JOÃO LUIZ LEMOS
SÍNDROME EPILÉPTICA RELACIONADA À INFECÇÃO
FEBRIL: PRIMEIRO RELATO DE CASO NO BRASIL
Trabalho apresentado à Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito para a conclusão do Curso de Graduação em Medicina.
Florianópolis
Universidade Federal de Santa Catarina 2019
JOÃO LUIZ LEMOS
SÍNDROME EPILÉPTICA RELACIONADA À INFECÇÃO
FEBRIL: PRIMEIRO RELATO DE CASO NO BRASIL
Trabalho apresentado à Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito para a conclusão do Curso de Graduação em Medicina.
Presidente do Colegiado: Prof. Dr. Aroldo Prohmann de Carvalho
Professor Orientador: Profa. Dra. Nilzete Liberato Bresolin
Florianópolis
Universidade Federal de Santa Catarina
AGRADECIMENTOS
Como primeiro agradecimento da finalização deste trabalho e curso, dedico este momento a Deus e à minha família, que se mantiveram comigo desde o início deste e de todos os ciclos da minha vida, e que, em diversos momentos, foram os alicerces para suporte das adversidades do percurso, sendo os maiores motivos de alegria da minha vida.
Após este, gostaria de registrar a eterna gratidão à minha orientadora, Dra. Nilzete Bresolin, pela serenidade e paciência com este falho acadêmico de medicina na construção deste trabalho. Em segundo, mas não menos importante, agradeço à Dra. Gabriela Gondin por todo o suporte neste projeto, cuja participação foi de fundamental importância para que chegasse a este ponto. Da mesma forma, agradeço a todos os professores que fizeram parte de alguma forma da minha formação, do ensino básico ao superior. Em tempos de tamanha desvalorização desta profissão e pequeno acesso a oportunidades em nosso país, poucos tem a sorte de encontrar o magnífico suporte que me foi proporcionado até hoje.
Aos meus amigos, palavras não são necessárias para descrever a importância de todos nas mais diversas situações da minha vida. Seja no ombro que assiste durante as dificuldades, no passe dado durante o jogo ou no litro de cerveja dividido para superar as mesmas, a participação de todos foi essencial desde o início deste longo caminho, iniciado há anos no cursinho, e continuará sendo, se Deus assim desejar.
Para finalizar, pessoas vão e vem em nossas vidas, cada qual com seu tempo e
importância, ajudando a construir cada pequena parte que constrói nosso “eu” durante a vida. Assim, devemos valorizar e aproveitar cada momento ao lado delas durante o decorrer desta, pois, por mais breve que seja o sopro de alguém na nossa vida, carregaremos este até o fim. Portanto, queria agradecer a todos que fizeram parte deste momento da minha vida e, particularmente, a alguém que permaneceu durante quase todo este período ao meu lado. Muito obrigado por tudo, e mais do que tudo.
RESUMO
Com início súbito, evolução progressiva e prognóstico bastante reservado, a síndrome epiléptica relacionada à infecção febril (FIRES) ainda representa um desafio diagnóstico e terapêutico para a neurologia pediátrica, principalmente pelo prolongado e refratário estado epiléptico, apesar das diversas modalidades terapêuticas empregadas. Tendo como principal modificador prognóstico da doença o início precoce de terapias adjuvantes, a falta de estudos multicêntricos e a longo prazo acerca desta síndrome ainda dificulta melhores desfechos para os pacientes, devido ao retardo diagnóstico e terapêutico, já que ainda não foram identificados testes diagnósticos ou alterações de neuroimagem específicos desta condição. Este trabalho apresenta uma breve revisão bibliográfica acerca da síndrome e um relato de caso de um escolar de 9 anos, do diagnóstico de FIRES ao manejo do estado epiléptico refratário, após o insucesso das principais opções terapêuticas, incluindo a dieta cetogênica, obtendo-se sucesso somente após a introdução de cannabidiol. A pesquisa da literatura foi baseada na base de dados do PubMed, Medline.
