• Nenhum resultado encontrado

Incêndios florestais em Portugal: dinâmicas e políticas

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Incêndios florestais em Portugal: dinâmicas e políticas"

Copied!
101
0
0

Texto

(1)

Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

Incêndios Florestais em Portugal: dinâmicas e políticas

Dissertação de Mestrado em Engenharia Florestal

Paulo José Vaz Rainha Mateus

Orientador:

Paulo Alexandre Martins Fernandes

(2)

II

Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

Incêndios Florestais em Portugal: dinâmicas e políticas

Dissertação de Mestrado em Engenharia dos Recursos Florestais

Paulo José Vaz Rainha Mateus

Orientador:

Paulo Alexandre Martins Fernandes

Composição do Júri:

Simone da Graça Pinto Varandas Hermínio da Silva Botelho

Paulo Alexandre Martins Fernandes

(3)

III

As ideias apresentadas nesta Tese são da exclusiva responsabilidade do autor.

(4)

IV

À minha mulher Conceição e filhos Simão, Tiago e Francisco Aos meus pais

Pela Floresta

(5)

V

Resumo

Com uma incidência média anual de fogo na ordem dos 3% da sua superfície florestal, Portugal é o país europeu mais afetado por incêndios florestais. É apresentada a dinâmica dos incêndios florestais em Portugal nas últimas quatro décadas (o regime de fogo e as perdas correspondentes), assim como as variáveis socioeconómicas, ambientais e políticas correspondentes. São descritas as mudanças ocorridas no decurso do século XX, ao nível do uso da terra (florestação e abandono rural) e do clima. As opções políticas, estratégias e planos elaborados e executados após os anos extremos de fogos florestais de 2003-2005 são discutidos. Diferentes modalidades de gestão de combustíveis são equacionadas. Atualmente a componente da supressão dos incêndios está priorizada relativamente à prevenção de incêndios. No entanto, o problema do fogo está enraizado em fenómenos socioeconômicos que são a causa da ocorrência de incêndios (i.e., os conflitos de uso da terra) e na prevalência de tipos de vegetação não gerida e altamente inflamável. A floresta e a gestão do território e proteção civil têm objetivos diferentes, mas ambas as perspetivas têm de ser tidas em conta na mitigação dos impactos dos incêndios. Gerir a vegetação para induzir maior resiliência ao fogo e mudar o comportamento humano são necessários e devem ser plenamente incentivados e apoiados. Daqui resulta que a atual alocação de recursos deve mudar da supressão de fogo para a prevenção de incêndios, sob uma filosofia de gestão integrada de fogo. O atenuar do problema dos incêndios depende da estabilidade institucional e persistência em seguir uma política de gestão do fogo coerente.

Palavras chave: Regime de fogo; Política de gestão integrada de fogo; Governança; Prevenção; Supressão.

(6)

VI Índice Geral 1 Introdução ... 1 1.1 O regime de fogo ... 3 1.2 Dinâmica do fogo ... 10 1.2.1 Perdas 10 1.2.2 As causas que estão por de trás das causas 12 2. Estratégia Nacional para as Florestas ... 19

2.1. Novos riscos e riscos percebidos ... 21

2.2 Minimizar os riscos ... 23

2.3 Ações e responsabilidades ... 25

3. Plano Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios ... 27

4. Gestão integrada do fogo ... 33

4.1 Estratégias de prevenção ... 35

4.1.1 Fogo prescrito 39 4.1.2 Queimas tradicionais 41 4.2 Estratégias de supressão de incêndios ... 43

4.3 Um novo balanceamento na alocação dos recursos ... 44

4.4 Gestão integrada do fogo - oportunidades ... 46

4.4.1 Prosseguir o Plano Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios 46 4.4.2 Organização do Conhecimento e Técnica 47 4.4.3 Programa Nacional de Prevenção 48 4.4.4 Programa Nacional de Uso do Fogo 48 4.4.5 Outros contribuintes para o SNDFCI 49 4.4.6 Areópago 49 5 Síntese final ... 51

Nota auxiliar indispensável ... 55

(7)

VII

Anexos ... 61

Anexo 1: séculos XIX e XX ... 61

Anexo 2: Estatística – 1980 a 2012 ... 63

Anexo 3: A dimensão e intensidade dos incêndios em Portugal Continental ... 64

Anexo 4: Tipologias de incêndios ... 65

Anexo 5: A Vida Humana ... 66

Anexo 6: As causas dos incêndios investigadas em Portugal ... 67

Anexo 7 [reflexão- contraditório]: O abandono como oportunidade e a resolução da falha de mercado ... 68

Anexo 8 - Reflexão sobre o tema da estabilidade do Sistema de DFCI – pilar da prevenção estrutural - informação do período 2003 – 2012 ... 70

Anexo 9 - Sobre o posicionamento do Serviço Florestal do Estado ... 80

Anexo 10 - Motivações dissonantes ... 82

Anexo 11 - Eixos de ação do PNDFCI... 83

Anexo 12 – Sistema Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios ... 87

Anexo 13 – O Estudo de base do Plano DFCI realizado pelo ISA denuncia o âmago do problema ... 92

(8)

VIII

Índice de figuras

Figura 1 - 11 anos de incêndios ... 2

Figura 2 - Médias móveis (1984-2012) ... 5

Figura 3 – Recorrência de incêndios ... 5

Figura 4 - Muito grandes incêndios ... 7

Figura 5 - Evolução do n,º de ocorrências e da área ardida na década 2003 a 2012 .. 30

Figura 6 - Evolução da área ardida em função das metas do PNDFCI ... 30

Figura 7 – N.º de incêndios ativos com duração superior a 24 horas ... 31

Figura 8 - % de reacendimentos por ano ... 31

Figura 9 – N.º de muito grandes incêndios por ano... 32

Figura 10 – O papel central do fogo (Fire Paradox Project) ... 35

Figura 11 – Esquema hipotético de balanceamento de recursos de prevenção e combate ... 54

Índice de quadros Quadro 1 – Dados das áreas ardidas para os países da EU-27 ... 3

Quadro 2 – Estatística de países do sul da Europa ... 4

Quadro 3 - Área ardida em Portugal, distribuição por uso do solo e tipos de espécie florestal, e incidência do fogo. ... 8

Quadro 4 - Custo social dos incêndios em Portugal entre 2000 e 2012.* ... 11

Quadro 5 - Relação da atividade de incêndios, em Portugal (2001-2010), com o índice de perigo de incêndio. ... 13

Quadro 6 – Responsabilidades institucionais ... 28

(9)

IX

Lista de abreviaturas, siglas, símbolos ou acrónimos

AFN Autoridade Florestal Nacional GNR Guarda Nacional Republicana Afocelca Agrupamento complementar de empresas para a proteção contra incêndios ACE GRR Grupo de reforço rápido ANIF Autoridade Nacional para os Incêndios

Florestais GTF Gabinete Técnico Florestal

ANPC Autoridade Nacional de Proteção Civil Ha Hectare APIF Agencia para a Prevenção de Incêndios

Florestais ICNF

Instituto de Conservação da natureza e das Florestas

CB Corporações de Bombeiros IF Instituto Florestal

CBE Centro de Biomassa para a Energia IFADAP Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas CDOS Centro Distrital de Operações e Socorros IFN Inventário Florestal Nacional

CE Comissão Europeia INTERREG Programa de Cooperação Territorial CMDF Comissão Municipal de Defesa da Floresta ISA Instituto Superior de Agronomia

Coord Coordenador Km Quilómetros

Cv Civil LIFE

EU's financial instrument supporting environmental, nature conservation and climate action projects

DFCI Defesa da Floresta contra Incêndios M Milhões DGEG Direção Geral de Energia e Geologia N.º Número DGRF Direção geral dos Recursos Florestais NW Noroeste DIPE Dispositivo Integrado de Prevenção

Estrutural PEIF Plano Específico de Intervenção Florestal

DL Decreto-Lei PGF Plano de Gestão Florestal

DR Doutor PIB Produto interno bruto

ECIN Equipas de combate a incêndios PNAC Plano Nacional para as Alterações Climáticas EEAGrants Mecanismo Financeiro do Espaço

Económico Europeu PNDFCI

Plano Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios

EFFIS Sistema de Informação Europeu de Fogos

Florestais (Joint Research Centre) PNSF Programa Nacional de Sapadores Florestais EFI European Forest Institute POM Plano Operacional Municipal

ENF Estratégia Nacional para as Florestas PONACIF Plano Operacional Nacional de Combate a Incêndios Florestais

EU União europeia PRACE Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado FAO Food and Agriculture Organization of the

