• Nenhum resultado encontrado

SOBRE UMA FRASE DE GALILEU

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "SOBRE UMA FRASE DE GALILEU"

Copied!
7
0
0

Texto

(1)

7-SOBRE

tnIA

FRASE DE

GALILEU

CARLOS ART}IUR RIBI]IRO DO NASCIMDNTO

Dcpøtøtentode

FíIoofu

It¡lntificta

Unìversldde CatôUcade

go

furtto

As questões lÌlosólicas nâo pairam no ar; airda que despontem-quando

o diicurso cotidiano ent¡a em fåias, compolam uma referência para o mundo a demandar uma análiæ. Quando a fllosofìa perdc o pé, sempre

rcssufge

um

Parece mais

salut¿i do

q

da História

da

Filosofia

entdrþ, quc

sE exaure

no

). innanzi tendere atica, e impos-pe¡ un oscuro laberintor .

Essa parece ser a frase mais conhecida e citada de Galileu

(Il

WS¡ßtore, rrt Opere'

vol.6,

$

6,232),

cuja traduçâ'o é:

A

filosofia está escrita neste grandlssimo liv¡o que aí está abcrto continuamente diante

dos olhos (digo, o uriiverso),

tender a lfngua e conhecer o matemCtica, e os caracteles sem os quais é humanamente

de um inrltil vaguear por um obscuro labirinto.

essa

b

o novo Projeto de

teria

r

ela é evocada, Por

no

p

li

68)' No

entanto,

e

alu

a

to

de O ensaíldot.

Para pôJo em relevo, basta recorrermos às duas frases que a precedem:

(hdernos de llistória e l;ibx¡!'ia do Ciêncía 9 (1986), pp. 53-59

(2)

Fr-_

54

C-arlos

Arthur

Ribeito do Nascimento

h¡ece-me também pe¡ceber em Sa¡si sólida crença de que, para filosofar, seja necess:írio apoiar-se nas opiniões de algum cólebre autor, de tal forma que a nossa nrente, quando nâo casasse com o discurso de outro, tiYesse de permanecer estéril e infecunda. Talvèz

conside-¡e a filosofìa como um livro e fantasia dc um homem,como allíoda ou orlan¡lo Furion, liv¡os em que a coisa menos inrportante é a verdade daquilo que apresentam escrito.sr.

Sarsi, a coisa nâo é assim. A tlosofia est¿í csc¡ita . _ .

No

século

XVII,

vê-se melhor, nâ'o porque se apóiam nos antigos

-

Galileu usa de

uma metáfora

ainda

mais

forte:

porque

nossa mente se case

com

a

deles2

-

mas porque lê-se diretamente

o livro

da natureza.

É

claro, nâ'o se deve exagerar

-

Galileu não dispensa o "sobre-humano Arquimedes',.

como

Tomás de

Aquino æ

opôs

a

siger;

e a atitude

de

Galileu

se

aproxima

da de

2Ver,

tambénr, nlais abaixo no $ 69: "que nosso intclecto deva tornar-sc cscravo do intclecto

de

outo

homem (tleixo a ele, transformandotodosnós cm copiadores, louvar enr si mcstno aquilo

que leprcva

no

S¡' M¿írio) c que nas contemplaçôes dos movimentos celostcs se deve adeii¡ a

algum",

Essas metáforas de Galileu nos recoldam as metáforas da água e da hcra, rcspcctivarnente de

(3)

Sobre umn Fmse de

Galileu

55

Tomás de

Aquino:

a

filosofìa

nâ'o

visa

homens' ainda que

sejam as do Filósofo (Aristóieles), mas

Michel Foucault (1966,

6O-4),

ce

ira

correta

o

que se

pu*uriu

na cabeça de Galileu ao sugerir' a

p

te'

que o

livro

conta a história mas nâ'o diz a ciência'

A

ciência não está nos livros e sim nas coisas.

No

entanto, Galileu exprime esse contraste através da metáfora

tradicional

do

livro

e mesmo dos dois livros, o da

Escri-tura

e

o

da Natureza. Esta se encontra nos Padres da Igreja e nos Doutores medie-vais

(GALILEI,

&rta

Galileu Parece rompe Doutores medievais,

t

do

livro

da Escritura, ao contrário, supõe al

livro

da Natureza, segundo Galileu, é preci

tria.