ABSTRACT
With sudden onset, progressive evolution, and very poor prognosis, febrile infection-related epileptic syndrome (FIRES) still represents a diagnostic and therapeutic challenge for pediatric neurology, mainly due to the prolonged refractory status epilepticus, despite the var-ious therapeutic modalities employed. As the main prognostic modifier of the disease is the early initiation of adjuvant therapies, the lack of multicenter and long-term studies on this syndrome hinders better outcomes for patients due to the diagnostic and therapeutic delay, as diagnostic tests have not yet been identified or neuroimaging findings specific to this condi-tion. This study presents a brief literature review about the syndrome and a case report of a 9-year-old student, from the diagnosis of FIRES to the management of refractory epileptic con-dition, after the failure of the main therapeutic options, including ketogenic diet, with success only after the introduction of cannabidiol. The literature review was based on the PubMed, Medline database.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CK Creatinofosfoquinase
EEG Eletroencefalograma
FIRES Síndrome Epiléptica Relacionada à Infecção Febril
LCR Líquido cefalorraquidiano
NORSE Estado Epiléptico Refratário de Início Recente
SUMÁRIO
RESUMO ………...………...………….. iv ABSTRACT ………...………... v 1. INTRODUÇÃO ………...…………. 1 2. RELATO DE CASO ………...………..… 2 3. DISCUSSÃO ……….………. 4 REFERÊNCIAS ………...………. 10 NORMAS ADOTADAS ………...……. 12 ANEXO A ………...……… 131. INTRODUÇÃO
Habitualmente, as causas de "status epilépticos" são facilmente identificadas, sendo necessário apenas uma análise cuidadosa da história, exames neurológicos e testes laboratoriais a fim de diagnosticar as causas mais comuns. Entretanto, 20% dos pacientes não
se beneficiam das estratégias iniciais, sendo então levantados diagnósticos não tão comuns1.
FIRES, o acrônimo em inglês para síndrome de epilepsia relacionada à infecção febril, é uma condição caracterizada por crises epilépticas e encefalopatia, a qual afeta indivíduos previamente hígidos. As crises epilépticas são precedidas de infecção febril 1 a 14 dias antes, com ou sem febre no momento das crises. As convulsões se agravam rapidamente, transformando-se em um estado epiléptico refratário e prolongado, persistente por semanas ou meses, evoluindo com déficit na função cognitiva1–6
Não existe agente etiológico, infeccioso, metabólico ou genético identificado até o momento. Investigações permanecem negativas: LCR inespecífico, anticorpos (inclusive de receptores) negativos, cultivando o conceito de encefalopatia em vez de encefalite. No EEG entre as convulsões, ocorrem descargas focais em todo o cérebro, principalmente em região temporal e frontal. A RNM precoce pode ser decepcionante, dentro da normalidade na maioria das vezes1–3,5–7
O diagnóstico precoce é muito importante, sendo ele essencialmente clínico, afinal não há marcadores biológicos ou testes disponíveis. O quadro clínico persiste geralmente independente ao esquema antiepiléptico convencional. Dieta cetogênica, quando iniciada precocemente, parece representar o tratamento mais eficaz e promissor. Outros tipos de tratamento vem sendo propostos em diferentes centros, todos ainda pouco eficazes e em discussão na literatura. Com taxa de mortalidade de até 30% e epilepsia refratária no acompanhamento, muitas vezes imediatamente após a fase aguda, apresenta prognóstico muito reservado, com desenvolvimento de retardo mental em 66 – 100%. Os sobreviventes com nível cognitivo normal geralmente apresentam dificuldades de aprendizagem, sendo uma minoria isenta de sequelas neurológicas2–5,7
No presente caso, mostramos a importância do diagnóstico de FIRES como etiologia de um estado epiléptico refratário. Além disso, desejamos compartilhar nossa
experiência ineficaz no tratamento com dieta cetogênica e positiva com o uso de Cannabidiol em um paciente de 9 anos com diagnóstico de FIRES.
2. RELATO DE CASO
Criança de 9 anos, sexo masculino, deu entrada na unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital Infantil Joana de Gusmão em Florianópolis, transferida de outro hospital, para investigação de crises convulsivas de difícil controle.