United Nations PROF Plano Regional de Ordenamento Florestal FEADER Fundo Europeu Agrícola de

Desenvolvimento Rural PSF Programa de Sapadores Florestais FEDER Fundo Europeu de Desenvolvimento

Regional PV Postos de vigia

FFP Fundo Florestal Permanente QCA Quadro Comunitário de Apoio FSE Fundo Social Europeu RCM Resolução de Conselho de Ministros FWI Fire Weather Index RDFCI Redes de Defesa da Floresta contra Incêndios GAUF Grupo de Análise e Uso do Fogo SEPNA Serviço de Proteção da Natureza e Ambiente GEE Gases com efeito de estufa SGIF Sistema de gestão de Incêndios Florestais GEFOCO Grupo de Especialistas em Fogo controlado SMPC Serviço Municipal de Proteção Civil GFMC Global Fire Monitoring Center SNBPC Serviço nacional de Bombeiros e Proteção

Civil

GIF Gestão Integrada do Fogo SNDFCI Sistema Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios

GIPS Grupo de Intervenção de Proteção e

Socorro UNECE

United Nations Economic Commission for Europe

(10)

1

1 Introdução

As paisagens são dinâmicas em resultado de acontecimentos perturbadores das comunidades que as formam. Essas perturbações nas estruturas das populações, as disturbâncias dos ecossistemas, alteram os recursos, retirando-lhes disponibilidade ou o ambiente físico (Alves, 2012).

O ecossistema dinâmico, a evolução das manchas, do mosaico de manchas que assumem diferentes estágios de sucessão, está sujeito a perturbações naturais e, cada vez mais, antropogénicas. Tando os efeitos destas perturbações como as respostas dadas pelos ecossistemas são processos naturais, desenvolvendo diferentes equilíbrios e não um equilíbrio estático, fixo. (Alves, 2012).

O fogo constitui uma perturbação, ou disturbância, decorrente de uma combinação de fatores naturais e antropogénicos, cujas características espaciotemporais (o regime de fogo) podem ser descritas e quantificadas (Gill e Allan, 2008).

O fenómeno dos incêndios florestais que é consequência dum conjunto de perturbações será identificado, neste trabalho, e por razões de simplicidade, como uma “disturbância” ou “perturbação” individualizada, no contexto do setor florestal nacional.

Os incêndios florestais são a maior ameaça que as florestas do sul da Europa enfrentam, e o problema pode escalar com as mudanças climáticas e a persistência nas alterações no uso do solo que reforçam a inflamabilidade ao nível de paisagem (Moreira et al, 2011; Fernandes, 2013). Os incêndios florestais afetam os ecossistemas e as comunidades humanas, com consequências negativas ambientais e socioeconómicas, como a desertificação, a erosão do solo, a falta de abastecimento de água, e outros prejuízos económicos elevados. Os incêndios florestais são atualmente a principal perturbação florestal e estão entre as maiores preocupações ambientais em Portugal.

A ameaça, que é representada essencialmente pelos grandes incêndios de impacto significativo, não é, no entanto, uma novidade contemporânea, por exemplo Goes (1977) menciona vários grandes incêndios na década de 1960, incluindo um mega incêndio no sul de Portugal, com " milhares de hectares " e um comprimento de 40 quilómetros.

A ideia do impacto da disturbância “incêndios” em Portugal continental fica bem evidente pela observação do mapa 1, onde se podem ver, como se de cicatrizes se tratasse, as áreas ardidas de 2000 a 2010.

(11)

2

Figura 1 - 11 anos (2000-2010) de incêndios

Neste primeiro capítulo faz-se uma reflexão focada na análise da disturbância, especificamente no regime da disturbância natural e antropogénica (o incêndio florestal como consequência das condições edafo-climáticas e das emergências sociais ou dos acontecimentos e eventos societários).

Assim, para conhecer o regime da disturbância “incêndios” é necessário perceber: 1) A frequência (número de ocorrências por unidade de tempo), ou o seu inverso, o intervalo de retorno, ou repetição, i.e, o tempo médio entre ocorrências de incêndios num mesmo espaço (recorrência);

2) A severidade ou o prejuízo que resultou dos incêndios, comparado com o que havia antes da perturbação - a dinâmica do fogo;

3) A escala da disturbância, o padrão espacial, a informação sobre os efeitos da disturbância “incêndios”, a vários níveis e espaços nas paisagens - o impacto ou escala da disturbância – as perdas.

Para além desta análise da disturbância é importante perceber a sua estabilidade, nas componentes de resistência e resiliência, e os processos de recuperação ou restauro. Adiante, ainda neste capítulo, abordam-se os impactos negativos dos incêndios florestais em Portugal, descrevem-se as suas causas estruturais (incluindo a instabilidade nas políticas e agências) e, nos capítulos seguintes, trata-se a gestão de fogo tal como é feita na atualidade, e suas perspetivas de desenvolvimento.

(12)

3

1.1 O regime de fogo

O regime de fogo pode ser caracterizado em termos de extensão, a percentagem de área queimada anual cuja recíproca é o período de rotação de fogo, i.e, o tempo necessário para queimar uma área do tamanho de uma região em estudo; frequência, que determina o intervalo de retorno, a média dos períodos de tempo entre fogos consecutivos em uma determinada área; gravidade, a magnitude dos efeitos causados; e sazonalidade. O conceito de regime de fogo é um tema central em ecologia e gestão do fogo e comparações regionais permitem compreender quais os fatores que determinam e restringem (ou favorecem) a atividade do fogo, por sua vez, permitindo o delineamento de estratégias e políticas de gestão de incêndios.

Vamos começar por caracterizar o regime de fogo no contexto europeu e em Portugal. Todos os valores resultam das análises de dados oficiais, de registos de incêndio ou mapas oficiais, dados do inventário florestal nacional ou de índices de perigo ou risco de incêndio.

O conhecimento do regime de fogo tem importância à escala regional e para um horizonte temporal de décadas e reflete as condições estruturais, o clima, a topografia, a vegetação e o uso do solo, que influenciam diretamente o estado dos combustíveis.

Quadro 1 – Dados das áreas ardidas para os países da EU-271

Região 1990 2000 2005

Europa Área florestal ardida (M ha) 1,0 1,5 1,4 % área florestal ardida 0,1 0,2 0,1 Europa sem Federação

Russa

Área florestal ardida (M ha) 0,3 0,3 0,3 % área florestal ardida 0,2 0,1 0,2 Região Área florestal ardida (1 000 ha) % área florestal ardida

Federação Russa 1081,3 0,1 Norte da Europa 5,3 0,0 Europa Central-Oeste 27,3 0,1 Europa Central-Este 18,7 0,0 Sudoeste Europeu 196,1 0,6 Sudeste Europeu 37,3 0,2 Europa 1 366,0 0,1

Europa sem Federação Russa 284,7 0,1

EU-27 251,2 0,2

1

Dados compilados a partir do Sistema de Informação Europeu de Fogos Florestais (EFFIS - Joint Research Centre) desenvolvido conjuntamente pela Comissão Europeia e pelos Estados Membros.

(13)

4

De acordo com o relatório do estado das florestas europeias 2011 (Forest Europe, UNECE e FAO, 2011), que utilizou dados referentes ao período 1990 a 2005 não é consistente a tendência de aumento da área florestal afetada por incêndios na Europa (quadro 1). No entanto, em 2005 os incêndios florestais afetaram uma área maior na região Europeia do que em 1990, enquanto na contabilização da Europa sem a Federação Russa essa tendência foi inversa.

No panorama nos países da Europa do sul, onde os incêndios têm atingido maiores dimensões, Portugal é o país mais afetado por incêndios florestais. Esta tendência mantem-se contante no tempo dado não existirem períodos nos quais a área ardida é menor, como observado em outros lugares, por exemplo, em Espanha (Moreno et al, 2013).

Quadro 2 – Estatística de países do sul da Europa

País

Densidade de

ignição Área ardida

Dimensão média dos incêndios % incêndios>500 ha (n.º 100 km-2)* (%) ** >1 ha N.º Área Portugal 24,0 a 2,84 a 24,5 b 0,80 ab 42,4 ab Espanha 3,5 b 0,53 b 18,4 b 0,46 b 35,2 ab França 0,7 bc 0,10 b 14,6 b 0,41 ab 29,7 ab Itália 2,3 bc 0,66 b 16,4 b 0,28 b 16,4 b Grécia 0,7 c 0,53 b 90,3 a 2,07 a 48,2 a

* >0,01 ha. ** Engloba floresta e matos.

Em cada coluna as médias seguidas pela mesma letra não são significativamente diferentes (p> 0,05), teste de Tukey-Kramer HSD.

