• Nenhum resultado encontrado

O ensino de ética e bioética nos Programas de Residência Multiprofissional em Saúde da UFRN: um estudo de caso

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "O ensino de ética e bioética nos Programas de Residência Multiprofissional em Saúde da UFRN: um estudo de caso"

Copied!
89
0
0

Texto

(1)

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO NA SAÚDE MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO NA SAÚDE (MPES)

O ENSINO DE ÉTICA E BIOÉTICA NOS PROGRAMAS DE RESIDÊNCIA MULTIPROFISSIONAL EM SAÚDE DA UFRN: UM ESTUDO DE CASO

EDINARA LINA DE OLIVEIRA

NATAL/RN 2020

(2)

EDINARA LINA DE OLIVEIRA

O ENSINO DE ÉTICA E BIOÉTICA NOS PROGRAMAS DE RESIDÊNCIA MULTIPROFISSIONAL EM SAÚDE DA UFRN: UM ESTUDO DE CASO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ensino na Saúde, curso de Mestrado Profissional em Ensino na Saúde (MPES), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito para a obtenção do título de Mestre em Ensino da Saúde

Orientadora: Profa. Dra. Michelle Cristine Medeiros Jacob

NATAL/RN 2020

(3)

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências da Saúde - CCS

Oliveira, Edinara Lina de.

O ensino de ética e bioética nos Programas de Residência Multiprofissional em Saúde da UFRN: um estudo de caso / Edinara

Lina de Oliveira. - 2020.

89f.: il.

Dissertação (Mestrado Profissional em Ensino na Saúde) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências da Saúde, Programa de Pós-Graduação em Ensino na Saúde. Natal,

RN, 2020.

Orientadora: Profª Dra. Michelle Cristine Medeiros Jacob. 1. Bioética - Dissertação. 2. Temas bioéticos - Dissertação. 3. Capacitação de recursos humanos em saúde - Dissertação. 4. Internato e residência - Dissertação. I. Jacob, Michelle Cristine

Medeiros. II. Título.

RN/UF/BS-CCS CDU 614.253 Elaborado por ANA CRISTINA DA SILVA LOPES - CRB-15/263

(4)

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO NA SAÚDE

Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Ensino na Saúde. Curso de Mestrado Profissional em Ensino na Saúde: Profa. Dra. Ana Cristina Pinheiro

(5)

EDINARA LINA DE OLIVEIRA

O ENSINO DE ÉTICA E BIOÉTICA NOS PROGRAMAS DE RESIDÊNCIA MULTIPROFISSIONAL EM SAÚDE DA UFRN: UM ESTUDO DE CASO

Aprovado em: 01/10/2020

Banca examinadora:

Presidente da Banca:

_____________________________________ Profa. Dra. Michelle Cristine Medeiros Jacob Universidade Federal do Rio Grande Do Norte

Orientadora e Presidente da Banca

Membros da Banca:

_____________________________________ Prof. Dr. Alexsandro Galeno Araújo Dantas Universidade Federal do Rio Grande Do Norte

Examinador interno

____________________________________ Prof. Dr. Claudio Orestes Britto Filho Universidade Federal do Rio Grande do Norte

(6)

AGRADECIMENTOS

A Deus por ter permitido que eu fosse contemplada com o bem maior, a vida!

A minha querida mãe por tanto amor e doação, colo, ensinamentos, orientações e, sobretudo, pelo exemplo de mulher guerreira, cheia de fé, sabedoria, alegria, inteligência e que amando a vida, ensina as pessoas que a conhece a amá-la. Obrigada por existir!

Queridas irmãs, as quais cuidaram tanto para que eu tivesse uma infância e juventude feliz e protegida, Sônia (in memorian), Lucia Lara e Silvana Alice. A irmã Maria da Conceição e irmãos Geraldo e Gilson (in memorian) por terem colaborado com os aprendizados e desafios vividos em família;

Queridos(as) sobrinhos(as), pela consideração, respeito, parceria, amor e momentos alegres, Renata Nunes, Juliano e Bruno Santos, estendendo a Bruninha, tão linda e falante, Pablo Lentulus e Germana Lara.

Querido Imar Dias, por todo colo, conselhos e por me acompanhar ao longo da minha formação.

A querida mestra, Dra. Michelle Jacob pela gostosa parceria. Caminhamos juntas nesses últimos 2 anos e nesse caminhar, a alegria de aprender e ser orientada em todas as dúvidas, até as mais imediatas, as inseguranças e sutilezas da aprendizagem. Ensinamentos importantes, que de forma direta, na maioria das vezes instantânea e imediata não permitindo que eu me angustiasse. Obrigada querida!

Aos Drs. Claudio Orestes e Alexandro Galeno, que aceitaram o desafio em colaborar com sugestões valiosas para que eu ampliasse o olhar aos desafios da pesquisa científica.

Aos queridos mestres e colegas do Mestrado em Ensino na Saúde, turma 2018, pelos momentos agradáveis de muito aprendizado, construções coletivas, sorrisos e choros pela perda da querida Francisca Nazaré (in memorian).

Enfim, ao amigo Ozi e Lu (extensivo aos parentes), que me acolheram no RN, pedras preciosas de todos os momentos especiais vividos até 2020, obrigada pelo carinho, confiança, pelo apoio e companheirismo.

Aos(as) residentes, que me favoreceram ampliar o olhar aos desafios do ensino em serviço, obrigada.

(7)

Dedicatória

À Geralda A. de Oliveira, pela paciência e amor durante toda minha vida, te amo!

À Dra. Michelle Jacob pela dedicação e orientações, as quais serviram como pilares de sustentação para a conclusão deste trabalho. Grata!

(8)

RESUMO

Nesta pesquisa analisamos aspectos teóricos e práticos do Ensino de Ética e Bioética (EEB) no contexto dos Programas de Residência Multiprofissional em Saúde (PRMS) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Para avaliar a proposta teórica analisamos, por análise documental, projetos pedagógicos (PP) dos programas supracitados, comparando com o Core Curriculum da Unesco. Para avaliação dos aspectos práticos realizamos 11 entrevistas semiestruturadas (critério de saturação) com preceptores(as) das residências e as avaliamos por análise de conteúdo (abordagem framework). Observamos que a carga horária e módulos temáticos estão aquém daqueles propostos no currículo referência. O conhecimento dos(as) participantes oscila entre perspectiva teórica principialista e ético profissional. Os(as) preceptores(as) desconhecem que o EEB faça parte do currículo dos PRMS. Apontamos que a qualificação da comunicação entre universidade e serviços, além do reconhecimento das contribuições dos preceptores(as) na formação dos residentes, são medidas importantes para aprimorar o EEB nos currículos dos PRMS. Palavras-chave: Bioética. Temas Bioéticos. Residência. Saúde. Formação.

(9)

ABSTRACT

In this research, we analyzed theoretical and practical aspects of Teaching Ethics and Bioethics (EEB) in the context of Multiprofessional Residency Programs in Health (PRMS) at the Federal University of Rio Grande do Norte. To evaluate the theoretical proposal, we analyzed, by documentary analysis, the programs mentioned above' pedagogical projects, compared with the Core Curriculum of Unesco. To assess the practical aspects, we conducted 11 semi-structured interviews (saturation criterion) with home tutors. We evaluated them by content analysis (framework approach). We observed that the workload and thematic modules are below those proposed in the reference curriculum. The participants' knowledge oscillates between a principled theoretical perspective and professional ethics. The preceptors are unaware that BSE is part of the PRMS curriculum. We point out that the qualification of communication between university and services, in addition to the recognition of the preceptors' contributions in the training of residents, are essential measures to improve BSE in the PRMS curricula.