Paciente previamente hígido, sem antecedentes pessoais importantes, iniciou com febre por um período de 4 dias, evoluindo com hipoatividade e sonolência. Após diagnóstico de faringoamigdalite bacteriana, foi prescrito Amoxicilina. Durante o uso do antibiótico, iniciou com crises epilépticas caracterizadas por crises generalizadas tônico-clônicas com duração aproximada de 5 a 10 minutos, com sonolência pós-ictal. Alguns episódios apresentavam um início focal com clonia de membro superior direito. As crises eram inicialmente esporádicas e breves, evoluindo nos dias subsequentes com aumento da frequência e duração destas, até serem contínuas por cerca de 2 semanas. Fez uso de diversas terapias anticonvulsivantes: Fenobarbital, Topiramato, Fenitoína, Acido Valproico, Clobazam, Midazolam e coma barbitúrico com Tiopental.
Em EEG da cidade de origem, 16 dias antes da admissão, sob efeito de Midazolam e Tiopental, apresentava padrão de surto-supressão menores que 1 segundo intercalados por inatividade elétrica. Na RNM de encéfalo, realizada no mesmo dia, evidenciou-se hipersinal simétrico nos tálamos e discreto hipersinal nos hipocampos de maneira mais evidente à esquerda, sem evidência de realce ao contraste. Notou-se também restrição à difusão do córtex parietoccipital bilateral. O exame do líquor foi normal, incluindo sorologias para Herpes 1 e 2 com IgM não reagente. Transaminases e CPK dentro da normalidade.
Permaneceu com febre durante quase todo período de permanência em Criciúma, apresentando-se sem crises convulsivas ou febre durante a primeira semana de internação em nosso hospital. Na avaliação clínica de entrada encontrava-se em regular estado geral, hemodinamicamente estável e com necessidade de ventilação mecânica. Ao exame neurológico apresentava abertura ocular ao estimulo doloroso, retirada de membro a dor e com sons incompreensíveis (Glasgow 8). As pupilas estavam isocóricas e fotorreagentes, sem sinais meningeos, sem crises convulsivas clínicas no momento. Aparelho cardiorespiratório e abdominal sem alterações ao exame.
Como já recebera Imunoglobulina durante 5 dias, bem como Aciclovir no hospital de origem, foi iniciada pulsoterapia com Metilprednisolona (dose de 30mg/kg/dia), além de manter Fenitoína e Fenobarbital, e suspender Ácido Valproico, Topiramato e gradualmente os benzodiazepínicos.
Com 24 horas de internação na UTI, paciente permaneceu estável da parte hemodinâmica sem uso de drogas vasoativas, conectado ao respirador com parâmetros baixos, porém seu quadro neurológico voltou a piorar com retorno da febre e crises convulsivas refratárias. Realizado EEG, no dia 13/08/19, que juntamente ao quadro clínico, permitiu o diagnóstico de FIRES ou síndrome epilética relacionada a infecção febril. Assim, foi suspenso Aciclovir após 15 dias de tratamento, mantido corticoide e orientado iniciar dieta cetogênica.
Manteve-se com febre e estado de mal epiléptico com crises convulsivas generalizadas subentrantes, cerca de 50 episódios por dia, mesmo com esquemas amplos de anticonvulsivantes. No terceiro dia de dieta cetogênica desenvolveu pancreatite por aumento de triglicerídeos. Após melhora dos marcadores laboratoriais optou-se por reintrodução da dieta cetogênica, novamente sem sucesso devido a piora laboratorial com novo aumento dos triglicerídeos e necessidade de suspensão da mesma.
Após introdução de Cannabidiol em dose baixa, apresentou boa resposta clínica com redução gradual das crises convulsivas nos meses subsequentes, com redução da duração e frequência, apresentando aproximadamente 30 crises no dia. Após 1 mês de tratamento, iniciou com crises rápidas e focais, perceptíveis pela equipe até 10 a 20 vezes ao dia, onde foi ajustado medicamentos em uso para: Cannabidiol, Clobazam, Clorpromazina, Fenitoína e Fenobarbital. Houve importante melhora do paciente com possibilidade de saída da ventilação mecânica e alta para acompanhamento na enfermaria do hospital.