Os incêndios florestais, na atualidade, assumem-se como a “maior perturbação” do sector florestal e figuram na lista das maiores preocupações dos Portugueses. Ao longo da história florestal do país, encontram-se evidências de grande preocupação com a ameaça que representam os incêndios florestais (anexo 1 – séculos XIX e XX). A compilação de dados de incêndios obtida por imagens Landsat (Oliveira et al, 2012) indica um acumulado de área queimada de 4,2 x 106 ha entre 1975 e 2012 (quadro 2). Uma média anual de 1,4 x 105 hectares ardidos no período 2000-2011 corresponde a 3 % da área florestal e traduz um intervalo médio de retorno de fogo em torno dos 30 anos. A probabilidade de arder é prevista com um grau de certeza razoável, sendo função da recorrência de fogo, do declive e do tipo de cobertura do solo (Verde e Zêzere, 2010).

(14)

5

A tendência da evolução do panorama dos incêndios em Portugal continental é indicada, no gráfico seguinte, pela média móvel (5 anos) da área ardida.

Figura 2 - Médias móveis (1984-2012)

Da década de 80 até início de 2000, a tendência de aumento da área ardida anual é ligeira, porém na década de 2000 o fenómeno dos incêndios florestais teve uma incidência bastante expressiva em especial nos anos 2003 a 2005. É uma realidade cada vez mais presente, a possibilidade de ocorrerem acontecimentos muito extremos em Portugal, por vezes simultâneos. Na segunda metade da década de 2000 o fenómeno dos incêndios voltou a assumir níveis mais baixos de preocupação, porém existe atualmente a perceção (as áreas ardidas dos anos 2011 e 2012 para isso contribuíram) do agravamento do problema (anexo 2: Estatística – 1980 a 2012).

Figura 3 – Recorrência de incêndios 0 50000 100000 150000 200000 250000 19 84 19 85 19 86 19 87 19 88 19 89 19 90 19 91 19 92 19 93 19 94 19 95 19 96 19 97 19 98 19 99 20 00 20 01 20 02 20 03 20 04 20 05 20 06 20 07 20 08 20 09 20 10 20 11 20 12 M é d ia m ó ve l ( h a) - 5 an o s

(15)

6

Está, pois, instalado na sociedade portuguesa o receio da repetição dos acontecimentos dramáticos experienciados nos anos 2003 a 2005. A figura 3 ilustra de forma muito clara a recorrência dos incêndios (áreas ardidas) em Portugal nos últimos 35 anos.

Uma consequência imediata da análise da recorrência neste período de 35 anos é a possibilidade de avaliar da viabilidade dos investimentos florestais. Nas zonas onde nunca ardeu temos uma eficácia total da opção de investir na floresta (seja ela de conservação ou produção).

Nos locais que arderam uma vez é possível viabilizar o investimento, porém com dilação do tempo de retorno dos dividendos (mais uma vez os valores em causa podem ser o resultado de opções de conservação ou produção florestal). Em todas as situações em que ardeu duas vezes o investimento terá ficado comprometido, com eventualmente a exceção das plantações de eucalipto ou em carvalhais nos quais o fogo não tenha atingido grande intensidade. Se a recorrência de incêndios em 35 anos foi de três ou mais vezes, a viabilidade do investimento florestal fica definitivamente comprometida, sendo necessário optar pela repetição integral do investimento (possibilidade ilógica se se mantiver este regime de fogo (anexo 3 - A dimensão e intensidade dos incêndios, em Portugal Continental).

Como se viu atrás, em Portugal Continental a taxa de incidência de incêndios em floresta era substancialmente superior à de outros países europeus. As regiões que têm maior incidência de fogo ardem a uma taxa média de 6% ao ano, i.e, com um prazo médio de retorno de fogo de 17 anos (Vilén e Fernandes, 2011). Ambos os valores, absolutos ou relativos, são os mais altos dos países da Europa do sul, sendo resultado da elevada densidade de ignição, agravado pela relevância dos grandes incêndios de dimensões superiores a 500 ha (quadro 2).

Quando comparamos a taxa de incidência em floresta entre os anos 1995 a 2010, a proporção de área queimada é pouco maior do que 0,1%, para as diferentes regiões europeias com exceção da Europa Ocidental-Sul onde cerca de 0,6 % da área florestal foi atingida por incêndios.

O relatório do estado das florestas europeias 2011 (Forest Europe, UNECE e FAO, 2011) aponta Portugal como o país que tem a maior área percorrida por incêndios (104 000 ha ou 3 % da área total de floresta), enquanto em Itália, Espanha e França menos de 1% da área florestal ardeu.

(16)

7

No período 2001 a 2005, em Portugal, a incidência dos incêndios por área arborizada aproxima-se de 4%, porém no período seguinte (2006-2012) a incidência baixou para valores pouco acima da meta definida no Plano Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios, da ordem dos 0,8%, dentro do cenário normal dos países mediterrâneos. Os grandes incêndios, como atrás se indicou, são os que causam grandes prejuízos à sociedade e atingem por vezes os próprios espaços urbanos (figura 4).

Os médios-grandes incêndios, i.e. >100 ha, são de especial preocupação por causa dos danos associados, e responsáveis por 93% da área ardida em 2003, o ano com incêndios mais extremos. A resolução do problema dos incêndios deverá por isso considerar os aspetos particulares dos incêndios de maior dimensão.

Em Portugal a densidade de ignição e a área queimada não têm qualquer relação. Enquanto a primeira está altamente correlacionada com a densidade populacional e é especialmente alta em torno dos centros urbanos do noroeste de Portugal (Catry et al, 2009), a segunda está associada a altitudes mais elevadas e terreno íngreme, áreas de matos e em zonas de menor densidade populacional do norte e centro do país (Marques et al, 2011) (anexo 4: Tipologias de incêndios).

Figura 4 - Muito grandes incêndios

O conhecimento do intervalo de retorno do fogo é, como já foi referido, fundamental para a gestão florestal, em particular no que diz respeito às decisões de investimento de instalação e manutenção de povoamentos florestais. A probabilidade de arder, seja real, como função do historial de incêndios, ou, seja apenas o resultado da perceção

(17)

8

dos gestores florestais, desempenha um papel condicionante na seleção de espécies para arborização. Por exemplo, um intervalo baixo de retorno do fogo (digamos <20 anos) favorece a plantação de espécies de crescimento rápido, como o eucalipto (Eucalyptus globulus), que apesar de ser uma exótica é hoje o tipo de floresta que mais se expandiu no país. Uma ainda maior frequência de fogo vai impedir a persistência da floresta e mudar a paisagem para uma posição dominante de matos ou pastagens. Por outro lado, intervalos de retorno do fogo mais elevados (> 40 anos) apoiam a opção da plantação de pinheiros ou de espécies de carvalho de crescimento relativamente lento. A média e a mediana dos intervalos de retorno de fogo (1975-2005) em Portugal são de 36 e 28 anos, respetivamente, e são menores do que 25 anos na maior parte do norte de Portugal (Oliveira et al, 2012). No entanto, as áreas queimadas duas ou mais vezes nas montanhas ao norte ocidental do país são caracterizadas por um intervalo sem fogo de 12-15 anos (Fernandes et al, 2012). A figura 3 mostra a área queimada em 1975-2012 por classes de recorrência de fogo, ou seja, o número de vezes que cada parcela ardeu.

Quadro 3 - Área ardida em Portugal, distribuição por uso do solo e tipos de espécie florestal, e incidência do fogo. Com base nos dados do ICNF.

Tipo

Área ardida

(103 ha) % Índice de seleção

Matos 587,3 32,1 Pastagens 329,7 18,0 Floresta 645,6 35,3 Pinus pinaster 266,9 41,3 0,35 Eucalyptus globulus 231,6 35,9 0,29 Quercus suber 33,8 5,2 -0,68 Quercus rotundifolia 18,5 2,9 -0,60 Carvalhos 24,8 3,8 0,26 Pinus pinea 10,0 1,5 -0,52 Castanea sativa 4,1 0,6 -0,29 Ceratonia siliqua 0,1 0,0 -0,90 Acacia spp. 1,1 0,2 0,13 Outras folhosas 25,0 3,9 -0,15 Outras resinosas 18,3 2,8 0,15 Indeterminado 11,5 1,8 Outros tipos de ocupação 268,7 14,7 Total 1831,2 100,0

(18)

9

O quadro 3 reporta a área ardida em Portugal por tipo de uso do solo e por espécie florestal (1996-2012).