(10)

LISTA DE ABREVIATURAS

CEP Comitê de Ética e Pesquisa

CNRMS Comissão Nacional de Residência Multiprofissional em Saúde COREMU Comissão de Residência Multiprofissional em Saúde

EMCM Escola Multicampi de Ciências Médicas GEP Gerência de Ensino e Pesquisa

HUAB Hospital Universitário Ana Bezerra HUOL Hospital Universitário Onofre Lopes IES Instituições de Ensino Superior

INPE Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais LOS Lei Orgânica da Saúde

MEC Ministério da Educação

MEJC Maternidade Escola Januário Cicco MS Ministério da Saúde

OEA Organização dos Estados Americanos

OMS Organização Mundial de Saúde

OPAS Organização Pan-Americana de Saúde

PRMS Programa de Residência Multiprofissional em Saúde

R1 Residentes do Primeiro Ano

RMS Residência Multiprofissional em Saúde

SES Secretaria de Educação Superior

SIGAA Sistema Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas SINAES Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior

SUS Sistema Único de Saúde

TAGV Termo de Autorização para Gravação de Voz

TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UFB Universidade Federal da Bahia

UFCG Universidade Federal de Campina Grande

UFPE Universidade Federal de Pernambuco

UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte

(11)

LISTA DE GRÁFICOS E FIGURAS

Figura 1. PRMS que compõe o corpus da pesquisa Figura 2. Análise de Conteúdo – abordagem framework Figura 3. Caracterização do EEB nos PRMS

Figura 4. Visão dos(as) preceptores(as) dos PRMS sobre Ética e Bioética

(12)

LISTA DE TABELAS

Quadro 1 Resumo dos principais conceitos sobre Ética e Bioética Quadro 2 Roteiro com questões centrais da entrevista semiestruturada

(13)

SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO 14 2.1. OBJETIVO GERAL 21 2.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS 21 3. REVISÃO DE LITERATURA 22 4. MÉTODOS 29 4.1. TIPO DE ESTUDO 29 4.2. CENÁRIO DO ESTUDO 30 4.3. PARTICIPANTES DA PESQUISA 30 4.4. CORPUS DA PESQUISA 31

4.5. COLETA E ANÁLISE DE DADOS 31

5. RESULTADOS E DISCUSSÕES 35

5.1. ENSINO DE BIOÉTICA NOS PP DOS PRMS 35

5.2 ENSINO DE BIOÉTICA NA VISÃO DOS PRECEPTORES DOS PRMS 39

5.2.1. Conhecimento do(as) preceptor(as) sobre ética e bioética 40 5.2.2. Visão do(as) preceptor(as) sobre ensino teórico de ética e bi8oética nos

PRMS 44

5.2.3. Considerações Finais 46 6. APLICAÇÕES PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA SAÚDE 47

REFERÊNCIA DA PESQUISA 48

7. APÊNDICE

Artigo submetido à Revista interface REFERÊNCIA DO ARTIGO

8. ANEXOS

Aprovação Conselho de Ética e Pesquisa

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) Termo de Autorização para Gravação de Voz (TAGV) Guia de Desenvolvimento de Entrevista Semiestruturada

Ferramenta de Apoio para Análise dos Projetos Pedagógicos

(14)

3. INTRODUÇÃO

Bioética é a ética da vida. Para Van Rensselaer Potter, a bioética delimita um campo de conhecimento que visa a proteção da vida e da condição humana, combinando responsabilidade e competência intercultural e interdisciplinar. Sua natureza interdisciplinar é anunciada em seu próprio termo, que carrega com o bio uma dimensão conectada com as ciências da vida e da saúde e ética para destacar sua interface com as humanidades¹. Para Schramm2, a ética da vida “não se reduz a

um conjunto normativo e nem a mera ação comunicacional. Ela constitui um fundamento ontológico que impede o humano praticar o mal, e o força a exercitar o diálogo intercultural e a fazer o bem” (p. 23, 24). No quadro 1, nós resumimos alguns dos principais conceitos que relacionam ética e bioética, bem como os seus principais expoentes.

Esta ponte estratégica – bio e ética – de religação de saberes para compreensão da natureza humana, ao chegar nas ciências biomédicas foi substituída por uma perspectiva fragmentada, que passou a associar este campo à área da saúde2. Coube assim às ciências da saúde, o desenho do marco teórico que passou

a identificar essa disciplina no campo do ensino, a saber, a teoria principialista. Essa teoria, desenhada pelos estadunidenses Beauchamp e Childress³, na década de 70, é baseada nos princípios de não maleficência, beneficência, autonomia e justiça.

A década de 90 marca o início da prática e reflexão sobre bioética no Brasil. Institucionalmente, a fundação da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB) e a publicação da Resolução4 nº 196 de 1996, que regulamenta pesquisa com seres

humanos, são marcos da instituição deste campo. Academicamente, destacam-se os trabalhos de Garrafa5,6 e Schramm2, que, ainda sob efeito dos debates que

culminaram com a Reforma Sanitária, buscavam a construção de uma reflexão autóctone, voltada para dimensão social e para os problemas de saúde pública do país6.

(15)

Quadro 1. Resumo dos principais conceitos sobre ética e bioética

Conceito Definição Expoentes

Ética

Conjunto de julgamentos relativos ao bem e ao mal, que visam a orientar condutas humanas. Ética, ou filosofia moral, é um campo de conhecimento da Filosofia, regido por conceitos, métodos e explicações próprias da área

As reflexões sobre ética no Ocidente remetem à Grécia Antiga e no Oriente a Confúcio, Buda e outros.

Ética consequencialista

Compreende que uma ação moralmente correta é aquela que produz um bom resultado ou consequência. Os fins justificam os meios.

O termo “consequencialismo” foi cunhado por Gertrude Elizabet Margaret Anscombe em seu ensaio “Modern Moral Philosophy”

Ética utilitarista

Uma versão do consequencialismo que compreende que a melhor ação é aquela que maximiza os benefícios e traz as melhores consequências. As melhores consequências são aquelas que maximizam o bem-estar e são imparciais.

John Stuart Mill escreveu em 1863 o livro intitulado “Utilitarism”. Essa corrente tem em Peter Singer um de seus expoentes contemporâneos.

Ética da virtude

Compreende uma ação como correta se ela corresponde àquela que uma pessoa virtuosa, sob as mesmas circunstâncias, tomaria. Uma pessoa virtuosa é alguém com bom caráter. Enfatiza as virtudes, as características morais do sujeito, em detrimento de direitos e deveres (deontologia) ou consequências das ações (consequencialismo).

Conceitos-chave derivam da Grécia Antiga, de filósofos como Sócrates e Aristóteles.

Ética profissional

É uma das aplicações práticas da ética Deontológica. É materializada pelos códigos de ética profissionais, onde encontram-se os direitos, deveres e condutas esperadas pelos profissionais. Ocupa-se da prática profissional.

Os primeiros códigos de conduta datam da Idade Média.

Ética da Responsabilidade individual e coletiva

O Princípio da Responsabilidade, obra que enfatiza a responsabilidade individual e coletiva de conciliar o avanço tecno-científico, as necessidades humanas e resiliência ambiental. Acredita ser compromisso da geração atual tornar possível a continuidade da vida.

Teoria que tem como principal expoente o filósofo Hans Jonas em “O Princípio responsabilidade”, escrito no final da década de 70.

Bioética

Estudo sistemático das dimensões morais – incluindo visão, decisões, conduta e políticas – das ciências da vida e da saúde, empregando uma variedade de metodologias éticas e abordagem interdisciplinar. A ideia central da Bioética é que nem tudo o que é tecnicamente possível é moralmente correto, e que é necessário algum controle de nossa intervenção na natureza e no meio ambiente, nos animais e nos seres humanos.

Termo cunhado pelo bioquímico Van Rensselaer Potter na década de 1970.

Bioética principialista

Teoria que define princípios individuais para reflexão biomédica, dentre eles: não maleficência, beneficência, autonomia e justiça.

Teoria desenhada na década de 1970 pelos estadunidenses Tom Beauchamp e James Childres.

Bioética da intervenção

Teoria que propõe uma abordagem bioética que reconheça as singularidades do Sul Global e se orienta pela busca da equidade

Teoria proposta pelos brasileiros Volney Garrafa e Dora Porto nos anos 2000.

(16)

entre os segmentos da sociedade e solidariedade. Assim sendo, a reflexão e ação ética devem visar a redução dos diversos tipos de injustiça.

Deontologia

Compreende que uma ação moralmente correta é aquela pautada no dever e na obrigação de fazer. A ação, neste caso, importa mais do que sua consequência.

