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Eutanásia: a decisão entre a vida e a morte

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

Gabriela Regina Kuhnen Mello

EUTANÁSIA: A DECISÃO ENTRE A VIDA E A MORTE.

Florianópolis 2017

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Gabriela Regina Kuhnen Mello

EUTANÁSIA: A DECISÃO ENTRE A VIDA E A MORTE.

Trabalho Conclusão do Curso de Graduação apresentado à Universidade Federal de Santa Catarina como requisito para a obtenção do Título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Dr. Paulo Roney Ávila Fagúndez.

Florianópolis 2017

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Ficha de identificação da obra:

MELLO, GABRIELA REGINA KUHNEN EUTANÁSIA : A DECISÃO ENTRE A VIDA E A MORTE / GABRIELA REGINA KUHNEN MELLO ; orientador, PAULO RONEY ÁVILA FAGÚNDEZ, 2017. 74 p. Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências Jurídicas, Graduação em Direito, Florianópolis, 2017.

Inclui referências.

1. Direito. 2. EUTANÁSIA. 3. BIOÉTICA. 4. DIREITO À VIDA. 5. DIREITO DE MORRER. I. FAGÚNDEZ, PAULO RONEY ÁVILA. II. Universidade Federal de Santa Catarina. Graduação em Direito. III. Título.

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In memoriam de Mônica, bisavó querida que a muito partiu e deixou saudades à família e a lembrança de seus ensinamentos, dentre os quais a importância de que devemos buscar o melhor para si.

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, a Deus, pois sem o consentimento D’Ele, não estaria viva.

A minha mãe Claudia Regina Kuhnen de Oliveira, minha irmã Suélem Regina de Oliveira, meu filho Marcos Til e em especial ao meu esposo Alberto Marcos Til Mello, por todo o carinho, apoio e compreensão pelos muitos dias de ausência que a graduação me exigiu, pelos bons e maus momentos que fazem parte de nossas vidas e com eles aprendemos a nos amar e nos unir cada vez mais.

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“É ridículo aproveitarmos eticamente a eliminação da vida subumana no útero que permitimos nos abortos terapêuticos por motivos de misericórdia e compaixão, mas não aprovarmos a eliminação da vida subumana das pessoas que estão morrendo. Se temos a obrigação moral de eliminar uma gravidez quando o exame pré-natal revela um feto muito deficiente, então temos também a obrigação moral de eliminar o sofrimento de um paciente quando um exame cerebral revela que o paciente tem câncer avançado.”

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RESUMO

O tema deste trabalho de conclusão de curso, diz respeito à eutanásia. Mais especificamente, quanto a aceitação da conduta da eutanásia no sistema jurídico brasileiro. Com o objetivo de verificar se o princípio da dignidade da pessoa humana está sendo satisfeito ao responsabilizar-se penalmente o terceiro que auxilia no momento da morte. A pesquisa buscou averiguar diferentes correntes de pensamento acerca do tema proposto. Também demonstra casos que ocorreram e foram divulgados na mídia, casos recentes conhecidos, argumentos de correntes favoráveis e desfavoráveis a prática da eutanásia. O relato sobre a vida de um homem que foi condenado a viver o que ainda lhe sobrava de vida sobre uma cama, sem ter intimidades e privacidades, até o ponto de este pedir para morrer dignamente. Uma reflexão sobre um tema que não é abordado com liberalidade entre as conversas do dia a dia ou na legislação brasileira.

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ABSTRACT

The subject of this course completion work concerns euthanasia. More specifically, regarding the acceptance of the conduct of euthanasia in the Brazilian legal system. In order to verify if the principle of the dignity of the human being is being satisfied when the third person who assists at the moment of death is held criminally responsible. The research sought to investigate different currents of thought about the proposed theme. It also demonstrates cases that have occurred and been publicized in the media, recent cases known, arguments of currents favorable and unfavorable to the practice of euthanasia. The story about the life of a man who was condemned to live what still had life on a bed, without intimacies and privacies, to the point of his request to die with dignity. A reflection on a theme that is not approached with liberality between the conversations of the day to day or in the brazilian legislation.

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Sumário

1. INTRODUÇÃO ... 10

1.1. OBJETIVOS ... 11

2. A EUTANÁSIA E O DIREITO BRASILEIRO ... 12

2.1. CONCEITO DE MORTE ... 12

2.2. HISTÓRICO E ACEITABILIDADE DA EUTANÁSIA ... 15

2.3. ENTENDIMENTO JURÍDICO E DOUTRINÁRIO ... 20

2.3.1. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana ... 25

2.4. O DIREITO À VIDA ... 27

3. ESPÉCIES DE EUTANÁSIA, ARGUMENTOS E CASOS ... 32

3.1. DISTANÁSIA E ORTOTANÁSIA ... 33

3.2. MISTANÁSIA OU EUTANÁSIA SOCIAL E EUGENIA ... 36

3.3. ARGUMENTOS CONTRÁRIOS E A FAVOR DA EUTANÁSIA ... 39

3.4. ARGUMENTOS RELIGIOSOS ... 42

3.5. CASOS NO BRASIL E NO MUNDO ... 44

4. CASOS REAIS QUE SE TORNARAM FICÇÃO ... 50

4.1. MAR ADENTRO ... 50

4.2. COMENTÁRIOS SOBRE O FILME ... 56

4.3. VOCÊ NÃO CONHECE O JACK ... 59

4.4. COMENTÁRIOS SOBRE O FILME ... 62

5. CONCLUSÃO ... 66

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1. INTRODUÇÃO

A vida deve ser vivida, aproveitada ao máximo o que puder ser feito, entretanto, há casos em que esta frase não se encaixa. Existem pessoas e pessoas, aquelas que desejam a vida por mais tempo, aquelas que necessitam de uma redução de tempo por causa de uma doença incurável e as que simplesmente desejam que esta se vá no menor tempo possível, pois não a suportam mais, apenas há o desgosto pela vida.

Neste trabalho de conclusão de curso, será analisado o instituto da eutanásia e será composto por três partes.

A primeira parte é onde será descrito detalhes sobre a eutanásia. No que consiste esta prática, de onde surgiu, de que forma evoluiu, em quais locais é aceita. Também se descreverá um pouco sobre o entendimento jurídico e doutrinário brasileiro sobre o assunto.

No segundo momento serão relatadas subdivisões da eutanásia, demonstrado o que é o suicídio assistido, realizada a diferenciação entre estes dois institutos que a tantos confunde, argumentos de quem é a favor desta prática, dos que rebatem estes e argumentos de algumas religiões acerca da eutanásia. Ao final desta segunda parte, são expostos alguns casos relatados nas mídias, casos brasileiros e do exterior.

O terceiro capítulo será dedicado a uma amostra e análise sobre dois filmes relacionados ao tema. Um sobre o caso de Ramón Sampedro, jovem que ficou tetraplégico e passou mais da metade de sua vida em uma cama sem poder ter sua intimidade e privacidade preservadas, sua única fuga eram seus sonhos em que era livre. Sua vida deu origem ao filme Mar Adentro; e, o outro sobre Jack Kevorkian, um médico patologista que chegou a ter sua licença médica cassada por acreditar que a morte deveria ser digna a quem solicitasse, defendia a morte digna a todos os pacientes terminais e para os que sofriam de enfermidades incuráveis.

Através do método de abordagem indutivo, do método de procedimento monográfico e do desenvolvimento da temática através da técnica de documentação indireta, envolvendo a pesquisa bibliográfica e pesquisa documental busca-se demonstrar este instituto que ainda é um assunto não muito recorrente no Brasil.

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1.1. OBJETIVOS

Verificar se o princípio da dignidade da pessoa humana está sendo satisfeito ao responsabilizar-se penalmente o terceiro que auxilia no momento da morte de outrem.

Estudar o princípio da dignidade da pessoa humana, também demonstrar a inviolabilidade do direito à vida e os conceitos dos diferentes tipos de morte assistida.

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2. A EUTANÁSIA E O DIREITO BRASILEIRO

Neste capítulo inicial será discutido a respeito da não receptividade da prática da eutanásia pelo sistema jurídico brasileiro.

