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Negócios em Projeção, volume 8, número 1, ano 2017, Página | 88

A influência do meio social: trabalho e uso de

substâncias psicoativas

Kelma Jaqueline Soares

Resumo: A relação entre e trabalho e o uso de substâncias psicoativas é um tema investigado por distintas áreas do saber e que se inscreve no campo temático dos adoecimentos mentais relacionados ao trabalho. No escopo da psicologia social, o conceito de atitudes apresenta-se central para estudos teóricos ou empíricos. Entende-se atitudes como respostas avaliativas gerais sobre objetos e conhecimentos duradouros que ficam registrados para os indivíduos. O objetivo deste artigo foi o de sistematizar o conceito de atitude e apresentar breve estado da arte sobre a referida relação. O ponto de partida foi a discussão desse conceito e posteriormente foram apresentados os principais resultados desse levantamento bibliográfico em bases científicas nacionais (Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD), SciELO (Scientific Electronic Library Online) e Portal Periódicos da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e em alguns periódicos internacionais (Journal of Applied Social Psychology, Journal of applied psychology: an international review, Annual Review of Psychology). Como resultados obtidos, observa-se poucas investigações que foquem no contexto, relações e condições de trabalho nesse processo de adoecimento. No geral, os estudos focam o seu olhar investigativo no indivíduo e menos nos fatores de contexto ambiental e sócio-histórico como o trabalho. Em face a essa lacuna, sugere-se agenda de pesquisa sobre essa problemática

Palavras-chave: Atitudes; Uso de Substâncias Psicoativas; Trabalho; Saúde do Trabalhador; Estado da Arte.

Abstract: The relation between work and the use of psychoactive substances is a topic investigated by different areas of knowledge and it´s inscribed in the thematic field of mental illnesses related to work. For the social psychology´s field, the concept of attitudes is central to theoretical or empirical studies. Attitudes are understood as general evaluative responses about objects and enduring knowledge that are recorded for individuals. The article aim was to systematize the concept of attitude and to present a brief state of the art about this relation. The starting point was the discussion of this concept and then the main results of a bibliographical research on national scientific bases Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD), SciELO (Scientific Electronic Library Online) and Portal Periods of CAPES/Brazil (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). As results obtained, there is little research that focuses on the context, relationships and working conditions in this process of illness. Overall, the studies focus on the individual and less on the environmental and socio-historical context factors such as work. Faced with this gap, a research agenda is suggested about this problem.

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Negócios em Projeção, volume 8, número 1, ano 2017, Página | 89 Keywords: Attitudes; Use of Psychoactive Substances; Job; Worker's health; State of Art

Introdução

O adoecimento mental dos trabalhadores é um tema que envolve preocupações e desafios para a academia, para trabalhadores e para gestores de organizações públicas ou privadas. O objetivo deste artigo é o de indicar breve estado da arte sobre o tema do uso de substâncias psicoativas e trabalho, bem como, apontar as lacunas teóricas nesse campo, tendo por base a discussão do conceito de atitudes. Observa-se que poucos estudos adotam como foco analítico a intervenção nas relações e nas condições de trabalho como meio de minimizar ou investigar a ocorrência do adoecimento entre os trabalhadores. Esse escopo de produções científicas se reduz ainda mais, quando o enfoque é a saúde mental no trabalho.

A psicologia social contribui para a identificação de fatores sociais que incidem sobre as doenças, sejam essas cônicas ou não. No caso deste artigo, considera-se que a psicologia social é a ciência do estudo da influência (FERREIRA, 2010), seja essa, real ou imaginária. Destaca-se a influência que as condições degradantes de trabalho podem ter sobre o adoecimento mental e, por outro lado, como as ferramentas teóricas da psicologia social podem a assumir papel crucial na proposição de intervenções para essa problemática.

Entende-se por condições de trabalho as construções coletivas entre o trabalhador e o contexto no qual ele se insere. Tratam-se das circunstâncias de desenvolvimento das atividades do trabalhador, sejam essas ambientais, emocionais e culturais (BORGES et al., 2015). Uma conceituação que se filia ao campo teórico da Ergonomia da Atividade, conforme Ferreira, Almeida e Guimarães (2013), entende por contexto de produção de bens e serviços o ambiente sóciotécnico onde o trabalho é realizado. É composto pelas dimensões de condições de trabalho (caracterização da estrutura física), relações sócioprofissionais (relações hierárquicas e horizontais) e a organização do trabalho (práticas de gestão, relação entre o trabalho prescrito e real).