O termo “deontológico” foi usado pela primeira vez por Charlie Dunbar Broad em seu livro “Five Types of Ethical Theory” na década de 1939. Além disso, a teoria ética do filósofo Immanuel Kant pode ser considerada deontológica.

Ética Médica

Campo da ética profissional específico da prática da medicina clínica e da pesquisa científica. Disciplina que avalia os méritos, riscos e preocupações sociais advindas destas atividades

O juramento Hipocrático é um dos códigos de conduta mais antigos da atuação médica. A declaração de Helsinki e o código de Nuremberg são documentos mundialmente conhecidos e respeitados que contribuem para o debate e prática da ética médica.

Ensino de ética e bioética

O ensino da bioética visa formar competências para atuação em questões ligadas à bioética. Dada a natureza dos problemas envolvidos neste campo, bem como a diversidade de abordagens teóricas, o currículo, os conteúdos e métodos de avaliação do ensino de bioética permanecem confusos e pouco claros. Pela amplitude dos conteúdos e visões teóricas propostas e pela objetividade de estruturação o “Core Curriculum” da Unesco vem sendo apontado como um importante instrumento facilitador para docentes que buscam organizar práticas no EEB visando resultados efetivos na formação de seus estudantes. Módulos propostos pela Unesco para o ensino de Bioética: (1) O que é ética, (2) O que é bioética, (3) Dignidade e direitos humanos, (4) Benefício e dano, (5) Autonomia e responsabilidade individual, (6) Consentimento, (7) Pessoas sem capacidade para consentir, (8) Respeito à vulnerabilidade humana e à integridade pessoal, (9) Privacidade e confidencialidade, (10) Igualdade, justiça e equidade, (11) Não discriminação e não estigmatização, (12) Respeito à diversidade cultural e ao pluralismo, (13) Solidariedade e cooperação, (14) Responsabilidade social e saúde, (15) Partilha de benefícios, (16) Proteção das gerações futuras, (17) Proteção do meio ambiente, da biosfera e da biodiversidade

A Unesco propôs em 2008 um currículo fundamental de bioética que se propõe a introduzir os princípios bioéticos da Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos a estudantes universitários. A proposta mínima é de pelo menos 30 horas, divididas em 17 módulos.

(17)

Garrafa e Schramm são exemplos de autores que foram centrais no delineamento daquilo que viria a ser chamado Ensino de Ética e Bioética (EEB) no país, incialmente definido12 como estudo sistemático das dimensões morais, incluindo

a visão, a decisão, a conduta e as normas, entre outras, das ciências da vida e saúde. Com este conceito os autores(as) retornam ao conceito de Potter e reposicionam o componente humano na discussão da bioética. Volney Garrafa e Dora Porto6, por

exemplo, delimitam o conceito de Bioética Interventiva, resgatando teorias da bioética, tais como a Global e a de Responsabilidade Individual e Coletiva. Neste mesmo paradigma podemos citar a Ética da Terra18, obra do prof. Aldo Leopold, lançada em

1949, que apresenta as bases para a Ética Ecológica, situando a preocupação com a relação homem e natureza, em que esse julga dono da terra e é guiado pela lógica da exploração. Seus estudos influenciaram consideravelmente as ideias de Potter14, que

a partir dele iniciou uma visão mais abrangente da bioética, que considere tanto o meio ambiente ecológico, quanto a relação dos seres vivos com o ambiente. Esse debate considera uma perspectiva transdisciplinar e política que reconhece as especificidades de uma abordagem bioética focada no Sul Global. É a partir desse contexto que Dora e Porto propõem a ideia de Bioética da Intervenção6, que para eles

é:

[...] Uma proposta que rompe os paradigmas impostos e reabre um utilitarismo orientado à busca da equidade entre os segmentos da sociedade, capaz de dissolver essa divisão estrutural centro-periférica do mundo e de assumir um consequencialismo baseado na solidariedade e superação da desigualdade. (p. 415, tradução nossa).

Apesar dos esforços empreendidos nos campos institucionais e acadêmicos, o EEB no Brasil segue com fortes bases principialistas e focado no campo biomédico. Concordamos com Fermin Scharamm² ao afirmar que ainda que o principialismo seja útil, sobretudo para o debate do ponto de vista do indivíduo, ele é insuficiente quando aplicado à saúde pública e, sobretudo, ao contexto de países do Sul Global. O resultado é uma formação em bioética desprovida de contexto social, sem crítica às questões que repercutem no dia-a-dia da profissão, que advém de uma retórica filosófica desconectada da realidade7 De acordo com Santana19 et al., o modelo de

assistência em saúde que é causa e consequência desse paradigma formativo, o biomédico, tem provado ao longo da história que está aquém das possibilidades de dar respostas às necessidades atuais de saúde da população, bem como, em um sentido mais amplo, abordar a complexidade humana19.

(18)

Um dos limites dessa abordagem, por exemplo, é a fragmentação do cuidado em saúde. Edgard Assis Carvalho20, em Virado do Avesso, desenvolve uma espécie

de autoetnografia hospitalar que evidência a fragmentação entre o corpo-físico e o eu subjetivo, hegemônica no modelo biomédico, e seus efeitos sobre a pessoa humana em situação de vulnerabilidade. No hospital, desprovido de seu eu, de antropólogo, de professor universitário, ele era visto e se via apenas como um amontoado de órgãos defeituosos. O espaço hospitalar pela sua dinamicidade, diversidade de categorias profissionais e saberes, poderia fornecer uma experiência única de cuidado integral. Todavia, a narrativa de Carvalho20 deixa clara a urgência da transição de

paradigma biomédico para aquele denominado psicossocial, pautado na integralidade da assistência. Essa transformação passa pelo debate da bioética e sua incorporação nas práticas de educação em saúde.

Há evidências de que a bioética pode qualificar a formação em saúde5. Todavia,

apesar do esforço de profissionais do campo, há ainda muitas lacunas para que esses resultados possam ser atingidos. Algumas das fragilidades do EEB na formação em saúde são apontadas por Flávio Dantas e Guimarães de Sousa21 que, em estudo de

revisão, analisaram vinculação institucional da disciplina, equipe docente, objetivos de aprendizagem, carga horária, conteúdo programático, estratégias de ensino e formas de avaliação de disciplinas de Bioética em escolas médicas brasileiras. Sua conclusão, ao analisar os estudos publicados nos últimos 30 anos, é de que há ainda muitas lacunas no EEB, sobretudo no que concerne à baixa carga horária, ao frágil debate interdisciplinar com as humanidades e à baixa especificidade da formação docente. Destacamos, ainda, que em três décadas, os autores localizaram apenas três estudos a serem revisados, o que demonstra que este debate carece de análises acadêmicas adicionais.

Além da abordagem reducionista sobre bioética, outras limitações relacionadas ao seu ensino recaem sobre a ausência do componente nos cursos de graduação e pós-graduação ligados à área da saúde, além da insuficiência de carga horária das disciplinas. O trabalho de Mijaljica22, por exemplo, ao abordar as principais diferenças

nos currículos das escolas de medicina do Sudeste da Europa em relação à educação em ética médica e bioética, aponta que a média de horas, 27,1 horas, encontra-se abaixo das 30 horas recomendadas pela Unesco. Além disso, encontraram diversas

(19)

lacunas no que concerne aos módulos propostos para o ensino de ética e bioética, também propostos pela Unesco. Pela amplitude dos conteúdos e visões teóricas propostas e pela objetividade de estruturação o “Core Curriculum” da Unesco17 vem

sendo apontado como um importante instrumento facilitador para docentes que buscam organizar práticas no EEB visando resultados efetivos na formação de seus estudantes23. Por isso, neste trabalho consideremos o “Core Curriculum” como tipo

ideal de abordagem no EEB.