Para tanto, são necessárias conceituações. O que seria a morte, ou melhor, em que momento a morte é decretada pelos médicos ? O que representa a eutanásia, como e de onde este termo surgiu ? O princípio da dignidade da pessoa humana e o direito à vida, citados na Constituição Federal de 1988, são aplicados ao ser humano de forma absoluta?

São algumas perguntas de respostas que serão encontradas no discorrer deste capítulo.

2.1. CONCEITO DE MORTE

O momento exato da morte é difícil de se indicar, já que esta, por vezes, não se dá de forma imediata, mas sim por uma sequência de acontecimentos que ocorrem em vários órgãos e sistemas de manutenção de vida. Entretanto, atualmente com as técnicas avançadas e com os muitos tipos de instrumentos disponíveis, pode-se determinar este momento de forma mais precisa.1

No decorrer do texto, requer-se uma elevada reflexão acerca de uma nova definição de morte, no momento em que as cirurgias de transplantes se tornam um fato técnico e quando as circunstâncias atuais facilitam o prolongamento da vida por anos, por meios artificiais.2

Não é certo que existam “dois conceitos de morte: um, de caráter consumista e pragmático para satisfazer os interesses da transplantação, outro, de caráter protocolar, para as questões civis e sanitárias”.3

É preciso que haja um só conceito de morte, para toda e qualquer utilidade, de maneira que as coisas sejam aplicadas de forma correta em cada caso, tanto para o bem da sociedade quanto em respeito à dignidade da pessoa.4

1 FRANÇA, Genival Veloso. Direito Médico. 12ª. ed, Rio de Janeiro: Forense, 2014. 2 Idem. Ibidem.

3 Idem. Ibidem. p.579. 4 Idem. Ibidem.

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Portanto, conforme os ensinamentos de França:

É indispensável também que essa nova definição de morte, baseada no coma irreversível e identificada pela ausência de reflexos, pela falta de estímulos e respostas intensas, pela cessação da respiração natural e por um registro eletroencefalográfico por mais de 24 horas, não seja uma forma de esperteza científica apenas para justificar a retirada sorrateira de órgãos para transplantes. Mas que representasse uma decisão consciente capaz de garantir que alguém esteja verdadeiramente morto.5

Hodiernamente, “a tendência é dar-se privilégio à avaliação da atividade cerebral e ao estado de descerebração ultrapassada, como indicativo de morte real”.6

A parada de um certo órgão, por mais categorizado e substancial que seja, não deve ser considerado como único elemento preciso do perecimento da pessoa. O que falece é o síncrono que se combinava para a associação de uma personalidade. E é disso que se retira a carência de não se aceitar somente um conceito de morte.7

A morte cerebral é um procedimento paulatino de nível celular, uma vez que a possibilidade de os tecidos resistirem a ausência de oxigênio é oscilante. Por via de regra, nenhuma operacionalização sozinha é, no todo, eficiente, na vigente situação da medicina, assim como não há técnica que possa suprir a sensatez de um médico.8

Há dificuldades em estabelecer esse único conceito de morte, entretanto, visando esta simplificação, o Conselho Federal de Medicina sancionou a Resolução nº. 1.480, de 8 de agosto de 1997 que dispõe sobre critérios de comprovação de morte encefálica. Dentre outros, os citados abaixo:

Art. 1º. A morte encefálica será caracterizada através da realização de exames clínicos e complementares durante intervalos de tempo variáveis, próprios para determinadas faixas etárias.

[...]

5 FRANÇA, Genival Veloso. Direito Médico. 6ª. ed, São Paulo: Fundo Editorial Byk, 1994. p.449.

6 Idem. Ibidem. p.579.

7 Idem. Direito Médico. 12ª. ed, Rio de Janeiro: Forense, 2014. 8 Idem. Ibidem.

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Art. 3º. A morte encefálica deverá ser conseqüência de processo irreversível e de causa conhecida

Art. 4º. Os parâmetros clínicos a serem observados para constatação de morte encefálica são: coma aperceptivo com ausência de atividade motora supra-espinal e apnéia.

[...]

Art. 6º. Os exames complementares a serem observados para constatação de morte encefálica deverão demonstrar de forma inequívoca:

a) ausência de atividade elétrica cerebral ou, b) ausência de atividade metabólica cerebral ou, c) ausência de perfusão sangüínea cerebral. [...]9

Com o reconhecimento desta resolução, normas previamente editadas, ficaram atualizadas, foram estabelecidos novos parâmetros para a avaliação da morte, mesmo nos centros carentes de meios técnicos mais aprimorados.10

De acordo com França, tende-se a aceitar mais e mais a morte encefálica, que é aquela que implica de maneira inconvertível a vida de relação e a sistematização da vida vegetativa, o que é diferente da morte cortical. Esta compromete somente a vida de relação, o tronco cerebral constantemente está a regular a circulação e a respiração sem o auxílio de meios antinaturais.11

Maria Celeste Cordeiro dos Santos menciona em seu artigo o trecho abaixo:

A afirmação de que o indivíduo está vivo ou morto, depende do entendimento que se tenha desse conceito de morte. O conceito pode variar segundo diferentes culturas, religiões ou enfoques científicos. Entendemos que, qualquer mudança na definição do conceito de morte traz consigo mudanças correspondentes aos critérios e provas diagnósticas do estado de morte. Estes critérios só podem ter um verdadeiro significado se derivarem de um conceito apropriado e inequívoco. É preciso evitar a anômala situação em que: segundo alguns critérios estaria o indivíduo morto; e vivo, de acordo com outros critérios.12

9 CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução nº 1.480/1997. Disponível em:

<http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/1997/1480_1997.htm>. Acesso em: 05 de abril de 2017.

10 FRANÇA, Genival Veloso. Direito Médico. 12ª. ed, Rio de Janeiro: Forense, 2014. 11 Idem. Ibidem.

12 SANTOS, Maria Celeste Cordeiro dos. UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Revista da

Faculdade de Direito. São Paulo, 1997. Disponível em:

<http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/67369/69979>. Acesso em: 05 de abril de 2017.

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A noção médica de morte, em menos de três décadas, foi alterada da parada da função cardiorrespiratória para a denominada morte neurológica. Apesar de ser aceito pela maior parte das autoridades médicas, ainda gera desavenças, isso por causa da confusão da literatura sobre o que se deva compreender por morte.

Conforme o que foi exposto até o momento, é necessário que se tenha apenas um conceito de morte para efeitos médicos, a fim de que não haja erros no procedimento de declarar uma pessoa morta, o que não é de todo simples de se fazer, pois varia muito com a cultura, a religião dentre outros fatores de determinados locais.

Para fins jurídicos, o conceito de morte adotado é o utilizado atualmente, que é o de morte encefálica. A qual se dá pela cessação das atividades do encéfalo, esta abrange o cérebro, o cerebelo, os pedúnculos a protuberância anular e o bulbo raquiano, mesmo que seja mantida a atividade cardiopulmonar. Esta morte, a encefálica, é considerada irreversível, sendo desnecessário o prolongamento da citada atividade cardiopulmonar por meios artificiais. O colapso do encéfalo leva ao fim dos batimentos cardíacos e da respiração. Sendo tal conceito, não muito diferente do antigo - parada das atividades vitais, pois no final das contas, basta o término da atividade encefálica para se que se tenha noção de que as outras duas irão cessar a qualquer momento.13

2.2. HISTÓRICO E ACEITABILIDADE DA EUTANÁSIA

Eutanásia é uma palavra de origem grega (eu – bom; thánatos – morte) e é definida como a boa morte, morte sem dor ou ainda como morte serena. A palavra “eutanásia” foi criada no século XVII, pelo filósofo Francis Bacon em sua obra “Historia vitaes et mortis”.14

13 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p.1.208.

14 GOMINHO, Leonardo Barreto Ferraz; SOUZA, Laís de Sá Nogueira. Análise jurídica sobre o

instituto da eutanásia, 2017. Disponível em:

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José Afonso da Silva, cita que é conhecida por ser uma morte sem dor, sem padecimento.15 Pode-se dizer, uma morte doce e em paz.