Essa definição sobre o trabalho e as suas dimensões ajuda a centralizar o recorte adotado nesse artigo: o adoecimento mental relacionado ao trabalho, não é fruto apenas das condições individuais daquele que adoeceu, mas pode se relacionar ao contexto laboral onde esse o trabalhador se insere. O ponto central da discussão está na reação do trabalhador às influencias do meio onde realiza o trabalho enquanto atividade de transformação do meio social e de si próprio.

Sabe-se que o ser humano possui necessidade de manter consistência nas suas ações, padrões e crenças e atingir três objetivos básicos: afiliação, precisão e consistência (CIALDINI; GRISKEVICIUS, 2010). Por essa ótica, é colocado um grande desafio para os trabalhadores serem capazes de lidarem com a influência de um contexto de trabalho que não promove esses objetivos básicos. Tratam-se de relações de trabalho expressas pelo negativo, ou conforme definido por Castel (2008),de desfiliação das relações de trabalho que

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Negócios em Projeção, volume 8, número 1, ano 2017, Página | 90 levam à instauração de ambiente de incertezas, impossibilidade de criação ou sequer de manutenção do próprio posto de trabalho.

O desafio está colocado para estudos que pretendem atuar na modificação desse cenário: é preciso destacar e explicar as influências do contexto de trabalho na ocorrência de doenças mentais. Esse desafio se acirra quando se considera que os estudos publicados na área descrevem as condições de trabalho, mas poucos deles identificam, relacionam e apontam soluções para essa situação que é comum não apenas ao Brasil, mas a qualquer outro país, reservadas as proporções econômicas e culturais de cada região. Para evidenciar o panorama da problemática que estrutura este artigo, serão apresentadas a seguir algumas definições teórico-metodológicas no campo da psicologia social e, posteriormente, a caracterização do estado da arte sobre o tema a fim de desvelar qual é o enfoque adotado pelos estudos recentes na área.

Atitudes e mudança de atitudes

As atitudes podem ser entendidas como uma avaliação sobre um objeto, situação ou tema. Não se trata de uma polarização de avaliação, em termos de valência e extremidade, mas pode ser sintetizada como todo o conhecimento estruturado e armazenado na memória. A estrutura de atitude é composta pela tríade das seguintes dimensões interelacionadas: cognitiva, afetiva e comportamental (FABRIGAR; WEGENER, 2010). A acessibilidade da atitude revela o quanto um comportamento pode ser modificado ou mantido. Nesse caso, quanto maior a acessibilidade, maior será a ativação do objeto na memória. A força da associação entre o objeto e a avaliação depende dos sentimentos despertados (positivos ou negativos - quanto mais inacessível for a atitude, mais lenta será a possibilidade de modificar o comportamento).

Outro aspecto relevante é o da consistência da atitude comportamental. A disponibilização e o acesso às informações (dimensão cognitiva) estão relacionados diretamente com a atitude comportamental. Quando a situação é de ambivalência, a consistência da atitude comportamental pode ser relacionada diretamente ou indiretamente com a ambivalência e não há uma única resposta para a consistência do comportamento. As atitudes mudam menos quanto mais acessíveis forem, quanto mais conhecimento for disponível e quanto menor for o nível de ambivalência. Nesse caso, quanto mais a base da comunicação estabelecida for afetiva e cognitiva, mais persuasiva será e, portanto, capaz de imprimir mudança de comportamento (ARONSON; WILSON; AKERT, 2002).

A persuasão está relacionada com mudança de atitude. Essa, por sua vez, refere-se a uma modificação de reação quanto às influências feitas pelas escolhas pessoais, ações e circunstâncias. Destaca-se nesse processo a dimensão cognitiva, como ocorre no modelo da meta cognição, em que as pessoas confiam mais nos seus pensamentos quando possuem mais certezas do que dúvidas e a centralidade das emoções e como essas atuam no processo de mudança de atitudes (PETTY; BRIÑOL, 2010).