Galileu parece,

portanto'

pensar num

Doutores medievais,

nu*u

.óntt-plaçlÍo

mais

ou

menos espontânea. Talvez Galileu o que dissera na carta a Cristina de

como adaPtada ao

wlgo

e a

Natu'

upa

se suas recônditas razões e modos de

e dos homens".

stificar essas "recônditas razões e modos de

ssim. Poder-se'ia dizer que Galileu oferece'

a outra

Passagem bastante famosa

de

O enwiodor

-

o parágrafo

489-

na qual ele estabelece o que virá a ser conhecido como a

distinção entre qualidades primárias e secund

O

problema é colocado a

propósito

do está

imþ[cado

necessariamente na noçâ'o de

rea tem necessariamente de ser concebida

"

hgura, grande

ou

pequena

em

relação a ou

qíele oú

neste tempo, em movimento ou parada, em

cotltato ou

não com

outro

cor-io,

,o.o

sendo

rinica

ou

poucas

ou

muitas".

Não se pode "imaginá-la de forma

al-Ëu-o

ttptu¿a

destas condiçoes-; porém, que-ela deva ser branca ou vermelha' amarBa

ou

doce, sonora

ou

muda, þerfumada

oJnâ'o",

nada nos obriga a considerá-la como possuidora necessariamente åessas características. "Pelo contrário, se nÍio possuíssemos

3Sobre Sigcr c

o

avcrroísrno paduano, ver GILSON 1962, 561 ss e 687 ss' P¿ra a postura de

T. dc Aeuino, c-oment¿r¡o

åi'riolo¿o

¿á

c¿u,l,liçdo

22;Suma tle teologia,l9 pa¡te, questão

ii,äiliö

,;õ;;ì;'à

ouj"iao;1? parte, questâo

r0?î'

artieo 21''

4Para mais arnpla infornraçâo sobre

o liwo

como metáfora' ve¡ CURTIUS 19'15'

v'

l'

cap'

XVI

(,El lib¡o como

.r*miå;j,

.tptr¡utrn.,.,t"

o

g.l.-Cg libro de la naturaleza')' Existe uma

tra-ãuçao trasitcira da obra de Curtius, publicada pek INL'

sl,)ssu tlistinçalo virá a sc torna¡ bem conlum do cmpirismo e do racionalismo' Cf' LOCK['' J'' nsray,ll,8, n9 'l-to;otiscARTlr.s, Pr'r cipia philonphr'ge'

parte'

n:

Óv'

(4)

f

56

Carlos

Artlur

Ribeiru do Nascimento

os sentidos para nos ajudar,

o

raciocínio e a imaginação sozinhos talvez nunca chega riam a atingi-las".

Galiieu pôde, então, concluir:

Assim, eu considero qr,re cstes cheiros, sabores, corcs, etc., em relação ao sujeito onde nos parecent resisti¡, nâo são outra coisa que putos nomes, mas residem em vez no corpo

sensi-tivo, de tal mo<lo quc, se ttarmos o animal, todas estas qualidades desaparecem e anulanr-se; havendo nós imposto a elas nomes paficulares e diferentes dos outros acidentes prirnários

e reais, é colno se quiséssemos acreditar que estas qualidades sejarn verdadeira e realmente diversas das outras.

Galileu acrescenta um exemplo: pode-se passar a mão sobre uma estátua ou um

cor-po

humano; a açâ'o da mâ'o, considerada em relaçâ'o à própria mão, é sempre a mesma, quer seja ela recebida por um corpo de mámore ou de bronze ou entâ'o animado e vivo; ela se ¡eduz aos acidentes primários: movimento e contato. No entanto,

o corpo animado que recebe estas ações sente afecções diversas, confo¡me as partes que

es-tão sendo tocadas. Por exemplo, mexendo embaixo da sola do pé, sob¡e os joelhos ou

ern-baixo das axilas, sente, além do contato comum,uma outra afecçâo, à qual pusemos o nome

particular de cócega, a qual é intei¡amente nossa e não da mão em absoluto;e parece-me que seria um grande erro afinnar que a mâo, além do movimento e do contato, possa possuir

ou-tra faculclade diversa destas, isto é, fazer cócega, como se a cócega fosse um acidente que re-sidisse na mâo. Um pedaço de papel ou uma pena, esfregado levenrente sobre qualquer parte

do nosso corpo, no que lhe respeita, faz a mesma operação, isto é, movimento e contato;

porém, em nós mesmos, se o contato se verifica entre os olhos, nas narinas, excita uma cóce-ga quase intolerável, enquanto nas outras partes do corpo quase não se sente. Esta cócega

es-tá contida em nosso corpo e na-o na pena e removendo o corpo ani¡nado e sensfvel, ela nâ'o é outra coisa que puro nome. Agora, de semelhante e não maiot existôncia acredito que pos-sa have¡ tnuitas outras qualidades que sâo atribuldas a corpos naturais, como sabores, chei-ros, coles e outras.