É uma conduta onde uma pessoa, por espontânea vontade e ocasionada por intensas razões de cunho moral, gera a morte de alguém acometido de doença incurável em avançado estado de dor e sofrimento. A eutanásia se justificaria como um modo de alívio do sofrimento trazido por anos de doença.16

O fato de se antecipar a morte de um indivíduo por compaixão, já que este tem sofrimento insuportável e penoso, é um motivo de reflexão por parte da sociedade.17

É interessante o fato de que a eutanásia está junto da humanidade desde sua existência; era uma prática recorrente na antiguidade.

Tema abordado na Grécia antiga por filósofos como Platão, Sócrates, Epícuro, Aristóteles, Pitágoras e Hipócrates. Platão defendia o assassinato dos idosos, anciões, enfermos e débeis. Para Sócrates e Epícuro, esse assassinato se justificava quando a pessoa estivesse perecendo de uma enfermidade. Já Aristóteles, Pitágoras e Hipócrates, eram contrários a qualquer forma de eutanásia.18

Juramento de Hipócrates: “A ninguém darei, para agradar, remédio mortal, nem conselho para induzir a perdição”.19

Ainda na história da eutanásia na antiguidade, algumas se destacam, entre elas as de doentes incuráveis que eram lançados ao rio na Índia; nas comunidades celtas e entre os birmaneses, os descentes se desfaziam dos ascendentes idosos e doentes; em Esparta, era

15 SILVA. José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 37ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p.204.

16 FRANÇA, Genival Veloso. Direito Médico. 12ª ed, Rio de Janeiro: Forense, 2014. 17 Idem. Ibidem.

18 GOMINHO, Leonardo Barreto Ferraz; SOUZA, Laís de Sá Nogueira. Análise jurídica sobre o

instituto da eutanásia, 2017. Disponível em:

<https://jus.com.br/artigos/55565/analise-juridica-sobre-o-instituto-da-eutanasia#_ftn13>. Acesso em: 05 de abril de 2017.

19 FRANÇA, Genival Veloso. Direito Médico. 6ª. ed, São Paulo: Fundo Editorial Byk, 1994. p.420.

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incontestável a prática da eutanásia no caso de recém -nascidos deficientes, assim como em outros casos.20

Na Europa, a eutanásia era associada à eugenia – explicada melhor no capítulo a seguir. Buscava-se justificar a eliminação de pacientes terminais, deficientes e aqueles que sofriam com alguma doença considerada indesejável. Nestes casos, era realizada uma “higienização social”, sendo que, a eutanásia era um modo de se alcançar esse objetivo. Buscava-se o aperfeiçoamento de uma raça, não era realizada por compaixão, piedade ou direito para findar com a própria vida.21

Deste modo, a eutanásia era utilizada com diversos fins. Entre eles o controle populacional, pois dando fim aos fracos e doentes poder -se-ia dar prosseguimento a vida sem ter o fardo de cuidar destas pessoas. Um outro modo seria para controle de enfermidades, elimina ndo-se os doentes em estágio terminal, ter-se-ia um controle sobre a epidemia. Um terceiro exemplo seria na tentativa de controle político.22

A partir do cristianismo e do judaísmo – que celebram a vida como de natureza sagrada – é que a eutanásia passou a ser condenada, posto que era muito admitida na antiguidade. Entretanto, a contar do sentimento que envolve o direito moderno é que a eutanásia passou a ser mais criminalizada.23

No ano de 1934, o Uruguai incluiu, em seu Código Penal no artigo 37, a possibilidade de eutanásia, possibilidade do “homicídio piedoso”. Legislação em vigor atualmente, assim citado:

Art. 37:. Del homicidio piadoso. Los Jueces tienen la facultad de exonerar de castigo al sujeto de antecedentes

20 GOMINHO, Leonardo Barreto Ferraz; SOUZA, Laís de Sá Nogueira. Análise jurídica sobre o

instituto da eutanásia, 2017. Disponível em:

<https://jus.com.br/artigos/55565/analise-juridica-sobre-o-instituto-da-eutanasia#_ftn13>. Acesso em: 05 de abril de 2017.

21 SABIO, Letícia Goldino; LOURENÇÃO, Isabela Rodrigues; CARBINATTO, Luiza. Ética e

Eutanásia, 2016. Disponível em:

<https://legoldoni.jusbrasil.com.br/artigos/403895307/etica-e-eutanasia>. Acesso em: 05 de abril de 2017.

22 GOMINHO, Leonardo Barreto Ferraz; SOUZA, Laís de Sá Nogueira. Análise jurídica sobre o

instituto da eutanásia, 2017. Disponível em:

<https://jus.com.br/artigos/55565/analise-juridica-sobre-o-instituto-da-eutanasia#_ftn13>. Acesso em: 05 de abril de 2017.

23 SABIO, Letícia Goldino; LOURENÇÃO, Isabela Rodrigues; CARBINATTO, Luiza. Ética e

Eutanásia, 2016. Disponível em:

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honorables, autor de un homicidio, efectuado por móviles de piedad, mediante súplicas reiteradas de la víctima.24

Deu-se início ao programa nazista da de eutanásia, em 1939, o qual materializou a proposta teórica da “higienização social”.

Em 1956, a Igreja Católica, se posicionou contrariamente à eutanásia por esta ser contrária a lei de Deus. Porém, no ano seguinte, o Papa Pio XII aceitou a possibilidade do encurtamento da vida como efeito secundário ao emprego de drogas a fim de minimizar o sofrimento de enfermos com dores agoniáveis, por exemplo.25

Em 1968 foi a vez da Associação Mundial de Medicina se posicionar contra o tema, para isto, sancionou uma resolução contrária à eutanásia.26

Uma médica foi julgada por eutanásia na Holanda em 1973. A mesma a praticou em sua mãe, aplicando-lhe uma dose letal de morfina, uma vez que esta lhe pedia reiteradas vezes para morrer. A médica foi processada e condenada por homicídio. Estabeleceram-se critérios para a procedência dos médicos nestes casos, em 1981 na Corte Rotterdam.27

O Vaticano publicou a Declaração sobre Eutanásia (1980), na qual se encontra a proposta do duplo efeito e a da suspensão de tratamentos considerados banais, reiterando as palavras do Papa Pio XII.

O princípio do duplo efeito encontra-se no item III da Declaração da Eutanásia. É aceitável que se utilize de medicação analgésica c om o intuito de amenizar a dor sofrida, embora exista a possibilidade de falecimento da pessoa – apesar de não ser essa a intenção – que seja apenas um efeito colateral. Esta menção fundamenta-se na Ética das Virtudes. Se analisada do ponto de vista Consequencialista, a utilização desta ideia poderia vir a ser questionável. 28

24 URUGUAI. Código Penal. Texto de 04 de dezembro de 1933. Disponível em:

<http://www.wipo.int/wipolex/en/text.jsp?file_id=196342>. Acesso em: 05 de abril de 2017. 25 SABIO, Letícia Goldino; LOURENÇÃO, Isabela Rodrigues; CARBINATTO, Luiza. Ética e

Eutanásia, 2016. Disponível em:

<https://legoldoni.jusbrasil.com.br/artigos/403895307/etica-e-eutanasia>. Acesso em: 05 de abril de 2017. 26 Idem. Ibidem.

27 Idem. Ibidem.

28 GOLDIM, José Roberto. Comentários da Declaração sobre a Eutanásia. Disponível em: <https://www.ufrgs.br/bioetica/eutvatic.htm>. Acesso em: 06 de abril de 2017.

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No Brasil, foi apresentado um Projeto de Lei no Senado Federal em 1996, que sequer foi colocado em votação, instituindo a possibilidade da prática no Brasil.