No processo de mudança de atitudes retoma-se o papel do modelo da probabilidade de elaboração. As pessoas são persuadidas pela força dos argumentos da comunicação ou por elementos relacionados às características do emissor, contexto ou do meio onde o indivíduo se insere. As variáveis de comunicação (fonte da comunicação, mensagem em si, receptor da mensagem e o contexto) influenciam as atitudes e são fundamentais para elucidar como o

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Negócios em Projeção, volume 8, número 1, ano 2017, Página | 91 processo de comunicação está relacionado com o processo de persuasão, o qual, por sua vez, está relacionado com o despertar ou lidar com a emoção. Os processos de persuasão podem atingir as pessoas diferentemente e podem modificar a atitude das pessoas quanto a um objeto, produto ou valor. Em geral, as mudanças de atitude baseadas na força dos argumentos podem fazer com que os comportamentos sejam mais consistentes do que aqueles que mudaram mais por elementos superficiais.

As medidas explícitas ajudam a entender o processo de mudança de atitude, mas não, necessariamente, prediz mudança de comportamento. Os estudos iniciais sobre persuasão consideravam apenas uma única variável (as emoções positivas), já as pesquisas contemporâneas buscam articular diferentes variáveis que podem influenciar a atitude explícita e também identificar as atitudes implícitas (FABRIGAR; WEGENER, 2010). Cumpre evidenciar, na seção seguinte, como a comunidade científica nacional e internacional tem abordado essa problemática, se há ou não centralidade nas abordagens de natureza biopsicossocial e como a influência exercida pelo meio social pode ajudar a entender melhor a relação uso de substâncias psicoativas e trabalho.

Panorama das publicações em âmbito nacional

O número reduzido de teses e dissertações publicadas no Brasil, que adote o enfoque deste artigo, revela o quanto esse assunto ainda precisa ser estudado. Em consulta à Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD), obteve-se o total de 103 produções acadêmicas no período de 2006 a 2017, as quais foram retomadas (em qualquer campo de busca) pelos localizadores “uso de substancias psicoativas” e “trabalho”, sendo 82 dissertações e 21 teses. Quando se aplica o filtro por tema (Saúde e Trabalho) e realiza-se a análise do resumo e palavras chaves, observa-se que somente três estudos apresentaram, centralmente, a discussão sobre a temática aqui focalizada. Trata-se de duas dissertações e uma tese. Em ambas dissertações os participantes dos estudos eram profissionais de saúde, especificamente, enfermeiros (SCHOLZE, 2016; ROCHA, 2010). A única tese localizada teve caminhoneiros como participantes (GIROTTO, 2014).

Esse levantamento específico das publicações acadêmicas relacionadas ao tema indica que as pesquisas brasileiras não focalizam o uso de substâncias psicoativas relacionado ao trabalho. Observa-se que a centralidade temática sobre essa relação está no tratamento à dependência química, o que reflete o debate atual no campo da saúde pública. As intervenções são centradas quando a doença já está instaurada (por isso, a necessidade acentuada de tratá-la) e acontecem menos a priori, ou seja, no âmbito da prevenção e, ainda menos, no ambiente de trabalho. Isso indica uma concepção explicativa sobre essa doença pautada no modelo biomédico hegemônico. Por essa ótica, o adoecimento é um processo exteriorizado das causas de ordem social, econômica e organizacional e está distanciado dos complexos determinantes do processo saúde-doença.

A busca por artigos científicos constantes na base aberta Scientific Electronic Library Online (SciELO) - para todos os anos, em todos os índices, com os mesmos localizadores utilizados na pesquisa da BDTD e com o elemento lógico “and” - retomou o total de 40 artigos. Ao excluir os repetidos, chega-se ao número de 29 artigos. O maior número de publicações está na revista Ciência e Saúde Coletiva (14 publicações). Realizou-se a leitura e classificação dos

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Negócios em Projeção, volume 8, número 1, ano 2017, Página | 92 assuntos dos artigos por meio da leitura dos títulos e resumos. Essa análise indicou o total de três categorias temáticas: levantamento de perfil epidemiológico em geral (n = 2), perfil de usuários atendidos em serviços de saúde (n = 9), caracterização de atendimento, tratamento (n = 9), relação com do uso de substâncias psicoativas com trabalho (n = 4). O total de cinco artigos foram excluídos por não se relacionarem com nenhuma dessas categorias temáticas elencadas ou com o escopo deste artigo.

Foram selecionados para análise do conteúdo completo dos artigos o total de quatro publicações, tendo em vista a vinculação expressa com a reflexão teórica aqui abordada. Os artigos de Souza et al. (2013) e Costa et al. (2015) elegem como categoria profissional os policiais militares dos estados do Rio de Janeiro e de Goiás, respectivamente. Ambos ressaltam a prevalência de uso do álcool e o tabaco como as principais drogas do repertório dos participantes dos estudos. Já Martins e Zeitoune (2007) tratam, especificamente, das substâncias psicoativas e trabalho e, concluem que a facilidade no acesso às drogas e as precárias condições de trabalho atuam como fator potencializador do uso.