Galileu acrescenta

Mas, qrte lÌos corpos externos, pafa excitar em nós os sabores, os cheiros e os sons scja

treccs-sá¡io mais que grandezas, figuras e multiplicidade e movimentos vagarosos ou rápidos, eu

não acredito; acho'que, tirando os ouvidos, as llnguas e os narizes, permanecern os números, as figuras e os movimentos, mas nâo os cheiros, nem os sabo¡es, nem os sons quù, fora do

animal vivente, ac¡edito que sejam nomes, conìo nada mais é que norne a cócega, tiradas as

axilas e a pele ao redor do na¡iz.

Portanto,

muitas afecções que são reputadas qualidades ínsitas nos objetos externos nâo l.rossuem ver-dacleiramente outra existência a na--o ser em nós, nalo sendo outra coisa senâo nomes fora de nós.

(5)

Sobre unta Frqse de

Galíleu 5l

Afirnro que sou lcvado a acreditar quc

duzem e fazcm perccber o quente

etìl

I

de fogo, scjanr uma muìtidão dc pø¡ue

tados com dcternriuada velocidade. (.

mento, penettação e junção, outra

q

e esta qualidade seja o quente

eu não ãcredito; consideio que

o

qu

ística tâo nossa que! deixando de lado o corpo animal e sensitivo, o

c

nte utn vocdl¡ulo.

Parece-nos

que

a

ontologia

que

sustenta

a

tese,

d

trabalha

com

as

categorias

tradicio

istingue

os

"Pri-mári,os

e

reais"

s

llos

objetos

ex-ternos,

[mas]

não possuem verdadeiramente

outla

existência

a

não ser em nós, nã-o

sendo outra coisa senão nomes fora de nós".

Os "acidentes primários

e

quantitativa e retomam a

lista

dos sensíveis

colruns

da

tradição

gfandeza, posíção no espaço e no tempo, movimento

(lento

ou

olltato

ou não, númelo. Quer dizer,

o

mundo

estaria

estruturado

de se

notar, pois,

que

Galileu

re-nuncia

a

toclo

conhecimento referente

à

essência. Isso

é

constante

enl

suas obras, das Cartas sobre as manchas

plares

aos

Disclarfls.

O

que é

acessível

ao

conheci-mento científìco

sâ'o os acidentes, as propriedades

ou

os sintomasT. Estes, à medida que nos revelam

o

real, são os "acidentes

primários", isto

é,

o

que Pode ser tratado geometricamente.

Se nos

for

permitido

tirar

alguma conclusão,

diríamos que

os

parágrafos

69

e

48g

de O ensaiador nos permitem aquilatar melhor alguns aspectos da chamada

revo-espacial (cf.Opus ntajus,l'us quinta, p.6

Notc-se que Aristótclcs ucòita a

poss

justanrente enr relação aos sellslvcis coiìtuns, ao ¡)asso que

eles

senslveis próprios (cor, som, gosto, odor, qucntc, lìio, durr.¡,

mo

alidades subjetivas para

(ìaliieu. N.:ss" ¡ro^to eic se a¡rroxima

da

segundo o testenìunho dc Tcofrasto (De sensl,61-9;cf. MONDOLFO 1959, v.

l,

113-5).

Calilen cita Delnócrito, a outro propósito, no Discorso íntorno alle cose che stûilno

in

51'l

Ihcqtta

o

che in quella si mtrctvono, è alutle à tlistinçao entre sensÍvel próprio c conrutn nadis-"r.,r,âo "on.r L;r

fttta

(cl. CROMBII| 1978,212-16,

éspecialnìentc' o texto citatlo às pp. 215 e

216). Nessa rfltinla passagem' Cialilcu colltcsta tlLle os sentidos errellì por se trataÌ de um sen-sível colnurn.

7 ('artas

vo ltre as

nrutl

5'

I 87-8' cit'

1918, 221-2, trad.

ingtes

21 jornada, tr

S. Drakc, p. 228. A

tenn

tomas" provén

(6)

58

Carlos

Artlur

Ribeiro do Nascimento

lução

galileana.

Sem dúvida,

Galileu

rompe com

o

argumento de autoridade

e

seu

corolário,

o

comentário;

rompe

também

com uma física

das qualidades,

isto

é, das

qualidades secundárias, que

p¡ra

ele sâ'o destituídas de valor ontológico e se reduzem

a

puros

nomes

fo¡a do

sujeito percipiente. Valoriza a utilização

da Geometria na ciência da naturcza

muito

mais do que a tradição aristotélica o tinha feitoE.

Marttém-se, no entanto,

dentro

da perspectiva realista, pois a estrutura do universo

é

dada objetivamente

e

cabe

ao

homem

apenas desvendar partes dessa est¡utura. Esse desvendamento se faz at¡avés de demonstrações necessárias

cujo

protótipo

é

jus-tamente

a

Geomet¡ia.