O Estado de Oregon nos Estados Unidos da América, através da lei “Death with Dignity Act” (em tradução literal, ato de morte com dignidade), – talvez por conhecimento ou influência da atuação de Jack Kevorkian, que será detalhada no último capítulo do presente trabalho – permite que seus médicos possam prescrever drogas letais a pacientes comprovadamente lúcidos e com prognóstico máximo de seis meses de vida, desde 1997. Washington e Vermont também aprovaram leis que permitem o suicídio assistido em pacientes terminais; em Montana e no Novo México houve decisões judiciais que autorizaram o procedimento, apesar de não haverem leis específicas.29

Em Luxemburgo, a eutanásia é autorizada sob certas condições e apenas para doentes desenganados.30

Na Holanda a eutanásia e o suicídio assistido entraram em vigor em abril de 2002. Legalizou sob uma série de condições, uma delas é a de que o paciente precisa ter total consciência do que está pedindo, outra é que ele sofra dores insuportáveis e que seja portador de doença incurável.31

A Bélgica aprovou a eutanásia no mesmo ano que a Holanda. Não é mencionado o suicídio assistido na lei. A legislação é considerada menos restritiva e já houve casos de pessoas que não sofriam de doenças terminais, que recorreram a eutanásia. Pessoas saudáveis tem a possibilidade de deixar um registro de seu desejo de morrer, caso venham a entrar em estado vegetativo ou coma durante uma doença terminal. No mesmo ano, foi aprovada a eutanásia em crianças, sendo que os pais ficam

29 MOLINARI, Mário. Eutanásia: análise dos países que permitem, 2014. Disponível em: <https://mariomolinari.jusbrasil.com.br/artigos/116714018/eutanasia-analise-dos-paises-que-permitem>. Acesso em: 06 de abril de 2017.

30 RFI – As Vozes do Mundo. Conheça as legislações sobre a eutanásia na Europa, 2014. Disponível em: <http://br.rfi.fr/europa/20141212-conheca-legislacoes-sobre-eutanasia-na-europa>. Acesso em: 06 de abril de 2017.

31 SANTOS, Cícera Jércika Reinaldo; SILVA, Edjerlan Alves da; ANDRADE, Shakespeare Teixeira. A introdução da eutanásia no novo Código Penal brasileiro, 2017. Disponível em <https://jercika.jusbrasil.com.br/artigos/412785023/a-introducao-da-eutanasia-no-novo-codigo-penal-brasileiro?ref=topic_feed>. Acesso em: 06 de abril de 2017.

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responsáveis pela decisão, o que não se vê na Holanda, pois o limite de idade é de 12 anos.32

Na Suíça e na Alemanha a eutanásia é proibida, entretanto, o suicídio assistido é permitido desde que a pessoa não seja auxiliada no momento da morte. A Suíça é menos rigorosa na proibição, não se opondo ao exercício de locais que oferecem estrutura e orientam aqueles que querem morrer, diversas pessoas de diferentes nacionalidades viajam até este país para pôr fim às suas vidas.33

A Grã-Bretanha autoriza a suspensão de cuidados em determinados casos; a França, através da Lei Leonetti, aprovou o direito de morrer; a Suécia legalizou a eutanásia passiva; na Dinamarca, as pessoas podem deixar por escrito se não quiserem receber tratamentos invasivos; entre outros locais.34 A lista ainda é finita, mas cada vez mais países aderem a umas destas práticas.

2.3. ENTENDIMENTO JURÍDICO E DOUTRINÁRIO

Conforme citado na seção anterior, houve no Brasil uma tentativa de introduzir a legalização da eutanásia no ordenamento jurídico, porém nunca entrou em pauta para discussão. Trata-se do Projeto de Lei nº. 125/96 de autoria do senador Gilvam Borges do Amapá. Propunha-se neste que, a eutanásia fosse permitida desde que uma junta de cinco médicos atestasse o desperdício do sofrimento físico ou psíquico do doente. O paciente era quem deveria requerer a eutanásia e, se caso estivesse inconsciente, a decisão caberia a sua família, o projeto foi arquivado em 2013.35

32 MOLINARI, Mário. Eutanásia: análise dos países que permitem, 2014. Disponível em: <https://mariomolinari.jusbrasil.com.br/artigos/116714018/eutanasia-analise-dos-paises-que-permitem>. Acesso em: 06 de abril de 2017.

33 GOMINHO, Leonardo Barreto Ferraz; SOUZA, Laís de Sá Nogueira. Análise jurídica sobre o

instituto da eutanásia, 2017. Disponível em:

<https://jus.com.br/artigos/55565/analise-juridica-sobre-o-instituto-da-eutanasia#_ftn13>. Acesso em: 06 de abril de 2017.

34 RFI – As Vozes do Mundo. Conheça as legislações sobre a eutanásia na Europa, 2014. Disponível em: <http://br.rfi.fr/europa/20141212-conheca-legislacoes-sobre-eutanasia-na-europa>. Acesso em: 06 de abril de 2017.

35 DAMASCENO, Sabine Pereira da Veiga. A eutanásia e a tutela penal à luz da Constituição

Federal, 2014. Disponível em:

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José Afonso da Silva, cita a eutanásia em sua obra:

[...] De eutanásia se fala quando se quer referir à morte que alguém provoca em outra pessoa em estado agônico ou pré-agônico, com o fim de liberá-la de gravíssimo sofrimento, em consequência de doença tida como incurável, ou muito penosa, ou tormentosa. Chama-se, por esse motivo, homicídio piedoso. É, assim mesmo, uma forma não espontânea de interrupção do processo vital, pelo que implicitamente está vedada pelo direito à vida consagrado na Constituição, que não significa que o indivíduo possa dispor da vida, mesmo em situação dramática. Por isso, nem o consentimento lúcido do doente exclui o sentido delituoso da eutanásia no nosso Direito. [...]36

Atualmente a eutanásia, tanto na forma ativa quanto na forma passiva – espécies cujos conceitos serão aprofundados no capítulo 2 deste trabalho – não é prevista no ordenamento jurídico brasileiro de forma explícita, porém é aplicada a tipificação prevista no artigo 121 do Código Penal, homicídio simples ou qualificado, podendo incidir a atenuante do homicídio privilegiado, considerando-se a hipótese de a pessoa agir impelida por relevante valor social ou moral, ou sob domínio de violenta emoção. Dependendo da conduta que o indivíduo possa vir a praticar, pode-se tipificá-la como crime de participação em suicídio, previsto no artigo 122, ou como omissão de socorro, artigo 135 do mesmo diploma .37

Os artigos do Código Penal são mencionados abaixo:

Art. 121. Matar alguém:

Pena - reclusão, de seis a vinte anos. Caso de diminuição de pena

§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

[...]

Art. 122 - Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça:

36 SILVA. José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 37ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p.204.

37 DAMASCENO, Sabine Pereira da Veiga. A eutanásia e a tutela penal à luz da Constituição

Federal, 2014. Disponível em:

(22)

Pena - reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave.

Parágrafo único - A pena é duplicada:

I - se o crime é praticado por motivo egoístico;

II - se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.

[...]

Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública.38

Apesar de não haver uma concordância entre os juristas e de não se ter nada delimitado em lei sobre qual é o bem maior a ser tutelado juridicamente, a vida, ao mesmo tempo que a dignidade e a liberdade, é apontada como um dos maiores bens da pessoa. O direito à vida, que está entre as garantias fundamentais e que está previsto no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, é considerado um bem indisponível e inviolável, portanto, fica proibida a disposição da própria vida, de forma que o Estado protege o período compreendido entre a concepção até a morte. Por isso ocorre de a eutanásia ser comparada com a instigação e o auxílio ao suicídio.39

Léo Pessini cita que a partir do momento que a vida é declarada como bem maior e pleno, superior à liberdade e à dignidade, o apreço pela vida, torna-se veneração. O direito à vida deve ser vinculado a outros direitos de primeira dimensão, sendo um direito fundamental, mas não absoluto.40

José Afonso da Silva afirma que “a vida é um bem jurídico que não importa proteger só do ponto de vista individual; tem importância para a comunidade”.41

38 BRASIL. Código Penal Brasileiro, Decreto Lei nº. 2.848, de 07 de dezembro de 1940.

39 GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antônio Garcia Pablos de. Da antijuricidade. In: Direito Penal: parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, v.2, 2007. p.437-455.