A quem cabe a abordagem destas lacunas? A Constituição Federal24, em seu

artigo 200, atribui ao SUS a ordenação da formação de recursos humanos na área saúde, o que envolve o EEB. Visando atender a demanda apresentada neste dispositivo, a Lei Orgânica de Saúde25, Lei 8.080 de 1990, estabeleceu a organização

de um sistema de formação de recursos humanos em todos os níveis de ensino, inclusive de pós-graduação, além da elaboração de programas de permanente aperfeiçoamento de pessoal25. Nesse contexto, foram criadas as Residências em

Saúde no Brasil. A lei 11.12926 de 2005, instituiu a Residência em Área Profissional

de Saúde e criou a Comissão Nacional de Residência Multiprofissional em Saúde (CNRMS), contemplando as seguintes profissões: Biomedicina, Ciências Biológicas, Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina Veterinária, Nutrição, Odontologia, Psicologia, Serviço Social e Terapia Ocupacional. O prefixo multi, de multiprofissional, neste caso, refere-se à diversidade de profissões inseridas nos programas de residência. A abordagem de formação, todavia, pretende-se interdisciplinar visando a qualificação da assistência para o cuidado integral26,27. O

EEB é parte da base curricular dos Programas de Residência Multiprofissional em Saúde (PRMS) e busca orientar a formação de recursos humanos com competências para uma prática implicada com conhecimentos, habilidades e atitudes em bioética. Na perspectiva dos PRMS, a formação em bioética seria o alicerce para o entendimento das questões e determinantes que permeiam a vida e a saúde.

Durante minha trajetória como aluna de mestrado nesse programa desenvolvi uma pesquisa com o objetivo principal de avaliar o EEB nos PRMS da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)28 e objetivos específicos de (1) analisar se a

carga horária e os conteúdos para o ensino de Bioética nos PP dos PRMS convergem com os padrões sugeridos pelo Currículo da Unesco17 e (2) caracterizar o

(20)

conhecimento dos(as) preceptores(as) sobre ética e bioética e sua percepção sobre o EEB no PRMS. Para isso, analisei tanto a proposta curricular desses programas, expressa nos seus Projetos Pedagógicos (PP), como os desdobramentos desta formação na prática dos serviços de saúde. Visando conhecer o desdobramento nos campos de prática, explorei a percepção dos preceptores, os profissionais que acompanham os residentes na ponta, em seu campo de atuação. Até onde sabemos, nenhum trabalho anterior avaliou o EEB nos PRMS por essa perspectiva. Nesta monografia apresento o artigo que resultou deste trabalho de pesquisa, que é o principal produto gerado durante minha trajetória como mestranda (seção Apêndice). O manuscrito foi submetido à revista “Interface: comunicação, saúde e educação”.

(21)

2. OBJETIVOS

2.1. OBJETIVO GERAL

Caracterizar o Ensino de Ética e Bioética nos Programas de Residência Multiprofissional em Saúde, considerando a sua proposta teórica e prática

2.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Analisar se a carga horária e os conteúdos para o ensino de Bioética nos PP dos PRMS convergem com os padrões sugeridos pelo Core Curriculum da Unesco

Caracterizar o conhecimento dos(as) preceptores(as) sobre ética e bioética e sua percepção sobre o EEB no PRMS.

(22)

3. REVISÃO DE LITERATURA

3.1. PROGRAMAS DE RESIDÊNCIA MULTIPROFISSIONAL EM SAÚDE, OS PRMS Por volta do ano de 1999, vinte e três anos após a primeira Residência em Medicina Comunitária ter surgido no Brasil, o Departamento de Atenção Básica (DAB) da Secretaria de Atenção à Saúde (SAS) do MS, juntamente com o movimento de Reforma Sanitária se articularam para criar um modelo de RMS que preservasse as especificidades de cada profissão e tivesse em seu núcleo estruturante uma área em comum. No texto, “Residência Multiprofissional em Saúde: experiências, avanços e

desafios27 é apresentada a proposta de construção de programas de residência em

saúde. O texto é fruto de um seminário, ocorrido em 1999, onde autoridades em saúde propuseram um novo modelo de formação em Residência Multiprofissional. Este modelo preservaria as especialidades de cada profissão envolvida, pressupondo um diálogo interprofissional em uma área comum. Essa área estaria vinculada ao pensamento da saúde pública, acrescida de valores como a promoção da saúde, a integralidade da atenção e o acolhimento26, 27.

Após aproximadamente três anos, em 2002, foram criadas cerca de 19 residências multiprofissionais em saúde da família seguindo esse modelo. Seu financiamento era proveniente do MS e sua formatação era diversificada, porém, desde seu início se pensou em trabalhar integralmente com todas as profissões de saúde. Desta forma, presentes no Brasil desde os anos 2000, as residências multiprofissionais são consideradas estratégias de formação importantes para o SUS. Estima-se que as residências têm movido alterações na forma de organização, financiamento e sendo palco de resoluções, as mais diversas, entre essas as estratégias para a construção da multidisciplinariedade visando atender o preceito constitucional de integralidade27. No processo de formação do(a) residente, “a

população, o controle social, a equipe da unidade, as escolas do bairro são convidados(as) a pensar e a produzir espaços de saúde, de qualidade de vida e é neste

ethos que se dá a formação dos residentes. Problemas complexos, respostas coletivas

(p. 14).

A lei 11.129 de 30 de junho de 2005, que institui a Residência em Área Profissional de Saúde e cria a Comissão Nacional de Residência Multiprofissional em

(23)

Saúde (CNRMS), tenta operar a união dos saberes na prática de formação profissional, ampliando o número de categorias profissionais em um espaço formador e interprofissional. O objetivo é responder às demandas de uma assistência em saúde que, com o SUS, passa a reconhecer os determinantes sociais da saúde e suas implicações na vida das pessoas. Essa mudança de paradigma do pensar e fazer saúde gera demandas reprimidas e o anseio da população por um tratamento igualitário, baseado no atendimento aos direitos individuais e coletivos27.

As residências são uma pós-graduação de modalidade Lato Sensu, tendo como proposta a formação em serviço. Esse modelo de formação, por se aproximar as demandas sociais e culturais, hábitos e costumes da população, amplia o entendimento das necessidades da comunidade e a leitura científica dos problemas de saúde. O resultado é a entrega de um serviço de sistema de saúde pública contextualizado culturalmente e em consonância com as demandas e processos da comunidade27.

Atualmente há no Brasil cerca de 1.618 PRMS cadastrados no MEC, de acordo com dados do Sistema da Comissão Nacional de Residência Multiprofissional em Saúde29 (SisCNRMS) informados pela Equipe Técnica da Residência

Multiprofissional, em fevereiro de 2020. Considerada Integrada ou Multiprofissional as residências se distribuem pelas diversas categorias profissionais e linhas de cuidado, tais como: Saúde Mental, Atenção Básica, Saúde da Família e Comunidade, Residência Integrada nas mais diversas áreas, Criança e Adolescente, Terapia Intensiva Adulto, Apoio Diagnóstico, Materno-infantil, Urgência e Trauma, Atenção à Saúde da Mulher. Os cursos contam com uma carga horária de 5.760 horas. São 60hs semanais com dedicação exclusiva29, nos espaços hospitalares e atenção primária.

No Rio Grande do Norte os PRMS iniciaram em 2010 e atualmente somam 26 residências. Dezenove delas são oferecidas pela UFRN e ocorrem nos Hospitais Universitários (HUs), Centros Especializados e Atenção Primária em Natal, Santa Cruz e Caicó. Duas são oferecidas pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Outras duas são oferecidas pelo Instituto de Ensino e Pesquisa Alberto Santos Dumont e no Centro de Educação e Pesquisa Anita Garibaldi, em Macaíba. Finalmente, há três na Liga Norte Riograndense Contra o Câncer, em seus dois hospitais especializados29.

(24)

3.2. ENSINO DE ÉTICA E BIOÉTICA: PARA QUE SERVE?

Dentre as disciplinas obrigatórias previstas pelo SUS nos PRMS, encontram-se Ética e Bioética. Ética, em um encontram-sentido amplo, refere-encontram-se ao conjunto de julgamentos relativos ao bem e ao mal, que visam a orientar condutas humanas7. A ética, ou

filosofia moral, é um campo de conhecimento da Filosofia, que se baseia nos conceitos, métodos e explicações próprias da filosofia. Na filosofia, existem diversas visões e teorias sobre ética. Sintetizamos algumas delas no quadro 1, já apresentado na “Introdução” deste trabalho.

