maturidade, a prosseguir, enfim, a viver.

(5)

RESUMO

A dissertação examina conceitos e debates políticos sustentados por homens de ação e escritores que tiveram participação destacada na revolução na América do Norte e no estabelecimento da nova forma de governo republicano no final do século XVIII. A República que configuraram influenciou regimes políticos posteriores e foi a partir dessa Revolução e da ocorrida na França, logo depois, que muitas ideias educacionais oriundas do imaginário humanista e iluminista adquiriram prestígio e amparo político. A frase de Jefferson, segundo a qual a República deveria combater a ignorância, a superstição, a pobreza e a opressão do corpo e do espírito, denota, entre outras noções, que, para os fundadores da República Norte- Americana, os assuntos da política e da educação, em um sentido amplo da palavra, se relacionam estreitamente. Desde então, a ideia de que o homem esclarecido deva ser capaz de expressar publicamente seus interesses individuais e coletivos, passou a fazer parte do imaginário de sociedades democráticas. Nesse sentido, os objetivos da educação foram vinculados aos princípios da República. O cidadão de uma República é livre à medida que participa ativamente nas questões de interesse comum ou concorda com as ações dos governantes que foram delegados para atuar nos termos da Carta Constitucional da República a qual pertence; reconhece que governantes e governados devem atuar em acordo com o espírito das leis. Os autores do século XVIII e mais recentes cujos textos servem de base à dissertação são os que seguem: Thomas Jefferson, Alexander Hamilton, James Madison, John Jay, Hannah Arendt, Bernard Bailyn e intérpretes de Jefferson reunidos na obra editada por James Gilreath designada Thomas Jefferson and the Education of a Citizen.

(6)

ABSTRACT

The dissertation examines political concepts and debates sustained by the main protagonists and writers who have had outstanding participation in the revolution in North America and the establishment of the new republican form of government in the late eighteenth century. Republic shaped by the Americans influenced subsequent political regimes and as of the Revolution which happened in America and France, soon after, many educational ideas aroused from the Classic and Enlightenment ideal obtained prestige and political support. Jefferson's phrase, according to which the Republic must combat ignorance, superstition, poverty and oppression of body and spirit, denotes, among other notions, which, for the founders of the American Republic, the issues of politics and education in a broad sense, is closely related. Since then, the idea that the enlightened man should be able to publicly express their individual and collective interests, became part of the imaginary of democratic societies. In this sense, the aims of education were bound by the principles of the Republic. The citizen of a free republic is as actively involved in issues of common interest or disagrees with the actions of governments that have been delegated to act under the Constitutional Charter of the Republic to which it belongs, recognizes that rulers and ruled must act in accordance with the spirit of the laws. The authors of the eighteenth century and more recent texts underpinning the paper are as follows: Thomas Jefferson, Alexander Hamilton, James Madison, John Jay, Hannah Arendt, Bernard Bailyn and writersgathered at the Jefferson book edited by James Gilreath appointed Thomas Jefferson and the Education of the Citizen.

(7)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...08

1. NARRATIVA SOBRE A REVOLUÇÃO AMERICANA E AS ORIGENS DA REPÚBLICA...10

2. ARGUMENTOS EM PROL DA REPÚBLICA...20

3. REPÚBLICA E CONSTITUIÇÃO...27

4. O CIDADÃO INSTRUÍDO: A LUTA CONTRA A IGNORÂNCIA,

A SUPERSTIÇÃO, A POBREZA E A OPRESSÃO POLÍTICA...41

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS...62

(8)

INTRODUÇÃO

A dissertação investiga noções que estiveram no centro dos debates que deram origem a nova sociedade republicana estabelecida na América do Norte, no final do século XVIII. Aborda, em um sentido amplo lato da palavra, questões educacionais as quais, observa Arendt, passaram, naquela época, a serem consideradas como preocupações políticas de primeira grandeza. O fato é que os fundadores da referida República entenderam que um “homem educado, instruído e esclarecido” configura o perfil do cidadão que a mesma necessita para ser garantida. Por isso, embora não tenham descuidado de aspectos específicos da instrução pública, quando se referem à dimensão pública da formação dos cidadãos, eles têm em mente a ideia expressa por Jefferson, segundo a qual a República só pode ser assegurada mediante um constante combate à ignorância, à pobreza e à opressão política. A dissertação se ocupa com esse assunto por meio de textos e de argumentos legados por teóricos e atores destacados do período revolucionário, e também por comentadores recentes que com tais temas têm se ocupado. Entre outras razões, o interesse pelo assunto se deve ao fato de que a Revolução Americana, sobretudo, no que respeita à relação que estabeleceu entre a República e o “homem esclarecido”, tem sido pouco estudada em nosso meio. Mais ainda porque foi na América que se estabeleceu, por primeira vez, no final do século XVIII, uma nova forma de organização política que passou a influenciar de modo significativo, nos tempos que se seguiram, grande parte das nações democráticas e republicanas do mundo.

A dissertação foi desenvolvida em quatro itens. O primeiro designado Narrativa sobre a revolução americana e as origens da República recorre a um texto que explicita aspectos teóricos, históricos e políticos que distinguem a revolução e a constituição americana, qual seja: Origens ideológicas da Revolução Americana de Bernard Bailyn1 cuja primeira edição nos EUA é de 1967. Tal texto é retomado com o propósito de destacar considerações apresentadas acerca das diferentes tradições que influenciaram o pensamento revolucionário à época da luta de libertação da Inglaterra e do estabelecimento do governo e das Cartas Constitucionais dos Estados e da União. Além disso, esta obra é importante, por elucidar, aspectos novos os quais, para além de todas as influências que recebem, são

1

Bernard Bailyn, Professor de História Americana Antiga na Universidade de Harvard. Publicou várias obras sobre a história norte-americana. Com o texto As origens ideológicas da Revolução Americana Bailyn ganhou o Prêmio Pulitzer de História.

(9)

distintivos das noções, da República e das Constituições que os revolucionários estabeleceram na América do Norte nessa época.

O segundo item intitulado Argumentos em prol da República examina os seguintes enunciados: a República é uma forma de governo superior à monarquia: ela se caracteriza pelo governo das leis e pela participação universal dos cidadãos; cidadãos esclarecidos garantem a vitalidade da República e de suas instituições. Os autores cujos textos e argumentos serão examinados nessa parte da dissertação são Jefferson, Jay, Madison e Hamilton.

O terceiro item nomeado por República e Constituição aborda considerações que Madison, Hamilton e Jay apresentaram sobre os temas da República e da constituição em O Federalista2. Este item apresenta, ainda, considerações de Bernard Bailyn e de Hannah Arendt sobre os debates entre federalistas e antifederalistas, acerca da constituição de uma República confederada, da garantia e limitação constitucional das ações dos governantes e cidadãos; da atribuição e delimitação dos poderes; da institucionalização dos direitos; liberdade de crença e de opinião.

O quarto item trata sobre O Cidadão Instruído: a luta contra a ignorância, a superstição, a pobreza e a opressão política. Aborda considerações de Jefferson (um dos Pais Fundadores da República) que, de forma mais veemente, argumentou que a estabilidade e vigor da República dependiam de cidadãos informados e críticos; que a existência de cidadãos esclarecidos e livres da ignorância e da pobreza era a condição essencial para evitar a degeneração da República e, por consequência, o retorno da opressão política. O autor referencial para o item é Jefferson e intérpretes recentes de seu pensamento. Entre os temas analisados mediante seus comentadores constam os seguintes: República e o cidadão esclarecido; razão e esclarecimento; infância e razão; o conflito entre o caráter universal do esclarecimento e o fato da escravidão; o Estado laico.