40 PESSINI, Leo; BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. Fundamentos da bioética. São Paulo: Paulus, 1996.

41 SILVA. José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 37ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p.204.

(23)

A falta de interesse da pessoa pela própria vida não quer dizer que esta não continue a ser protegida pelo Estado, sendo assim, torna-se ilegítimo aos indivíduos que dela se desfaçam.42

O que vem ao caso, também, é que o paciente nem sempre é quem consente a eutanásia, pois pode ocorrer de este não estar consciente ou em condições para tal ato. Muita discussão existe em torno do tema, quando surgem casos penosos que atraem a atenção e compaixão pública.43

Silva cita alguns motivos para a punibilidade da eutanásia:

[...] Além dos motivos religiosos, opõem-se à impunidade da eutanásia: (a) motivos científicos e de conveniência, tais como a possibilidade de um erro de diagnóstico, da descoberta de um remédio, bem como a eventualidade de pretexto e de abusos; (b) motivos morais (e mesmo jurídicos), pois que, dado o valor atribuído à vida humana pela consciência comum e pelo ordenamento jurídico, não se pode privar a criatura humana nem de um só átimo de existência; (c) de resto, a prevalência do motivo de piedade sobre a natural aversão à supressão de um semelhante revela, em quem pratica a eutanásia, uma personalidade sanguinária ou, pelo menos, propensa ao delito.44

Observa o doutrinador que não se poderia caracterizar eutanásia o fato de se desligarem os aparelhos que mantinham o paciente vivo artificialmente, já que a vida não mais era real, apenas mecanizada. Porém, a culpa ou o dolo devem ser apreciados caso a caso.45

Conforme Tavares, a liberdade à própria morte não é tolerada no Brasil, não se pode impedir que alguém queira dispor de sua vida suicidando-se, mas nem por isso a morte é um direito subjetivo do indivíduo.46

A eutanásia é considerada homicídio, continua Tavares, o que prevalece é o direito à vida em detrimento da dignidade.47

42 SILVA. José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 37ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p.204.

43 Idem. Ibidem.

44 Idem. Ibidem. p.204-205. 45 Idem. Ibidem. p.205.

46 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 579.

(24)

Em 2012, o Conselho Federal de Medicina publicou a Resolução de número 1.995, que concede aos pacientes terminais ou que sejam portadores de doenças crônico-degenerativas, a escolha de morrer, sendo que para isto, o doente precisa avisar ao seu médico. Nesta resolução são definidas “diretivas antecipadas de vontade como o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente” sobre a vontade ou não de receber cuidados quando não puder mais se expressar. Se houver indicação do paciente, as informações desta pessoa serão levadas em consideração pelos médicos. Caso não haja esta possibilidade de previsão de diretivas antecipadas de vontade do paciente em momento anteriormente lúcido dele, o médico deverá recorrer ao Comitê de Ética da instituição.48

O teor deste documento não deve ser confundido com eutanásia, pois nesta resolução, o médico realiza o desligamento dos aparelhos que mantém a pessoa viva. Neste caso trata-se da ortotanásia, – que será abordada no próximo capítulo – o médico acompanhará e prestará auxílio à pessoa até que a vida desta se esvaia.49

Corre no Senado Federal o anteprojeto do novo Código Penal, como Projeto de Lei do Senado nº 236/2012, de autoria do Senador José Sarney, assumiu como relator atual Antônio Anastasia. Este projeto de lei traz grandes inovações para a legislação penal brasileira, em especial nas matérias em que a opinião pública é bastante controversa. Tem a finalidade de revisar os tipos penais e adequar novas modalidades de ilícitos .50

Entre as novidades está a tipificação da eutanásia, será abordada de forma autônoma e como uma nova modalidade de crime, o que irá fazê-la diferente do homicídio, será vista de forma menos gravosa do que atualmente.51

48 CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução nº 1.995/2012. Disponível em:

<http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2012/1995_2012.pdf>. Acesso em: 10 de abril de 2017.

49 SANTOS, Cícera Jércika Reinaldo; SILVA, Edjerlan Alves da; ANDRADE, Shakespeare Teixeira. A introdução da eutanásia no novo Código Penal brasileiro, 2017. Disponível em <https://jercika.jusbrasil.com.br/artigos/412785023/a-introducao-da-eutanasia-no-novo-codigo-penal-brasileiro?ref=topic_feed>. Acesso em: 10 de abril de 2017.

50 Idem. Ibidem. 51 Idem. Ibidem.

(25)

O artigo 122 e seus parágrafos do Projeto do Novo Código Penal tem a seguinte redação:

Matar, por piedade ou compaixão, paciente em estado terminal, imputável e maior, a seu pedido, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável em razão de doença grave: Pena – prisão, de dois a quatro anos.

§ 1º O juiz deixará de aplicar a pena avaliando as circunstâncias do caso, bem como a relação de parentesco ou estreitos laços de afeição do agente com a vítima.

§ 2º Não há crime quando o agente deixa de fazer uso de meios artificiais para manter a vida do paciente em caso de doença grave irreversível, e desde que essa circunstância esteja previamente atestada por dois médicos e haja consentimento do paciente, ou, na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão.52

A eutanásia não seria punida caso fosse praticada por familiares ou alguém com estreitos laços de afeição ao paciente. Sendo assim, depois da análise do processo, o juiz poderia, em sentença declaratória de extinção de punibilidade, aplicar o perdão judicial, presumindo que o agente causador do ato foi tão profundamente afetado pela conduta que tornar-se-ia desnecessária a aplicação da sanção penal.53

A prática desse instituto, como está sendo descrito no novo Código Penal, vai de encontro ao direito à vida, que além de ser um direito fundamental, é também considerado um bem indisponível.54

2.3.1. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

A dignidade da pessoa humana é declarada e reconhecida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, de 1969.

52 PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 236, DE 2012. Anteprojeto de Código Penal. Disponível em: <https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=3515262&disposition=inline>. Acesso em: 10 de abril de 2017.

53 SANTOS, Cícera Jércika Reinaldo; SILVA, Edjerlan Alves da; ANDRADE, Shakespeare Teixeira. A introdução da eutanásia no novo Código Penal brasileiro, 2017. Disponível em <https://jercika.jusbrasil.com.br/artigos/412785023/a-introducao-da-eutanasia-no-novo-codigo-penal-brasileiro?ref=topic_feed>. Acesso em: 10 de abril de 2017.

(26)

O artigo 11, §1º da Comissão estabelece que “toda pessoa tem direito ao respeito e ao reconhecimento de sua dignidade”.55

No pensamento estoico, a dignidade da pessoa humana era considerada como a qualidade que diferenciava uma pessoa das demais criaturas – por esta ser inerente ao ser humano –, no sentido de que todo indivíduo é dotado da mesma dignidade, noção esta que é intimamente ligada à noção de liberdade pessoal de cada homem, assim como a ideia de que os seres humanos são iguais em dignidade.56

Uma conceituação satisfatória sobre dignidade da pessoa humana, para efeitos de definição do seu âmbito de proteção como norma jurídica fundamental, tem uma certa dificuldade de ser obtida. Esta dificuldade provém certamente da circunstância de que é um conceito de contornos vagos e imprecisos, definido por sua ambiguidade e porosidade. É um instituto real, pois a violação desta pode ser percebida, porém, é mais fácil dizer o que a dignidade não é do que o que ela é.57

Ao final do segundo capítulo da obra “dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais”, Ingo Sarlet apresenta uma proposta de conceituação jurídica da dignidade da pessoa humana:

[...] temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.58

55 COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 1969. Disponível em:

<https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm>. Acesso em: 25 de abril de 2017.

56 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais: na constituição federal de 1988. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2006. p.30. 57 Idem. Ibidem. p.39-40.