A Bioética é um dos campos da ética aplicada. Para Potter1,14 ela delimita um

campo de conhecimento que visa a proteção da vida e da condição humana, combinando responsabilidade, competência intercultural e interdisciplinar. O campo da bioética abrange vários setores, desde a reflexão sobre experimentação com seres humanos, responsabilidade médica, aborto, status da vida, eugenismo, transumanismo, obstinação terapêutica, estatuto do corpo humano, medicalização da vida, acesso à saúde, entre outros. A formação em ética e bioética nas profissões da saúde é fundamental para mediar e orientar a tomada de decisão em situações práticas da atuação profissional. Autores ressaltam o relevo da formação ética e bioética em situações cotidianas, como ocorre no caso dos espaços de prática das residências28. Nessas ocasiões, quando trabalhando com tarefas diárias conhecidas

por residentes e preceptores, os exemplos são fundamentais para o exercício da tomada de decisão com critérios éticos, e para avaliação de como executamos, a fim de melhorar o senso ético de nossas ações. Diversas questões que causam impacto na saúde das pessoas, populações, podem ser mais bem encaminhadas com o apoio das duas disciplinas, ética e bioética. Essas disciplinas favorecem a reflexão constante sobre a vida e a saúde em seus diferentes aspectos, ampliando a possibilidade de uma tomada de decisão mais aproximada da realidade das pessoas e situações vividas6.

Fato é que a educação em bioética no Brasil frequentemente é reduzida à ética profissional, pautada na compreensão de condutas com base em códigos deontológicos. Ribeiro e Julio30, com o estudo “Reflexões sobre erro e educação médica em Minas Gerais”, apontam que dentre as 26 instituições de ensino médico

(25)

disciplina de Bioética, três a disciplina de Deontologia e as demais escolas ofereciam a disciplina direcionada especificamente ao código de ética médica. Além disso, o EEB, em sua análise, demonstrou não ter uma filiação teórica com abordagens que contemplem soluções para conflitos éticos que atingem a humanidade. Em uma comunidade humana global, a abordagem desses conflitos é fundamental, especialmente aqueles que afetam os grupos historicamente prejudicados pelos processos de colonização e globalização, envolvendo: violação de direitos humanos, desigualdades no acesso à saúde, violência e guerra, mudanças climáticas, entre outros conflitos éticos eminentemente globais14.

Alguns desses conflitos são apontados por Hans Jonas13, em sua obra O Princípio da Responsabilidade: ensaio para uma ética da civilização tecnológica. O

autor é alemão, viveu entre os anos de 1903 e 1993 e sua obra teve a primeira publicação em alemão no final da década de 1970. Jonas traz a reflexão sobre responsabilidade individual e coletiva frente às possibilidades e o futuro da vida humana e planetária. A reflexão do autor é justificada pela sua história como sobrevivente das duas grandes guerras mundiais e da Guerra Fria. Pautando-se nos problemas éticos sociais gerados pelo avanço tecnológico da sua época o autor argumenta que a humanidade pode entrar em um estado de autodestruição, caso não se esforce para cuidar do planeta e do futuro. Em sua obra, corresponsabiliza a espécie humana pela possibilidade de utilizar o avanço tecnológico de forma inadequada13 e, em sua avaliação, antiética. Entre várias possibilidades, o alicerce

desse descontrole, está, por exemplo, no descaso do poder público em proteger e melhorar as condições de vida no que se refere ao bem-estar dos povos e demais espécies vivas.

Assim como Hans Jonas, considerando a pertinência da abordagem ampla sobre ética e bioética, outros autores apontam a necessidade de um ensino de bioética que contemple uma visão que extrapole as dimensões da ética profissional e da abordagem biomédica. Goldim31, por exemplo, constrói a crítica da seguinte forma:

[...] a bioética contemporânea, por vezes, ficou reduzida ao âmbito das questões de ética médica (consentimento informado, princípios, relação médico-paciente, direitos do paciente etc.) e que faz-se preciso a ampliação da bioética com formulação da bioética integrativa: É necessário que a bioética seja substancialmente ampliada e transformada conceitual e metodologicamente, para que possa considerar as diferentes perspectivas

(26)

culturais, científicas, filosóficas e éticas (abordagem pluralista), integrando estas perspectivas em termos de conhecimentos que orientem e de ações práticas (abordagem integrativa). (p. 587, 8)

Edgar Morin32 igualmente defende a ideia de uma ética que extrapola o

indivíduo e que ele divide em três conceitos principais: a autoética, que envolve uma consciência individual, responsável e que se reconhece como parte de um todo solidário; a socioética, que produz nos indivíduos em uma sociedade o senso de comunidade e irmandade; e a antropoética, que reconhece nossa unidade ancestral como espécie humana. Essas três esferas éticas, para o autor, são os fundamentos da ética e que são inseparáveis para a formação ampla no EEB.

3.3. O CORE CURRÍCULUM DA UNESCO PARA O ENSINO DE ÉTICA E BIOÉTICA Pela amplitude dos conteúdos e visões teóricas propostas e pela objetividade de estruturação o Core Curriculum da Unesco17 vem sendo apontado como um

importante instrumento facilitador para docentes que buscam organizar práticas no EEB visando resultados efetivos na formação de seus estudantes23. Proposto em

2008, o “Core Curriculum” é um currículo fundamental de bioética com a proposta de introduzir os princípios bioéticos da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos a estudantes universitários, de pós-graduação e para programas de educação continuada. A proposta mínima é de pelo menos 30 horas, divididas nos 17 módulos seguintes.

(1) O que é ética (2) O que é bioética

(3) Dignidade e direitos humanos (4) Benefício e dano

(5) Autonomia e responsabilidade individual (6) Consentimento

(7) Pessoas sem capacidade para consentir

(8) Respeito à vulnerabilidade humana e à integridade pessoal (9) Privacidade e confidencialidade

(10) Igualdade, justiça e equidade

(11) Não discriminação e não estigmatização (12) Respeito à diversidade cultural e ao pluralismo (13) Solidariedade e cooperação

(14) Responsabilidade social e saúde (15) Partilha de benefícios

(16) Proteção das gerações futuras

(27)

O exercício de religação de diversas visões teóricas sobre ética e bioética é evidente nesta proposta apresentada pela Unesco. Alguns temas apresentados são familiares para profissionais da saúde, outros nem tanto. Tomemos como exemplo o módulo 17, “Proteção do meio ambiente, da biosfera e da biodiversidade”. Como esse tema se relaciona com a saúde humana e por que ele deve constar em um programa de EEB? A pandemia corrente do Sars-CoV-2, causador da COVID-19, pode nos ajudar a responder a primeira parte dessa questão. Alterações antrópicas (ou seja, causadas pelo homem) no ambiente, tais como o desmatamento, alteram o equilíbrio do ecossistema e aumentam a probabilidade de que os vírus encontrem hospedeiros intermediários33. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais34 (INPE)

mostram que já desmatamos mais de 700.000 km² da floresta Amazônica, o que nas comparações feitas em seu website equivaleriam a: 23 Bélgicas, 17 Holandas ou ainda a 172.839.500 campos de futebol. O impacto desta devastação sobre a saúde humana nos vem sendo ensinado cotidianamente pela “cruel pedagogia do vírus”, para usar a expressão do teórico Boaventura de Sousa Santos35. Além de milhares

de mortos, o bem-estar social de milhares de pessoas encontra-se em ameaça e sistemas econômicos encontra-se desmantelados como nunca estiveram antes.

Portanto, meio ambiente e saúde humana encontra-se intrinsecamente conectados, o que justificaria sua abordagem na formação em saúde. Mas por que esse tema deve constar em um programa de EEB? O debate ético pautado na busca das motivações ligadas ao desmatamento abre o caminho para questionarmos a validade de um contrato social que negocia com a destruição de outras formas de vida, produção de surtos zoonóticos em massa, tomada de terra de comunidades e povos tradicionais, reforço de iniquidades sociais, aquecimento global33, 35, 36 tais

como14, 18, 34 e tantas outras contribuições. Tratar com naturalidade aquilo que não

convém (ex., desmatamento, garimpagem, pandemias) é ação egoísta e que não se orienta pelo agir humano baseado em valores éticos. Os recursos naturais que hoje existem são fundamentais para sobrevivência de outras espécies vivas e para entrega de serviços ecossistêmicos de uso coletivo (ex., polinização, mitigação do clima, fertilização do solo), e não para que uma pequena parcela da sociedade atinja seus objetivos egoísticas de acúmulo de capital econômico e político36. Discutir a inversão

(28)

reflexão ética, é central para qualquer curso que pretende oferecer diretrizes básicas sobre ética e bioética37.