Um outro artigos que apresenta uma importante contribuição ao debate onde se inscreve este artigo de pesquisa é o de Lima (2010). A autora discute a relação entre drogadição e trabalho e ressalta e confirma que se trata de um campo com baixo número de estudos e de tema permeado de controvérsias. O referido artigo retoma pesquisas realizadas na França e sustenta a discussão de que o uso de drogas pode ter um papel funcional para os trabalhadores, os quais por vivenciarem um contexto de pressão por produtividade e incertezas oriundas da própria configuração do sistema capitalista, acabam fazendo uso de drogas para suportarem esse ambiente de trabalho.

Mas, o uso de drogas em caráter funcional deixaria de ter esse papel quando os usuários perdessem o controle desse padrão de uso e começassem a apresentar o que a autora denomina de “uso disfuncional”. Nessa situação, o trabalhador deixa de ser produtivo e passa a vivenciar o isolamento no trabalho, já que as suas antigas competências não são mais reconhecidas e ele passa a ser considerado como um risco para a equipe. Longe de esgotar o assunto e de realizar um levantamento exaustivo de toda a bibliografia sobre o tema, segue-se para o panorama internacional sobre pesquisas no campo da psicologia social sobre a questão debatida neste artigo. O filtro por essa área do saber deve-se à escolha conceitual já apresentada neste artigo sobre o conceito de atitude.

Panorama do problema em âmbito internacional

Buscas realizadas em relevantes bases científicas da psicologia indicam que estudos, que privilegiam as condições de trabalho como um dos fatores explicativos de adoecimento mental, são escassos. A maioria das produções identificadas estão pautadas nas explicações individuais, transtornos de personalidade entre outros. Corrobora-se com a visão de que os adoecimentos mentais são complexos, mas a sua interface com a realidade laborativa se faz urgente em tempos de reestruturação produtiva e acirramento da deteriorização das relações sociais.

Foram realizadas buscas por produções científicas no Journal of Applied Social Psychology. A primeira busca foi geral e adotou os localizadores

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Negócios em Projeção, volume 8, número 1, ano 2017, Página | 93 workplace e drug abuse para todos os períodos e o número encontrado foi de 9.090 artigos. Mas, quando se restringiu a busca para os últimos dez anos de publicações e esses localizadores somente como palavras chaves, chegou-se ao número de 11 artigos. Dentre esses, foi realizada análise temática e oito deles eram relacionados à testagem toxicológica no ambiente de trabalho. Apenas três deles eram relacionadas à abordagem deste artigo, mas focados na abordagem da psicologia da saúde.

As pesquisas realizadas no Journal of Applied Psychology: an International Review adotou os mesmos critérios de buscas e, no caso dos mesmos localizadores como palavras chaves, houve a ocorrência de três artigos científicos no período dos últimos dez anos. Quando realizada a busca geral em todos os campos, foram identificadas oito produções. Para ampliar o espectro das publicações, também foram realizadas buscas com localizadores correlatos como mental health e workplace e, nesse caso, identificou-se o total de 29.017 produções. Mas quando a busca foi restrita aos últimos dez anos e usou localizadores como palavras chaves, houve a ocorrência de único artigo, que por sua vez era específico em tratar da realidade dos enfermeiros que adoeceram em função do desgaste do trabalho.

No caso do Annual Review of Psychology, buscas gerais por meio dos localizadores mental health e workplace indicaram o total de 396 produções para todos os anos. Quando relacionados mental health, workplace e stigma o resultado foi de 74 artigos para todos os anos. Já a busca por meio desses mesmos localizadores como palavras chaves trouxe zero produções e até mesmo para títulos em todos os anos, com essa mesma relação de localizadores. Para workplace e drug abuse, em todos os campos, foram localizadas 29 produções em todo o período e para os últimos dez anos não foram identificados artigos com esses critérios.

Os estudos de revisão da literatura internacional, especificamente norte americana, estão reunidos, conforme Leventhal et al. (2008), em algumas categorizações. A primeira delas são os estudos biocomportamentais que relacionam o caminho percorrido do comportamento até atingir o adoecimento. Outras abordagens são dos estudos sobre intervenções comportamentais para controlar o percurso comportamento-doença e outra frente são os estudos focados nas influências do meio social como forma de prevenção e controle de doenças crônicas.