(27)

O constituinte de 1988, incluiu a dignidade da pessoa humana no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal e, considerou como um princípio (e valor) fundamental.59

2.4. O DIREITO À VIDA

Na medicina, um entendimento que se tem sobre o ser humano é que este possui código genético definido e que se forma a partir da concepção. Já para outros, os desenvolvimentistas, mesmo com as bases genéticas estabelecidas, o embrião necessita se desenvolver mais, sendo assim a vida tem início na nidação; outra teoria é a de que o início se dá com a formação do sistema nervoso, e outra que iniciaria do parto.60

O direito à vida foi constitucionalmente consagrado como direito fundamental no caput do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, o que garante sua inviolabilidade, direito este, estendido a todos cidadãos brasileiros e estrangeiros que aqui vivem.61

O artigo 2º do Código Civil de 2002 cita que a capacidade civil da pessoa começa a partir do nascimento com vida, entretanto a lei protege desde a concepção os direitos do nascituro62 (aquele que é concebido e não nascido, consistindo em mera expectativa de vida), ou seja, a vida começa a ser tutelada pelo ordenamento jurídico desde o início da formação desta.

Segundo a constitucionalista Luciana Russo,

A vida deve ser compreendida em seu sentido mais amplo, pois é o bem mais relevante de todo ser humano. A dignidade da pessoa humana é um fundamento da República Federativa do Brasil e não há dignidade sem vida.63

Conforme André Ramos Tavares assinala, o direito à vida

59 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais: na constituição federal de 1988. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2006. p.67. 60 FRANÇA, Genival Veloso. Direito Médico. 12ª. ed, Rio de Janeiro: Forense, 2014. 61 CAMPOS, Jefersson de. Direitos Fundamentais: direito à vida, 2016. Disponível em: <https://jeferssoncampos7.jusbrasil.com.br/artigos/327902431/direitos-fundamentais-direito-a-vida>. Acesso em: 25 de abril de 2017.

62 BRASIL. Código Civil brasileiro, Lei nº. 10.406 de 10 de janeiro de 2002. 63 RUSSO, Luciana. Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009. p.88.

(28)

É o mais básico de todos os direitos, no sentido de que surge como verdadeiro pré-requisito da existência dos demais direitos consagrados constitucionalmente. É, por isto, o direito humano mais sagrado.64

Ainda conforme Tavares expressa, o cerne do direito à vida assume duas vertentes, uma no direito de permanecer existente e outra no direito a um adequado nível de vida. Desta maneira o direito a continuar vivo é assegurado a todos, através da segurança pública, da proibição da justiça privada e com o respeito à vida dos cidadãos pelo Estado. É também necessário assegurar um mínimo nível de vida compatível com a dignidade humana, isto se vê em esparsos artigos da Constituição Federal.65

O aparato estatal que garanta o acesso e o amparo da pessoa sem recursos à estas necessidades, cumpre este sentido da vida.66

O Supremo Tribunal Federal já reconheceu que o direito à saúde é indissociável do direito à vida, o poder público não pode se mostrar indiferente com os problemas da saúde da população.67

Nos dizeres de José Afonso da Silva, que acorda com o que diz Tavares, no texto constitucional, a vida não é considerada apenas no seu sentido orgânico, mas na sua acepção biográfica mais compreensiva. Seu significado é difícil compreender por ser algo que está em constante transformação sem perder a identidade original até que mude de qualidade, deixando de ser vida e passando-se a morte. As interferências prejudiciais nesse processo espontâneo, são contrárias à vida.68

E continua:

Todo ser dotado de vida é indivíduo, isto é: algo que não se pode dividir, sob pena de deixar de ser. O homem é um indivíduo, mas é mais que isto, é uma pessoa. “Além dos caracteres de

64 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 575.

65 Idem. Ibidem. 66 Idem. Ibidem. 67 Idem. Ibidem.

68 SILVA. José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 37ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p.199.

(29)

indivíduo biológico tem os de unidade, identidade e continuidade substanciais.”69

A vida humana se integra de elementos físicos, psíquicos e espirituais. É uma intimidade que o ser humano tem consigo mesmo, de se conhecer e de se cuidar. Por este motivo é que ela constitui a fonte primária dos outros bens jurídicos; primeiramente a vida, depois a igualdade, a liberdade, a intimidade entre outros bens. 70

Um dos primeiros princípios da moral médica é o respeito à vida, assim como é uma das maiores ideias da civilização. Ninguém poderá dispor de sua própria vida, nem da de outrem.71

Para Alexandre de Moraes, o direito à vida, que é garantido na Constituição Federal de 1988, é o mais fundamental dentre todos os direitos, já que se constitui num pré-requisito à existência dos demais direitos.72

Este é um direito proclamado na Constituição Federal de 1988, sendo, portanto, dever de o “Estado assegurá-lo em sua dupla acepção, sendo a primeira relacionada ao direito de continuar vivo e a segunda de se ter vida digna quanto à subsistência”.73

O início da vida deve ser dado por um biólogo e cabe ao jurista dar o enquadramento legal, posto que, do ponto de vista biológico, esta se inicia com a nidação, ou seja, com a fixação do ovo ou zigoto ao útero da mulher, a partir de então, dá-se início a gravidez. A Constituição protege a vida desde este comecinho de formação de uma pessoa, porém de forma não absoluta, pois como se vê no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, a pena de morte seria admitida em caso de guerra declarada na forma do seu artigo 84, XIX. Um outro exemplo que demonstra a não prevalência absoluta da vida é no caso da previsão de aborto ético ou humanitário como causa de excludente de ilicitude ou antijuridicidade no Código Penal, nesta situação os direitos da mulher foram priorizados em relação aos do feto.74

69 SILVA. José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 37ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p.199.

70 Idem. Ibidem. p.200. 71 Idem. Ibidem.

72 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 30ª ed. São Paulo: Atlas S.A., 2014. p. 34. 73 Idem. Ibidem.

(30)

Dando continuidade à lista elencada por Alexandre Moraes, no ano passado, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu descriminalizar o aborto no primeiro trimestre da gravidez, no julgamento do

Habeas Corpus 124.306. Decisão tomada em um caso, com base no voto do

ministro Luís Roberto Barroso, onde cita que a criminalização do aborto até o terceiro mês da gestação viola os direitos sexuais e reprodutivos da mulher.

Ou seja, esta é mais uma hipótese em que se nota que a vida não é resguardada de maneira absoluta na Constituição Federal de 1988, é apenas um caso em que a mãe, pelo motivo que seja, deseja matar seu filho durante a gestação.

Em 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54, o relator Ministro Marco Aurélio votou a favor do aborto em casos de feto anencéfalo. Ele diz em seu voto que

[...] Aborto é crime contra a vida. Tutela-se a vida em potencial. No caso do anencéfalo não existe vida possível. Na expressão do Ministro Joaquim Barbosa, constante do voto que chegou a elaborar no Habeas Corpus nº 84.025/RJ, o feto anencéfalo, mesmo que biologicamente vivo, porque feito de células e tecidos vivos, é juridicamente morto, não gozando de proteção jurídica. [...]75

E continua dizendo que “neste contexto, a interrupção da gestação de feto anencefálico não configura crime contra a vida – revela-se conduta atípica”.76 Pelo voto do Ministro, subentende-se que o anencéfalo nunca irá se tornar uma pessoa, não é uma vida em potencial.

Dentre os doutrinadores analisados até o momento, nota-se uma certa concordância ao conceituar a vida humana e o direito a esta. Não é fácil defini-la, conforme visto e, ainda há uma certa regressão – em determinados casos – quanto aos avanços já alcançados no direito à vida. Este direito é afirmado no artigo 5º da Constituição como cláusula pétrea e reafirmado no artigo 227 e 230 da mesma, visando o respeito pela vida.

75 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental

54. Ministro Marco Aurélio, Distrito Federal, 2012. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticianoticiastf/anexo/adpf54.pdf>. Acesso em: 25 de abril de 2017.