Em resumo: a dissertação examina textos e fragmentos desses autores e comentadores que incidem sobre os temas do ideário revolucionário, das Cartas Constitucionais e da cidadania esclarecida como condição para assegurar a vitalidade da República Norte-Americana.

2

Sobre a importância de O Federalista, Velasco (1987) no prólogo que escreve para a primeira edição mexicana desse texto em 1943, observa que ele é antes de tudo um comentário da Constituição dos Estados Unidos da América. Um comentário realizado no calor dos acontecimentos e cuja importância decorre, entre outros elementos, dos seguintes fatos; dois de seus autores participaram diretamente da convenção; atuaram nos debates e escutaram as objeções apresentadas contra cada artigo. É devido a estas circunstâncias que a Suprema Corte de Justiça considera que se deve conceder um grande valor a forma como eles interpretaram a Constituição. Ver, em VELASCO, 1987, p.X- XX, comentários sobre O federalista e o contexto em que foi redigido.

(10)

1. NARRATIVA SOBRE A REVOLUÇÃO AMERICANA E AS

ORIGENS DA REPÚBLICA

A ideologia da Revolução, derivada de muitas fontes (...) era um conjunto de convicções que enfocavam o esforço para libertar o indivíduo do abuso opressivo do poder, da tirania do Estado. Mas os porta-vozes da revolução (os panfletários, ensaístas e comentaristas diversos) não eram filósofos e não formavam uma intelligentsia em separado. Eram políticos ativos, mercadores, advogados, proprietários de plantações, e pregadores (BAILYN, 2003, p.11-12).

O propósito deste item é destacar considerações do ensaio de Bailyn, sobre a revolução americana no qual ele discute documentos e questões que evidenciam a singularidade dessa Revolução. Bailyn, em sua investigação, examina o papel decisivo que a literatura produzida na América, antes e durante a revolução, desempenhou para estimular os debates políticos e a formação de ideias que foram compartilhadas pela maioria dos norte-americanos. Um de seus méritos é investigar os termos nos quais as tradições políticas clássica, iluminista, do direito consuetudinário, da teologia do convênio e do pensamento político e social radical, da época da Guerra Civil Inglesa e do período da Commonwealth, contribuíram para instaurar os elementos originais teóricos e práticos que a geração revolucionária aportou com o estabelecimento da República na América e da Carta Constitucional na qual ela se assentou.

Dos alentados estudos mediante os quais Bailyn narra a Revolução Americana e o estabelecimento da República, este item destacará sua análise dos elementos culturais, ideológicos e sociais em meio aos quais esses processos se configuraram; sua interpretação da diversidade de fontes que inspiraram os revolucionários, e, sobretudo, suas observações sobre o modo singular e original com que os americanos constituíram suas próprias ideias acerca de sua República e das Cartas Constitucionais que a ela convinham.

Bailyn (2003, p.7-10), no prefácio de seu texto, afirma que a ideologia da revolução norte-americana estabeleceu um cânone de noções e de ideias que persistiram nos séculos posteriores. Observa que tais ideias não nascem diretamente das mentes de lideres. Que, tampouco, elas são meras reproduções dos autores iluministas europeus. Tais fontes foram importantes, contudo, foi através de um longo processo de reformulação de ideias e de tradições antigas que emergiu um pensamento novo que ofereceu a base do

(11)

constitucionalismo norte-americano. Nesse processo, as influências mais relevantes foram o iluminismo europeu, o pensamento político da antiguidade, o pensamento republicano inglês do século XVII. Este último, embora reprimido pela monarquia, continuou ativo por meio de inúmeros escritores que adquiriram importância à medida que crescia a intimidação aos colonos pelo poder inglês. Eles entendiam que esta tradição de pensamento de oposição era importante para sua própria situação.

O fato é que, observa Bailyn, os revolucionários combinaram elementos dessas diferentes tradições e foram formando suas próprias ideias à medida que as crises com a Monarquia se aguçavam. Assim que, por volta de 1776, a reconstrução de forma original dessas influências já estava consolidada. Nessa época, já tinham elaborado sua própria noção de constituição; tinham também estabelecido uma original interpretação da separação dos poderes; mantinham a convicção de que os poderes da União e dos Estados poderiam ser harmonizados e que os direitos individuais deveriam ser identificados e defendidos. Eles, sobretudo, desenvolveram uma aguda consciência dos riscos do poder político e da necessidade de defender a liberdade contra seus abusos.

Bailyn (2003, p. 289-291) esquematiza a história ideológica da Revolução Norte-Americana em três distintas fases. A primeira corresponde aos anos de luta contra a Inglaterra, antes de 1776. Nessa fase, na qual os colonos justificam sua resistência à autoridade constituída pela Inglaterra, desenvolvem, a partir de suas complexas heranças de pensamento político, um conjunto de ideias as quais, ainda que de maneira difusa, já lhes eram familiares. Tais ideias eram centradas no receio da centralização do poder. Estavam arraigadas na crença de que os Estados livres eram frágeis e se degeneravam facilmente em tiranias, a menos que fossem vigilantemente protegidos por um eleitorado livre, instruído e incorrupto, funcionando por meio de instituições que equilibrassem e distribuíssem o poder, ao invés de concentrá-lo. Suas ideias eram críticas e desafiadoras à autoridade legal sob a qual tinham vivido. Os escritos desse período inicial reuniram as ideias básicas que fluiriam através de todos os estágios subsequentes do pensamento político norte-americano e estabeleceriam a base permanente das crenças políticas da nação (BAILYN, 2003, p. 289).

A segunda fase, comenta Bailyn, é a da “aplicação construtiva” dessas ideias e da exploração de suas implicações, limites e possibilidades nas várias redações das primeiras Constituições Estaduais, de 1776 até a década de 1780. Impelidos a instaurar seus governos estaduais, as lideranças se defrontam com a questão de lidar com suas crenças políticas antigas no estabelecimento das novas formas de governo republicanas adequadas às novas ideias que defendiam. Não começaram do zero porque marcados pelas instituições e noções

(12)

fortemente arraigadas frente as quais eles foram revisores, reformadores e teóricos, à medida que cotejavam as ideias novas com a legislação e estruturas existentes aproximando-as, tanto quanto possível, de seu ideal. Para tal, estudaram e compararam constituições. Discutiram: a natureza das constituições escritas; o poder constituinte; a questão da separação e equilíbrio do poderes em seus funcionamentos em um regime político republicano; a natureza da representação, o significado de soberania do povo e dos direitos individuais.

Na terceira fase (1787-1789), Bailyn inclui a redação da Constituição Nacional, o debate sobre ela, sua ratificação e suas emendas. Tal fase apresenta semelhanças com a segunda à medida que se concentrava na redação da Constituição; e também porque ideias, posteriormente aperfeiçoadas, que estavam presentes na redação e nas discussões das constituições estaduais foram aplicadas à constituição nacional. Apesar dessas semelhanças, as diferenças dessa fase eram significativas, pois, na década de 1780, estavam presentes as tensões sociais, a questão econômica, o risco do crédito público, as dificuldades em relação à política internacional e, sobretudo, a ameaça da dissolução da Confederação. Nessas circunstâncias, o objetivo principal passa a ser o estabelecimento do poder nacional que implicava, entre outras ações, a criação de organismos de segurança, de relações internacionais e de regulamentação dos aspectos essenciais à vida cotidiana da Nação. A questão então era: como conciliar as crenças pré-revolucionárias com as necessidades atuais? Os fundadores certamente não estavam a abdicar de suas ideias, até porque o debate e a luta com a Grã-Bretanha tinham ocorrido apenas há uma década. Como poderiam conciliar os compromissos originais com as necessidades e propostas radicalmente novas? Sobre esta questão, Bailyn, em um dos aspectos mais originais de seu livro, chama atenção para a imensa documentação que, apenas recentemente, tornara disponível um acesso mais amplo aos debates realizados no período da ratificação da constituição.3