Diante à literatura disponível sobre o assunto, destaca-se que as produções científicas estão centradas na terceira dimensão sistematizada por Leventhal et al. (2008) e vão de encontro com o objetivo deste artigo. Embora visem assumir uma dimensão preventiva quanto às doenças crônicas, dentre essas a dependência química, observa-se que os principais eixos de discussão estão centrados no âmbito do indivíduo e há pouca referencia à relação do meio social de inserção do indivíduo. A variável de ajuste continua sendo o trabalhador.

Mesmo assim, Leventhal et al. (2008) fornece bases para a crítica do modelo biomédico, essencialmente, baseado em evidências, mas descontextualizado da influência do meio social com o indivíduo. Aspectos centrais para a psicologia social como o papel do self (integrante do sistema regulatório) e crença de autocontrole (relacionado ao otimismo e

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Negócios em Projeção, volume 8, número 1, ano 2017, Página | 94 desengajamento) conformam-se como componentes que afetam a avaliação do indivíduo em busca do seu objetivo, no caso a avaliação que faz com relação a sua saúde.

Embora a revisão temática na área indique que haja associação entre risco de adoecimento e fatores como meio ambiente, status, religião e fatores socioeconômicos, os dados empíricos levantados ainda são falhos em indicar se há uma combinação do meio ambiente ou fatores sociais com o aumento da ocorrência de doenças, sejam essas mentais ou não (Leventhal et al., 2008).

Está expressa, portanto, uma dificuldade para o campo da psicologia social que é a correlação precisa de variáveis, ou seja, que considere as variáveis sociais (dados sociodemográficos, dados de gênero, entre outros) e a sua relação com a ocorrência de adoecimentos ou com estado de saúde. Para Rodin e Salovey (1989) é preciso considerar não apenas essa correlação, mas também outra possível variável antecedente, como é o caso da pesquisa que considera o perfil da personalidade para estudar esse processo.

O local de trabalho representa para Rodin e Salovey (1989) uma variável mediadora entre a ocorrência de adoecimento e situação de saúde. Nele estão expressos os riscos físicos, químicos e biológicos, mas também as demandas psicossociais e o suporte social. Os referidos autores elucidam a via de mão dupla de influências do local de trabalho: o trabalho e suas demandas como fonte de adoecimento, mas também o trabalho como fonte de realização, fonte de suporte social.

No caso, esses autores exemplificam que algumas atividades laborativas podem contribuir para a ocorrência de comportamentos como o de beber e de fumar como forma de enfrentamento de extenuantes jornadas de trabalho, pressões excessivas por produtividade, trabalho isolados ou em espaços confinados. Mas, por outro lado, a rede social formada nesses locais pode contribuir para o suporte social e ajudar que os colegas de trabalho encontrem alternativas de vida mais saudável (participar de grupos de cessação do tabagismo, grupos de controle de peso, por exemplo).

O suporte social é definido como as fontes de ajuda promovida por outras pessoas. Embora não exista consenso teórico sobre as formas como o apoio social é exercido do ponto de vista da sua abrangência e efeitos, trata-se de um fenômeno central no campo dos estudos da psicologia da saúde e da psicologia social e que ajuda a predizer, por vezes, melhoras em situações de adoecimento já instaurado ou em situação de prevenção de doenças.

É preciso destacar que suporte social não é o mesmo que rede social. No caso, o segundo conceito é calcado em pesquisas de cunho sociológico e essa distinção pode ajudar a clarificar o próprio conceito de suporte social. Para Smith e Christakis (2008), a rede social é expressa não apenas pela quantidade de pessoas que está disposta a ajudar a outra, mas refere-se a todas as dimensões de ajuda e solidariedade disponível ao outro e trata-se de modelo de capital social, como ocorre com a definição de capital humano, e, portanto, não está restrito aos impactos que o outro pode desempenhar na evolução da saúde de um par.

A contribuição de Parker (2014) é relacionada à imagem do buscador de consistência(Baumeister, 2010), tendo em vista que a necessidade de controle

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Negócios em Projeção, volume 8, número 1, ano 2017, Página | 95 e de consistência uma condição humana e central para a motivação. Em uma atividade laboral com baixa possibilidade de controle, o resultado pode ser os efeitos negativos da tensão e a ocorrência de absenteísmo. Parker (2014) mostra que estudos longitudinais, que correlacionam baixa possibilidade de controle e altas demandas por produtividade, geram maiores chances de adoecimentos cardíacos com prevalência entre os homens.