Durante os 3 meses de internação, desenvolveu diversos quadros infecciosos, além de necessitar de cistostomia (devido à trauma uretral), traqueostomia e gastrostomia. Permaneceu internado durante 89 dias em nosso hospital sendo então repatriado à sua cidade natal. Foi orientado a manter uso diário dos medicamentos anticonvulsivantes e acompanhamento com equipe multidisciplinar a nível ambulatorial.
3. DISCUSSÃO
Descrita por variadas terminologias ao longo dos anos, a síndrome epiléptica relacionada à infecção febril (FIRES) é caracterizada por uma epilepsia refratária e catastrófica, de início recente em crianças previamente hígidas, com alto grau de
morbimortalidade subsequente, e que ainda permanece com indefinições etiológicas e de
tratamento5. Nosso caso apresenta a evolução de um escolar de 9 anos em um estado
epiléptico de difícil controle, mesmo em uso de diversos anticonvulsivantes e coma induzido com barbitúrico, sendo necessárias outras modalidades de tratamento, como dieta cetogênica e cannabidiol, na tentativa de desmame da ventilação mecânica e melhora do quadro
neurológico.
Denominada assim inicialmente por Van Baalen em 20108, a síndrome FIRES foi
nomeada de diversas formas até este estudo: encefalite aguda com crises parciais refratárias e repetitivas, estado grave epiléptico refratário devido à encefalite presumida, encefalopatia epiléptica devastadora em escolares, epilepsia focal refratária na infância após encefalopatia
febril aguda, entre outros8,9. Após o último consenso, esta entidade foi definida como uma
subcategoria do estado epiléptico refratário de início recente (NORSE), onde este estado epiléptico é precedido por uma infecção febril, com febre antecedendo em 2 semanas a 24 horas a primeira crise epiléptica, sendo descartadas causas estruturais, tóxicas ou metabólicas
agudas, caracterizando a FIRES1,9,10,14, assim como apresentado neste caso. Por apresentar
febre dentro das 24 horas prévias à convulsão, o estado epiléptico febril, importante diagnóstico diferencial, está excluído da atual definição4.
Ainda que possa ocorrer, segundo o novo consenso, em todas as faixas etárias, estima-se a prevalência desta síndrome em 1 a cada 1.000.000 crianças, com predomínio masculino e
pico de prevalência entre 4 e 9 anos, não ocorrendo predisposição genética11. Esta condição
geralmente possui como fator precedente uma infecção de vias aéreas superiores9,10,12, assim
como no presente caso. Apesar dos indícios de envolvimento do mecanismo imune associado à infecção febril em indivíduos predispostos, a pesquisa por autoanticorpos específicos
Os mecanismos fisiopatológicos ainda permanecem incertos4. Estudos recentes, aliados a relatos de sucesso na melhora do quadro neurológico a curto e longo prazo com o uso de esteroides intravenosos e Anakinra, uma versão recombinante do antagonista humano do receptor de IL-1, sugerem papel importante da neuroinflamação na epileptogênese e sequelas neurológicas, através da liberação de citocinas e quimiocinas no SNC, como IL-1, IL-6, IL-8, TNF-alfa 13,15,16. Estas citocinas inflamatórias identificadas nas análises do LCR nestes estudos têm importantes propriedades ictogênicas, como redução do limiar convulsivo
e aumento da excitabilidade neuronal, atuando também como neuromoduladores.15 Nestes
estudos, associou-se ao Anakinra uma melhora no controle das crises convulsivas e saída do estado epiléptico, além de redução da mortalidade e sequelas neurológicas a longo prazo4,13,16. Estes resultados corroboram com a existência de um ciclo vicioso entre neuroinflamação e convulsões, podendo produzir a longo prazo lesões focais permanentes e atrofia cerebral
progressiva, conforme a perpetuação deste estado de hiperexcitabilidade neuronal15,16.
Anakinra não foi utilizado no presente caso.