Sobre essa documentação, Bailyn, no capítulo I A literatura da revolução, ao examinar as condições materiais e espirituais que favoreceram os debates em todas essas fases

3

Sobre isso, Bailyn observa: até recentemente a quantidade de documentação disponível sobre o debate da ratificação havia sido bastante pequena: quatro volumes de debates formais nas convenções das ratificações estaduais publicados por Jonathan Elliot, em 1836; dois volumes de panfletos e ensaios publicados por P.L. Ford, na década de 1890, e, sobretudo, os Federalist papers, que monopolizaram a atenção ao menos desde o aparecimento da Economic Interpretation, de Beard, em 1913; junto a isso, algumas conhecidas publicações antifederalistas disponíveis, na coleção de Cecelia Kenyon e nos cinco volumes de Herbert Storing, que incluem documentos antifederalistas de quase todos os estados e publicações de interesse passageiro, bem como escritos sistemáticos. Mas não foi até o aparecimento do primeiro dos vinte volumes planejados de The Documentary

History of the Ratification of the Constitution, que se tornou possível apreender as dimensões completas da

(13)

da revolução, chama atenção para o fato de que os americanos produziram, no espaço de uma década e meia e com um pequeno número de editoras, uma rica literatura teórica, argumentativa, opinativa e polêmica. Observa que os trinta e oito jornais que havia nas colônias, por volta de 1775, estavam repletos de colunas com argumentos e contra-argumentos que apareciam sob a forma de cartas, documentos oficiais, extratos de discursos e sermões. Além disso, em volantes e folhas individuais, eram impressos artigos em três ou quatro colunas de tipo minúsculo; ensaios de milhares de palavras apareciam em todo lugar afixados ou passando de mão em mão nas cidades de cada colônia. Almanaques, publicações rotineiras nas colônias, traziam, em colunas ocasionais, comentários políticos. Sobretudo, publicavam-se panfletos - livretos que consistiam de algumas folhas de impressão, dobradas de vários modos de forma a produzir vários tamanhos e números de páginas, e vendidos sem encadernar e sem capa (BAILYN, 2003, p.24).

No capítulo 2, ao examinar as fontes e tradições da Revolução, Bailyn observa que os anos de 1763 a 1776 marcam a história da procura e da consolidação de uma visão de mundo e do lugar no mundo ocupado pela América do Norte. Muitas ideias que constituem esta visão já estavam presentes em épocas tão remotas quanto às da colonização. Quais eram, indaga Bailyn, as fontes dessa visão de mundo? De onde, de quem derivavam tais ideias e atitudes? As fontes disponíveis revelam à primeira vista, um ecletismo geral e aparentemente indiscriminado. A julgar simplesmente a partir das citações dos colonos, observa-se que eles tinham à mão e faziam uso de uma significativa herança da tradição ocidental, de Aristóteles a Molière, de Cícero a Richard Bentley, de Virgílio a Shakespeare, Ramus, Pufendorf, Swift e Rousseau. Gostavam de exibir autoridades para seus argumentos, fazendo citações com inteira liberdade4. No período revolucionário, todos os colonos, com algum grau de educação, conheciam os autores clássicos5. Embora grande parte dos leitores dos textos da tradição

4

Sobre isso, Bailyn afirma que: por vezes, seus escritos se tornam quase submersos em notas: em certos escritos de John Dickinson, o texto desaparece completamente num mar de notas de rodapé e notas de rodapé às notas de rodapé. Mas, em última análise, essa profusão de autoridades se reduz a alguns grupos distintos de fontes e tradições intelectuais dominadas e harmonizadas num todo único pela influencia de uma vertente peculiar de pensamento, uma tradição distinta (BAILYN, op. cit., p.42).

5 Das escolas primárias, dos colleges, dos professores particulares e das leituras independentes provinha a

familiaridade com os autores clássicos e com personalidades e eventos do mundo antigo, bem como o hábito de se referir a eles. Homero, Sófocles, Platão, Eurípedes, Heródoto, Tucídides, Xenofonte, Aristóteles, Estrabão, Luciano Dion, Políbio, Plutarco e Epicteto entre os gregos; e Cícero, Horácio, Virgílio, Tácito, Lucano, Sêneca, Lívio, Nepos, Salústio, Ovídio, Lucrécio, Catão, Plínio, Juvenal Cúrcio, Marco Aurélio, Petrônio, Suetônio, César, os jurisconsultos Ulpiano e Gaio, e Justiniano, entre os romanos”- todos são mencionados na literatura revolucionária; muitos são diretamente citados. “Era realmente um panfletário obscuro aquele que não conseguia expor ao menos uma analogia clássica ou um preceito antigo” (BAILYN, op. cit., p.43).

(14)

tivesse um conhecimento superficial deles, esse não era o caso, por exemplo, de Jefferson, de John Adams e de James Otis, leitores e estudiosos desses textos. Embora, em geral, o conjunto dos leitores, extraísse citações dos clássicos, o que mais conheciam e formava a visão que tinham do mundo antigo era a história política de Roma, desde as conquistas do Oriente e das guerras civis, no início do século I a.C, até o estabelecimento do Império sobre as ruínas da República, no final do século II d.C. Os colonos que argumentavam pela causa norte-americana nas décadas de 1760 e 1770 viam suas próprias virtudes coloniais rústicas, vigorosas e eficazes desafiadas pela corrupção no centro do poder, pela ameaça de tirania e por uma constituição que ia mal. Encontraram seu ideal e, até certo ponto, sua voz em Brutus, Cássio e Cícero. A Inglaterra, escreveu Dickinson, em 1754, de Londres, é como a Roma de Salústio: “Fácil de ser comprada, se houvesse ao menos um comprador” (BAILYN, 2003, p.44).

O iluminismo europeu, por sua vez, influenciou de forma direta o pensamento da geração revolucionária. Franklin, Adams e Jefferson destacavam-se entre os muitos que citavam os clássicos do iluminismo em favor do reconhecimento legal dos direitos naturais e pelo fim das instituições e práticas associadas ao Antigo Regime. As ideias de Montesquieu e de pensadores seculares, reformadores ou críticos sociais como Voltaire, Rousseau e Beccaria eram citados em todos os lugares. Nos panfletos, citavam Locke acerca dos direitos naturais e sobre o contrato social e governamental; Montesquieu e Delome sobre o caráter da liberdade britânica e quanto aos requisitos institucionais para alcançá-la; Voltaire em relação aos males da opressão clerical; Beccaria sobre a reforma da lei criminal; Grotius, Pufendorf, Burlamaqui e Vattel a respeito do direito natural e do direito das nações e sobre os princípios do governo civil. Otis citou Locke, Rousseau e Pufendorf e criticou as ideias de autoridade política de Filmer. Josiah Quincy Junior referiu-se, com aprovação, a toda uma biblioteca de autores iluministas, entre os quais Beccaria, Rousseau, Montesquieu e Robertson; Hamilton, em debate com Samuel Seabury, recomendou que seu adversário se lançasse a alguns dos escritos de Pufendorf, de Locke, de Montesquieu e de Burlamaqui para descobrir os verdadeiros princípios da política. Enfim, citações, empréstimos respeitosos ou, pelo menos, referencias aos iluministas europeus do século XVIII estão em toda parte nos panfletos da América do Norte revolucionária (BAILYN, 2003, p. 45-46).