Enfim,

trabalha

com

uma

ontologia

cujas categorias básicas

sâ'o tradicionais (substância/acidentes)

e,

se renuncia ao conhecimento das essências,

tal

renúncia nâ'o deveria escandaliza¡

muito,

pois que pelo menos alguns dos próprios escolásticose

adlnitiam

que

no

domínio

das ciências naturais

ãispomos

pratica-mente

de

descrições,

isto

é,

de caracte¡izações das substâncias através de seus aci-dentes próprios. LISTA BIBLIOGR.Á.FICA

I

., 3 4 5 6 7 8 9

AQUINO, Tonrás de. De ente et essentia de

s.

Thomas dAquin (M.D. Rolandcosselin, ed.). Paris, Vrin, 1948.

-

.

o

ente e a essência. T¡ad. de D. odilão de Mou¡a osB, Rio de Janei¡o, presença,

l9gl.

BACON, F. Novo organon. São Paulo, Abril C\rltural, 1973 (Os pensadores, XIII).

BANFI, A. Galileu. Lisboa, Erd. 70, 1981.

CROMBIE, A.C, Le proprietà primarie e le qualità seconda¡ie nella filosofia natu¡ale di

Ga-líleo. in Galileo. Milano, ISEDI, 1978.

CURTIUS, E. R. Literatura eutopea y edad media latinø. México, FCE, 1975.

DRAKE, S.Discoveries and opinionsof Galileo. New york, Doubleday, 1957.

FOUCAULT, Michel. Zes mots et les choses. paris, Gallima¡d, 1966.

CALILDI, Galileo. Le opere

di

Galileo Galilei. Ldizione Nazionale, Firenze, G. tsarberà, 1929-1939.

l0

-

. Carta a lro¡tunio Liceti (aneilo de 164l). ln Opere v.18. I

I

-

Ca¡ta à senhora Cristina de l.orena, Crãduquesa da Toscana. Cadernos de História

e Filonfia da Ciência, (5):91-1 23, 1983.

12

-

(7)

þbeumø

Fmse de

(ìslíleu

59

13

-

. Dìalogae øncerning the

ltw

chief workl systcms

-

flolomaic and Capernican.Trad,. S. Drake. Berkcley, University of Glifornia, 1967.

l4

-

.Il

fuSgiatore (O ensaiador). ln Opere,v, 6.

15 GAGNÉ, J. Du quadrivium aux scienciae'mediae, In z{¡!s tibérøx et phitonphie eu moyen

llge (Actes

du

IVP congrès international de philosophie médiévale). Montreal, IEM, 1969.

l6

GILSON, E,Ia philoophie au moyen r{ge. F¿ris,

hyot,

1962.

17

-

. Discours de la mëlhode (texte et commentaire), Þris, Vrin, 1967.

l8

GRANGER, G.G./4

mztu

go

Paulo,Difel, l9ó8. 19 KOESTLER, A.Os enômbulos. Sâo Paulo, Ibrasa, 1961.

20 MONDOLFO,R,EIpensamiento antiguo. Buenos Aires, I¡sada, 1959.

21 NASCIMENTO, C.A.R. do. Le statut épistémologir¡ue des sciences inte¡médiaires selon S. Thomas d'Aquin. Cahiers d'Êtudes Médiêvales 2 (La science de la nature: théo¡ics et

pratiques). Mont¡eal, Bellarmin, 1974, pp. 33-95.

22 SALISBURY, Joalo de. Metologicon. In BOEHNER, PIt. Histó¡Ia da tìloæfu cnbrd. Petrópolis, Vozes, 1970,

Referências

Documentos relacionados

Eu conheci o trabalho do PI ainda quando era estudante da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Pelotas (FaE) e percebi como os alunos desta escola

O Quinteto Lisboa é um projeto que surge a partir da cumplicidade de vários anos entre a dupla de compositores João Monge (letrista) e João Gil (músico e guitarrista) –

A proposição do framework de avaliação de carga mental se deu por meio do registro e compilação da percepção e validação de requisitos e funcionalidades definidos

Sabe que a amo, e por conseqüência é claro que desejo merecer todo, com- pletamente todo o seu amor para satisfação de um dos meus pensamentos dominantes ; e como não ha meio de

Efeitos renais como retenção de líquidos e edema foram reportados em associação à terapia com AINEs, incluindo diclofenaco, deve ser dedicada atenção especial a pacientes

Definição: consiste na relação entre o número de casos de ocorrência de um determinado foco / diagnóstico de enfermagem e o total de casos (episódios de

In this paper we investigate the quasi-invariance property of fractional Poisson measures with respect to the diffeomorphism subgroup and we construct spaces of test and gener-

A função da revista consistia em divulgar a política cultural do estado, expor as ideias dos intelectuais baianos, defender as coisas da Bahia elitista, alertar a comunidade