(31)

Analisando o Código Penal de 1940, percebe-se o apreço pela vida. As condutas negativas contra a vida podem ser observadas no Título I, Capítulo I, artigos 121 a 128 do diploma mencionado. Neste diploma, a vida se inicia a partir da nidação, conforme o que ensina Alexandre de Moraes.77

(32)

3. ESPÉCIES DE EUTANÁSIA, ARGUMENTOS E CASOS

A eutanásia pode ser classificada, quanto ao tipo de ação, em ativa, passiva ou indireta e de duplo efeito conforme citado no anterior deste trabalho. A eutanásia ativa é o ato específico é uma atitude positiva, é cometida para causar a morte do paciente independente de sua vontade. A eutanásia ativa, quanto ao consentimento do paciente, ainda se subdivide em: voluntária, onde o paciente consegue exprimir sua vontade de morrer; não voluntária, é aquela que ocorre quando o paciente não consegue expressar o desejo pela morte; e, involuntária, caso do paciente que não consegue exprimir sua vontade.78

A classificação quanto ao consentimento do paciente visa estabelecer a responsabilidade do médico.

Já na eutanásia passiva o ato é omitido intencionalmente, a doença segue seu curso natural, é deixado de lado o que se pode fazer para salvar a vida do paciente a fim de que este venha a morrer, pode também ocorrer o desligamento de máquinas que o mantenham vivo artificialmente.79

Há também a eutanásia de duplo efeito, citado no capítulo anterior, onde a morte é acelerada como consequência indireta de ações médicas realizadas que objetivam o alívio do sofrimento do paciente terminal.

O suicídio assistido ocorre quando um indivíduo não consegue concretizar por si próprio sua intenção de morrer e solicita o auxílio de outrem. Ato que é aceito na Suíça e na Alemanha como visto no anteriormente.80 Como se vê, o suicídio assistido diferencia-se da eutanásia.

Este ganhou destaque nos Estados Unidos através das práticas de Jack Kevorkian, apelidado de Doutor Morte por causar muitas mortes após ter inventado a máquina do suicídio.81 Sua vida é contada, resumidamente, em um filme que será apresentado no capítulo a seguir.

78 SOUZA, Carlos Otávio de; MAIORAL, Daniel Franzoni. Reflexões sobre eutanásia, 2015. Disponível em: <http://www.psicologia.pt/artigos/textos/A0939.pdf>. Acesso em: 26 de abril de 2017.

79 Idem. Ibidem.

80 GOMINHO, Leonardo Barreto Ferraz; SOUZA, Laís de Sá Nogueira. Análise jurídica sobre o

instituto da eutanásia, 2017. Disponível em:

<https://jus.com.br/artigos/55565/analise-juridica-sobre-o-instituto-da-eutanasia#_ftn13>. Acesso em: 26 de abril de 2017.

81 EDITORS, Biography.com. Jack Kevorkian Biography.com, 2015. Disponível em:

(33)

3.1. DISTANÁSIA E ORTOTANÁSIA

Termo mais conhecido entre profissionais da saúde, a distanásia é o contrário da eutanásia. A distanásia consiste em prolongar o processo de morte do paciente diagnosticado com doença incurável e em estado terminal. Mesmo ciente que este prolongamento poderá causar-lhe dores insuportáveis, a pessoa acaba por aceitar pela esperança que ainda tem de que possa vir a melhorar, porém os medicamentos e procedimentos não curam, apenas retardam a morte e são denominados por alguns autores, de tratamento de futilidade.82

A morte não é uma doença e não deve ser tratada como tal. Procedimentos de cura e prolongamento da vida do paciente podem se transformar em tortura para este. A vida humana é finita, a morte é inevitável e garantida.83

Ao Papa João Paulo II foi recomendado que voltasse para a UTI por causa de complicações em sua saúde, mas este, prevendo seu fim próximo, recusou voltar e pediu que o deixassem partir. Se ele voltasse à clínica sua vida poderia ter sido prolongada, porém não se sabe os benefícios ou malefícios que o causariam. O que foi recusado aqui foi a distanásia.84

A distanásia ou obstinação terapêutica é, assim como a eutanásia, prática inadmitida no Brasil.

O Código de Ética Médica brasileiro de 2010, inseriu considerações sobre o procedimento adotado no final da vida e o tratamento de doenças incuráveis:85

Capítulo I

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS [...]

XXII - Nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e

82 COSTA, Cássio Sales. Direito à vida e distanásia: por um apontamento democrático, 2016. Disponível em: < https://cassiosalescosta.jusbrasil.com.br/artigos/362574226/direito-a-vida-e-distanasia-por-um-apontamento-democratico?ref=topic_feed>. Acesso em: 26 de abril de 2017. 83 Idem. Ibidem.

84 Idem. Ibidem. 85 Idem. Ibidem.

(34)

terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados.86

Os cuidados paliativos (cuidados básicos) que são citados no inciso, podem ser vistos como uma tentativa ou efetiva solução para se evitar a distanásia. Aos pacientes que estão próximos da morte poderia ser dada a devida atenção às suas necessidades a fim de lhe proporcionar conforto, para melhor lidar com os sintomas que o deixarão apenas quando esta vier.87

A ortotanásia consiste neste conforto do paciente terminal em momentos anteriores a sua morte, os cuidados básicos continuam sendo ministrados ao paciente para lhe diminuir as dores físicas que a doença traz consigo.

A palavra ortotanásia de origem grega, assim como a eutanásia, significa morte natural, morte correta. A morte ocorre naturalmente, sem intervenções – para abreviá-la ou prolongá-la, no tempo certo.88

O Conselho Federal de Medicina esclarece que:

Art. 1º É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal.

§ 1º O médico tem a obrigação de esclarecer ao doente ou a seu representante legal as modalidades terapêuticas adequadas para cada situação.

§ 2º A decisão referida no caput deve ser fundamentada e registrada no prontuário.

§ 3º É assegurado ao doente ou a seu representante legal o direito de solicitar uma segunda opinião médica.

Art. 2º O doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico,

86 CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução Nº 1.931/2010 – Código de Ética Médica. Disponível em: <http://www.portalmedico.org.br/novocodigo/integra.asp>. Acesso em: 26 de abril de 2017.

87 COSTA, Cássio Sales. Direito à vida e distanásia: por um apontamento democrático, 2016. Disponível em: < https://cassiosalescosta.jusbrasil.com.br/artigos/362574226/direito-a-vida-e-distanasia-por-um-apontamento-democratico?ref=topic_feed>. Acesso em: 26 de abril de 2017. 88 ZUCCHI, Rayane. Ortotanásia a luz do direito brasileiro, 2016. Disponível em:

<https://rayanezucchi.jusbrasil.com.br/artigos/398818215/ortotanasia-a-luz-do-direito-brasileiro?ref=topic_feed>. Acesso em 26 de abril de 2017.

(35)

social e espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito da alta hospitalar

.

89

Ou seja, o paciente em estado terminal terá o tratamento suspenso caso solicite e poderá permanecer no conforto do ambiente familiar, aproveitando seus últimos momentos rodeado destes. É a única forma de morte assistida que não configura crime perante o Código Penal brasileiro, por ser natural.

Esta resolução causou grande tumulto entre médicos e juristas, tanto que o Ministério Público Federal ajuizou uma ação civil pública alegando que o Conselho Federal de Medicina não teria poder regulamentar para estabelecer como conduta ética uma conduta que é tipificada como crime, pedido o qual foi julgado improcedente em dezembro de 2010.90

Ressaltando o que diz no Código de Ética Médica, na suspensão pedida pelo paciente, não acontece o cancelamento da hidratação e da nutrição para que não se caracterize o descaso com a vida humana.

A ortotanásia pode ser confundida com a eutanásia passiva, em razão da não interferência médica. A eutanásia passiva é a eutanásia, antecipação praticada sob a forma de omissão, nem todo paciente que faz uso de meios artificiais é doente terminal, enquanto que na ortotanásia, há omissão ou suspensão de meios que não fazem mais efeitos naquele doente, em virtude do elevado grau da doença que o atinge.91

Por fim, destaca-se o pensamento de Léo Pessini acerca da ortotanásia:

A ortotanásia permite ao doente que já entrou na fase final e àqueles que o cercam enfrentar a morte com certa tranqüilidade, porque, nessa perspectiva, a morte não é uma doença a curar, mas sim algo que faz parte da vida. Uma vez aceito esse fato

89 CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução Nº 1.805/2006. Disponível em:

<http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2006/1805_2006.htm>. Acesso em: 26 de abril de 2017.