Considerando a amplitude de visões e teorias expressos nos 17 módulos do currículo básico da Unesco, acreditamos, como outros autores, que ele é uma referência importante para orientar a construção de cursos focados no EEB.

(29)

4. MÉTODOS

4.1. TIPO DE ESTUDO

A presente pesquisa é qualitativa do tipo descritiva, com objetivos de caracterização de variáveis (EEB nos PRMS, conhecimentos e percepção dos preceptores sobre o tema). Quanto à técnica trata-se de um estudo de caso, pois busca descrever ou reconstruir um caso de forma detalhada em seu contexto38,

considerando os PRMS na unidade UFRN.

Quanto ao produto desse estudo, optamos pela elaboração de um artigo. Esta escolha foi fruto de um aprofundamento nas análises dos PRMS, da investigação acerca do tema em si, no caso a bioética e das percepções dos(as) preceptores(as) dos PRMS. Compreendendo sua importância, percebemos que para colaborar com o processo formativo da residência precisaríamos que as percepções no âmbito da formação fossem avaliadas por quem acompanha de perto esse processo na prática. Foi quando percebemos que essas pessoas pouco sabiam ou nem sabiam que existia essa matéria na residência e tão pouco conheciam os PP. Foi então que após as análises de todas as entrevistas, percebemos que foram saturadas no limite de 11, pois 99% dos(as) entrevistados desconheciam a existência desse tema.

Com isso, por volta de fevereiro do ano corrente a ideia de um artigo foi sendo amadurecida e construímos várias introduções baseadas no significado de bioética, entendendo suas referências teóricas, os marcos e acontecimentos que transformaram o modo de pensar e agir diante dos conflitos e dilemas vivenciados pela humanidade, as implicações na área da saúde, compreendendo-a em sua totalidade. Encontramos um problema que tanto se relacionava com os aspectos teórico/práticos da formação dos profissionais de saúde na residência, quanto com a percepção das pessoas que conduzem os (as) residentes nos cenários de prática. Desta forma a pesquisa proporcionou esse aprofundamento e consequentemente nos levou a divulgar essa descoberta à comunidade acadêmica, para que pudesse ser analisada e discutida. Acreditamos que é a partir da formação que podemos alterar o processo de aprendizagem que por si altera a forma de gerir saúde.

(30)

4.2. CENÁRIO DO ESTUDO

O cenário do estudo serão os sete PRMS da UFRN, que podem ser visualizados no Figura 1.

Figura 1. Os sete Programas de Residência Multiprofissional em Saúde (PRMS) estudados estão em quatro diferentes hospitais e escolas médicas da UFRN, localizados em três diferentes cidades do estado do Rio Grande do Norte, Brasil. Fonte: elaboração própria.

Esses sete programas abarcam, entre outras profissões, as de Fisioterapia,

Fonoaudiologia, Nutrição, Odontologia, Psicologia, Farmácia e Serviço social. 4.3. PARTICIPANTES DA PESQUISA

Este estudo, se propôs a caracterizar o EEB nos PRMS, considerando a sua proposta teórica e prática. Na perspectiva prática contamos com os (as) preceptores (as) como colaboradores, figurando como participantes da pesquisa. Segundo a Lei 11.129 de 2005, o responsável por instituir a Residência em Área Profissional da Saúde, é o “preceptor, tutor e orientador de serviço” (Art. 16). A proximidade desse ator com o cenário de prática onde se insere o(a) residente nos permitiu conhecer o aspecto prático da formação. Para analisar a proposta teórica analisamos os PP, como explicitaremos a seguir.

(31)

A participação dos(as) preceptores(as) foi informada e consentida. Todos eles (as) participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido e o Termo de Autorização para Gravação de Voz. A pesquisa atende a todos os preceitos éticos delineados na Resolução 466 de 2012 e foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital Universitário Onofre Lopes da UFRN sob o número de protocolo: 3912201.

4.4. CORPUS DA PESQUISA

O corpus da pesquisa é composto dos PP dos PRMS da UFRN, de outros documentos úteis para a caracterização desses programas e das entrevistas semiestruturadas realizadas junto aos (as) preceptores (as).

Os PP solicitados ao Ministério da Educação e Cultura29 e à UFRN com base

na Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011 (Lei de Acesso à informação)39, que

permite a qualquer pessoa requerer e receber informações de toda a administração direta e indireta nas três esferas de todos os Poderes da República (Executivo, Legislativo, Judiciário). Além dos PP, solicitamos: profissões da saúde envolvidas em cada programa, data de autorização, número de alunos, preceptores, professores envolvidos, nome e contato dos coordenadores de cada programa. Outros dados relativos ao currículo e disciplinas foram coletados da plataforma SIGAA, tomando como referência o ano base de 2019.

Não obtivemos acesso ao PP da residência da EMCM por nenhum desses canais. Solicitamos o documento via e-mail ao programa e por não termo obtido retorno, o excluímos do nosso corpus. Todavia, realizamos entrevistas com preceptores da EMCM, o que nos permitiu acessar a proposta prática do EEB. 4.5. COLETA E ANÁLISE DE DADOS

Contatamos, por comunicação eletrônica, os coordenadores (as) dos PRMS da UFRN (Figura 1). Solicitamos indicações de pelo menos três preceptores e preceptoras de cada um dos programas. Ao acaso, contactamos um(a) preceptor(a) de cada programa e enviamos o convite, por e-mail, para participar da pesquisa. Ao receber retorno positivo, fizemos contato telefônico para pactuar horário e local para a realização das entrevistas, respeitando a conveniência dos(as) participantes. No

(32)

caso de indisponibilidade de participação do primeiro nome contatado por nós, utilizamos a segunda e terceira indicação dos(as) coordenadores(as).

No final da entrevista estimulamos o(a) participante para indicar um(a) colega do mesmo programa para participar da pesquisa. Esse método de amostragem é denominado snowball40. As entrevistas de dois a oito aconteceram cada uma em um

programa diferente, seguindo a mesma metodologia utilizada no primeiro programa. Esse procedimento foi repetido até que os dados fornecidos não acrescentassem novidade à coleta, ou seja, quando fosse verificada sua saturação (a saturação buscada foi do conjunto de PRMS e não dos programas em particular). Realizamos, no total, onze entrevistas.

Os dados relativos à percepção dos preceptores foram coletados por meio de entrevista semiestruturada, com uso de gravação de voz. Escolhemos essa técnica porque ela promove a presença consciente e atuante do pesquisador no processo de coleta de informações41 e, além disso, permite o complemento de outras questões

inerentes às circunstâncias à entrevista. As entrevistas foram guiadas com base em roteiro dividido em quatro partes (1) Introdução, onde foram feitos esclarecimentos sobre objetivos da pesquisa e considerações éticas; (2) Dados pessoais, onde coletamos informações socioeconômicas (sexo, idade) e relacionadas à atuação na preceptoria (programa e tempo); (3) Questões centrais (apresentadas a seguir no Quadro 2) e; por fim, (4) Fechamento, contemplando finalização e agradecimento.

Quadro 2- Roteiro contendo questões centrais da entrevista

As entrevistas foram gravadas, após consentimento dos participantes, e na

sequência foram transcritas. Fizemos as transcrições com auxílio do aplicativo AmberScript, cuja configuração foi alterada para transcrições literais. Os áudios foram ouvidos para checar sua qualidade, sendo realizados ajustes e correções, tais como

1. O que você entende por ética e bioética?

2. Na sua opinião como a bioética pode qualificar a atenção em saúde? 3. Como você enxerga a bioética nas suas vivências profissionais na saúde?