Mais de metade (56,8%) da área de cicatrizes de incêndio mapeada resulta de um único evento de fogo, o que equivale a um intervalo de retorno de fogo de 38 anos, que é compatível com a produção florestal. Áreas queimadas 2-3, 4-8, e 9-15 vezes representam respetivamente 33,5, 9,5 e 0,2% do total da área queimada. Mais de dois terços da superfície queimada diz respeito a tipos de cobertura não-florestais, especialmente matos, o que comprova o caráter abrangente desta disturbância, que atinge todo o espaço ruralizado, estravasando em muito a ocupação florestal.

O pinheiro bravo (Pinus pinaster) e o eucalipto (Eucalyptus globulus) são tipos de florestas inflamáveis que dominam o norte e o centro de Portugal e representam 77 % de toda a floresta queimada.

As outras espécies florestais não contribuem substancialmente para a área queimada devido à baixa representatividade (por exemplo, folhosas) ou porque ocorrem em paisagens com menos combustível e onde as taxas de ignição são mais baixas (carvalhos esclerófilos).

A melhor representação da vulnerabilidade ao fogo pode ser obtida por meio do cálculo de índices de seleção pelo fogo, calculados a partir da área queimada por tipo de vegetação em relação à sua abundância. As estatísticas nacionais indicam que a alfarrobeira, o sobreiro e a azinheira e o pinheiro manso são evitados pelo fogo, enquanto o pinheiro bravo, o eucalipto e os carvalhos decíduos são os preferidos pelo fogo. Independentemente dos métodos usados, a análise de incidência do fogo mostra que os matos são muito mais selecionados pelo fogo do que as florestas e que povoamentos de pinheiro bravo são mais propensos ao fogo do que os outros tipos de floresta (Moreira et al, 2009), ou que as azinheiras e os sobreiros são evitados pelo fogo enquanto pinheiros e matos são preferidos pelo fogo (Barros e Pereira, 2014). A seletividade do fogo tende a diminuir com o tamanho do fogo (Nunes et al, 2005; Barros e Pereira, 2014).

Verifica-se, também, da análise do quadro 3 que os incêndios têm tido grande impacto nos povoamentos de outras resinosas, cujo caráter é marginal na floresta nacional. Os cupressos, camaeciparis, pseudotsugas, são exemplos das outras resinosas, enquanto as bétulas, as faias, os áceres, os plátanos, os choupos, etc, constituem o grupo das “outras folhosas”. Estas espécies surgem normalmente em pequenos núcleos ou nas linhas de água que são varridas pelos grandes incêndios. Este é um aspeto preocupante de perda de diversidade biológica e paisagísca.

(19)

10

O pinheiro bravo e o eucalipto são as culturas com maior incidência de incêndios. Este facto não pode deixar de estar associado a reduções na produção de madeira, em especial no que diz respeito ao pinheiro bravo, que demonstra uma tendência para uma redução gradual dos seus volumes explorados.

1.2 Dinâmica do fogo

A dinâmica dos incêndios é entendida pelo estudo da severidade da disturbância, i.e., o resultado da perturbação (o dano) dos incêndios, quando comparado com o que havia antes da perturbação.

A evolução do panorama dos incêndios em Portugal é, também, explicada por causas estruturais cujo efeito são os incêndios florestais. São as causas por de trás das causas da ignição de incêndios florestais e constituem o problema real que tem de ser resolvido.

1.2.1 Perdas

A morte de pessoas é a consequência mais dramática dos incêndios florestais. Fatalidades humanas relacionadas com o fogo são, infelizmente, um evento regular em Portugal, nomeadamente de bombeiros, que morrem no combate ao incêndio ou em acidentes, e de agricultores idosos vítimas de fogueiras, queimas e queimadas de que perderam o controlo. 97 vidas humanas foram ceifadas em 2002-2013 como um resultado direto de incêndios rurais, dos quais 47% eram civis e 53% eram bombeiros (anexo 5 – A vida humana). Para além das fatalidades muitas pessoas ficam feridas nos incêndios. Durante os anos extremos de 2003 mais de mil pessoas precisaram de assistência médica por causa da inalação de fumo, de queimaduras, feridas e outros problemas relacionados com o fogo.

A verdadeira dimensão do problema de um incêndio pode ser avaliada por via de seu custo social, que é a mais negativa das externalidades relacionadas com as florestas. Os serviços dos ecossistemas, tais como a conservação da biodiversidade, do solo e conservação da água e armazenamento de carbono são considerados nesta avaliação. O valor económico total das florestas e áreas naturais é de 1,3 x 103 € em 2001, ou 344 € ha-1 ano-1 (ISA, 2005). O custo social dos incêndios florestais variou entre 0,2 e 1,0 x 103 €, ou seja, 20 a 80 % da produção florestal anual (quadro 4). Os números que se seguem dizem respeito a 2000-2004 (ISA, 2005). Os custos de gestão do fogo eram de 600 € por hectare de terra queimada, e os custos associados

(20)

11

à perda e recuperação pós incêndio de bens e serviços chegaram a 3.500 € por hectare de floresta queimada. O investimento médio anual de gestão do fogo foi de 18,3 € por hectare de floresta existente, com uma relação nominal supressão/prevenção de 2/2:1. No entanto, estima-se, a título de exemplo, que a pré-supressão e a pré-supressão devam ter absorvido 94% do orçamento de gestão de incêndios em 2010.

Quadro 4 - Custo social dos incêndios em Portugal entre 2000 e 2012.*

Custo (106 €) 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Prevenção e pre-supressão 22,1 27,3 24,0 24,2 52,7 10,9 12,4 27,7 26,6 24,0 23,2 22,9 14,8 Supressão 67,9 58,9 68,7 65,9 68,9 48,5 55,3 60,3 68,3 70,7 74,2 67,3 75 Produtos e serviços 173,7 116,7 156,6 650,6 141,3 486,7 109,2 46,8 25,2 125,5 191,0 106,0 158,2 Recuperação pós-fogo 68,6 45,3 65,2 286,1 57,1 213,9 36,3 9,8 5,5 24,1 46,1 20,0 48,1 **Custo social total 264,4 189,3 245,8 960,9 204,1 700,6 145,5 84,3 57,3 173,6 237,1 126,0 206,3 * Baseado em ISA (2005) e dados oficiais (ICNF, 2005-2012) não publicados.

** Excluindo o custo de supressão.

O pinheiro bravo e o eucalipto são os principais produtos florestais em Portugal, o que implica que a alta incidência de fogo nestas espécies origina mudanças na estrutura etária para classes mais jovens, diminuindo a quantidade de madeira disponíveis para serração e diminuindo o interesse da indústria de eucalipto na produção de celulose (Rego et al, 2013).

A área florestal diminuiu 4,6% entre 1995 e 2010, correspondendo a uma redução líquida de apenas 0,3% ano-1, ou 104 ha ano-1 (ICNF, 2013). Este fato pode constituir uma surpresa, considerando a elevada incidência de fogo e antes de tudo é explicado pela contribuição dos matos e pastagens para a área total queimada (quadro 3). Além disso, os tipos de floresta dominantes têm resistências ao fogo, como é o caso dos eucaliptos e dos carvalhos que rebentam de toiça (Catry et al, 2010) e do pinheiro bravo que regenera abundantemente após o fogo (Fernandes e Rigolot, 2007). No entanto, a área ocupada por pinheiro bravo diminuiu em 263 x 103 ha entre os inventários florestais de 1995 e 2010, enquanto o eucalipto expandiu sua distribuição em 81 x 103 ha (ICNF, 2013). O pinheiro bravo é de fato o grande contribuinte para a diminuição observada de área florestal. Embora os cortes sanitários para controlar a propagação do nemátodo da madeira do pinheiro também tenham responsabilidade,

(21)

12

os incêndios são o principal fator que justifica o declínio de pinheiro bravo: fogos com intervalos de recorrência < 20 anos comprometem a regeneração, porque a espécie é incapaz de produzir sementes e atingir a maturidade (Fernandes e Rigolot, 2007). A expansão do eucalipto também pode ser explicada indiretamente pela incidência de fogo, pois pode induzir os proprietários florestais a substituírem o pinho pelo eucalipto, uma espécie de rotação curta, portanto, relativamente compatível com fogo frequente (Pereira et al, 2006).

No geral, nas últimas décadas, a floresta do continente português tem conseguido resistir a regimes de fogo mais frequentes. O fogo é um fator importante no equilíbrio entre as diversas espécies florestais, selecionando de modo diferente as formações dominadas pelas diferentes espécies. A frequência de fogo é determinante para as transições entre as diversas formações, com os matos associados a fogos mais frequentes e as diversas formações florestais a perder importância com maiores frequências de fogo, com exceção do eucalipto (Rego, 2014).