Outros estudos longitudinais referidos por Parker (2014) indicam que essa ausência de controle está relacionada com ansiedade, síndrome de burnout, excesso de consumo de álcool e uso abusivo de outras drogas. Assim como indicado, anteriormente, para Major e O’Brien (2005) essa modalidade de estudos possui dificuldades de correlacionar esses resultados apenas com a saúde e aparecem enviesados por outras variáveis.

É comum, portanto, a constatação, por parte estudos longitudinais, que ambientes de trabalho com pouca possibilidade de controle (ou de exercício de autonomia), combinados com altos níveis de pressão e produtividade são mais propensos a causarem doenças do coração, mas pouco relacionam a possibilidade causal de doenças mentais, talvez, pelo caráter subjetivo e dificuldades de diagnósticos casuísticos (Leventhal et al., 2008; Parker, 2014; Taylor et al., 1997).

Especificamente, quanto ao ponto de interesse direto desse artigo, Dembe (2001) constata baixo número de estudos no âmbito da saúde ocupacional que destaquem os impactos dos adoecimentos e acidentes de trabalho na realidade norte americana. O autor afirma que a natureza do trabalho pode gerar desgaste mental e, consequentemente, uma série de efeitos no bem-estar e no comportamento dos trabalhadores.

O autor ressalta ainda a dificuldade de estudar esse campo e de isolar as consequências das doenças dos trabalhadores, mas indica a necessidade de desenvolver metodologias capazes de responderem a essa problemática de forma transversal, isto é, hábeis em demonstrar e explicar os efeitos e impactos em outras esferas da vida do trabalhador, bem como centrar a causa desses adoecimentos no âmbito das relações de produção.

Seriam, portanto, estudos que identificam os elementos interdependentes e os analisariam de forma mútua e interligada. A publicação de Boden (2014) é um exemplo de utilização dessa abordagem metodológica onde se estudou as fontes de causas do acidentes não fatais e doenças do trabalho e partiu para a estimativa de números de ocorrência de acidentes fatais e não fatais e adoecimentos relacionados ao trabalho, mas pouco contribuiu para o debate da previsão das taxas de ocorrência de doença mental entre os trabalhadores dos Estados Unidos.

Considerações finais

Este artigo buscou apontar lacunas nos estudos que foquem nas condições de trabalho como uma das causas que podem levar ao adoecimento mental. As lacunas temáticas nas construções teóricas e empíricas sobre o assunto se revelaram, ao menos, em duas dimensões: as abordagens mais teóricas que relacionam conceitos como atitude ainda estão restritas às atitudes explícitas e há pouca relação com a dimensão implícita como forma de predizer

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Negócios em Projeção, volume 8, número 1, ano 2017, Página | 96 comportamentos discriminatórios quanto às pessoas que vivenciam o adoecimento mental relacionado ao trabalho. Mais estudos nacionais poderiam ser realizados para demonstrar como as instituições contribuem para a existência de negligências veladas (Fiske, 2002) sobre esse tipo de doença e o silenciamento da influência que as condições precárias de trabalho podem desempenhar na ocorrência dessa doença.

No âmbito internacional as produções científicas tendem relacionar o adoecimento mental mais aos atributos individuais e de ordem pessoal do que a influência que o ambiente de trabalho e suas relações no processo saúde-doença. Há a expressa ausência de estudos longitudinais que correlacionem essa variável e o que existe é uma amplitude de resultados relacionados a outras variáveis.

Diante das lacunas e desafios levantados, é possível perceber que há uma grande interface da psicologia social com psicologia da saúde. Isso porque as pesquisas no campo da psicologia social não se prendem aos fenômenos individuais, mas buscam evidenciar como as influências do meio podem contribuir para a mudança de atitudes das pessoas quanto a sua condição de adoecimento, o qual é um dos enfoques da psicologia da saúde.

O debate das atitudes e expressão de fenômenos sociais, estudados pela psicologia social, pode permitir que as organizações (públicas ou privadas) também possam se valer dos resultados dessas pesquisas. Uma das contribuições estaria em entender como as influências do local de trabalho podem se relacionar às condições de adoecimento e também de promoção da saúde. Para tanto, é necessário se posicionar quanto à tônica que o modelo de gestão e as relações socioprofissionais podem assumir na lógica de produção capitalista.

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