4. Como você avalia a formação em bioética dos residentes que chegam até o seu campo de atuação prática?

5. Você tem alguma contribuição para aprimorar o ensino de ética e bioética no programa em que atua?

(33)

pontuação, palavras repetidas na mesma frase e eliminação de ruídos. Na sequência, as entrevistas foram analisadas com base na técnica de análise conteúdo - abordagem do framework42, que consiste em uma série de três etapas

interconectadas, que permitem estabelecer uma relação entre os dados coletados. A primeira etapa consiste na familiarização com os dados, com o fim de estabelecer uma codificação temática do material (sub-dimensões). A segunda etapa, é a descrição, que envolve uma síntese das informações em relação aos temas elucidados em um exercício crescente de codificação dedutiva (subtemas). Finalmente, a terceira é a fase de interpretação, onde os dados serão reduzidos para apresentar resultados em um nível razoável de abstração. Por meio do agrupamento de dados, o número de categorias foi reduzido, colapsando aquelas que estiverem relacionadas a outras categorias mais amplas (temas principais). Um exemplo de aplicação dessa metodologia de análise é fornecido na imagem a seguir (Figura 2).

(34)

Figura 2. Exemplo da análise de framework. Fonte: elaboração própria com base no formato de apresentação sugerido por Pajor et al.42.

Quanto aos projetos pedagógicos e respostas das solicitações de documentos sobre os PRMS ao MEC, foram analisados com base na análise documental, técnica de pesquisa que tem como fonte documentos diversos, analisados em profundidade para que deles sejam extraídas informações e indicações relativas ao objeto de estudo41. Para analisar o componente específico de Ética e Bioética tomamos como

modelo a proposta de currículo base feita pela Unesco, buscando a carga horária dedicada ao EEB, como também os temas abordados no currículo. Os dados relativos à caracterização do programa foram apresentados de forma descritiva43.

Durante o relato dos nossos resultados, indicaremos preceptores(as) e programas por meio pseudônimos. Profissionais serão identificados por letras EEB seguidas de números que indicam a ordem em que a entrevista foi realizada (ensino de ética e bioética, ex., EEB¹); o mesmo raciocínio foi empregado para identificação dos programas, sendo que utilizaremos a sigla PP (projeto pedagógico, ex., PP1).

(35)

5. RESULTADOS E DISCUSSÕES

5.1. ENSINO DE BIOÉTICA NOS PP DOS PRMS

Com a análise documental, verificamos que os programas relatam estarem alinhados com a formação de profissionais aptos para realizarem as ações de prevenção, promoção, proteção e reabilitação da saúde, teoricamente, dentro dos princípios da ética e bioética. Todavia, verificamos que a carga horária dispensada para o ensino de bioética (20 horas, ver Figura 3) é aproximadamente 33% inferior àquela sugerida pelo currículo base da Unesco e que seus temas dispostos na ementa da disciplina específica contemplam diretamente apenas três dos 17 módulos propostos pelo mesmo documento, ou seja, cerca de 18%.

Acreditamos que a abordagem dos conteúdos de ética e de bioética que acontece de forma transversal em outros componentes ajudam a minimizar essa lacuna, aumentando esses módulos para 11 (~65%). Além disso, não verificamos nos PP um indicativo sobre pressupostos que guiam a abordagem teórica do ensino de ética e bioética nos cursos.

Desta forma é possível verificar na figura 3, como o EEB é caracterizado nos PRMS, a partir de uma síntese que indica tanto o componente principal, quanto possíveis alternativas para esse ensino a partir da oferta de disciplinas nos Eixos Transversais Comuns e Específicos dos currículos.

(36)

Figura 3. Caracterização do EEB nos PRMS.

Fonte: elaborado pela autora

A matriz curricular dos PRMS28 encontra-se dividida da seguinte forma: Eixo Transversal Comum, com carga horária total de 410 horas, das quais 20 referem-se

ao componente Ética e Bioética; Eixo Transversal da Área de Concentração, com carga horária total de 420 horas; e, por fim, o Eixo Específico com 322 horas, totalizando 1152 horas de carga horária teórica. A carga horária prática, que ocorre sob supervisão dos(as) preceptores(as), corresponde a 4608 horas. A carga horária total dos programas é de 5.760 horas, distribuídas em 24 meses, em tempo integral.

O componente específico Ética e Bioética é ofertado no Eixo Transversal Comum e corresponde à menos de 5% da carga horária deste eixo, menos de 2% da carga teórica total e menos de 0,5% da carga horária total dos programas. É importante destacar ainda que essa carga horária contempla conteúdos de Ética e

Bioética e não apenas, Bioética. Na Figura 3 resumimos as principais características

deste componente.

A carga horária de 20h encontra-se abaixo daquela sugerida pela Unesco. São raros os estudos que analisam as cargas horárias referentes ao ensino de ética e

(37)

bioética nos programas de graduação e pós em saúde. Um estudo22 que analisou as

horas dispensadas para o ensino de ética e bioética na formação médica em países do sudeste da Europa verificou uma média de 27,1 h. Dentre os países estavam: Bulgária e Macedônia com 30h, Croácia com 50h e Bósnia com 60h.

Segundo os PRMS, a disciplina de Bioética é ministrada no primeiro ano da residência com o objetivo de suscitar a reflexão quanto aos desafios da contemporaneidade e aos aspectos relacionados a saúde, apresentar e discutir possibilidades para um tratamento digno. Os temas bioéticos expressos nos PP28

alcançariam sua globalidade se aplicados a conceitos que vão desde o reconhecimento da vida e do indivíduo em tratamento até o impacto dos determinantes sociais e ambientais na saúde. O conteúdo da ementa, todavia, limita-se à abordagem conceitual da ética e bioética, com aplicações diversas e não especificadas ao campo da saúde, deixando de fora da ementa temas como dignidade e direitos humanos, igualdade, justiça e equidade, respeito à diversidade cultural e ao pluralismo, solidariedade e cooperação, proteção de gerações futuras, do meio ambiente, da biosfera e da biodiversidade. Ainda assim, destacamos que é desafiador supor o que está sendo ensinado sob o texto descrito na ementa, visto que o PP não sinaliza referencial teórico.

A abordagem desses temas ficaria, portanto, à cargo dos professores, que assumindo o componente podem ou não oferecer uma visão ampliada da bioética. Nesse sentido, a formação dos docentes envolvidos no componente (Psicologia, Odontologia, Direito e Biologia), considerando a sua oferta no ano de 2019, de acordo com dados da Plataforma Sigaa da UFRN, pode limitar a abordagem dos problemas mais relacionados à abordagem social e ambiental da bioética.

Nos Eixo Transversal Comum e no Específico, conseguimos selecionar oito componentes que mencionam abordagem ética e bioética, bem como o conteúdo da ementa que se relaciona com essa abordagem (ver Figura 3). Conforme observamos, no Eixo Transversal Comum a abordagem amplia-se e passa a adotar o tema dos (1) conflitos de interesse ligados ao uso racional de medicamentos, que envolvem reflexão sobre ética profissional, responsabilidade social e saúde. Há ainda a abordagem da (2) ética em pesquisa, que envolve principalmente os temas relacionados ao benefício e dano, autonomia e responsabilidade individual,

(38)

consentimento, pessoas sem capacidade para consentir, privacidade e confidencialidade. Por fim, a discussão sobre (3) políticas de saúde, viabilizam o debate sobre direitos humanos, respeito à integridade, igualdade, justiça e equidade. No Eixo Específico destacamos que a abordagem sobre ética e bioética se encontra limitada aos residentes com formação em Psicologia e Serviço Social, conforme indicado entre parêntesis (Figura 3). Nesse caso, a abordagem tem o recorte profissional. No caso dos estudantes de Psicologia, sob o tema dos cuidados paliativos, há o reforço da abordagem da ética médica na prática clínica dirigida ao indivíduo, novamente com os temas relacionados ao benefício e dano, autonomia e responsabilidade individual, consentimento, pessoas sem capacidade para consentir, privacidade e confidencialidade.