1.2.2 As causas que estão por de trás das causas

As causas dos incêndios florestais são múltiplas e em Portugal, como no resto da Europa, são essencialmente antropogénicas. Os falsos alarmes e os reacendimentos representam 8,4% do número total de ignições (2001-2012) que foram investigadas com sucesso, ou seja, cuja causa foi identificada (anexo 6 - As causas dos incêndios investigadas em Portugal). A negligência (incluindo acidentes), a intencionalidade, os raios foram a causa de, respetivamente, 65,4, 33,4 e 1,2% das ignições remanescentes; aproximadamente metade dos incêndios com causa negligentes está ligada a práticas de uso do fogo para renovação de pastagens. A ignição é, contudo, apenas um dos fatores envolvidos na ocorrência de fogo, sendo os outros a biomassa (combustível potencial), a disponibilidade para queimar (função da humidade, conforme determinado pelo tempo recente e seca) e da probabilidade de propagação do fogo em resposta às condições meteorológicas (Bradstock, 2010).

As causas de incêndio referidas e o comportamento do incêndio consequente são, no entanto, o resultado de causas mais profundas. Numa análise de causa-efeito, é percetível que as ignições causadas pelo homem são na realidade o efeito de causas ou problemas estruturais das paisagens rurais, o resultado dos usos tradicionais do fogo no (novo) contexto de uma paisagem altamente inflamável.

(22)

13

As causas estruturais que resultam em incêndios florestais explicam a dinâmica do regime de fogo. As causas estruturais são, efetivamente, o problema que deve ser resolvido pelas políticas de gestão de incêndios.

O atual regime de fogo na parte norte da Bacia do Mediterrâneo reflete as modificações no uso do solo, com uma utilização menos intensiva e paisagens mais inflamáveis (Moreira et al, 2011). As mudanças climáticas que aumentam a severidade meteorológica (Moriondo et al, 2006) são também refletidas no regime de fogo na atualidade. Mas também as políticas de supressão de fogo que pretendem diminuir a área ardida (e.g. Moreno et al, 2013), uma vez que tal efeito é contrabalançado pela acumulação de combustível, e não se espera que esse efeito se faça sentir no futuro (Collins et al, 2013). O uso tradicional do fogo ainda persiste em algumas regiões montanhosas complicando ainda mais a gestão do fogo neste processo de mudança global (Fernandes et al, 2013).

O clima e a meteorologia: Os incêndios estão intimamente ligados às condições do clima e da seca. Carvalho et al (2008) explicaram mais de 80% da variabilidade mensal da área ardida em Portugal através do sistema canadiano Fire Weather Index, cujos outputs são calculados da temperatura ambiente, humidade relativa, velocidade do vento e precipitação antecedente (Van Wagner, 1987).

Quadro 5 - Relação da atividade de incêndios, em Portugal (2001-2010), com o índice de perigo de incêndio.

Risco de incêndio

N.º

incêndios Área ardida (%) Reacendimentos

Incêndios >1 ha Incêndios >100 ha Dimensão dos incêndios (ha) Classe (%) Floresta Total (%) (%) (%) perc. 99 Max.

Baixo 13,3 1,2 2,1 15,7 1,5 0,08 11,0 642

Moderado 18,1 2,5 3,1 14,2 2,7 0,09 11,7 1742

Alto 19,5 4,3 5,0 14,4 4,0 0,19 15,0 2975

Muito alto 31,4 25,0 26,7 19,0 5,3 0,63 57,0 16770

Extremo 17,8 67,1 63,1 22,3 6,3 1,99 297,3 22190

A maior parte (80%) da superfície queimada decorre de incêndios que acontecem em apenas 10% dos dias de Verão (Pereira et al, 2005). A área queimada, os grandes incêndios, aumentam à medida que o índice meteorológico se agrava (quadro 5). Em Portugal, as duas classes superiores de risco de incêndio (muito alta e extrema) - definidas por limites no Sistema Canadiano de Indexação do Perigo de Incêndio - concentram a maior parte dos incêndios. Os dias com risco extremo são 0,4 a 19,8% do número total de dias, dependendo da região, mas uma menor densidade de ignição

(23)

14

e uma limitada disponibilidade de combustível tendem a diminuir a atividade de fogo no sul de Portugal, onde o risco de fogo é consistentemente superior.

Os cenários das alterações climáticas para o século XXI prevêem que a precipitação anual em Portugal será reduzida em 20 a 40% do valor atual, devido à estação das chuvas ser mais curta, e que as temperaturas anuais de Verão vão aumentar, especialmente no interior (Miranda et al, 2002). É esperado que aumente o deficit de água no solo, a degradação dos solos, a desertificação e o risco de incêndio, e as mudanças climáticas irão diretamente (por meio de stress ambiental) e, indiretamente (através do regime de fogo alterado e de uma maior mortalidade de árvores devido a agentes bióticos) contribuir para modificar os padrões de distribuição de ecossistemas florestais; tipos de florestas de carvalhos esclerofilos mover-se-ão para o norte e a cobertura florestal vai diminuir no sul (Pereira et al, 2002).

Verões secos e quentes mais prolongados na Bacia do Mediterrâneo implicarão campanhas de fogo mais longas, concomitantemente com eventos meteorológicos mais graves e frequentes que levam a incêndios de maior intensidade e com maior impacto (Moriondo et al, 2006). A extrapolação para o futuro das relações atuais entre o clima e o fogo (e,g, Carvalho et al, 2010; Pereira et al, 2013), é porém cheia de incertezas devido à insuficiente compreensão dos processos (Macias Fauria et al, 2011,) e ao desconhecimento das mudanças na vegetação, das fontes de ignição e gestão de fogo (Hessl, 2011; Fernandes, 2013). A resposta da atividade do fogo à meteorologia e ao clima é mediada pela vegetação (Pausas e Paula, 2012), portanto, a frequência e a gravidade dos incêndios futuros serão afetados pelo grau de mudança na produtividade do ecossistema. A atividade do fogo pode, de fato, diminuir em partes do sul da Europa, devido às limitações na progressão do fogo impostas pela falta de combustíveis (Krawchuk et al, 2009).

A pirometeorologia condiciona os grandes incêndios e a área ardida. Os limiares meteorológicos para uma atividade de fogo significativa são bastante variáveis regionalmente, devido a fatores naturais e socioeconómicos. O controlo da área ardida pelo combustível é evidente a escalas regionais e locais, daí a importância de evitar a continuidade do espaço florestal, de aumentar a pirodiversidade gerindo o combustível em mosaico e de controlar a expansão urbana no espaço florestal (Fernandes et al, 2014).

Alterações sociológicas no espaço rústico: Como Costa et al (2011) observaram, a meteorologia funciona como o gatilho para a ocorrência de incêndios com importância

(24)

15

relevante em Portugal, mas as variáveis socioeconómicas ao nível da paisagem induzem importante variabilidade inter-regional. As mudanças na sociedade portuguesa dos anos 1950 a 1970 conduziram a um período de meio século caracterizado pela gestão não sustentável dos recursos florestais. O abandono rural e a diminuição da utilização da biomassa (por exemplo, devido à transição para outras fontes de energia) geraram paisagens não geridas ou sub-geridas em conflito com as expectativas da sociedade (Pinho, 2012).

O “Solo Rústico abandonado” é a mais dramática consequência das profundas alterações ocorridas na sociedade portuguesa nos últimos 40 anos. O problema não é o despovoamento ou a desertificação, mas sim o abandono (anexo 7 – [reflexão-contraditório]: O abandono como oportunidade e a resolução da falha de mercado). Com o abandono perdem-se recursos e património, destrói-se a natureza e ameaça-se a ecologia (Barreto, 2012).

As recentes mudanças socioeconómicas (o êxodo rural, especialmente) resultaram no declínio da agricultura tradicional, facilitando o crescimento e a consolidação de massas arbustivas compactas em terras agrícolas abandonadas e, por sua vez, propiciando a propagação de grandes incêndios (Nunes, 2012). A falta de gestão do território rural e o abandono agrícola, a deficiente resposta dos cidadãos na prevenção de incêndios, o inadequado planeamento territorial e a ausência de investimento em programas de gestão de combustível levou a uma situação social complexa e a paisagens propensas ao fogo.

Os incêndios de 2003, 2004 e 2005 confirmaram o movimento que se vinha desenhando desde os anos 60: o abandono da gestão do território, com a consequente criação de desequilíbrios entre a floresta estabelecida e a nova sociedade que a utiliza (Pinho, 2012).