90 BRASIL. Seção Judiciária do Distrito Federal. Ação Civil Pública nº 2007.34.00.014809-3.

Ministério Público contra Conselho Federal de Medicina. Sentença proferida em 1º de dezembro de 2010. Disponível em:<http://s.conjur.com.br/dl/sentenca-resolucao-cfm-180596.pdf>. Acesso em: 26 de abril de 2017.

91 SANTO, André Mendes Espírito. Ortotanásia e o Direito à Vida Digna. São Paulo, 2009. Disponível em: <http://www.livrosgratis.com.br/ler-livro-online-131590/ortotanasia-e-o-direito-a-vida-digna>. Acesso em: 10 de maio de 2017.

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que a cultura ocidental moderna tende a esconder e a negar, abre-se a possibilidade de trabalhar com as pessoas a distinção entre curar e cuidar, entre manter a vida quando isso é o procedimento correto e permitir que a pessoa morra quando sua hora chegou.92

Em 2016, os deputados petistas Pepe Vargas, Chico D’Angelo e Henrique Fontana apresentaram o Projeto de Lei 5559 que “Dispõe sobre os direitos dos pacientes e dá outras providências”, está atualmente aguardando parecer do Relator na Comissão de Direitos Humanos e Minorias, com o propósito de legalizar a ortotanásia, já que esta é apenas prevista em resolução do Conselho federal de Medicina.93

3.2. MISTANÁSIA OU EUTANÁSIA SOCIAL E EUGENIA

A terceira espécie de eutanásia chama-se mistanásia. Palavra de origem grega, com tradução incerta, infeliz ou rato (as duas expressões podem exprimir a forma que ocorre a mistanásia), que transcende o contexto médico-hospitalar intentando atingir os que não chegam a ter um atendimento médico adequado, por falta de recursos. Remete-se a uma morte miserável, daqueles não considerados como cidadãos, que desde o nascimento não tem condições nem oportunidades econômicas ou políticas, o que se reflete na falta de acesso ao judiciário e na deficiente proteção aos direitos humanos a que todos deveriam ter garantido. Morte recorrente nos países subdesenvolvidos, referindo-se aos que morrem de fome, morte dos pobres, mortos em torturas de regimes políticos, morte de rato no esgoto.94

Há autores que classificam a mistanásia como sendo uma eutanásia social, abrangendo vítimas de erro médico, de condenados à pena de morte e as vítimas de eutanásia nazista. Também há os que defendem a mistanásia quando ocorre o abandono de paciente moribundo a sua própria dor. A mistanásia, muitas vezes não chega a alcançar atenção hospitalar avançada,

92 PESSINI, Leo. Eutanásia. Por que abreviar a vida? São Paulo: Edições Loyola, 2004. p.225. 93 CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projetos de Lei e Outras Proposições. Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2087978>. Acesso em: 10 de maio de 2017.

94 SANTO, André Mendes Espírito. Ortotanásia e o Direito à Vida Digna. São Paulo, 2009. Disponível em: <http://www.livrosgratis.com.br/ler-livro-online-131590/ortotanasia-e-o-direito-a-vida-digna>. Acesso em: 10 de maio de 2017.

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por não estar nas Unidades de Tratamento Intensivo (UTI’s), mas nos corredores e macas lotados de hospitais precários assim como quem os recorre. A mistanásia não ascende ao erro médico pois lhe falta o cuidado médico. Porém, ocorre quando este erro é sucedido de descaso, causando piora na angústia do paciente.95

Villas-Boas classifica a morte nos campos de concentração nazistas como mistanásia, já que decorriam de condições de vida precárias a que eram submetidos os prisioneiros. O fato dos locais serem projetados já para isto, os torna muito mais que um mero descaso social, mas verdadeiros crimes de gravidade extensa.96

Os que concordam com as modalidades da eutanásia, denominam essas mortes em campos de concentração como sendo eutanásia eliminadora, eugênica ou econômica, causas de genocídio.97

Sobre a eugenia, há um artigo interessante denominado “A Eugenia de Hitler e o racismo da Ciência”, que explicita sobre a ideia inicial da mesma. Esta teria nascido na Inglaterra, prosperado nos Estados Unidos da América e seu momento mais forte foi na Alemanha nazista. Disfarçadamente ela teria vivido até atualmente.98

Quando Charles Darwin propôs que a seleção natural fosse um processo de sobrevivência que governasse a maior parte dos seres vivos, pensadores importantes começaram a filtrar as suas ideias num novo conceito. “Darwin acreditava na evolução física, moral e intelectual das raças superiores pela seleção natural.”99

A Francis J. Galton, parente de Darwin, foi associado o surgimento da genética humana e da eugenia (bem nascer, segundo Francis). Galton propunha

95 SANTO, André Mendes Espírito. Ortotanásia e o Direito à Vida Digna. São Paulo, 2009. Disponível em: <http://www.livrosgratis.com.br/ler-livro-online-131590/ortotanasia-e-o-direito-a-vida-digna>. Acesso em: 10 de maio de 2017.

96 VILLAS BOAS, Maria Elisa. Da eutanásia ao prolongamento artificial: aspectos polêmicos na disciplina jurídico-penal do final de vida. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

97 SANTO, André Mendes Espírito. Ortotanásia e o Direito à Vida Digna. São Paulo, 2009. Disponível em: <http://www.livrosgratis.com.br/ler-livro-online-131590/ortotanasia-e-o-direito-a-vida-digna>. Acesso em: 10 de maio de 2017.

98 GONÇALVES, Antonio Baptista. A eugenia de Hitler e o racismo da ciência, 2006. Disponível em:

<http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1134>. Acesso em: 10 de maio de 2017.

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esterilizar humanos fracos de mente e corpo assim como os de raças inferiores, realizou vários casamentos seletivos em busca da melhoria da humanidade.100

Na Inglaterra, as propostas de Galton eram conhecidas como eugenia positiva, enquanto que nos Estados Unidos da América conhecia-se como “eugenia negativa”. Na Inglaterra os casamentos indesejados eram proibidos e a união de parceiros bem-nascidos era promovida, pois acreditava-se nas justificativas de Galton na busca de um aprimoramento humano. Já nos Estados Unidos, as propostas eram de eliminação das futuras gerações subdesenvolvidas, incluindo os enfermos e os deficientes, os geneticamente inferiores, utilizando-se para isso da “proibição marital, esterilização compulsória, eutanásia passiva e, em última análise, extermínio.”101

A prática da eugenia positiva mostrou-se inviável, a que se mostrou mais acessível foi a eugenia negativa, que acabou sendo adotada pelos adeptos ao redor do mundo.102

A Alemanha desenvolveu seu próprio conhecimento de eugenia, entretanto, ainda assim seguiam o modelo norte americano de eugenia. Os nazistas cometeram atrocidades enormes para alcançar a pretendida raça ariana, misturando-se o nazismo e a eugenia chegando a ser considerados como se fossem a mesma coisa.103

Apesar de Hitler, um dos maiores genocidas da história, ter morrido, ainda há a presença da eugenia nos dias atuais nas mãos da ciência, por exemplo o Projeto Genoma, que demonstra intolerância da ciência para com os menos favorecidos e, a experiência em células-tronco, como meio regenerativo, que demonstram certo racismo, preconceito por parte da ciência, estar sempre em busca do ser humano perfeito.104

O artigo termina citando que a eugenia pode trazer benefícios, mas que se não for tratada com o devido cuidado, pode causar estragos numa escala devassadora 105

100 GONÇALVES, Antonio Baptista. A eugenia de Hitler e o racismo da ciência, 2006. Disponível em:

<http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1134>. Acesso em: 10 de maio de 2017. 101 Idem. Ibidem. 102 Idem. Ibidem. 103 Idem. Ibidem. 104 Idem. Ibidem. 105 Idem. Ibidem.

Referências

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