Devido à ausência de testes específicos, o diagnóstico tem como alicerce o quadro e evolução clínica, além de alterações inespecíficas laboratoriais e de imagem sendo, pois, clínico e de exclusão. Faz-se necessária a exclusão de causas infecciosas, metabólicas, tóxicas e autoimunes de maior prevalência, principalmente as passíveis tratamento específico4,14. Durante a fase aguda, cuja duração varia de dias a meses, os pacientes experimentam, de forma geral, convulsões recorrentes e refratárias a altas doses de anticonvulsivantes, assim como exposto no caso, não sendo incomum superar as 50 convulsões apresentadas pelo nosso
paciente, podendo alcançar 100 episódios por dia11. Os pacientes geralmente evoluem dentro
de 24 horas para estado epiléptico prolongado e refratário. Convulsões e estado epiléptico predominam nesta fase, ocorrendo desaparecimento da febre durante as primeiras convulsões. O padrão convulsivo desta síndrome é variável, sendo principalmente focal ou
secundariamente generalizado, com relevante estado pós-ictal4. Não há registro das
manifestações inicias do caso apresentado, por ter sido encaminhado ao serviço após manejo inicial das convulsões. Devido ao grande número de condições que associam febre e
convulsão em crianças, é imprescindível o diagnóstico diferencial com estado epiléptico febril e doenças genéticas associadas à epilepsia induzida por febre (relacionadas a SCN1A,
desencadeantes na epileptogênese das diferentes encefalopatias.
Por não apresentar autoanticorpos específicos ou testes genéticos determinantes, os exames laboratoriais na FIRES tem como função a exclusão de causas mais prevalentes, apresentando somente alterações inespecíficas. A análise do LCR geralmente apresenta somente pleocitose moderada, tendo negatividade confirmada para infecções virais ou
autoimunidade4,14, assim como exposto no caso.
Ainda que limitado na diferenciação de FIRES e encefalopatia autoimune, o
Eletroencefalograma (EEG) é de extrema importância durante a fase aguda, principalmente por avaliar o nível de sedação e identificar um estado epiléptico não convulsivo. Utilizado no monitoramento, é eficaz no registro de crises explosivas em alta frequência (subclínicas, em sua maioria), corroborando com o diagnóstico e permitindo a introdução de outras terapias mais precocemente16,17.
Apesar da baixa especificidade, a utilização da neuroimagem representa um dos
alicerces diagnósticos para esta síndrome, principalmente na exclusão de encefalites ou causas estruturais (AVE, má formações ou neoplasias), além de auxiliar na determinação
prognóstica12 . Nosso paciente apresentou inicialmente uma ressonância magnética de crânio
sem alterações, sendo condizente com os casos descritos até o momento na literatura. Posto que o lobo temporal é a principal área afetada, a maioria das RNM não apresentam alterações inicialmente. Descrita em estudos prévios, a progressão da síndrome neste exame é gradual, podendo desenvolver atrofia cerebral ao longo dos primeiros meses (preferencialmente
hipocampal), e em menor proporção, perda de volume cerebelar no primeiro ano. Pode também ser observado hipersinal em região temporal (mais comum), ínsula e gânglios da
base7,12. Não houve registro de novas ressonâncias neste hospital.
Posto a ausência de tratamento específico para a síndrome, as terapias alternativas utilizadas para o controle convulsivo na síndrome constituem os principais fatores
modificadores do prognóstico desta síndrome, tendo em vista a importância do ciclo neuroinflamação-convulsões, com pior prognóstico associado a um maior período
convulsivo10. Como já citado, anticonvulsivantes e coma induzido, opções terapêuticas de
primeira linha em estados epilépticos refratários, têm baixa eficácia, sendo frequentemente necessária a introdução de terapias adjuvantes, mesmo não tendo sua eficácia comprovada por grandes estudos4,14,17. Vale destacar a provável relação da duração do uso de anestésicos e
múltiplos anticonvulsivantes com pior prognóstico cognitivo e motor2,9. A imunomodulação
também é uma opção frequentemente utilizada, apesar dos pobres índices de benefícios descritos na literatura, assim como no caso4,9,14.