O mosaico agro-silvopastoril colapsou e atualmente existem extensos territórios, antes agricultados ou pastoreados, dominados por ervas e matos. Todo este solo rústico, pontuado por aldeias e habitações dispersas no território, está vulnerável. Neste contexto a Vida Humana, as habitações, aldeias e cidades estão ameaçadas.

Os espaços bravios em expansão intersetam os perímetros urbanos e estes, em muitas regiões, expandem-se em mancha de óleo sobre a sua envolvente, o que faz das atuais zonas rurais periurbanas, sujeitas a grande pressão humana, locais de grande fragilidade.

Verifica-se também a ausência de uma ampla atitude social que considere a interface urbano florestal como um território de risco. Não se estabelecem relações entre os

(25)

16

recentes episódios de incêndios e a interface urbano florestal e certas dinâmicas territoriais como são o incremento da urbanização dispersa no meio rural e o abandono agrícola.

Eliminar lixos, resíduos e sobrantes agrícolas com o fogo continua a ser um ato comum. Queimar matos e renovar pastagens é também corrente. Fazer fogueiras em picnics é frequente. As populações que vivem no espaços rurais, ou as que os visitam, utilizam recorrentemente o fogo nas suas atividades. É um facto, admitido cientificamente, que nos ecossistemas mediterrâneos o uso do fogo é uma atividade ancestral. Existe, porém, uma baixa perceção do perigo de incêndio por parte de quem utiliza o fogo. As pessoas que usam o fogo atualmente sempre o fizeram sem que isso fosse um problema especial, no entanto, as condições do meio envolvente alteraram-se. Os terrenos estão dominados por ervas e matos. A densidade populacional diminuiu (veja-se a diminuição de 0,45% apenas de 2010 para 2011) e a idade média da população rural subiu significativamente (Pordata, 2011). É hoje mais fácil perder o controlo de uma fogueira.

Como foi referido atrás a negligência é apontada, em espaços agrícolas ou em pastagens, como a principal causa das ignições de incêndios. Estes iniciam-se muitas vezes nos limites dos terrenos agrícolas, próximo de locais com ervas e matos muito desenvolvidos, na sequência de queimadas mal controladas, ou ainda junto a infraestruturas humanas (edifícios, estradas) e, facilmente, afetam a Floresta.

O colapso do tradicional mosaico agro-silvopastoril, a generalização dos combustíveis fósseis e a falta de utilização dos matos para o gado conduziram a uma acumulação de combustível vegetal (ervas e matos) na interface agrícola-florestal que não ocorria há séculos no nosso mundo rural.

A inexistência das tradicionais barreiras de interrupção de combustível – terrenos agricultados por exemplo - faz com que a floresta fique especialmente vulnerável aos incêndios que vêm de fora. Incêndios que percorrem terrenos bravios de matos e ervas, pastos, olivais ou outras culturas agrícolas, entram facilmente pela floresta. Havendo condições meteorológicas propícias, de altas temperaturas, baixa humidade e ventos fortes e, naturalmente continuidade de combustível, o incêndio progride com grande intensidade pela mancha florestal e segue o seu caminho pelo vasto território rústico. Nos últimos anos foram vários os exemplos de grandes incêndios deste género: Catraia - Tavira em 2012 e Picões – Alfandega da Fé, em 2013.

O que conduz, todavia, a um equívoco - o da “limpeza das matas” - a ideia de que é imperativo cortar o mato a eito, de ordenar as florestas, de identificar os proprietários e

(26)

17

administrar coimas. Esta ideia é um mito: - não é economicamente viável e seria um crime ecológico proceder à “limpeza das matas”, tal como é comummente apregoado (Pereira e Oliveira, 2013b). É normal existirem ervas e arbustos num bosque ou numa mata. Estes fazem parte de um ecossistema saudável, complexo, que beneficia o próprio povoamento florestal.

A floresta é um recurso que é percecionado pela população e pela comunicação social como “a raiz do problema” – são as “matas que precisam de ser limpas” – mas, pelo contrário a silvicultura contribui decisivamente para o desenvolvimento rural e para a criação de valor social, ecológico e económico em Portugal.

A floresta ocupa 1/2 do solo rústico. Segundo a estatística dos incêndios rurais, em média, apenas 1/3 da área ardida anual é ocupada por matas ou bosques.

É fundamental perceber que o problema é vasto e abrangente e compromete as áreas de competência de vários Ministérios e, em última análise, envolve toda a sociedade. O exacerbar do problema dos incêndios é também o resultado das mudanças institucionais frequentes e da perda da capacidade do Estado de intervir, sem uma contrapartida do setor privado. As políticas de gestão de incêndios têm sido marcadamente reativas, inconsistentes e míopes. A gestão do fogo reforçou consecutivamente os recursos para a supressão de fogo em vez de abordar as causas estruturais, ou seja, a estrutura fundiária, a floresta e a gestão do território, a autoridade do Estado, a coesão social e a regulação dos mercados agrícolas e florestais e de solo (ISA, 2005).

A instabilidade inerente às mudanças intermináveis nos quadros legais e institucionais é reconhecida como um aspeto fraco do sistema de DFCI (Silva et al, 2008) (anexo 8 - Reflexão sobre o tema da estabilidade do Sistema de DFCI – pilar da prevenção estrutural - informação do período 2003 – 2012). As iniciativas legislativas avulsas, de enfoque operacional e de curto prazo, sem obedecerem a uma estratégia consistente, têm marcado as políticas reativas de prevenção e de combate a incêndios florestais. As frequentes alterações institucionais, a constante e paulatina delapidação técnica e da capacidade de intervenção do Estado (anexo 9 - Sobre o posicionamento do Serviço Florestal do Estado), sem que o sector privado tenha capacidade no curto e médio prazo de assegurar essa valência, e o afastamento da sociedade relativamente à floresta e seus valores, como suporte da sua própria existência e da sua identidade, contribuíram para o agravamento do problema dos incêndios florestais.

(27)

18

Os capítulos seguintes (2 e 3) relatam as soluções encontradas e delineadas nos principais documentos que estruturam o sector florestal: a Estratégia Nacional para as Florestas; e o Plano Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios. Nos capítulos 4 e 5 são sugeridas soluções específicas que se consideram relevantes para cumprir as metas da ENF e PNDFCI e propõem-se algumas medidas para melhoria do sistema, ambas as situações enquadradas na filosofia da Gestão Integrada do Fogo. São soluções e propostas de melhoria que pretendem garantir a estabilidade (em resistência e resiliência) do Sistema Florestal e seus processos de renovação.

(28)

19

2. Estratégia Nacional para as Florestas

A necessidade de um quadro de referência estratégico para o Sector Florestal Português foi reivindicada recorrentemente na segunda metade do século XX. Esta era uma pecha do sector que foi reclamada durante décadas.

A Lei de Bases da Política Florestal de 1996, adotada por unanimidade pela Assembleia da República e o Plano de Desenvolvimento Sustentável de 1998 foram documentos percursores essenciais para o estabelecimento das guias, de consenso alargado, para a construção da Estratégia Nacional para as Florestas em 2006, consubstanciando-se esta como um documento orientador dos planos de ação públicos e privados para o desenvolvimento do Sector Florestal.

A boa governança, como ideia central da Lei de Bases da Política Florestal vê-se reforçada na Estratégia Nacional para as Florestas através da recomendação do estabelecimento de parcerias entre os diferentes agentes, a adoção de programas comuns e a partilha de responsabilidades de intervenção entre o Estado e os sectores privado e comunitário.

A Estratégia Florestal Portuguesa inserindo-se na Estratégia Florestal da União Europeia, reflete a importância do papel multifuncional da floresta e da gestão florestal sustentável para o desenvolvimento da sociedade. Baseia-se no princípio da subsidiariedade e no conceito da responsabilidade partilhada, promovendo a coordenação, comunicação e cooperação em todas as áreas políticas relevantes para o sector florestal2.