Bailyn observa que os escritores críticos ou mais radicais do iluminismo foram referidos tanto pelos revolucionários radicais quanto pelos conservadores. Escritores que os colonos consideravam opositores do racionalismo iluminista, principalmente Hobbes, Filmer,

(15)

Sibthorpe, Mandeville e Mainwaring, eram atacados com a mesma frequência por realistas e por patriotas; por outro lado, quase nunca, antes de 1776, Locke, Montesquieu, Vattel, Beccaria, Burlamaqui, Voltaire, ou mesmo Rousseau foram atacados. Enfim, os diversos pontos de vista, nas colônias, expostos por seus escritores evidenciam que, embora o Iluminismo europeu tenha tido uma influência mais decisiva do que a dos autores da antiguidade clássica, ela não foi única. Isso porque houve outra tradição de ideias e de escritores importantes a qual os colonos citavam com entusiasmo similar ao descuido com que referiam as ideias dos escritores dessa tradição - a do direito consuetudinário inglês. Os expoentes dessa tradição, especialmente advogados do direito consuetudinário do século XVII, eram citados na literatura colonial. Entre outros representantes dessa tradição, Sir Edward Coke, Bracton e Fortescue são mencionados como autoridades, assim como Francis Bacon, Lord Chief Justice, Sir Mathew Hale, Sir John Vaughan e Sir John Holt. Nos últimos anos do período revolucionário, os Commentaries de Blackstone e as opiniões do Chief Justice Camden tornaram-se autoridades-padrão. O direito consuetudinário, influente na formação da geração revolucionária, não determinou, por si só, as conclusões que essa geração inferiu da crise política da sua época. Otis e Hutchinson reverenciavam Coke, mas eles, diferentemente de Coke, consideravam o direito como um repositório de experiência em condutas humanas, personificando os princípios da Justiça, equidade e direitos; sobretudo, era uma forma de história constitucional e nacional; e, como tal, ajudava a explicar o movimento dos eventos e o significado do presente; como autoridade, precedente legitimador, princípio personificado e arcabouço de compreensão histórica, marcou a geração revolucionária (BAILYN, 2003, p.45-48).

Outra tradição importante que marcou a geração revolucionária originou-se do puritanismo da Nova Inglaterra e, particularmente, das ideias associadas à Teologia do Pacto. O fato é que o pensamento elaborado pelos primeiros colonos da Nova Inglaterra foi ampliado, consolidado e suavizado por uma geração de pregadores esclarecidos até que pudesse ser acolhido com pequenas variações por quase todo o espectro do protestantismo norte-americano. Essa tradição que se constituiu principalmente de fontes locais e que atraia aqueles que continuavam a entender o mundo em termos teológicos, tais como haviam feito os puritanos originais foi, em um sentido, a menos saliente nos escritos da Revolução, contudo, em outro sentido, continha as ideias mais amplas, uma vez que oferecia um contexto cósmico para os eventos cotidianos. Ou seja, os homens da revolução guardavam em suas mentes a noção - difundida nos sermões e tratados coloniais iniciais - de que a colonização da

(16)

América do Norte britânica havia sido um evento designado pela mão de Deus para satisfazer seus fins últimos. Esta noção foi revigorada no século XVIII pelos textos History of New England (1720) de Daniel Neal; History of the Puritans (1732 – 1738) e Chronological History of New England in the Form of Annals (1736), de Thomas Prince. Tal linha de pensamento, encontrada em toda parte nas colônias do século XVIII, inspirou a crença de que a América do Norte tinha um lugar especial, ainda não completamente revelado no desígnio de Deus (BAILYN, 2003, p.49).

Para Bailyn, essas fontes não ofereciam um padrão teórico coerente, nem contemplavam todos os elementos que incidiram na formação da mentalidade revolucionária. Havia entre elas, incongruências e contradições marcantes. Por exemplo, os advogados do direito consuetudinário procuravam estabelecer o direito apelando para uma tradição ininterrupta originada em tempo imemorial e presumiam que o acúmulo dos costumes herdados, continha, em si, uma sabedoria maior do que qualquer homem ou grupo de homens poderia planejar pela força da razão. Apelo estranho às noções dos racionalistas do Iluminismo, também citados pelos colonos, as quais atribuíam precisamente aos costumes, aos conceitos e às instituições estabelecidas tudo aquilo que estava oprimindo o espírito do homem; em meio a isso, eles procuravam criar, pelo poder libertador da razão, um quadro de instituições superior a herança acidental do passado. E os teólogos do convênio diferiam de ambos, ao pressupor a inabilidade última do homem para melhorar sua condição por suas próprias forças, e ao derivar os princípios da política do desígnio divino e da rede de obrigações que unem o homem redimindo a seu criador.

O que ligava essas linhas de pensamento e as moldava num todo coerente, era a influencia de outro grupo de escritores cujo pensamento coincidia, em parte, com os mencionados, contudo, distinto em suas características essenciais. Trata-se do pensamento político e social radical forjado no período da Guerra Civil Inglesa e no período da Commonwealth, cuja elaboração final ocorreu na virada do século XVII e no inicio do século XVIII, nos escritos de um grupo de prolíficos teóricos de oposição, políticos do País e publicistas. Entre os antecessores do século XVII, dessa linha de escritores radicais do século XVIII, incluem-se Milton, Harrington e Henry Neville. Os colonos identificavam-se com esses “heróis da liberdade do século XVII”, mas sentiam-se mais próximos dos escritores do início do século XVIII. Estes modificaram e ampliaram o conjunto de ideias dessas tradições e as fundiram com outras linhas contemporâneas de pensamento e, sobretudo, as aplicaram aos problemas da política inglesa do século XVIII. Trata-se dos radicais que se reuniam em

(17)

cafés, políticos de oposição, porta-vozes e setores independentes dentro do parlamento, enfim, os formuladores da política inglesa que persistiria através do século XVIII em direção ao XIX e que hoje são pouco conhecidos. Contudo, profere Bailyn, mais do que qualquer outro grupo de escritores, foram eles que formaram a geração revolucionária norte-americana (BAILYN, 2003, p.51-52).

John Trenchard e Thomas Gordon, libertários e críticos do alto clero, da política e da sociedade inglesa do século XVIII foram os publicistas mais editados, citados e mencionados na literatura de panfleto da América do Norte. Além desses “preceptores da liberdade civil” do início do século XVIII, os colonos admiravam o bispo anglicano Benjamin Hoadly, o visconde Robert Molesworth conhecido nas colônias por seu Account of Denmark (1694), em que detalhou o processo pelo qual os Estados livres sucumbiam ao absolutismo; o Visconde Henry St. John Bolingbroke que descrevia a corrupção da época e alertava para os perigos da autocracia incipiente; o filósofo escocês, Francis Hutcheson e Philip Doddridge, estavam incluídos entre os escritores dessa geração que os colonos citavam. Richard Baron reeditou, na década de 1750, as obras políticas dos escritores pioneiros e tardios dessa tradição inglesa de oposição que marcou a formação do espírito revolucionário. Na época da revolução, um grupo de escritores ingleses mais jovens renovou e ampliou estas ideias e junto com porta-vozes das colônias participaram dos debates entre ingleses e norte-americanos. Dentre eles, se destacaram Richard Price, Joseph Priestley, John Cartwrith, Catharine Macaulay, Bulstrode Whitelock, Gilbert Burnet, William Guthrie, James Ralph e Paul de Rapin-Thoyras. (BAILYN, 2003, p. 55-58).