Talvez a terapia adjuvante com maior comprovação de benefício, a dieta cetogênica foi considerada opção efetiva para tratamento de FIRES pelo Grupo Internacional de Dieta Cetogênica, em 2018, ainda que não tenha seu mecanismo fisiológico bem definido até os
dias de hoje17. Com benefícios apresentados a curto e longo prazo, acredita-se que, além do
seu potencial antiepiléptico, tenha ação anti-inflamatória e neuroprotetora, sendo
recomendada sua introdução a partir do segundo dia de estado epiléptico superrefratário4,14,17. Uma de suas complicações é justamente a apresentada neste caso, pancreatite aguda causada por hipertrigliceridemia, demandando sua interrupção após poucos dias de sua introdução. Não houve indícios de benefícios no curto tempo utilizada.
O cannabidiol é outra terapia auxiliar com relatos favoráveis na literatura. Apesar das limitações na magnificação da efetividade do seu uso para controle do estado epiléptico refratário do nosso paciente, é inquestionável sua importância no sucesso do desmame da ventilação mecânica e alta da enfermaria, considerando o momento da introdução da mesma (sem outras novas terapias introduzidas) e a melhora registrada após poucos dias dela. Esta droga é outro pilar das terapias adjuvantes com maiores relatos de benefícios, atuando na
redução do glutamato e transmissão GABA-sináptica de ácido aminobutírico no cérebro4,14,18.
Apesar de não administrado no caso exposto, o Anakinra, conforme já descrito, também constitui uma das principais alternativas disponíveis no arsenal terapêutico para
controle do estado epiléptico refratário, tendo benefício relatado e importante melhora prognóstica, além de boa tolerância a altas doses (não evitando, no entanto, a atrofia cerebral difusa)13,16. A hipotermia terapêutica e a estimulação do nervo vago são alternativas
potencialmente eficazes para controle do estado epiléptico refratário nas fases aguda e crônica, respectivamente, assim como descrito em outras etiologias epilépticas. Além destas, outras terapias com uso relatado em pequenas séries (tocilizumabe, tacrolimus, sulfato de magnésio intravenoso e rituximabe) também foram avaliadas em estudos prévios para melhor controle do estado epiléptico e prognóstico, sem, contudo, apresentarem benefícios claros1,4,19. Na figura abaixo (figura 2), são ilustrados os principais medicamentos e as respectivas doses utilizadas no manejo agudo de estado epiléptico refratário (NORSE e FIRES).
Mesmo com a taxa de mortalidade de até 30% durante a fase aguda, os sobreviventes
permanecem com péssimo prognóstico4,7,14. Segundo estudos recentes, cerca de 66-100% dos
pacientes apresentaram sequelas neurológicas a longo prazo (epilepsia refratária e deficiência cognitiva ou motora), com chances ínfimas de não apresentarem atraso do desenvolvimento neuropsicomotor no futuro. Apesar do controle do estado epiléptico e recorrência das crises, as opções terapêuticas não impedem o desfecho desfavorável neurológico a longo prazo,
representadas na neuroimagem pela atrofia cerebral difusa4,9,20. Após a alta do paciente
relatado, não foi possível o acesso às informações do acompanhamento ambulatorial deste. Em conclusão, a síndrome FIRES ainda representa um desafio na neurologia pediátrica, devido à sua etiologia ainda indefinida e seu prognóstico reservado. O início da terapia precoce já foi comprovadamente associado a menor sequelas cognitivas e motoras, mas a dificuldade de identificar os mecanismos fisiopatológicos e a falta de estratificação do tratamento ainda não permitem sua otimização e melhores resultados a longo prazo. Fazem-se necessários estudos multicêntricos a fim de esclarecer a fisiopatologia desta condição, além de determinar eficácia, dose e tolerância das drogas utilizadas, visto que, apesar de ser uma condição rara, apresenta altas taxas de morbimortalidade, com sequelas neurológicas progressivas.
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NORMAS ADOTADAS
Este trabalho foi realizado seguindo a normatização para trabalhos de conclusão do Curso de Graduação em Medicina, aprovada em reunião do Colegiado do Curso de Graduação em Medicina da Universidade Federal de Santa Catarina, em 16 de junho de 2011.