Entre 2010 e 2013 procedeu-se à realização de um Estudo de Avaliação da concretização da ENF (efetuado por uma entidade independente), no qual foi diagnosticada a necessidade da sua atualização. Os argumentos que justificam a atualização, entretanto levada a efeito, prendem-se com o esforço de ajustamento da economia nacional no âmbito do Programa de Assistência Económica e Financeira a Portugal, com o facto de estar em curso a definição de uma nova estratégia florestal da União Europeia e devido à existência de novos dados sobre o estado dos recursos florestais, nomeadamente em resultado dos 5.º e 6.º Inventários Florestais Nacionais (IFN). Na nova ENF, publicada em 4 de fevereiro de 2015, através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 6-B/2015, foram mantidas as grandes linhas de orientação estratégica da ENF de 2006 e em particular a sua metodologia, nomeadamente no que se refere à “arquitetura de linhas de intervenção” e à estrutura do documento, por se ter considerado que se mantêm válidas. Um aspeto que merece recordatória são as

(29)

20

recomendações ao Governo feitas a 11 de setembro de 2014 pela Assembleia da República para incorporar no documento da ENF atualizado, no sentido de identificar o esquema de financiamento e de uma estrutura de coordenação e de monitorização, concretizando o previsto sistema nacional de informação sobre os recursos florestais (que permita a obtenção de indicadores anuais de realização); priorizar a gestão florestal sustentável, estabelecendo metas gerais ambiciosas, nomeadamente para as matas nacionais, procurando dar maior centralidade aos proprietários e aos produtores florestais e às suas legítimas expetativas, bem como incorporar metas claras para as zonas de intervenção florestal, concretamente ao nível da gestão e da certificação florestal, que não sejam somente o número de aderentes ou a área inscrita; descrever novas formas de organização do território promovendo o aumento de escala; garantir a realização do Inventário Florestal Nacional em períodos de cinco anos propostos com indicadores que permitam avaliar o estado da floresta portuguesa de uma forma qualitativa.

A Estratégia demonstra o valor da floresta Portuguesa nas suas múltiplas valências económicas, sociais e de serviços do ecossistema, perspetiva as mudanças de contexto operadas e percecionadas pela sociedade e aponta as principais linhas de ação que minimizem, a curto prazo, os riscos de incêndios e dos agentes bióticos nocivos e, a médio prazo, assegurem a competitividade do sector florestal.

Apontando, como referido no capítulo 1, o valor de 1300 milhões de euros como sendo a produção económica total anual efetiva da floresta em Portugal Continental, não descontando as externalidades negativas (Mendes 2005), a riqueza de 1 ha de terra florestal situa-se nos 344 euros/ha/ano. Estes valores quando comparados com estimativas equivalentes para os outros países do Mediterrâneo de estudos coordenados por Merlo e Croitoru (2005) e divulgados pelo Millenium Ecosystem Assessment (2005), são substancialmente superiores, como em França (292 euros/ha/ano) ou em Espanha (90 euros/ha/ano).

Como foi atrás referido, as linhas estratégicas da EFN mantêm a sua validade (ICNF, 2014) e a valia económica total do sector florestal enfatizada em 2006 mantem-se atual, bem como a premissa de que a floresta portuguesa, por ser um sector competitivo no mercado interno e externo, tem uma flexibilidade que lhe permite ajustar-se a choques externos, sendo um importante fator de suporte para a criação de emprego e apresenta diversificação de atividades que são importantes em regiões economicamente desfavorecidas.

(30)

21

A área florestal portuguesa gera riqueza e bem-estar para a sociedade, constituindo um dos pilares do desenvolvimento do País. Este setor é responsável por 3,2% do PIB nacional e 12% do PIB industrial, 11% das exportações, dá uma contribuição fundamental para os objetivos nacionais relacionados com o cumprimento do Protocolo de Quioto, e garante cerca de 260 mil empregos diretos e indiretos.

A ENF é, pois, um documento muito completo que trata de todos os temas que se relacionam com o setor florestal.

Na presente abordagem, muito embora com consciência do caráter holístico dos temas examinados pela ENF, foram apenas realçados os assuntos que se relacionam mais diretamente com a questão dos incêndios florestais.

Das seis linhas de ação identificadas na ENF, três são objeto do presente trabalho: a “minimização dos riscos de incêndios; a especialização do território; e melhoria da gestão florestal e da produtividade dos povoamentos. A internacionalização e aumento do valor dos produtos3, a melhoria geral da eficiência e competitividade do setor e a racionalização e simplificação dos instrumentos de política, não são escalpelizados embora se reconheça o carater interdependente destes assuntos face ao tema em discussão, os incêndios florestais.

2.1. Novos riscos e riscos percebidos

Novos pensamentos, novas ideias, novos paradigmas e novas soluções são necessárias para lidar com o mundo em mudança. O contexto das florestas vem mudando e novos riscos surgiram. A Estratégia Nacional para as Florestas descreve esta realidade e destaca a necessidade de reduzir os riscos associados à floresta. Este documento destaca os riscos reais como:

- As alterações climáticas e a possível alteração das espécies dominantes ou das áreas de distribuição de vários tipos de floresta;

- a falta de gestão florestal que decorre diretamente do abandono das atividades agrícolas, da desertificação das zonas rurais e das mudanças gerais que ocorreram na sociedade portuguesa na segunda metade do século XX;

- o fenómeno da internacionalização, com a evolução das regras do comércio internacional (os requisitos de certificação florestal são um exemplo);

(31)

22

- e finalmente, a recente valorização dos serviços ambientais e a necessidade de adaptação a esta realidade, onde o mitigar das emissões de gases com efeito de estufa, nomeadamente na sequência do compromisso assumido no Protocolo de Quioto, assume especial relevância.

A Estratégia Nacional para as Florestas também destaca como necessária a redução dos riscos percebidos, que são as visíveis consequências dos riscos reais. É o caso do fenómeno dos incêndios florestais, mas também do aumento da sensibilidade da floresta para o ataque de agentes bióticos (pragas e doenças) e até mesmo a possibilidade de propagação de espécies invasoras em áreas novas.

Neste contexto, a ENF enfatiza que (início de citação) “… a menos que os riscos percebidos sejam reduzidos, será difícil continuar a assegurar o investimento privado no sector e poderá mesmo verificar-se desinvestimento,” (fim de citação). É um facto que as perdas anuais por incêndios são substanciais e a perceção de risco que lhes está associado é provavelmente ainda maior, de modo que a minimização do risco de incêndio constitui uma componente essencial da Estratégia Nacional para as Florestas.

Riscos Institucionais: O documento da ENF refere que as respostas das políticas florestais no País às perturbações já identificadas seguiram um modelo intervencionista. A Administração foi introduzindo no sistema uma pletora de instrumentos de comando e controlo (legislativos e regulamentadores e de planeamento), acompanhados de uma série de instrumentos financeiros. A profusão destes instrumentos tem sido potenciada ano após ano. Existe uma contínua e constante modificação/atualização dos instrumentos em função da linha política vigente num dado momento e de interesses instalados, conduzindo a alterações muitas vezes com sentidos diametralmente opostos (anexo 10 - Motivações dissonantes). Finalmente aponta, como consequência desta lógica de atuação, a confusão e a falta de conhecimento da legislação e dos regulamentos que vigoram em cada momento e, mais grave, a incapacidade de prosseguir uma política que conduza a resultados, com a destruição da credibilidade dos atores políticos e da Administração e que diminui consideravelmente a sua capacidade futura de fazer política florestal. A sobreposição das tutelas governativas, que se distribuem pelos Ministérios da Agricultura, Ambiente, Economia e Administração Interna, entre os principais, vem reforçar o problema.

(32)

23

2.2 Minimizar os riscos

Segundo a ENF a política de Defesa da Floresta Contra Incêndios (DFCI), está operacionalizada através dum plano nacional integrador de atitudes, vontades e recursos, o Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios (PNDFCI) (2006-2018), que tem de prosseguir os objetivos estratégicos de redução da superfície florestal ardida, para valores equiparáveis à média dos países da bacia mediterrânica, de eliminação dos grandes incêndios, redução do número de incêndios com duração superior a 24 horas e redução do número de reacendimentos. Este plano consubstancia a ação “Minimização do risco de incêndio” da ENF.

A prevenção florestal contra incêndios: A Estratégia Nacional para as Florestas destaca um conjunto de ações que concorrem para reduzir o risco de ocorrência de incêndios florestais em paralelo com as medidas gerais de silvicultura que se devem realizar.

A gestão do combustível através do pastoreio, em particular, integra-se no conjunto de ações, identificadas como fundamentais, a implementar no âmbito da Defesa da Floresta Contra Incêndios.

O pastoreio extensivo em articulação com as medidas de silvicultura preventiva a desenvolver no âmbito da Defesa da Floresta Contra Incêndios, nomeadamente a instalação e manutenção de redes regionais de DFCI, aumenta a viabilidade económica da gestão de combustíveis, permitindo a obtenção de rendimentos e a minimização dos encargos.

O aumento do valor dos produtos florestais através do aproveitamento de biomassa para a energia é outra atividade prioritária realçada pela EFN, como promissora para promover a redução do material combustível. A este nível, identifica-se como fundamental a criação de um mercado para materiais combustíveis que promova o aproveitamento dos matos e reduza os custos líquidos de limpeza de povoamentos. Recomenda-se financiamento à investigação e experimentação à escala real de processos para a adoção de tecnologias utilizadoras da biomassa florestal proveniente da gestão de combustíveis a ser utilizada em centrais termo-eléctricas ou localmente no mercado do calor, ou para conversão em biolíquidos de 2ª e 3ª geração ainda com tecnologias pouco rentáveis.