Bailyn recorre a uma farta documentação para evidenciar quanto esta tradição crítica inglesa foi decisiva na formação do pensamento político norte-americano6. Esta influência

6

Bailyn documenta este enunciado com os seguintes fatos: O New England Courant, de James Franklin, começou a selecionar excertos das Cato’s Letters onze meses depois que a primeira delas apareceu em Londres, antes do fim de 1722, seu irmão Benjamin as havia incorporado em seus ensaios Silence Dogood. Issac Norris I, em 1721, encomendou ao seu livreiro em Londres que lhe enviasse os números avulsos de The Independent

Whig à medida que apareciam e essa coleção inteira foi reimpressa na Filadélfia em 1724 e 1740. O famoso New York Weekly Journal (1733 ss.), de John Peter Zenger, foi em seus anos iniciais uma antologia autêntica dos

escritos de Trenchard e Gordon. De fato, por volta de 1728, as Cato’s Letters já haviam se unido aos escritos de Locke, Coke, Pufendorf e Grotius para produzir um tratado norte-americano prototípico em defesa das liberdades inglesas no exterior, um material indistinguível da quantidade de publicações que apareceriam na crise revolucionária cinquenta anos mais tarde. Tão popular e influente haviam se tornado as Cato’s Letters nas colônias após uma década e meia de seu aparecimento, tão carregadas de significado ideológico que, reforçadas pela época universalmente popular de Addison – Cato – e pela leitura de tendência seletivamente Whig que os colonos faziam dos historiadores romanos, deram origem ao que poderia ser chamado de uma imagem “catônica”, central para a teoria política da época, na qual a carreira do romano semi-mitológico e as palavras dos dois jornalistas de Londres se mesclavam indistintamente. Todos os que leram a Boston Gaette, de 26 de abril de 1756, compreenderam a dupla referência – bibliográfica e histórica – pretendida por um escritor

(18)

está documentada em toda parte nos escritos dos norte-americanos do século XVIII. Às vezes é explícita, como no caso de John Adams, ao insistir contra o que considerava a opinião comum dos ingleses instruídos, que os princípios fundamentais do bom governo poderiam ser encontrados somente em “Sidney, Harrington, Locke, Milton, Trenchard, Neville, Burnet e Hoadly”; ou, quando listou os grandes pensadores políticos de 1688 mencionando Sidney, Locke, Hoadly, Trenchard, Gordon, Neville; ou, quando Josiah Quincy Junior legou ao seu filho, em 1774, as obras de Sidney, Locke, de Lord Bacon e Gordon augurando que “o espírito da liberdade pousasse sobre ele!” (BAILYN, 2003, p.60).

Independente do fato de que, na maioria dos casos, esta influência fosse implícita e os representantes do pensamento político da situação falassem com orgulho das realizações políticas e constitucionais da Inglaterra georgiana, os escritores de oposição, não menos orgulhosos dessa herança, descreviam os processos de decadência e as evidências de corrupção do presente. Eles se pronunciavam acerca das antigas virtudes, sobre a liberdade originária, o espírito público e os perigos do luxo e da corrupção. Poucos deles aceitavam a Revolução Gloriosa e o vago pragmatismo político que se seguira como a solução final para os problemas da época7. Na Inglaterra, a influência dos aspectos sombrios dos críticos radicais à época de Walpole, à exceção de certos círculos de oposição radicais e não conformistas, tiveram relativamente pouca influência política. Contudo, nas colônias da América do Norte, eles foram populares e influentes. Na América, vários fatores conferiram plausibilidade a tais

anônimo que terminou um discurso para o povo de Massachusets – conforme afirmou sem maiores explicações – “com as palavras de Catão para os proprietários da Grã-Bretanha” (BAILYN, op. cit., p.59).

7

Sobre isso, escreve Bailyn: não acreditavam que a transferência de soberania da coroa para o Parlamento oferecia uma garantia perfeita de que o indivíduo seria protegido do poder do Estado. Ignorando o alto nível de satisfação da época, exigiam vigilância contra o governo de Walpole; insistiam, numa época em que o governo demonstrava ser menos tirânico do que havia sido por duzentos anos, que era necessariamente – por sua própria natureza – hostil à liberdade humana e à felicidade; que, convenientemente, existia apenas pela tolerância das pessoas cujas necessidades servia, e que deveria ser, dissolvido – ou seja, derrubado – se tentasse exceder sua jurisdição apropriada. Era para manter a vigilância sobre o governo que defendiam as reformas políticas, não reformas sociais ou econômicas, pois esses eram radicais ingleses do século XVIII, não do século XIX ou XX, excedendo tudo que era admissível na época de Walpole, ou de fato qualquer época que se seguiu na Inglaterra até já bem avançado do século XIX. Um que outro deles argumentava a favor do sufrágio da população masculina adulta; da eliminação do sistema dos burgos pobres sua substituição por unidades regulares de representação sistematicamente relacionadas à distribuição da população; da vinculação dos representantes e seus distritos eleitorais por meio das exigências residências e por instruções; das alterações na definição de libelo sedicioso a fim de permitir plena liberdade para a imprensa criticar o governo sobre a prática da religião. A política sobre Walpole pode ter sido estável, mas eles acreditavam que a estabilidade se apoiava na corrupção sistemática do Parlamento pelo executivo que se não fosse controlado, iria corroer as bases da liberdade. Os perigos pareciam grandes, pois eles viam, conforme J.G.A.Pocock escreveu ao resumir “a visão do país da política inglesa tal como parece num grande número de escritos no meio século que seguiu 1675” (BAILYN, 2003, p.60-62).

(19)

ideias: a expansão da propriedade de terras havia criado um amplo eleitorado; a criação de novos sistemas de representação por causa do conflito entre a legislatura e o poder executivo limitou a manipulação dos grupos no poder; a multiplicidade de grupos religiosos, a necessidade de imigração e a distância dos centros europeus e da autoridade eclesiástica diminuíram a força das religiões estabelecidas.

Bailyn destaca que a base moral de uma comunidade livre de pequenos proprietários rurais independentes já existia; contudo, era real a ameaça do poder ministerial, pois perduravam, em quase todas as colônias constituídas, os ramos executivos do governo que possuíam e usavam poderes os quais, na Inglaterra, já haviam sido retirados da coroa desde a Revolução Gloriosa. Tal situação favorecia os escritos dos líderes ingleses radicais e de oposição. Escritos esses aceitos como razoáveis e relevantes, tornando-se, portanto, influente o referido grupo de escritores. Em 1735, John Peter Zenger recorreu à autoridade das Cato’s Letters, de Trenchard e Gordon. Quatro anos depois, um escritor, em Massachusetts, dirigiu uma acusação ao governador tão veemente que os tipógrafos de Boston não quiseram publicá-la; esse escritor afirmou tê-lo feito com a ajuda das Cato’s Letters, escritas sobre a causa da liberdade; em 1750, Jonathan Mayhew elabora uma justificativa para a resistência ao governo constituído, plagiando, em grande escala, um sermão de Benjamin Hoadly. De 1752-1753, Livingston e seus amigos criticam a vida pública em Nova York e o conceito de um estado privilegiado, seguindo as ideias de Trechard e Gordon. Em Massachusetts (1754), os opositores de uma lei de imposto indireto sobre a produção, o consumo e a prestação de serviços copiaram argumentos e slogans de Craftsman de Bolingbroke. Enfim, na América do Norte, a tradição que tivera origem no radicalismo do século XVII e passada adiante pelos publicistas e políticos ingleses de oposição do início do século XVIII, forneceu as bases para a oposição política e uma força harmonizadora para os elementos discordantes do pensamento político e social da geração revolucionária. Na conjuntura dessas ideias, as abstrações do Iluminismo e os precedentes do direito consuetudinário, a teoria do covenant e a analogia com a época clássica, autores diferentes poderiam ser agrupados numa teoria abrangente da política (BAILYN, 2003, p. 64-67).

(20)

2.