Todas essas discussões bioéticas relacionadas à vida individual estão mais ligadas a uma bioética principialista. Esse modelo tem forte conotação individual, cuja base de sustentação repousa sobre a autonomia dos sujeitos sociais, conforme discorre Garrafa4. Uma das consequências dessa abordagem é a exigência de

aplicação dos chamados Termos de Consentimento Informado (TCI). No caso dos estudantes de Serviço Social, os temas dos determinantes sociais e da política, retomam o debate sobre direitos humanos, respeito à integridade, igualdade, justiça e equidade.

Portanto, a partir dos conteúdos dispostos nas ementas, acreditamos que os módulos propostos pela UNESCO de (1) não discriminação e não estigmatização, (2) Respeito à diversidade cultural e ao pluralismo, (3) solidariedade e cooperação, (4) partilha de benefícios, (5) proteção de gerações futuras e, por fim, (6) proteção do meio ambiente, da biosfera e da biodiversidade, não sejam abordados nos PRMS dos hospitais da UFRN. Todavia, devido à falta de especificidade das ementas não podemos afirmar que este seja o cenário.

O que parece ficar evidente é a lacuna quanto aos temas da diversidade cultural e outros que se relacionam com a sustentabilidade ambiental, tais como a proteção de gerações futuras, do meio ambiente, da biosfera e da biodiversidade. A inclusão de módulos com essa temática significaria um salto qualitativo na abordagem da ética e bioética, dentro de uma ética mais global, conforme defende Potter14 quando afirma

(39)

bioética global, que inclui não só a bioética médica, mas também a bioética ecológica que tem como núcleo os conceitos gêmeos de saúde pessoal”. (p. 161)

Conforme mencionamos, os PP também não mencionam uma visão teórica que guie a abordagem do ensino de ética e bioética nos PRMS. Todavia, considerando os conteúdos apresentados na Figura 3, percebe-se a prevalência de uma abordagem direcionada pela ética médica, com uma reflexão primordialmente principialista. Apenas no Eixo Específico de Serviço Social percebe-se uma aproximação com a ética da intervenção. Também não podemos afirmar que a prática discorra desta forma, visto que o PP não especifica.

Os temas bioéticos expressos nos PP, portanto, alcançam sua globalidade quando são aplicados conceitos que vão desde o reconhecimento da vida e do indivíduo em tratamento até o impacto dos determinantes sociais e ambientais na saúde. Ao que podemos observar, os PP consideram temas mais biomédicos que sistêmicos, mais individuais do que coletivos. O que demonstra que há um longo caminho a ser trilhado, o que implica rever o compromisso com a realização histórica de valores e das condições determinadas pelas situações sociais e políticas5.

Os aspectos relacionados ao ensino de ética e bioética no campo de prática, que corresponde a 4608 das 5670h, aproximadamente 81% da carga horária dos programas, serão analisados no próximo capítulo, a partir da visão dos(as) preceptores(as) sobre o tema.

5.2. ENSINO DE BIOÉTICA NA VISÃO DOS PRECEPTORES DOS PRMS

Nesta seção caracterizar o conhecimento dos(as) preceptores(as) sobre ética e bioética e sua percepção sobre o EEB no PRMS. Para atingir esses objetivos, realizamos 11 entrevistas, sendo: 10 com preceptoras das áreas de psicologia, enfermagem, serviço social, fisioterapia, farmácia e medicina; e uma com um preceptor de farmácia. As idades dos(as) participantes variaram entre 30 e 69 anos. Quanto ao tempo de exercício da preceptoria, oscila entre 01 a 10 anos. Esses profissionais exerciam suas funções nos hospitais universitários MEJC, HUAB, HUOL e na Atenção Básica da EMCM. Uma preceptora acompanhou residentes do HUOL no Hospital Santa Catarina. A Figura 4 resume nossos principais resultados.

(40)

Figura 4. O que os preceptores dos PRMS pensam sobre Ética e Bioética

Visão de preceptores sobre o EEB nos PRMS

Fonte: elaboração própria

5.2.1. Conhecimento do(as) preceptor(as) sobre ética e bioética

O conhecimento dos(as) participantes da pesquisa sobre ética e bioética oscila entre a perspectiva teórica da ética principialista, com foco no paradigma biomédico e no indivíduo; e a perspectiva da ética profissional, onde ética é sinônimo de conduta esperada e de obediência a procedimentos e protocolos. A seguir, apresentamos falas ilustrativas desta análise:

[...] Entendo que é o estudo de valores e princípios voltados para a vida, a vida humana,

que está relacionada também à questão dos princípios da beneficência e eficiência, da justiça social. EEB4

[...] É a ética profissional aplicada às pesquisas...é também aplicado aos atendimentos,

(41)

[...] É um estudo que vai analisar os problemas morais, tem a ver com pesquisas

científicas, com atuação dos profissionais nas suas áreas de intervenção junto aos seus usuários, pacientes. Estudo que visa as implicações morais e éticas que envolve a vida do ser humano. EEB5

Percebemos que, no geral, há baixa compreensão da ética como forma de intervenção no mundo e a compreensão se baseia na formação acadêmica de cada participante. Há, todavia, algumas exceções. Há participantes que conseguem ampliar seu olhar em direção a uma visão pautada na ética da intervenção, com foco no coletivo. Conforme exemplo a seguir, onde um(a) preceptor(a) menciona sua compreensão ampliada de bioética.

[...] Bioética é uma área de estudo transdisciplinar (que reúne conhecimentos da ciência,

biologia, filosofia, direito, religião, sociologia, dentre outras áreas) e que estabelece princípios norteadores aos profissionais no julgamento e tomadas de decisões, principalmente nas situações vividas nos cenários de saúde que possam vir a convergir em conflitos éticos. Acredito que a bioética seja a responsável por trazer princípios e valores que possam ser utilizados como parâmetros orientativos, principalmente de conduta, aos profissionais da área da saúde. EEB10

Não nos surpreendeu o fato de que a visão dos preceptores não atingisse níveis mais ampliados na compreensão de ética e bioética. A educação em bioética no Brasil frequentemente é reduzida à ética profissional, pautada na compreensão de condutas com base em códigos deontológicos. Ribeiro e Julio30, com o estudo “Reflexões sobre erro e educação médica em Minas Gerais”, apontam que dentre as 26 instituições de

ensino médico estudadas por eles, apenas nove ofereciam a disciplina de Ética, oito ofereciam a disciplina de Bioética, três a disciplina de Deontologia e as demais escolas ofereciam a disciplina direcionada especificamente ao código de ética médica. Além disso, o EEB, em sua análise, como na nossa, demonstrou não ter uma filiação teórica com abordagens que contemplem soluções para conflitos éticos que atingem a humanidade. Em uma comunidade humana global, a abordagem desses conflitos é fundamental, especialmente aqueles que afetam os grupos historicamente prejudicados pelos processos de colonização e globalização, envolvendo: violação de direitos humanos, desigualdades no acesso à saúde, violência e guerra, mudanças climáticas, entre outros conflitos éticos eminentemente globais14.

Referências

Documentos relacionados

Inspecção Visual Há inspeccionar não só os aspectos construtivos do colector como observar e controlar a comutação (em

Além desta verificação, via SIAPE, o servidor assina Termo de Responsabilidade e Compromisso (anexo do formulário de requerimento) constando que não é custeado

De acordo com o Consed (2011), o cursista deve ter em mente os pressupostos básicos que sustentam a formulação do Progestão, tanto do ponto de vista do gerenciamento

A mãe do Roberto, antes de sair – tem sempre alguma coisa para fazer, o seu curso de Italiano, a inauguração de uma exposição, um encontro no clube de ténis –, faz- -lhe

avaliação e resolução de conflitos morais relacionados às situações de vida e do viver de seres humanos (e dos animais não humanos).. Adaptada de

A Figura 17 apresenta os resultados obtidos por meio da análise de DSC para a amostra inicial da blenda PBAT/PHBH-0 e para as amostras PBAT/PHBH-4, PBAT/PHBH-8 e

(grifos nossos). b) Em observância ao princípio da impessoalidade, a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, vez que é

Frondes fasciculadas, não adpressas ao substrato, levemente dimórficas; as estéreis com 16-27 cm de comprimento e 9,0-12 cm de largura; pecíolo com 6,0-10,0 cm de