A produção de energia a partir de fontes renováveis assume grande importância geo-estratégica e está em consonância com o objetivo da política energética comunitária de redução da dependência do petróleo. O aumento no recurso a fontes de energia

(33)

24

renováveis irá igualmente contribuir para atingir os compromissos assumidos no âmbito do Protocolo de Quioto de redução das emissões de gases com efeitos de estufa (GEE), cujas medidas são concretizadas em Portugal pelo Plano Nacional para as Alterações Climáticas (PNAC).

Numa ótica de se optar por técnicas menos onerosas, a ENF privilegia o uso da técnica do fogo controlado com a vantagem de, em simultâneo, se contribuir para a renovação das pastagens extensivas, como é comprovado pelo uso desta técnica nas práticas tradicionais associadas a este tipo de pastoreio.

A gestão florestal: A gestão florestal é apontada pela Estratégia Nacional para as Florestas como ação fundamental para diminuir o risco (real e percecionado). As opções silvícolas devem estar patentes nos planos de gestão florestal que pertencem aos respetivos proprietários/gestores. Estes deverão respeitar as normas orientadoras dos Planos Regionais de Ordenamento Florestal (PROF) e ter presentes os modelos de silvicultura mais adequados para as funções que os espaços florestais desempenham em cada local. O objetivo é aumentar o valor dos bens e produtos florestais, hierarquizados localmente de acordo com o conceito de função dominante e minimizar os riscos ecológicos.

Os princípios de gestão, conservação e desenvolvimento sustentável devem, segundo a EFN, ser aplicados em todos os tipos de florestas, sendo reconhecido que a melhoria da gestão florestal passa pela promoção de uma gestão profissional e sustentável. As opções silvícolas devem aumentar o valor económico dos bens e produtos florestais, e minimizar os riscos ecológicos.

A gestão florestal sustentável visa, assim, promover a utilização do espaço florestal de modo a assegurar a satisfação das necessidades atuais da sociedade em bens e serviços, sem comprometer a sua disponibilidade no futuro.

As técnicas que, imitando a natureza, aceleram os processos naturais são o tipo de intervenção cultural mais apropriada, com vista a obter num espaço de tempo mais curto as produções objetivo da exploração, conservando a produtividade do solo, a capacidade de regeneração e a vitalidade dos povoamentos florestais.

As opções de gestão deverão ter como premissas a escolha de uma silvicultura de qualidade, culturalmente intensiva e diferenciada.

Uma das principais inovações da ENF foi evidenciar que as opções de gestão devem ter em conta as características do território, de modo que, as espécies a utilizar são as

(34)

25

que maximizam o valor económico total da floresta nesse território e quais os sistemas que maior riqueza social podem extrair de um hectare de terra. Nesta lógica foi proposto especializar o território continental português em três tipos de áreas com base no conceito de função dominante. A macro-zonagem estabelecida não deve, no entanto, ser entendida de forma rígida e estanque.

Área de produção lenhosa: - O objetivo prioritário destas áreas deve ser o aumento da competitividade por via de uma silvicultura intensiva. A gestão ativa destas áreas terá obviamente de respeitar as modernas condicionantes ambientais. Os valores de referência de produtividades para o pinheiro bravo e para o eucalipto encontram-se, respetivamente, acima de 6m3/ha/ano e de 10 m3/ha/ano.

Área de gestão multifuncional: - Tem uma lógica de multifuncionalidade do espaço florestal, complementando a baixa de produtividade lenhosa com outros produtos não lenhosos, como a cortiça, os frutos secos, nomeadamente a produção de pinhão em povoamentos de pinheiro manso, de castanha, mas também a pastagem, a caça e o recreio. Deverá ser dedicada especial atenção à proteção dos solos e do regime hídrico, à preservação da paisagem e da biodiversidade.

Áreas costeiras e áreas classificadas: - Nas áreas costeiras a prioridade é a conservação da paisagem e a oferta de oportunidades de recreio e lazer. Na perspetiva de assegurar as funções de proteção e de recreio público nessas florestas, planos de gestão específicos têm de ser elaborados e soluções protocoladas de gestão deverão ser procuradas.

Nas áreas classificadas que integram a Rede Nacional de Áreas Protegidas e as áreas da Rede Natura 2000: Zonas de Proteção Especial (Diretiva Aves) e Sítios da Lista Nacional (Diretiva Habitats) devem ser prosseguidos objetivos ligados à conservação da natureza devendo a função dominante ser a proteção da biodiversidade.

2.3 Ações e responsabilidades

A ação “Minimização do risco de incêndio”, tem como metas, identificadas na ENF, a redução da área ardida para valores médios inferiores a 100 mil hectares em 2012 e a redução da área de povoamentos florestais ardidos para menos de 0,8% da área florestal em 2018 (ENF de 2006) e para atingir o objetivo específico de aumentar a

(35)

26

resiliência da floresta aos incêndios florestais aponta-se para o período 2018 a 2030 a meta da manutenção de uma área de povoamentos florestais ardidos no máximo 8% da média móvel de 10 anos face à área total de floresta, a calcular anualmente. Os principais responsáveis pela implementação deste desiderato são os organismos coordenadores dos cinco eixos do PNDFCI, o Instituto de Conservação da natureza e das Florestas (ICNF), a Guarda nacional Republicana (GNR) e a Autoridade nacional de Proteção Civil (ANPC) (assunto explanado no capítulo seguinte).

A ação de coordenação da “gestão de combustíveis através do pastoreio” que visa a redução das áreas de matos com incêndios no Verão é uma responsabilidade atribuída ao ICNF.

O aumento do valor dos produtos florestais através do “aproveitamento de biomassa para energia” que tem como metas a utilização anual para energia de dois milhões de toneladas de biomassa, resultantes das operações de silvicultura preventiva e a adoção de tecnologias utilizadoras da biomassa florestal para a produção de energia localizada, é uma responsabilidade partilhada por três entidades, o ICNF, a Direção Geral de Energia e Geologia (DGEG) e o Centro de Biomassa para Energia (CBE).

A “Melhoria produtiva dos povoamentos através da gestão florestal sustentável”, cujo objetivo é assegurar e melhorar a produção económica dos povoamentos, tem como metas o aumento da área submetida a PGF em 2020, face a 2014, em 20 %, compete ao ICNF, aos proprietários Florestais e suas organizações e aos Órgãos de Gestão de Baldios e suas a associações.

A título complementar, identifica-se também a ação “recuperar o potencial produtivo e reabilitação dos ecossistemas e das comunidades afetadas por incêndios”, com execução de medidas imediatas de minimização de impactos, intervindo em grandes incêndios, e compete ao ICNF, aos proprietários florestais e suas organizações e a Instituições de Ensino Superior a sua execução.

Imagem

Figura 1 - 11 anos (2000-2010) de incêndios
Figura 3 – Recorrência de incêndios  0500001000001500002000002500001984198519861987198819891990199119921993199419951996199719981999200020012002200320042005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Figura 4 - Muito grandes incêndios
Figura 5 - evolução do n,º de ocorrências e da área ardida na década 2003 a 2012
+6

Referências

Documentos relacionados

Este estudo tem o intuito de apresentar resultados de um inquérito epidemiológico sobre o traumatismo dento- alveolar em crianças e adolescentes de uma Organização Não

A democratização do acesso às tecnologias digitais permitiu uma significativa expansão na educação no Brasil, acontecimento decisivo no percurso de uma nação em

O objetivo deste trabalho foi realizar o inventário florestal em floresta em restauração no município de São Sebastião da Vargem Alegre, para posterior

Foram encontradas, também, as pes- quisas de Soares (2007), sob o título “O Sistema Nacional de Avaliação da Educa- ção Superior e a Gestão Estratégica das

employee training, realist implementation schedules, customer orientation and data minding are other important critical factors (Eid, 2007). In the BES case a culture of

Estudos sobre privação de sono sugerem que neurônios da área pré-óptica lateral e do núcleo pré-óptico lateral se- jam também responsáveis pelos mecanismos que regulam o

Como parte de uma composição musi- cal integral, o recorte pode ser feito de modo a ser reconheci- do como parte da composição (por exemplo, quando a trilha apresenta um intérprete

Finally,  we  can  conclude  several  findings  from  our  research.  First,  productivity  is  the  most  important  determinant  for  internationalization  that