ARGUMENTOS EM PROL DA REPÚBLICA

Nós, o povo dos Estados Unidos, a fim de formar uma União mais perfeita, estabelecer a justiça, assegurar a tranquilidade interna, prover a defesa comum, promover o bem-estar geral, e garantir, para nós e para os nossos descendentes, os benefícios da Liberdade, promulgamos e estabelecemos esta Constituição para os Estados Unidos da América8.

Em seus argumentos a favor da República, os pais fundadores afirmam os seguintes princípios: a República, tal como concebida na América, é a melhor forma de governo para os cidadãos, uma vez que ela possibilita que eles sejam responsáveis pelos seus destinos; o sistema republicano americano requer a participação de todas as camadas da população considerada livre na elaboração das cartas constitucionais; a República propugna o ideal do cidadão esclarecido e participativo; ela garante a liberdade de crença e de opinião política. Enfim, é a melhor forma de governo porque nela o poder político não é constituído por alguns; porque ela é a forma de governo capaz de reunir, sob o regime das leis, diferentes cidadãos e as Unidades da Federação em Corpo Político.

Jefferson (1979, p.10), depois de proclamada a independência (1776) e de estabelecidas as constituições dos estados confederados e da União (1787- 1788), observa que o efeito da forma de governo se reflete na felicidade do povo; destaca ainda que a comparação das condições da América com as existentes na Europa confirmou suas convicções a respeito das virtudes superiores do governo republicano como meio de realizar a felicidade do povo. Jefferson notou os males dos governos hereditários e opressivos que incitaram o povo a rebelar-se. O remédio para tais levantes – insistiu - estava em corrigir as injustiças sofridas pelo povo, ou esclarecê-lo e educá-lo se a revolta fosse causada por uma suposta injustiça que, de fato, não existia. A punição por essa resistência ao governo não devia ser tão severa de modo a encorajar aquiescência do povo à violação de seus direitos.

Jefferson (1819), em correspondência para Isaac H. Tiffany, relaciona estreitamente Liberdade e República. Destaca que a liberdade justa é a ação livre em conformidade com

8

http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/constituicao-dos-estados-unidos-da-america-

1787.html, acessado em 05 de outubro de 2011. Universidade de São Paulo, Biblioteca Virtual de Direitos Humanos, Responsável, Profª Dr.ª Maria Luiza Marcilio.

(21)

nossa vontade dentro dos limites traçados em torno de nós pelos direitos iguais aos de outros. Jefferson observa que não utiliza a expressão “dentro dos limites da lei” porque considera que a lei é, muitas vezes, apenas a vontade do tirano, e é sempre assim quando viola o direito do indivíduo; salienta que uma República pura é um Estado de sociedade no qual todo membro de espírito maduro e são tem igual direito de participar, pessoalmente, na direção dos negócios da sociedade (JEFFERSON, 1979, p.4).

Em Notas sobre a Virgínia, quesito VIII, Jefferson afirma que toda espécie de governo tem seus princípios específicos, e os nossos talvez sejam mais peculiares que os de quaisquer outros no mundo (JEFFERSON, 1979, p.7). Em correspondência a Whythe (1786), declara suas convicções acerca do valor dos elementos de teor político, filosófico e moral presentes na opção pelo estabelecimento do regime republicano na América.

Jefferson, em 1787, após a independência americana, com palavras fortes e retóricas, em correspondência a Hawkins afirma que a desproporção dos males causados pelos reis é tão grande que nenhum rei, em vinte gerações, se comparou a um homem de bom senso. Segundo ele, se todos os males que surgem entre nós, oriundos da forma republicana de governo, de hoje até o dia do Juízo Final, pudessem ser postos numa balança contra o que este país sofre com sua forma de governo monárquico em uma semana, ou a Inglaterra em um mês, estes últimos preponderariam. (...) Nenhuma raça de reis jamais se apresentou acima de um só homem de bom senso em vinte gerações (1979, p.15). Jefferson (1788), em correspondência a George Washington, descreve os males da monarquia na Europa; afirma que não encontrou nenhuma cabeça coroada cujo talento ou cujos méritos lhe dessem direito de ser eleito pelo povo; tamanha é a incapacidade de representarem o povo que, na América, eles não seriam eleitos para conselheiros de qualquer paróquia. Seus comentários seguem:

Eu era inimigo ferrenho de monarquias antes da minha vinda à Europa. Sou dez mil vezes mais desde que vi o que elas são. Não há, dificilmente, um mal que se conheça nestes países, cuja origem não possa ser atribuída aos seus reis, nem um bem que não derive das pequenas fibras de republicanismo existente entre eles (JEFFERSON, 1979,p.16).

Em carta a David Humphreys em 1787, Jefferson observa que através dos maus exemplos da realeza é que a “jovem República” poderá apreender lições úteis, tais como, não recorrer a outras potências estrangeiras para resolver seus problemas, nem ter magistrados hereditários, mas homens escolhidos pelo povo. Assim destaca que é necessário impedir a má distribuição de riquezas entre o povo, para que não haja a desigualdade pelas diferenças de

(22)

riquezas e classes sociais, mas, pela igualdade de condições. Dos acontecimentos da Europa, a Jovem República Americana pode apreender lições importantes:

Jamais recorrer a potências estrangeiras para resolverem-lhe as divergências; resguardar-se de magistrados hereditários; impedir que os cidadãos se tornem de tal forma estabelecidos em riquezas e poder a ponto de julgarem-se dignos de aliança, pelo casamento, com sobrinhas, irmãs, etc., de reis; e, em suma, assediar o trono do céu com eternas preces, extirpar da criação esta classe de leões, tigres e mamutes humanos chamados reis, dos quais pereça aquele que não disser “livrai-nos deles, bom Deus” (JEFFERSON, 1979,p.16).

O conjunto de características da forma de governo republicano estabelecida é que deu forças aos homens da América, para fixarem os princípios republicanos constitucionais. Tanto é assim que Jefferson, em 1787, afirma que, mesmo com seus defeitos, as vantagens das Constituições Americanas são incomparáveis com as das monarquias:

Com todos os defeitos de nossas constituições, quer gerais quer particulares, comparar nossos governos com os da Europa é o mesmo que comparar o céu com o inferno. À Inglaterra, como a terra, pode-se conceder que ocupe a posição intermediária. Entretanto, tenho notícias de que há, entre vós, pessoas que julgam ter experiência (...) que os governos republicanos não satisfarão. Mandai estes cavalheiros aqui, para contarem as bênçãos da monarquia (JEFFERSON, 1979, p.16).

Em 1787, escrevendo para Randolph, Jefferson afirmava estar convencido de que as constituições americanas eram as melhores que já tinham existido em outros países (1979, p.17); que a forma de governo republicana é a única que respeita os direitos dos homens e serve de exemplo às demais nações que desejam se libertar das tiranias, Jefferson (1979, p.23). Em carta a William Hunter, em 1790, escreve:

É realmente um pensamento encorajador que, enquanto estamos assegurando os direitos de nós mesmos e de nossa posteridade, estamos apontando o caminho para as nações em luta que desejam como nós, emergir também de suas tiranias. Possam os céus auxiliar-lhes na luta e conduzi-las, como fizeram a nós, triunfantemente através dela (JEFFERSON, 1979,p.23).

Madison (1979), por sua vez, insiste que a República que estão a fundar e a defender é distinta de outros sistemas de governos anteriores mesmo que se denominem Repúblicas; que sua distinção decorre dos princípios que a constituem. No final da passagem que se segue, Madison indica quais devem ser os verdadeiros princípios e caracteres de um governo republicano:

A Holanda, em que nem uma única partícula do poder supremo é derivada do povo, chama-se, contudo uma República; e o mesmo nome se dá ao governo de Veneza, onde alguns nobres hereditários exercitam sobre a massa do povo o mais absoluto poder. A Polônia, honrada com o mesmo titulo, oferece (...) [uma] mistura de formas aristocráticas e monárquicas. Nem é com menos impropriedade que se dá o nome de República ao governo da Inglaterra, onde se encontra, na verdade, um

(23)

elemento republicano, mas onde esse elemento está combinado com a aristocracia e com a monarquia hereditárias. (...) para fixarmos o verdadeiro sentido [de um governo republicano devemos recorrer] aos princípios que servem de base às diferentes formas de governo, neste caso, diremos que governo republicano é aquele em que todos os poderes procedem direta ou indiretamente do povo e cujos administradores não gozam senão de poder temporário, a arbítrio do povo ou enquanto bem se portarem. E é da essência que não é uma só classe favorecida, mas que a maioria da sociedade tenha parte em tal governo; porque de outro modo um corpo poderoso de nobres, que exercitasse sobre o povo uma autoridade opressiva, ainda que delegada, poderia reclamar para si a honrosa denominação de República. É bastante, para que tal governo exista que os administradores do poder sejam designados direta ou indiretamente pelo povo; mas sem esta condição, sine qua nom, qualquer governo popular que se organize nos Estados Unidos, embora bem organizado e bem administrado, perderá infalivelmente todo o caráter republicano (MADISON, 1979,p.119).

Esse autor assevera que se precisasse aprovar a forma de governo republicana, bastaria evidenciar que, na República, não existem os títulos de nobreza, nem na federação, muito menos nos Estados, porque o povo não precisa de títulos de nobreza, pois ele é o detentor do poder (MADISON, 1979, p. 120).

Os argumentos em favor da República, por um lado, salientam as vantagens que esse regime apresenta para unir os diferentes Estados em uma Confederação, e por outro lado, ressaltam que as partes que compõem a República Norte-Americana devem conciliar o poder dos Estados com o da União.

Sobre isso escreve Jay:

Nada mais certo do que a indispensável necessidade de um governo; porém, não é menos certo que, para que esse governo possa ter a força necessária para obrar, é preciso que o povo sacrifique em seu favor uma parte de sua independência. (...) Ninguém até agora tinha posto em dúvida que a prosperidade do povo americano dependesse da sua união; e para este fim têm constantemente tendido os votos, as súplicas e os esforços dos nossos melhores e mais discretos concidadãos. Hoje, porém, há políticos que tratam de errônea esta opinião e que pretendem esperar da união felicidade e segurança, na divisão dos Estados em soberanias parciais. (...) esta doutrina tem muito de paradoxo; mas, (...) já conta partidários, e entre eles alguns daqueles mesmo que em outro tempo lhe haviam resistido com mais resoluta oposição. Sejam quais forem os motivos desta mudança, seria uma temeridade (...) a adoção dos novos princípios, sem que primeiro [o povo] se convencesse de que sábia e verdadeira política lhes serve de fundamento (JAY, 1979, p.90).

Jay frisa a união e as semelhanças que o povo americano revelava quando de sua formação política como Nação, bem como o sentimento dos colonos de, em sua diversidade, se unirem em uma República.

O país parece ter sido criado para o povo e o povo criado para o país; e como que se vê o empenho da Providência em embaraçar que uma herança, tão visivelmente destinada para um povo de irmãos, viesse a retalhar-se em soberanias isoladas, sem outra sociedade ou relação que a de um ciúme recíproco. Tal tem sido

(24)

até agora o sentimento unânime dos homens de todas as classes e de todas as seitas. Em todas as relações gerais não temos formado até agora mais que um povo somente; cada cidadão tem gozado por toda parte dos mesmos direitos, dos mesmos privilégios, da mesma proteção. Como um só povo fizemos a paz e a guerra; como um só povo vencemos nossos inimigos comuns; como um só povo contraímos alianças, fizemos tratados, determinamos nossas relações de interesses com as nações estrangeiras (JAY, 1979,p. 90-91).

Jefferson, em 1789, em correspondência ao Abade Arnoux, destaca a importância da qualificação e da participação dos cidadãos em todas as instâncias do governo; afirma que essa é a condição para uma administração segura e honesta dos seus poderes. No que respeita aos modos de participação do povo nos diversos poderes escreve:

[Se os cidadãos] não têm aptidão para exercer, eles mesmos, as funções do departamento executivo, têm-na para nomear a pessoa que as deva exercer. Não estão aptos para legislar (...) escolhem os legisladores. Não estão aptos para julgar questões de lei, mas têm capacidade para julgar questões de fato. (...) sabemos que juízes permanentes adquirem um esprit de corps; que, sendo conhecidos, estão sujeitos a serem tentados por suborno; (...) pelos favores, relações, espírito partidário, devoção ao Poder Executivo ou Legislativo; (...) que a opinião de doze jurados honestos dá melhor esperança de direito do que [um juiz parcial]. Deixa-se, portanto, aos jurados, se eles consideram que os juízes permanentes estão sob qualquer influência em qualquer causa, tomarem a si o encargo de julgarem a lei assim como o fato. Eles não exercem esse poder se não suspeitam da parcialidade dos juízes, e pelo exercício desse poder têm sido os mais firmes baluartes da liberdade na Inglaterra. (...) A execução das leis é mais importante que sua elaboração. É melhor, contudo, ter o povo em todos os três departamentos, onde isso seja possível (JEFFERSON, 1979,p.31).

Madison, por sua vez, entende que a intensa participação política em um governo republicano demanda que a vontade política do povo tenha cuidado com os “homens de caráter faccioso”, que usam o povo para seus projetos sinistros, atraiçoando-lhes seus interesses. Embora Madison defenda a República Confederada, não desconhece o fato de que em uma República menor é mais difícil que o povo seja governado pelas intrigas de poucos. Contudo, é preciso considerar que o resultado pode ser outro e não esquecer que:

Homens de caráter faccioso, cheios de prejuízos, filhos de circunstâncias locais ou de projetos sinistros podem, por intriga, por corrupção e por outros meios ainda, obter os votos do povo e atraiçoar-lhe depois os interesses. Reduz-se, pois, a questão a saber se a grandeza ou a pequenez das Repúblicas é mais favorável à eleição dos melhores defensores do bem público: duas considerações sem resposta fazem que a decisão seja a favor da primeira. Por pouco extensa que seja uma República, cumpre que seus representantes sejam em número tão elevado que não haja perigo de virem a ser governados pelas intrigas de poucos; e, por muito vasta que seja, não devem ser tão numerosos que possa nascer a confusão inseparável da multidão. Logo, visto que, em ambos os casos, o número dos representantes não segue o dos constituintes, mas é proporcionalmente maior nas Repúblicas pequenas, segue-se que, se os talentos e as virtudes estão igualmente distribuídos nestas e nas

(25)

maiores, haverá nas segundas maior numero de pessoas elegíveis e, por conseguinte, maior probabilidade de fazer uma boa escolha (MADISON, 1979, p. 98).

Ao defender a República Federalista, Madison argumenta que a vantagem de uma República federativa sobre uma democracia para corrigir as ações das facções é similar a de uma República maior sobre uma República menor, ou vantagem que uma união de Repúblicas tem sobre os Estados que a compõem. Assim que tanto a extensão quanto a sábia organização da União se oferecem como remédios contra os males a que está sujeito um governo republicano; um remédio tirado da própria natureza desse governo e, portanto, quanto maiores forem a satisfação e o orgulho que devem inspirar-nos o nome de republicanos, tanto maior deve ser o zelo com que devemos sustentar e conservar o título de confederados (MADISON, 1979, p. 100).

Todos os defensores da República, entre eles Madison, destacam que tanto uma pequena República quanto uma República Confederada encontram no Regime Republicano uma solução aos conflitos entre as facções e maioria:

Quando uma facção não compreende a maioria, o remédio existe no mesmo princípio do governo republicano que dá à maioria os meios de destruir os projetos sinistros da facção por uma votação regular. Pode talvez o partido faccioso embaraçar a administração, pode fazer tremer o Estado; mas não pode executar nem cobrir as suas violências com formas constitucionais. Mas, quando a maioria toma parte numa facção, a forma do governo popular pode dar-lhe os meios de sacrificar às suas paixões ou interesses o bem público e os direitos dos outros cidadãos. Defender o bem público e os direitos individuais dos perigos de uma tal facção, ficando salvos em todo o caso espírito e forma do governo popular, deve ser o principal objeto das nossas indagações, e esta condição, sine qua non , é a única que pode vingar esta forma de governo do desprezo em que tinha caído e assegurar-lhe a estima e a adoção do gênero humano (MADISON, 1979, p 97).

Jay expõe sua convicção de que existe uma íntima ligação entre as diferentes partes da América situadas em um vasto território e a luta comum pela liberdade, que há uma afinidade entre essas partes em um governo republicano, enfim os habitantes desse território:

... afeiçoados aos mesmos princípios de governo (...) pelejando cruas pelejas em uma guerra de morte, compraram a preço de sangue a liberdade comum. (JAY, 1979,p. 91).

Exige o gênio republicano que não somente o poder emane sempre do povo, mas que aqueles a quem o poder é confiado estejam sempre na dependência do povo, quer pela curta

(26)

duração dos seus cargos e quer pelo grande número de depositários do poder público: por outra parte, a estabilidade e a energia do governo exigem a prolongação do poder e a sua execução por uma pessoa somente (MADISON, 1979, p.115).

A primeira questão que naturalmente se oferece é saber se a forma de governo que se nos propõe é fundada sobre princípios republicanos; porque, sendo qualquer outra forma de governo incompatível com o caráter do povo da América, com os princípios fundamentais da revolução e com esta nobre determinação que anima todos os amigos da liberdade, fundadas nas nossas experiências políticas sobre a capacidade do gênero humano para se governar a si mesmo, se o plano da Convenção não tem todos os caracteres de uma verdadeira República, é preciso abandonar para sempre uma causa impossível de defender (MADISON, 1979, p.119).

Os republicanos, desde o início, estiveram conscientes de que tinham criado uma nova forma de governo republicana, e que as vantagens da República sobre outras formas de governo deveriam ser divulgadas para todo o mundo. Jefferson, sobretudo, em suas atividades, atuou como representante do governo Americano na França, um defensor e divulgador do conjunto de princípios novos que configuram a República Americana, entre eles, a liberdade de crença e de opinião. É o que escreve na carta para White em 1787:

Nosso ato para a Liberdade de Religião está sendo extremamente aplaudido. Os embaixadores e ministros das várias nações da Europa, residentes nesta Corte, pediram-me cópias dele para enviá-las a seus soberanos, e ele foi inserido em todo o seu teor em vários livros agora no prelo, entre outros na

Encyclopédie. (...) Se todos os soberanos da Europa se dispusessem a trabalhar para

emancipar o espírito dos súditos da ignorância e dos preconceitos atuais, e isso com o mesmo zelo com que se esforçam ao contrário, um milênio não os colocaria no mesmo alto nível que é o ponto de partida de nosso povo. (...) Se alguém julga que reis, nobres ou sacerdotes são bons conservadores da felicidade pública, que venham para cá. É a melhor escola no mundo para curá-lo dessa loucura. Verá, com os próprios olhos, que essas classes de homens constituem uma ameaça à felicidade da massa do povo. A onipotência de seu feito só se prova melhor neste país em particular, onde, não obstante o mais belo solo sobre a terra, o mais belo clima sob o céu e o povo mais benevolente, o mais alegre e amável caráter de que é suscetível a forma humana – onde tal povo, digo, cercado de tantas bênçãos da natureza, se acha oprimido de misérias pelos reis, nobres e sacerdotes, e por eles somente o povo pode proteger-nos contra esses males, e que o tributo a ser pago para esse fim não é mais que a milionésima parte do que será pago a reis, sacerdotes e nobres que se erguerão entre nós se deixarmos o povo na ignorância (JEFFERSON, 1979, p.12).

Enfim, nessa passagem, como ele e outros republicanos o fizeram, Jefferson destaca que, de um ponto vista político e moral, a vantagem da República que fundaram é ela estar assentada em uma constituição e em um poder emanado de um povo esclarecido, sabedor de que não há fundamento mais seguro para a preservação da sua liberdade e da sua felicidade, do que a participação do povo.

(27)

3. REPÚBLICA E CONSTITUIÇÃO

Qualquer que seja a veneração que possa ser alimentada em relação ao grupo de homens que formaram nossa Constituição, o sentido desse grupo nunca poderia ser encarado como guia oracular na explicação da Constituição. Da maneira como o instrumento veio deles não era nada mais do que o esboço de um plano, nada além de uma carta morta, até que a vida e a validade lhe foram insufladas pela voz do povo, falando através de várias Convenções Estaduais. Se formos procurar, portanto, o significado do instrumento além da superfície do instrumento, devemos procurar por ele, não na convenção Geral, que propôs, mas nas Convenções Estaduais, que aceitaram e ratificaram a Constituição (MADISON (1976), apud BAILYN, 2003, p.287).

O vigoroso conjunto de ideias (...) políticas que formou as origens e o desenvolvimento inicial da Revolução não morreu com a Constituição (...). A Constituição criou um governo central (...), com poderes que serviam particularmente bem certos grupos econômicos e esse novo governo poderia ser visto, como (...) o tipo de poder arbitrário, absoluto e concentrado que a Revolução pretendera destruir. Mas de fato, (...) cedo ou tarde todos perceberam, especialmente quando a Declaração de Direitos estava em vigor, que ele não era um poder arbitrário (BAILYN, 2003,p.13-14).

Neste item designado por República e Constituição são examinados fragmentos de Madison, Hamilton e Jay sobre a questão da garantia e da limitação constitucional das ações dos governantes e cidadãos; e, sobre a separação dos poderes como característica da forma de governo da República Norte-Americana. Além dos textos desses autores que compõem O Federalista, é explorado o comentário de Bailyn sobre a constituição que encerra seu livro As origens ideológicas da Revolução Americana; de Arendt, é destacada sua análise das experiências dos tempos iniciais da colonização e das relações com um governo constitucional. Relações essas que, por um lado, favoreceram o estabelecimento de uma forma de governo distanciada dos modelos europeus de soberania e, por outro, a compreensão de que esta nova forma de poder deveria delimitá-lo, mas jamais coibir seu exercício.

O governo republicano da América propugnou uma constituição justa e baseada em um governo das leis feitas para o povo e pelo povo. Apoiado nisso, Hamilton argumenta que liberdade sem vigor de governo não é possível manter-se. Por isso cabe ao governo executar as leis estabelecidas pela República. Sobre isso, lembra que raro o “nobre entusiasmo da liberdade” aparece mesclado com desconfianças mesquinhas contra o governo. Nesses casos, torna-se difícil manter os interesses republicanos.

Defender a necessidade de um governo enérgico e eficaz será tido por espírito de despotismo e por desvio dos princípios da liberdade; o demasiado estremecimento pela conservação dos direitos do povo (defeito de entendimento mais vezes que de vontade) será interpretado como intenção de usurpar grande popularidade à custa do bem comum. Por uma parte, há de haver quem se esqueça

Referências

Documentos relacionados